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INSTITUTO DD8 CEGOS
José Alves de Azevedo, cégo educado em Pariz, regressando ao
Brazil, sua patria, cuidou em fundar no Rio de Janeiro: um instituto
onde seus companheiros de infortunio, os que como eIle soffrião a
desgraça da cegueira podessem ser recebidos, amparados e instruidos. Terminara brilhantemente o curso de estudo no instituto dos cégos de Pariz, colhera as melhores approvações, e merecera dos professores repetidos elogios. Moço intelligente, illustrado, conhecedor
de todos os processos para o ensino especial dos cégos, dotado de genio emprehendedor, de espírito bemfazejo, era José Alves de Azevedo
o predistinado para ensinar no Brazil aos que, como elle, não podendo
vêr, não podião aprender; era, porém, pobre, e para realizar sua
idéa precisava de recursos que a fortuna lhe não concedera.
Vendo que não podia crear a escola para os cégos, tentou tornar conhecido o methodo que os instruía; e sabendo que o Dr. José
Francisco Xavier Sigaud tinha uma filha céga offereceu-se o cégo
para ensinar a menina céga.
Em pouco tempo manifestou tantos progressos essa menina que
reconheceu-se ser o mestre muito hábil e a discípula muito intelligente.
98
o
RIO DE JANEiRO
Sabendo o Dr. Sigaud do projecto que nutria Alves de Azevedo
de estabelecer um instituto para os privados da vista, como medico da
casa imperial apresentou ao Imperador o moço cego, que expondo
sua idéa, foi elogiado e acolhido com benevolencia ; o Imperador louvou-o, animou-o em seus humanitarios desejos e prometteu favorecel- o
em tudo que estivesse a seu alcance.
Era então ministro do imperio o Dr. Luiz Pedreira do Conto Ferraz, hoje visconde do Bom Retiro, que comprehendeu a utilidade e
importancia do projecto de Alves de Azevedo, e adoptou-o logo como
seu; propoz e obteve da assembléa legislativa autorisação para fundar
na cõrte um instituto de cégos,e dous dias depois publicava o seguinte
decreto:
« Hei por bem, em virtude da autorisação concedida no § 2° do
art. 2° do decreto n. 781 de 10 do corrente mez, crear nesta córte
um instituto denominado-Imperial
Instituto dos Meninos Cégoso qual se regerá provisoriamente pelo regulamento, que com este
baixa, assignado por Luiz Pedreira do Couto Ferraz, do meu conselho, ministro e secretario de estado dos negocios do imperio, que
assim o tenha entendido e faça executar.-Palacio
do Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1854, 33° da independencia e do Imperio,
com a rubrica de Sua Magestade o Imperador. »
Fõrão nomeados director o Dr. Xavier Sigaud, vice-director e
capellão o conego Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro ('1), e
professor de instrucção primaria José Alves de Azevedo, que fez presente ao Instituto de sua bibliotheca em pontos, e de todas as machínas de escrípta e chapas de algarismos para o estudo da arithmetica.
Mas poucos dias antes da ínstallação do Instituto falleceu o philantropico cégo, que tanto concorrera para crear-se em seu paiz um es·
tabelecimento em que os infelizes como elle podessem adquerir instrucção que tanto lhe custara obter em terra estranha.
(1) Em 15 de janeiro de 1876 falleceu com pouco mais de 50
annos o conego DI'. Joaquim Caetano Fernandes Pinherro , commendador da ordem de Christo, chrcnista
do Irnper io , professor de
rhetorica e litteratura no collegio de Pedro II, secretario do Instituto Historico, socio de muitas sociedades litterarias, e autor de di'versas obras historicas de primoroso lavor, que são munumentos
de seu nome.
o mo
DE JANEIRO
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Foi esse cégo o anjo de olhos vendados que veio ensinar a derramar luz no espirito dos que, como elle, tinhão olhos fechados para
a luz; foi o primeiro guia, cégo é verdade, dos que precisão que
todos os guiem, foi o primeiro mestre dos que vivem em noite continua, e se não experimentou o prazer de assistir á inauguração do instituto, teve a grande consolação de ter sido sua idéa adoptada e
a de deixar seu nome gravado na instituição mais humanitária do
paiz.
Em 17 de setembro de 1854 inaugurou-se o Instituto dos cegos
na chacara n.3 do morro da Saúde, proximo a praia do Lazareto,
assistindo ao acto as pessoas imperiaes, o ministro do imperio, o
director, o vice-dírector e numeroso concurso de expectadores de ambos os sexos; nesse dia a arvore da caridade reverdeceu, e deu os
mais sazonados fructos na terra de Santa Cruz.
Mas o prejuiso popular da inaptidão do cego para tudo, a crença
então corrente de que quem não podia ver nada podia aprender contribuío para o definhamento da instituição; poucos alumnos matricularãose, e pouco se ensinava porque o curso de estudo era de tres annos,
composto de materias que constituem a instrucção primaria elementar.
Estava, porem, confiado o Instituto a um homem intelligente e
emprehendedor como era o illustrado Dr _ Xavier Sigaud e assim não
podia mais desapparecer ; esforçou-se elle por desvanecer o preconceito que supõe no cego a atrophia de todas as faculdades; procurou
dar vida a instituição; mandou publicar pela imprensa extensos artigos
explicando os methodos especiaes do ensino, os resultados colhidos
em outras nações; ajudava-o nessa cruzada da caridade e da sciencia,
o douto conego Fernandes Pinheiro; dava a maior publicidade aos
exames dos alumnos convidando para esse acto grande concurso de
assistentes; porfiava para apresentarem os discipulos provas de sua
aptidão e aproveitamento; assim foi destruindo os infundados prejuizos
da inutilidade dos cegos, cooperando para que esses por si mesmos
protestassem e provassem que para viver não precisavão estender a
mão caridade publica; e conseguia que todos comprehendessem que
os cegos podião ler, escrever, contar, estudar musica e instruir-se nos
preceitos da religião catholica.
á
100
o mo GE HNEmo
Eql10 de outubro de 1856 o anjo da morte veio afastar o Dr.
Sigaud de sua missão caridosa levando-o para o tumulo.(1)
Vio o Instituto partida a principal columna que o sustentara, viose privado do guia dos seus primeiros passos, e os meninos cegos de
seu amigo e pai, daquelle que ensinara-lhes a serem homens, e que
em seu espirito derramara a luz mais util e mais brilhante-a da
sciencia.
Nomeado director do Instituto por decreto do 15 de outubro desse
anno, o Dr. Claudio Luiz da Costa tomou posse no dia 26.
Nos traços biographicos que acompanhão este capitulo vem relatada a vida deste cidadão, que dedicado e zeloso no exercício de
seu cargo, contribuio para o progresso fio estabelecimento, elevou-o
e engrandeceu-o; tudo applicou, intetligencia, vontade e perseverança para minorar os rigores da sorte dos cégos , fez de seu emprego um sacerdocio e teve o dom de tornar-se conhecido e estimado
pelos entes sem vista que dirigia; reformou o regulamento, fundou
as officinas typographica e de encadernação, creou uma banda de
musica, e dividio o curso em oito annos, comprehendendo na parte
-moral e litteraria as seguintes matérias, leitura, escripta, cathecismo,
explicação do evangelho, grammatica nacional, franeez, arithmetica,
(1) Nasceu José Francisco Xavier Sigaud em Marselha a 2 de
"dezembro de 1796; começou seus estudos medicos em Montpellier e. os
concluio em Strasburgo em 7 de setembro de 1818; foi cirurgião
interno do hospital de Lyão; secretario da sociedade real de medicina de Marselha e creou nessa occasião o periodico Asclepiades que
durou de 1823 a 1825. Neste anno chegou ao Rio de Janeiro, onde
.começou a publicar o period ico Propagado r das sciencias medicas;
em sua casa na rua do Rosario, teve lugar em 28 de março de 1829, a
primeira reunião com o fim de se estabelecer a sociedade de medicina, hoje academia imperial de medicina ;formulou
os estatutos,
serv io de presidente dessa associação; publicou em 18310 perio dico
Semanario da Saude Publica: depois o periodico Diario da Saude ;
compoz a obra «Du Cli mat» et des maladies du Bresil pela qual recebeu de rei Luiz Felippe uma carta autographa, a cruz da legião de
Honrae um rico annel ; em 1854 naturalizou-se brazileiro, e apezar
de valetud inario aceitou a directoria do Instituto dos cegos. Foi
medico da casa imperial, cavalleiro da ordem imperial do Cruzeiro
homem muito douto e secie de diversas sociedades litterarias.
o RIO
DE JANEIRO
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algebra até equações do segundo gráo, geometria, principios geraes
de mecanica, physica, chimica, histeria e geographia; no ensino professional, musica vocal e instrumental, harmonia, regras de contraponto e instrumentação,
arte typographica, de encadernação, e afinação de piano para os alumnos ; musica e trabalhos de agulha para
as alumnas.
Sob a administração desse caritativo director o numero dos alumnos augmentou, contando em 1860 vinte seis, oito femeninos e
dezoito masculinos; em 17 de junho de 1864 conseguia mudar O'
Instituto para uma casa mais vasta, situada na praça da Acclamação,
alugada ao conde de Baependy; e depois de bons e valiosos serviços
prestados aos meninos cégos habilitando-os para a vida e para o
seio da sociedade, falleceu em 1869 esse dedicado e venerando
cidadão.
Por portaria de 28 de maio desse anno foi nomeado director
interino o Dr. Benjamim Constant Botelhc de Magalhães, que por decreto de 7 de julho passou a director effectivo, cargo que ainda
exerce.
Solicito em seus deveres tem o actual director cooperado para o
engrandecimento da instituição; obteve do governo o augmento da
casa do Instituto, projectou e formulou os estatutos de uma associação intitulada-Protectora
dos Cegos Desvalidos-com o fim do for- necer ao Estado os fundos precisos para manter este Instituto e outros
que se possão estabelecer em diversas provincias do Império ; representou sobre a necessidade de se reorganizar o estabelecimento, e
do senado pende a approvação do projecto de reforma, melhorando e
satisfazendo as necessidades mais urgentes e importantes da instituição, como são o augmento do numero dos alumnos, conveniente desenvolvimento -da instrucção theorica e pratica, desenvolvimento das
officinas existentes, creação de outras, aperfeiçoamento do ensino
vocal e instrumental, fundação do patrimonio do Instituto, creação de
institutos provinciaes nas principaes provincias do Império, casas de
trabalho para os cegos e outras medidas urgentes e ha muito reclamadas. Tem o digno director procurado introduzir industrias novas
para fornecer aos cégos meios de decente subsistencia ; ensaiou com
bons resultados o fabr.co de traques chamados da China, e o de cigarros; não ha medida util e humanitária para os privados da vista
13
102
o aro
DE JANEIRO
que deixe de lembrar ao governo, entre outras a de terem os cégos
um palacio vasto para moradia; e em recompensa de sua dedicação
pelo serviço publico foi condecorado, assim como todos os professores
antigos da casa, em fevereiro de 1872.
Tendo o governo resolvido construir um edificio apropriado e
de grande dimensão para moradia e ensino de meninos cegos de ambos
os sexos, o Imperador D. Pedro Il tornou-se o primeiro bemfeitor offerecendo o terreno para a edificação. Eis o decreto da doação feita
pelo piedoso e illustrado príncipe :
« Hei por bem autorisar a Nicoláo Antonio Nogueira Valle da
Gama, do meu conselho, mordomo de minha imperial casa, para mandar lavrar, com as formalidades legaes, escriptura da doação que
faço ao Imperial Instituto dos Meninos Cegos de um terreno, contiguo ao Hospicio de Pedro II na Praia Vermelha, com cem braças de
frente e os fundos que deveráõ ser medidos e demarcados, o qual me
pertence por olferta que aceitei de José Ribeiro Monteiro, quando o
houve por compra feita em 9 de setembro de 1846,- a D. Jacintha
Rosa de Castro.
Palacio da Boa-Vista, em 14 de Maio de 1872, quinquagesimo
primeiro da independencia e do Imperio. Com a rubrica de S. Magestade o Imperador.-Nicoláo
Nogueira Valle da Gama.
'J)
Encarregado de dar a planta dos compartimentos e divisão do
edificio apresentou o Dr. Benjamim Constant Botelho de Magalhães
seu trabalho ao ministro do imperio que approvou-o por aviso de 22
de maio de 1872; ao architecto Francisco Joaquim Bethencourt da
Silva incumbio o governo do desenho da construcção.
Em 7 de junho autorisou o ministro do império o lançamento da
pedra fundamental do novo edificio, ceremonia que executou-se em
presença da familia imperial,do ministro, commissario do governo,
director e professores do Instituto e muitas pessoas de distincção.
Armara-se no lugar um pavilhão, postando-se em frente uma guarda de honra do batalhão de engenheiros. Principiou o acto pela distribuição dos premios aos alumnos do Instituto, entregando-os o
Imperador aos alumnos, e a Imperatriz ás alumnas ; tocou a banda de
musica dos meninos cégos o hymno nacional, e uma ouvertura; seguirão.se·di!~rsas peças de musica e eantorias compostas e executadas
o
RIO DE JANEIRO
103
pelos cégos, e um discurso recitado pelo director e outro pela alumna
Elisa Pinto de Miranda.
Terminada a distribuição dos premios benzeu o capellão do Instituto a pedra fundamental que collocada em uma padiola, foi conduzida
ao Iogar destinado pelo Imperador, pelo principe conde d'Eu, pelo
ministro do imperio e o commissario do governo; o capellão
espargia a agua da igreja sobrc o terreno, e encerrada a pedra lançarão-lhe as primeiras colheres de cimento o Imperador e o principe.
A colher de prata, que servio nesta ceremonia, tinha a seguinte
inseripção :
29 de Junho de 1872
Sua Magestade Imperial D. Pedro II
Collocou a primeira pedm do edificio
Destinado ao imperial instituto dos meninos cégos
Eis o auto de lançamento da primeira pedra:
« No anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil
oitocentos e setenta e dous, quinquagesimo primeiro da independencia
do império do Brazil, aos vinte nove dias do mez de junho,achando-se
presentes no terreno situado á praia Ve: .nelha, á 1 hora da tarde,
o muito alto e poderoso Principe, o Senhor D. Pedro 11, Imperador
Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil; Sua Augusta consorte,
a Senhora Princeza D. Thereza Christina Maria Imperatriz do Brazil, Sua AÍteza a Princeza Imperial,a Senhora D. Izabel, Sua Alteza o
Senhor Conde d'Eu, o ministro do Império o Sr. conselheiro Dr. João
Alfredo Corrêa de Oliveira, o commissario do governo deste instituto
conselheiro Dr. Antonio Felix Martms, o director do mesmo, bacharel
Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o director do instituto dos
surdos - mudos, Dr. Tobias Rabello Leite, o chefe de policia da
côrte Dr. Ludgero Gonçalves da Silva, o general visconde de Santa
Thereza, e mais pessoas de distincção abaixo assignadas, com o auxilio da Divina Providencia, Sua Magestade o Imperador lançou a
pedra fundamental do edifício destinado ao imperial instituto dos meninos cégos, para o que, pelo mesmo Augusto Senhor ~ foi o supradito terreno doado por acto de quatorze de maio. do corrente anno,
tendo sido a referida pedra previamente benta, segundo o ritual romano, pelo reverendissimo monsenhor eapeilão do mesmo instituto,
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o
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Bernardo Lyra da Silva, cobrindo esta pedra a uma caixinha de madeira encerrada em outra de chumbo, contendo uma copia authentica deste auto, um exemplar da constituição politica do Imperio, os
jornaes do dia e as moedas metallicas do Imperio. Para constar lavrei este auto em duplicata, para ser um dos exemplares recolhido ao
archivo publico do Imperio.-Eu Benedicto Antonio Bueno, servindo
de secretario do imperial instituto dos meninos cegos, o escrevi e
assigno.e-Seguern-se as assignaturas. »
Regressando ao pavilhão ouvirão as pessoas imperiaes um discurso do capellão monsenhor Bernardo Lyra da Silva, outro do alumno Allgllsto José Ribeiro, findando a solemnidade com os vivas levantados ao Imperador, á familia imperial e á nação brazileira.
Erguido na praça da Saudade deve este edificio, que já se acha
em adiantada const rucção, occupar uma superfície de 9,516m quadrados, tornando-o um dos mais bellos monumentos as columnas
jonicas colossaes do portico, as esta tuas de marmore, a magestos~
ornamentação e o aspecto elegante e imponente .da frontaria.
Perpetuará essa grandiosa construcção os nomes do director do
Instituto e do ministro que lançárão a primeira pedra, do architecto,
e o de D. Pedra H que concedeu o terreno para esse msgnlüco palacio, que, dando asylo a 800 alumnos de ambos os sexos, poderá competir com as melhores casas de educação dos cégos que existem;
será um bello ornamento da capital do Imperio, um templo enriquecido dos primores d'arte, e regio e pomposo asylo da caridade.
Consistindo em um internato para alumnos de ambos os sexos,
é presidido o Instituto por um director, tem um commissario, capellão, medico e ontros empregados.
O primeiro que occupou o cargo de commissario foi o marquez
de Abrantes, que teve per successor o visconde do Bom Retiro, que
ainda exerce esse honroso cargo, consagrando todo interesse e dedicação a esse estabelecimento que deve-lhe a origem.
Ha os seguintes professores: Monsenhor Bernardo Lyra da
Silva, professor de religião; Dr. Pedro José de Alrneida, professor
de instrucção primaria, de histeria e geographía ; Guilherme Lourenço Schulz, professor de piano e canto dos alumnos; Raphael Coelho Machado, professor de mnsica instrumental e de harmonium ;
D. Maria Benedita da Costa Guimarães, professora de francez ; D.
o
lHO DE JANEI1'lO
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Adele Maria Luiza Sigaud, ex-alumna do Instituto, professora de
piano; D. Rosa Albertina de Mello e Figueiredo, mestra de trabalhos de agulha.
Apezar da lingua ingleza não estar incluida no plano de estudos
tem sido ensinada gratuitamente ha cinco annos pelo Dr. Antonio
Carlos de Oliveira Guimarães, que actualmente tambem exerce o
cargo de professor interino de mathematicas e sciencias naturaes, tornando-se credor de merecidos elogios por tão assignalado serviço
prestado aos meninos cegos.
Os repetidores são os seguintes: Antonio Lisboa Fagundes da
Silva, ex-alumno, repetidor de aritlunetica e algebra e revisor da
officina typographica ; João Pinheiro de Carvalho, ex-alun.no do
instituto dos cegos de Pariz, mestre da officina de encadernação,
repetidor de francez e da segunda classe de musica; José Pinto de
Cerqueira, ex -alumno, repetidor de harmonia e contraponto; Possidonio de Mattos, ex-alumno, repetidor de instrucção primaria e
mestre da officina typogrsphica, e Leopoldina Maria da Conceição,
ex-alumna, coadjuvante dos trabalhos de agulha.
Consta o Instituto de alumnos contribuintes e gratuitos; tem um
patrimonio de 104:883il\194; e entre os bem feitores que tem contribuido para augmentar os recursos financeiros desta util instituição. devem-se memorar os nomes de Joaquim Ribeiro Guimarães,
fallecido em 3 de março de 1813, que legou duas apolices de conto
de réis, e o marquez do Bomfim cinco do mesmo valor recebidas em
19 de novembro de 1814.
O governo despende annualmente mais de 50:000il\000 com
este estabelecimento, que pelo actual regulamento só póde receber
30 alumnos; porém os ministros do imperio Drs. João Alfredo Corréa de Oliveira e José Bento da Cunha Figueiredo permittirão
que se elevasse o numero a 40, e actualmente conta a casa 41
alumnos.
Acha-se o Instituto dos cegos estabelecido no predio n. 11 situado na face meridiunal da praça da Acclamação ; tem essa casa, despida de toda a architectura, dons pavimentos com tres portões e seis
mesaninos arredondados no primeiro pavimento, e nove janellas com
sacadas de grades de ferro no segundo.
Ha no primeiro pavimento a sala do refeitorio dos alumnos, que
o ruo DE
106
J.\NEIM
também serve de sala de estudo, uma sala de estudo para alumnos de
menor idade, uma pequena enfermaria, dous quartinhos para banhos.
a roupa ria, sala do engommado, despensa, a sala da officina de encadernação oude está a bibliotheca que conta 400 volumes, a da officina
typographica, a qual também serve de aula de musica de sopro, a
de officina de afinação de piano; e um salão de aulas onde vê-se o retrato de José Alves de Azevedo com esta inscripção:
«José Atves de Azevedo,natural desta côrte, cego, (allecido a 17
de março de 1854 com 19 annos de idade. Primeiro que 110 Brasd.
mostrOlt systema de instruir os cegos. »
A cfficina de afinação de piano tem por mestre João Brasiel Madeira, ex-alumno do Instituto, casado e que da afinação de pianos por
casas particulares sustenta sua mulher e dous filhos.
Vêem-se no segundo pavimento do edifício a sala de entrada onde
estão os retratos dos marquezes de Olinda, de Abrantes e do visconde
do Bom Retiro, e o busto em marniore do Dr. Francico Sigaud ; lendo-se no pedestal, tambem de marmore, o seguinte:
« J. F. X. SlGAUD
COLLABORADOR
DE
J. A. D'AzEVEDO
NA FUNDAÇÃODOINSTITUTO
Dos MENINOSCEGOS
E PRIMEIRODIRECTOR
Do MESMOINSTITUTO.»
Dá essa sala entrada para a capella consagrada a S. Rafael, padroeiro dos cegos, o qual é festejado em 24 de novembro de cada anno,
celebrando-se nesse dia uma missa por alma dos bemfeitores do
Instituto e outra no anniversario do faliecimento de cada um.
Ha a sala da secretaria onne está o retrato do Dr. Claudio Luiz
da Costa, o salão das visitas, com os retratos do Imperador e da Imperatriz,que serve também de aula de musica para alumnos e alumnas ; o
refeitorio das alumnas, sala de estudo, uma pequena enfermaria, aula
de musica das alumnas. lavatório, quarto da inspectora, dormitorio
das alumnas e tres quartos par'! aposentos do director f' sua familia.
Ha no terceiro pavimento, em um sotão do predio, o quarto do
inspector, os dormito rios dos alumnos, sendo um para os menores,
outro para os médios, c outro para os maiores.
°
o
RIO DE JANElllO
107
Não tem esta casa commodos sufficientes e apropriados, nem
condições hygienicas ; os dormitorios são ~)equenos e estreitos; são
humidas e mal ven.iladas todas as divisões do primeiro pavimento : a
enfermaria dos alumnos é um quarto pequeno, humido, escuro 4l quasi
sem ar ; não ha salas suffícientes para as aulas; as officinas typographica e de encadernação estão entaipadas em pequenas salas, escuras
e tão.humidas que os papeis e livros estragão-se muito depressa; não
ha espaço para recreio e exerci cios gymnasticos ; a enfermaria das
alumnas é um pequeno quarto,e o director não tem commodos decentes
e separados, vive encerrado com sua família em tres pequenos quartos. Mas se este edifício está longe de satisfazer ás condições desejaveis
de uma casa de educação desta natureza ja o governo acudia, como
vimos, com louvavel empenho á esta necessidade, dando principio a
um palacio destinado á instrucção e educação dos meninos cegos.
Facil é demonstrar a utilidade e importancia de semelhante estabelecimento.
Não ha muitos annos se considerava a cegueira como um mal
irremediavel, uma desgraça só digna de compaixão, e o unico favor
que a caridade julgava possível fazer em beneficio dos cegos era
crear asylos em que esses infelizes recebião sustento e ves tuario, deixando-os, porém, entregues á seu infortunio, ás trevas da ígnorancia
íguaes as que cercavão-lhes os olhos; o cego era considerado um ente
inutil, inepto para tudo, um fardo que se não era atirado ao precipício,
como ordenava Lycurgo, devia contentar-se com a esmola que recebia dos transeuntes da praça publica.Além de ter os olhos tapados para
a luz, de viver sempre na noite, não podia ter um espirito reflectido,
uma educação litteraria ; seu coração e Sua alma devião permanecer
vazios.inuteis como seus olhos para a luz e para.o mundo; vivendo como
um- ente nullo, não podia amar, gozar das delícias do coração, dos
prazeres da intelligencia, devia existir sem ollios, sem coração, sem
alma, sem educação, sem ensino, e da noite da vida passar para a
noite do sepulchro. A luz da civilisação, porem, derramou-se sobre
esses infelizes, e desde o seculo passado se procurou melhorar sua
condição; a sciencia investigou todos os meios de remediar a sorte
precaria dos que não vêem, abrindo aos cegos um vasto campo ao exercicio de sua activirlade e intelligencia. Vantajosos resultados hão colhido as nações cultas na educação e ensino ios privados da vista, e
o RIO
108
DE JANEIRO
mesmo no Brazil, onde o ensina dos cegos conta pouco mais de vinte
annos, onde ha apenas para sua educação um unico in stituto, que
poucos alumnos pode receber, e em tão acanhada residencia que pouca extensão e variedade se tem podido dar aos ramos do ensino pratico, tem-se assim mesmo obtido resultados satisfactorios, e se reconhecido que d'entre os alumnos, que hão terminado o curso de estudos.mais de 80
vivem sobre si, exercendo profissães uteis que lhes
hão fornecido meios de decente subsistencia para si e sua familia.
Além de D. Adele Sigaud, filha do Or. Sigaud, primeira discipula de J. Alves d'Azevedo, a qual não só ensina piano no Instituto
mas tambem toca órgão na igreja da Gloria, de O. Leopoldina Maria
da Conceição, casada, coadjuvante dos trabalhos de, agulha, de João
Brasiel Madeira.mestre de afinação de pianos, têm sahido do instituto
os aluamos : Firmino Rodrigues de Oliveira, antigo mestre da officina
typographica do estabelecimento, que leccionava francez por casas particulares, sustentando sua mãi viuva, cega e pobre, da qual era o
unicoarrimo, é fallecido ; Joaquim José de .\ragão Cabral, excellente
encadernador, empregado no Instituto, e professor particular de portuguez, fallecido: Scipião Merolli, mestre da offlcina de encadernação
do Instituto, fallecido. ; Carlos Henrique Soares, ex -repetidor de
instrucção primaria e de religião no Instituto e professor por espaço
de cinco annos de cathecismo, doutrina christã e .historia sagrada do
collegio Perseverança. fallecido; Luiz Antonio Gaudirn Leitão, organista das igrejas de S. Francisco da Penitencia e da Lapa dos Mercadores; Francisco José Alves, excellente encadernador, officio que
exerce com proficiencia na provincia de Minas-Geraes ; Antonio Lisboa Fagundes da Silva, casado, repetidor do Instituto; Felismindo Nogueira da Costa residente em Campos, onde toca orgão nas igrejas,
ensina francez em um collegio, afina piano e rege orchestras, é
casado Il mantem sua mãi viuva, sua mulher e uma irmã solteira;
Possidonio de Maltos mestre da offlcina typographica do Instituto, e
professor particular de piano.José Soares Pinto de Siqueira professor
de- musica, notavel pianista, organista da capella do hospit-I da heneficencia portugueza, e da cape lia do visconde da Silva; tem dado
concertos nos theatros, e com seu trabalho sustenta sua mãi viuva,
uma irmã solteira e dons irmãos menores; Antonio Teixeira do Rego,
ainda alumno do Instituto, compositor de musica,do qual remetteu-se
%
o
RIO
DI<; JANEII\Iil
para a exposição de Vienna uma collecção de seus trabalhos, e existe
impressa urna Ave-:\laria pJra canto e piano, linda composição sua.
Yé-se pois eue corre ao l~sLadu o ri~úro~o dever de dar aos !'1'50
.instrucção que [l0:;SiI gardnt.ir-Ihp, I!lU fuiuru I' h:J111Iit,·I "1:11'1
da sociedade. Ila no Brazil uiars ue li,üllU c(j!5us que puúelll aprender, receher uma educação moral e intellectual, e sobre cuja sorte
devem os poderes publicos velar, porque tanto são cidadãos os que
vêem como os que não vêem. Não ha hoje um só ramo de instrucção
primaria ou secundaria que seja interdicto ao cego, e estão ao seu
alcance muitos officios, artes e industrías ; e assim deve a nação cuidar desses seus filhos, recolhe-los, instrui-los educa-los, torna-los
cidadãos morigerados e habeis, que possão entrar em concurrencia
com os videntes no exercicio das lettras e das artes, e proporcionarlhes um futuro seguro, e honesto chamando-os ao gremio da sociedade e da civilisação.
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Instituto dos Cegos, por Dr. Moreira de Azevedo