ENERGIA CINÉTICA DA PRECIPITAÇÃO ESTIMADA POR
RADAR DE TEMPO NO BRASIL TROPICAL
Mauricio de Agostinho Antonio1
1
Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet) – Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Av. Eng. Luiz Edmundo Coube, 14-01, CEP 17033-360 – Bauru/SP
e-mail: [email protected]
ABSTRACT – The kinetic energy is the appropriate parameter to indicate the
magnitude of the erosive potential of rainfall. In this work, disdrometric measurements of
drop size distribution taken during three frontal precipitation events during the spring season
at Botucatu, SP, were used to establish relationships amongst parameters associated to drop
sizes, such as kinetic energy (Ek) and radar reflectivity (Z). Z was also estimated for
precipitation using a weather radar located in Bauru, in the tropical region of Brazil, 84 km
away from the disdrometer. For most of the measurements it was observed that values
obtained by the radar were about 4 dBZ below the calculated reflectivity using disdrometric
data. However, the plot of values obtained by the radar, reproduced the variations in
reflectivity occurred in the disdrometer, since the radar data have been adjusted for a delay
equivalent to the one scan interval (7-8 minutes). Correlation between Ek and disdrometric
determined Z, for the different events, presented good fit with R2 = 0,9844, resulted in the
expression Z = 17.8 Ek1,08, which was applied to the reflectivity values from the radar. From
this, a pattern of kinetic energy flux associated with the precipitation field, with resolution of
1 km2, can be made available every 7.5 minutes, in the radar quantification range of 240 km.
The knowledge of the soil types from areas of interest, associated to the kinetic energy field of
the precipitation, allows the determination of the respective potential of erosion and, thus,
making it possible to take preventive measures to mitigate the effects caused by erosion.
Palavras-chave: distribuição de gotas de chuva, radar de tempo, energia cinética
1. Introdução
O solo um dos recursos naturais mais intensamente utilizados, em função da
agricultura, entretanto, para seu uso adequado é necessário conhecer os fatores variáveis que
interferem na sua utilização e conservação. Entre outros, é importante o conhecimento da
intensidade da erosão causada pela precipitação. Os fatores variam conforme o local e são
dependentes das características físicas das precipitações e dos solos de cada região.
A energia cinética é o parâmetro apropriado para indicar a magnitude do potencial
erosivo da precipitação, podendo ser avaliado conhecendo-se, a energia cinética transferida
aos solos pelos impactos das gotas. Estudos relacionam a perda de solos pelo impacto, à
características do tamanho das gotas e sua distribuição, e à velocidade terminal dessas gotas.
Modelos empíricos que partem da intensidade das chuvas, determinadas com
pluviômetros, tem sido utilizados para a determinação da energia cinética, conforme
Wischmeier e Smith (1958), Hudson (1973), Lal (1976), Morgan (1986), entre outros.
Conhecendo a distribuição do tamanho das gotas numa precipitação, a energia
cinética e a refletividade da chuva, entre outros parâmetros, podem ser facilmente
determinadas. Com os disdrômetros (Joss e Waldvogel, 1967), equipamentos que dão a
distribuição do tamanho de gotas, é possível determinar a energia cinética da precipitação,
como também estabelecer relações com a refletividade do radar, e a intensidade da chuva, nas
várias formas e locais de sua ocorrência (Zawadzki e Agostinho Antonio, 1988).
O trabalho apresenta os valores de energia cinética determinados para três eventos
de precipitação da primavera de 1997, em 16, 26 e 30 de outubro, a partir de um disdrômetro
instalado na área urbana em Botucatu (22,8894º S, 48,4508º W, altitude 838 m), e ajustado
para integrações de dados a cada um minuto (Antonio, 1998). Também, foram relacionados os
resultados disdrométricos com a estimativa de refletividade da precipitação dada por um radar
de tempo instalado e operado pelo Instituto de Pesquisas Meteorológicas da Universidade
Estadual Paulista (IPMet/UNESP), em Bauru, na região tropical do Brasil.
2. Materiais e Métodos
Dados de disdrômetro
O equipamento utilizado é do tipo disdrômetro de impacto, que transforma o
movimento vertical de uma gota de chuva que atinge a superfície sensível de um sensor em
um pulso elétrico cuja amplitude do impacto é função do diâmetro da gota. Daí é calculada a
distribuição dos tamanhos das gotas em um volume de ar. Os diâmetros medidos variam de
0,3 mm até 5,5 mm, onde a medida inferior deve-se aos limites práticos do princípio de
medidas, e o limite superior é o qual, acima dele, as ocorrências são bastante raras por causa
da quebra das gotas pela instabilidade das gotas grandes (Distromet, 2004).
Cálculo da Energia Cinética
A determinação da energia cinética da precipitação, parte da distribuição do tamanho
de gotas dadas pelo disdrômetro. O fluxo total de energia cinética das gotas, determinadas em
um volume sobre o disdrômetro, num intervalo de tempo considerado, é calculado como:
Ek = [ (π ρa ) / 12 S Δt ] Σ Di3 nDi vi
(1)
onde: Ek é a energia cinética por unidade de volume, S é a área sensível do disdrômetro, Δt é
o intervalo de tempo considerado, e n é o número de gotas de determinado diâmetro.
A forma prática da equação, com S = 50 cm2, t em minutos, v em m/s, ρa = 1 g/cm3,
D em mm, para Ek em J/m2.h, é: Ek = ( π / 36x103 Δt ) Σ Di3 nDi vi
(2)
Cálculo da Refletividade
A refletividade Z, determinada a partir da distribuição do tamanho de gotas dada
pelo disdrômetro, em um determinado intervalo de tempo sobre o disdrômetro, onde um
volume está sendo amostrado, é expressa como: Zi = ( 1 / S Δt ) Σ [ (nDi Di6 ) / vi ] (3)
onde: S é a área sensível do coletor do disdrômetro, Δt é o intervalo de tempo de integração
considerado, Di é o diâmetro da gota i, vi é a velocidade terminal da gota de diâmetro i , e nDi
é o número de gotas. A velocidade terminal das gotas é estimada por Gunn e Kinzer (1949).
A forma usual da equação da refletividade, considerando-se S = 50 cm2, Δt em
minutos, vi em m/s, para Z em mm6/m3, é dada por: Z = ( 1 / 50 Δt ) Σ [ (nDi / vi ) Di6 ] (4)
sendo a refletividade expressa como uma função logarítmica: dBZ = 10 log Z
(5)
Dados de Radar
Os dados do radar de tempo banda-S Doppler de Bauru (22,3583º S, 49,0272º W,
altitude 624 m) utilizados no trabalho são valores de refletividade (expressos em dBZ),
obtidos com CAPPI de altitude 3,5 km, até um raio de 240 km do equipamento. Os dados
foram coletados a cada 7,5 minutos, e representam a precipitação média em área de 1 km2.
3. Resultados e discussão
Dia 16 de outubro de 1997
A precipitação em Botucatu no dia 16 /10/1997 foi 3,0 mm em 129 minutos entre
16:19 h e 18:30 h. Era chuva estratiforme de uma frente fria, deslocando de oeste para leste.
A evolução dos valores de energia cinética no dia 16, está apresentada na Figura 1.
As refletividades observadas pelo radar e pelo disdrômetro, essa última ajustada para a mesma
escala de tempo das varreduras do radar, estão na Figura 2. A correlação entre Ek e Z,
apresentou coeficiente R2 = 0,9854. A equação da curva resultou em: Z = 13,5 Ek 1,13 (6)
Dia 26 de outubro de 1997
A precipitação em Botucatu no dia 26/10/1997 foi 6,3 mm em 170 minutos entre
10:32 h e 13:22 h. Era chuva estratiforme de uma frente fria, deslocando de oeste para leste.
A evolução dos valores de energia cinética no dia 26, está apresentada na Figura 1.
As refletividades observadas pelo radar e pelo disdrômetro, essa última ajustada para a mesma
escala de tempo das varreduras do radar, estão na Figura 2. A correlação entre Ek e Z,
apresentou dispersão R2 = 0,9833. A equação da curva resultou em:
Z = 20 Ek 1,05 (7)
Dia 30 de outubro de 1997
A precipitação em Botucatu no dia 30/10/1997 foi 4,5 mm em 107 minutos, entre
22:02 h e 23:48 h. Era uma área de instabilidade, com deslocamento de noroeste para sudeste.
A evolução dos valores de energia cinética, no dia 30, está apresentada na Figura 1.
As refletividades observadas pelo radar e pelo disdrômetro, essa última ajustada para a mesma
escala de tempo das varreduras do radar, estão na Figura 2. A correlação entre Ek e Z,
Z = 17 Ek 1,09 (8)
apresentou dispersão R2 = 0,9904. A equação da curva resultou em:
Evolução da Refletividade para chuva frontal em Botucatu 16/10/1997 - dados disdrométricos
Evolução do Fluxo de Energia Cinética em chuva frontal Botucatu - 26/10/1997
Evolução do fluxo de Energia Cinética de chuva frontal Botucatu - 30/10/1997
40
Ref let ividade (dBZ)
30
25
20
15
10
5
2
Fluxo de Energia Cinética (J/m .h)
Fluxo de Energia Cinética (J/m 2.h)
1000
35
100
1
0
1
11
21
31
41
51
61
Te m po (m inutos )
71
81
91
101
100
10
1
1
11
21
31
41
51
61
71
81
91
101
Tempo (minutos)
111
121
131
141
15 1
1 61
171
1
11
21
31
41
51
61
71
81
91
Tempo (minutos)
Figura 1. Evolução dos valores de Fluxo de Energia Cinética para chuva em Botucatu, SP, em
16, 26 e 30/10/1997, com dados disdrométricos (resolução de 1 minuto).
Energia Cinética Determinada por Radar
Tomando-se conjuntamente os valores de disdrômetro dos três sistemas de
precipitação de 16, 26 e 30 de outubro de 1997, procedeu-se à determinação da equação da
curva entre os valores de energia cinética e refletividade, de cada minuto de registro. A Figura
3 mostra a distribuição de valores. Com um coeficiente de correlação R2 = 0,9844, obteve-se a
(9)
curva derivada de disdrômetro, como sendo:
Z = 17,8 Ek 1,08
Com aplicação da equação (9) encontrada no campo de refletividades do radar em
um raio de alcance de 240 km, pode-se obter o Fluxo de Energia Cinética, representando,
então, os valores “instantâneos” do campo de Energia Cinética sobre a área.
A integração temporal dos dados de CAPPI do radar convertidos em fluxo dá, a cada
hora inteira, o campo de Energia Cinética da precipitação sobre os 240 km de raio.
Um exemplo da integração horária obtida a partir do radar de Bauru, é visto na
Figura 4 com o campo de Energia Cinética (J/m2), em 30/10/1997, das 21:00 h às 22:00 h.
Relação entre Refletividades
A refletividade (Z) determinada com os dados do disdrômetro foram ajustadas para a
mesma escala temporal do radar (a cada 7,5 minutos), determinando-se o valor médio medido
no intervalo de 1 varredura. Os valores obtidos com radar para os três eventos foram
colocados com os disdrométricos superpostos na mesma base horária.
Na Figura 2 pode-se observar que os valores de radar seguem bem a marcha de
valores medidos na superfície, porém quase sempre com valor abaixo daquele dado pelo
disdrômetro. Um melhor ajuste dos dados foi obtido com um deslocamento na escala de
tempo do radar, correspondente a uma varredura (7,5 minutos). Num mesmo momento,
enquanto o disdrômetro mede a distribuição das gotas no solo, o radar dá a refletividade na
altura do CAPPI (3,5 km), ainda a fase aérea da precipitação.
A relação entre os valores de refletividade medidos pelo radar e pelo disdrômetro,
após ajuste na escala de tempo, pode ser também vista na Figura 3. A correlação entre os
valores mostra que os valores do radar estão, em média, 4 dBZ abaixo dos valores medidos
pelo disdrômetro, com um coeficiente de correlação R2 = 0,5541.
Botucatu - 30/10/1997
Botucatu - 26/10/1997
45
40
40
40
35
35
35
30
25
20
15
Radar
10
Disdrômetro
Refletividade (dBZ)
45
Refletividade (dBZ)
Refletividade (dBZ)
Botucatu - 16/10/1997
45
30
25
20
15
Radar
10
Disdrômetro
30
25
20
15
10
5
5
5
0
0
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
1
2
3
4
5
Varreduras de radar
6
7
8
9
Radar
Disdrômetro
1
10 11 12 13 14 15 16 17
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Varreduras de radar
Varreduras de radar
Figura 2. Evolução dos valores de Refletividade para chuva em Botucatu, SP, em 16, 26 e
30/10/1997, com dados do disdrômetro e do radar de Bauru.
Relação entre Refletividades: Radar X Disdrômetro - Botucatu 16, 26 e 30/10/1997
Relação entre a Refletividade e o Fluxo de Energia Cinética em
chuva frontal - Botucatu - 16, 26 e 30/10/1997
45
1000
2
Refletividade Disdrômetro (dBZ)
Fluxo de Energia Cinética (J/m2.h)
R = 0,9844
100
10
1
0
5
10
15
20
25
30
Refletividade (dBZ)
35
40
45
50
40
2
R = 0,5541
35
30
25
20
15
10
5
0
0
5
10
15
20
25
30
35
Refletividade Radar (dBZ)
Figura 3. (dir.) Correlação entre os parâmetros do Fluxo de Energia Cinética versus
Refletividade para as chuvas dos dias 16, 26 e 30/10/1997, a partir dos dados disdrométricos,
em Botucatu, SP, com resolução de 1 minuto. (esq.) Relação entre os valores de refletividade
medidos pelo radar e pelo disdrômetro, ajustados na escala temporal do radar (7,5 minutos).
4. Conclusões
Considerando-se que no processo de erosão do solo, o desprendimento das partículas
do solo se dá principalmente pela ação do impacto das gotas de chuva na superfície de um
solo descoberto, é importante conhecer o valor do fluxo de energia cinética da precipitação
ocorrendo na área. Quando se determina a energia cinética a partir da intensidade da
precipitação medida na superfície por pluviômetros, não se garante o valor da energia cinética
em área, uma vez que a intensidade da chuva e a energia cinética, são dependentes
diretamente da distribuição das gotas, o que por sua vez é também determinante do fator de
refletividade do radar. Entretanto, as medidas do pluviômetro e do disdrômetro são pontuais.
Somente os radares de tempo apresentam, detalhadamente, a descrição do campo de
precipitação sobre uma área, o que permite, então, a determinação do campo de energia
cinética das chuvas sobre extensas regiões, como nestes casos usando o radar de Bauru, com
resolução de 1 km2, atingindo o alcance de 240 km.
A partir do conhecimento do campo “instantâneo” de energia cinética das chuvas, e
sabendo os tipos de solos de áreas de interesse, é possível estabelecer o potencial erosivo de
uma precipitação que se aproxima e dessa maneira, permitir o estabelecimento de ações de
prevenção e minimização ao efeito de erosão que a precipitação apresenta.
Para estabelecimento de valores estatisticamente representativos das relações entre
energia cinética e refletividade, devem ser tomados episódios de precipitação por disdrômetro
que descrevam os diferentes tipos de precipitação, relacionados às diferentes estações do ano,
uma vez que as distribuições do tamanho de gotas, variam sazonalmente com os diferentes
tipos de precipitação.
Figura 4. Exemplo do campo
integrado do Fluxo de Energia
Cinética da precipitação de
30/10/1997, entre 21:00 h e
22:00 h, dado pelo radar de
tempo de Bauru. Energia
Cinética expressa em J/m2.
Refe-rências: linhas horizontais
e verticais - latitude e longitude; linhas contínuas indi-cam
as divisas estaduais; na direção
sudeste-noroeste, o Rio Tietê.
Agradecimentos
O autor reconhece o trabalho desenvolvido da Técnica Geórgia Pellegrina, e do
Analista Carlos Alberto de A. Antonio na recuperação e tratamento de dados do radar.
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Botucatu. 156 p. Tese (Doutoramento em Agronomia), Faculdade de Ciências Agronômicas,
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1988. p. 141-160.
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ZAWADZKI, I., AGOSTINHO ANTONIO, M. DE. Equilibrium raindrop size distributions
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