REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES FORMAÇÃO DOCENTE Volume 05 n. 08 jan.-jun. 2013 Desenvolvimento profissional docente: um termo guarda-chuva ou um novo sentido à formação? DÁRIO FIORENTINI, VANESSA CRECCI Formação continuada de professores da educação infantil: possibilidades, desafios e perspectivas LIDIANE GONZAGA CHIARE, RITA BUZZI RAUSCH A docência universitária em palavras... MARIA REGINA DE CARVALHO TEIXEIRA DE OLIVEIRA, REGINA MAGNA BONIFÁCIO DE ARAUJO A crise não reconhecida: identidade docente de professores do ensino fundamental 2 SELMA OLIVEIRA ALFONSI, VERA MARIA NIGRO DE SOUZA PLACCO A formação do professor alfabetizador: em busca da prática DENISE POLLNOW HEINZ, ROSANA MARA KOERNER Fóruns de EJA como espaço de formação continuada de professores: análise por meio de grupos de discussão RAQUEL SILVEIRA MARTINS Concepções de estágio e ação docente MARTA NÖRNBERG, IGOR DANIEL MARTINS PEREIRA A relação entre a formação do professor e a identidade do ensino religioso SÉRGIO ROGÉRIO AZEVEDO JUNQUEIRA, EDILE MARIA FRACARO RODRIGUES Interventoria: uma proposta para o acompanhamento de estagiários de pedagogia MARINA CYRINO, SAMUEL DE SOUZA NETO Sumário Linha Editorial p.2 Conselho editorial p.4 Normas Para Submissão de Artigos p.7 EDITORIAL Apresentação – José Rubens Lima Jardilino p.9 ARTIGOS Desenvolvimento profissional docente: um termo guarda-chuva ou um novo sentido à formação? p.11 Dário Fiorentini, Vanessa Crecci Formação continuada de professores da educação infantil: possibilidades, desafios e perspectivas p.24 Lidiane Gonzaga Chiare, Rita Buzzi Rausch A docência universitária em palavras... p.40 Maria Regina de Carvalho Teixeira de Oliveira, Regina Magna Bonifácio de Araujo A crise não reconhecida: identidade docente de professores do ensino fundamental 2 p.62 Selma Oliveira Alfonsi, Vera Maria Nigro de Souza Placco A formação do professor alfabetizador: em busca da prática p.80 Denise Pollnow Heinz, Rosana Mara Koerner Fóruns de EJA como espaço de formação continuada de professores: análise por meio de grupos de discussão p.92 Raquel Silveira Martins Concepções de estágio e ação docente p.109 Marta Nörnberg, Igor Daniel Martins Pereira A relação entre a formação do professor e a identidade do ensino religioso p.121 Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Edile Maria Fracaro Rodrigues Interventoria: uma proposta para o acompanhamento de estagiários de pedagogia Marina Cyrino, Samuel de Souza Neto p.136 1 Linha Editorial A “Formação Docente” – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, publicação digital, veiculada semestralmente, é de responsabilidade editorial do Grupo de Trabalho “Formação de Professores” (GT08), da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em co-edição com a Editora Autêntica. A criação do GT08 – inicialmente denominado “GT Licenciaturas” – teve como cenário o final da década de 1970, início de 1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma mais vigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões do Estado autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento, os movimentos sociais conquistaram alguma abertura democrática o que permitiu investidas, ainda que descontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasião, uma crise se enveredava pelas Licenciaturas visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao chamado “currículo mínimo nacional”. Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo tecnicista de formação de professores e passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente. Tais ações impulsionaram a mobilização de alguns profissionais da educação que, durante o I Encontro Nacional de Reformulação dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, em Belo Horizonte, em novembro de 1983, firmaram um acordo com membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse a tratar das questões que afetavam a formação de educadores. Lançada a proposta, o “GT Licenciaturas” se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7ª Reunião Anual (RA) da ANPEd, em Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para elaborar propostas de formação para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princípios e orientações contidos no documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em São Paulo, a 8ª RA. Nesta, o GT estruturado de forma mais compatível com as recomendações da ANPEd, organizou uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto. Em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-metodológica para o Grupo de Trabalho que passou a chamar-se GT08 “Formação de Professores”, delineando o ethos do renovado GT. As primeiras idéias sobre a Revista “Formação Docente” surgiram no começo da década 2000, no entanto, foi na 30ª RA que se conferiu maior materialidade à idéia e, em 2008, por ocasião do XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, pesquisadores do GT08 encaminharam decisões substantivas sobre sua editoração. A “Formação Docente” pretende ser um canal de divulgação da produção na área específica, em diálogo interdisciplinar com as contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que tratam da mesma temática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercâmbio nacional e internacional do seu 2 tema objeto. A Revista é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das áreas de Educação e ciências afins. Seguindo as práticas editoriais, a partir de critérios elegidos pelo grupo fundador, a política editorial do periódico é executada por um Conselho Editorial Executivo e um Conselho Editorial Consultivo (nacional e internacional) de diversificada representatividade. Os artigos são apreciados quanto ao mérito científico por meio do sistema de Dupla Avaliação por Pares – DAP (Double Blind Review). É com imenso prazer que apresentamos, então, ao público interessado, a “Formação Docente” – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores e esperamos uma participação efetiva dos colegas pesquisadores para que este periódico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produção acadêmica nesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própria formação de educadores em nosso país. Os Editores 3 Conselho editorial EDITOR n José Rubens Lima Jardilino Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-doutoramento pela Universidade Laval, em Québec, no Canadá. Professor da Universidade Federal de Ouro Preto e Presidente do comitê científico da editora da UFOP. CONSELHO EDITORIAL EXECUTIVO n n n Júlio Emílio Diniz-Pereira Doutor em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenador da Coleção Docência - Editora Autêntica. Conselho Editorial Executivo Márcia de Souza Hobold Professora Dra. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. Joana Paulin Romanowski Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. ASSISTENTE EDITORIAL n Maria Fernanda Silva Barbosa Graduada em História e pós-graduanda em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto. CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (NACIONAL) n n n 4 Betânia Leite Ramalho Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de Produtividade de Pesquisa do CNPq – Nivel 2. Eduardo Adolfo Terrazan Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1D. Emília Freitas de Lima Doutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com pós-doutoramento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Associada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). n n n n n n n n Iria Brzezinski Doutora em Administração Escolar pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidade de Aveiro, em Portugal. Professora Titular da Universidade Católica de Goiás (UCG). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. Laurizete Farragut Passos Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Leny Rodrigues Martins Teixeira Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidade de Paris V, na França. Professora Titular da Universidade Católica Dom Bosco. Luis Eduardo Alvarado Prada Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com pós-doutoramento pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Márcia Maria de Oliveira Mello Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidade do Minho, em Portugal. Professora do Programa em Pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Marília Claret Geraes Durhan Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-doutoramento pela Fundação Carlos Chagas (FCC-SP). Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo. Marli Eliza Dalmazo Afonso de André Doutora em Psicologia da Educação pela Universidade do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, com pós-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Menga Ludke Doutora em Sociologia da Educação pela Universidade de Paris X, na França, com pós-doutoramento pela Universidade do Estado da Califórnia, em Berkley, nos Estados Unidos. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A. CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (INTERNACIONAL) n n Carlos Marcelo Garcia Professor Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha. Cecília Maria Ferreira Borges Professora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canadá. 5 n n n n n n n 6 Clermont Gauthier Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Laval, em Québec, no Canadá. Emílio Tenti Fanfani Professor Titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Kenneth M. Zeichner Professor Titular da Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. John Elliot Professor Emérito da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Maria do Céu Roldão Professora e pesquisadora da Escola de Educação da Universdade Católica de Santarém, em Lisboa, Portugal. Rafael Ávila Penagos Professor e pesquisador em Educação pela Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia. Rui Fernando de Matos Saraiva Canário Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, em Portugal. Normas Para Submissão de Artigos Os artigos submetidos à Revista “Formação Docente” serão apreciados pelo Conselho Executivo quanto à pertinência dos mesmos à Linha Editorial do periódico, sua adequação aos requisitos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e às demais instruções editoriais. Os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na língua materna. Os artigos recebidos em outro idioma serão submetidos à tradução e publicados com a autorização do autor. Os autores assumem o compromisso de não submeter simultaneamente o texto a outras revistas da área e cedem à “Formação Docente” o direito de indexação (nacional e internacional). A Revista, ao seu juízo, pode reeditar artigos internacionais de grande relevância teórica ou metodológica para a área, que tenham sido publicados em outros veículos de divulgação acadêmica, com a devida autorização de quem detém os direitos autorais. O Conselho Executivo poderá sugerir aos autores modificações de ordem técnica nos textos submetidos e aceitos, a fim de adequá-los à publicação. É de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opiniões e idéias veiculados nos textos. Todos os textos aceitos para publicação serão submetidos à avaliação de pares acadêmicos e lidos por, no mínimo, dois paraceristas – ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo e um ad hoc. A Revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas. ASPECTOS FORMAIS DO TEXTO Os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaços) digitados no Word ou programa compatível de editoração, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. O texto deve ser alinhado à esquerda e as margens não devem ser inferiores a 3 cm. As palavras estrangeiras devem ser grafadas em itálico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre ‘aspas’ simples. Os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1 e 2. Devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. O primeiro arquivo deve constar a identificação do(s) autor(es): nome(s), instituição(ções) de origem e endereços, físicos e eletrônicos; e resumo expandido de até mil caracteres (aproximadamente, uma página) e respectiva tradução em língua inglesa (abstract). Ambos acompanhados de, no mínimo, três palavras-chave (e as respectivas keywords). No segundo arquivo, constará o texto na íntegra a ser publicado. As normas de referências bibliográficas seguidas pela Revista são as da ABNT e devem se restringir ao material citado no corpo do texto. As citações de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no corpo do texto (AUTOR, data, página). As notas, quando necessárias, devem seguir no final do texto com numeração seqüencial em algarismos arábicos e antes das referências bibliográficas. As referências de material e fontes eletrônico/digitais devem citar o endereço (Web Site ou Home Page) seguida da data de acesso (Acesso em: 25 Fev. 2009). 7 Todos os textos deverão ser enviados para o endereço eletrônico da Revista “Formação Docente” ([email protected]). Após o envio do artigo, o autor receberá a confirmação do recebimento da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequação (ou não) do mesmo às normas técnicas. Após, aproximadamente, 40 dias, o autor receberá uma nova mensagem informando sobre o resultado da avaliação acadêmica do artigo. 8 EDITORIAL Volume 05, número 08, jan./jun. 2013 APRESENTAÇÃO Prezados colegas pesquisadores do campo de estudos sobre a Formação de Professores em suas mais diversas abordagens: É com prazer que lhes apresento o número 8 da Revista Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores (RBPFP). No número anterior, nosso colega Júlio E. Diniz-Pereira, editor responsável à época, narrava em sua apresentação as dificuldades que um periódico atravessa desde sua fundação e, de igual modo, nos apontava os avanços que a revista tem alcançado em sua tão curta trajetória. Em 2014 assumi a editoria da revista com iguais desafios, com a intenção de avançar em 2015, juntamente com o Conselho Editorial (executivo e consultivo), principalmente no sentido de a revista atingir os parâmetros necessários para sua “qualisficação”, além dos demais indexadores nacionais e internacionais que credenciam a nossa produção, animados pelos avanços da nova posição no ranking dos periódicos no Brasil (Qualis). Quero, pois, em primeiro lugar, agradecer a colaboração dos colegas da área, desde os pesquisadores seniores, com amplo acesso a canais de publicação, e que, no entanto, nos têm enviado o resultado de suas pesquisas para publicação na revista, até os jovens pesquisadores que, a despeito da posição da revista no ranking, vêm creditando-lhe apoio e publicando os resultados de suas pesquisas nos últimos oito números da RBPFP. Entendemos que somente com o reconhecimento dos pesquisadores da área será possível a este periódico avançar em qualidade e periodicidade, elementos necessários para se tornar referência na divulgação científica dos avanços desse tão amplo campo de estudos, a Formação de Professores. Nesta palavra introdutória do editor, pleno de alegria por executar tarefa tão digna, agradeço a todos os colaboradores, deste e dos demais números, e, ao mesmo tempo, convoco-os a dar continuidade ao empenho que viemos emprestando a essa publicação, a fim de que a Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores não seja somente mais um periódico da área, mas que venha a se tornar um portal da pesquisa sobre a formação de professores no Brasil. Este é o número 8 e se refere a 2013. E gostaríamos de anunciar que já se encontram em processo de produção os números 9, 10 e 11 (os dois últimos referentes a 2014), os quais pretendemos, graças ao esforço e empenho da Autêntica Editora nessa alvissareira parceria, publicá-los ao longo de 2015. Tal empreitada corrobora para o processo de indexação da revista em vários portais, bancos de dados e plataformas web que dão visibilidade às nossas pesquisas. De antemão lhes informamos que a RBPFP já se encontra indexada no Sistema Regional de Informação em Linha para Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal (Latindex), com processo iniciado na Rede de Revistas Científicas de América Latina e Caribe, Espanha e Portugal (Redalyc), bem como nas publicações online em Educação da Fundação Carlos Chagas (Educ@), aguardando apenas alcançar o critério de periodicidade para sermos incluídos nessas plataformas de divulgação científica. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 9-10, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 9 De igual monta, outra importante tarefa está sendo a inclusão da Revista no Sistema OJS/SEER. A Autêntica Editora não tem medido esforços na parceria com o GT 08/ANPEd para adequar a revista aos padrões de exigência do mundo editorial acadêmico. Os números de 2015, cuja chamada todos receberão em breve, já se beneficiarão desse recurso técnico e de gestão de periódicos científicos. Após essas informações iniciais, apresento ao leitor o vol. 5, nº 8, da Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, que trata de questões relevantes para o debate nesse campo. Organizamos o número em três blocos de artigos. O primeiro bloco de três artigos trata da temática do Desenvolvimento Profissional Docente (DPD) e da Educação Continuada. O texto dos professores Dario Fiorentini e Vanessa Crecci sobre DPD traz uma discussão sobre o sentido da formação, os impasses do conceito de DPD e seu uso no nosso campo de pesquisa. Segue-se o artigo de Rita Buzzi e Lidiane Chiere, que trazem para o debate a questão da formação continuada de professores da Educação Infantil, com dados de uma pesquisa realizada na rede pública de um município do sul do país. Fecha esse bloco o trabalho das professoras Regina Araújo e Regina Oliveira sobre a docência no contexto do ensino superior apontando os impasses do DPD na carreira universitária. O segundo bloco de artigos trata da identidade docente e das práticas de formação em vários níveis da educação brasileira. Vera Placo e Selma Afonsi discutem a crise de identidade dos docentes da Escola Básica no ensino fundamental 2 em São Paulo. Denise Heinz e Rosana Koerner trazem para o debate a formação do professor alfabetizador, também apresentando dados de pesquisa numa rede educacional do sul do país. Raquel Martins apresenta um trabalho sobre formação de professores da EJA, uma discussão sobre espaços não formais como ambientes de formação em Minas Gerais. Por fim, o terceiro bloco de artigos trata do estágio, tema sempre recorrente nas pesquisas sobre formação inicial de professores, e apresenta a discussão de um tema transversal, pouco presente nas discussões do campo, que é a formação do professor para o ensino religioso nas escolas públicas. Marta Nörnberg e Igor Pereira discutem o estágio a partir das concepções dos futuros professores, baseando suas análises nos relatórios de estágios de licenciandos. Mariana Cyrino e Samuel Neto apresentam os resultados de sua pesquisa sobre as várias modalidades, nomenclaturas e tipos de acompanhamento de estágio na literatura no Brasil e no exterior para discutir o estágio na perspectiva da interação e da intervenção. Finaliza este número da revista o artigo de Sérgio Junqueira e Edile Rodrigues sobre esse provocativo tema da formação de professores para o Ensino Religioso (ER). O artigo, a partir dos dilemas da presença do ER na escola básica brasileira, procura compreender o processo de formação e profissionalização dos docentes, e aponta aspectos da formação dos profissionais da educação e sua identidade docente com fins de traçar um paralelo com a formação do professor de Ensino Religioso. Desejamos a todos e a todas uma boa leitura. José Rubens Lima Jardilino Editor 10 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 9-10, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br ARTIGOS Desenvolvimento Profissional DOCENTE: Um Termo Guarda-Chuva ou um novo sentido à formação?1 Dário Fiorentini Vanessa Crecci RESUMO: O conceito de desenvolvimento profissional docente (DPD) foi introduzido para enfatizar o processo de aprendizagem e desenvolvimento do professor ao invés de seu processo de formação. O DPD surge, portanto, para demarcar uma diferenciação com a ideia de formação docente baseada em cursos que não estabelecem relação com o cotidiano e com as práticas profissionais. Entretanto, o termo DPD tem recebido múltiplas significações e vem sendo utilizado e associado a diferentes processos e atividades que não rompem com o conceito tradicional de formação, além de não contribuírem com a problematização e transformação das práticas escolares e com a emancipação dos professores. Diante dessa problemática, o presente artigo tem o propósito de desenvolver um ensaio teórico com o intuito de discutir o conceito de DPD relacionado à profissão docente, tendo por base os usos e significados que têm sido estabelecidos na literatura e na pesquisa. Para isso, é feita uma revisão bibliográfica de estudos e documentos sobre o tema, dando destaque, de um lado, aos aspectos contraditórios sobre o uso e o significado desse conceito no contexto brasileiro e, de outro, a alguns contextos e práticas indutores ou catalisadores de DPD, como a pesquisa do professor e sua participação em comunidades investigativas. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento profissional; formação docente; comunidades investigativas. Teacher professional development: an umbrella term or a new meaning to the teacher education? Abstract: The concept of teacher professional development (TPD) was coined to emphasize the process of learning and teacher development rather than its formation process. TPD appears, therefore, to delimit a distinction through the idea of teaching based on training courses that do not establish a relationship with the professional routine and practice. However, in practice the term TPD has received multiple meanings and has been used and associated with different processes and activities that do not break off the traditional concept of training and do not contribute to the questioning and to the transformation of school practices and empowerment of teachers. In face of such issue, this article aims to develop a theoretical discussion about the TPD concept related to the teacher profession, based on the uses and meanings that have been established in the literature and in research. In this regard, a review of studies and documents on the subject was conducted, remarking, on one hand the conflicting aspects about the use and the meaning of this concept in the Brazilian context and, on the other hand, some contexts and practices that are TPD inducers or catalysts, such as the teacher’s research and their participation in investigative communities. Keywords: Professional development; teacher education; inquiry communities. Este estudo tem como ponto de partida um recorte do projeto de doutoramento da primeira autora, sob a orientação do segundo autor, com financiamento da Fapesp (Processo 2013/12927-1) e faz parte também de um projeto maior do segundo autor, financiado pelo CNPq (PQ 1D – Processo 307476/2010-3), que tem, entre outros objetivos, o propósito de discutir, de modo conceitual e empírico, o desenvolvimento profissional e a constituição da profissionalidade docente em comunidades investigativas. Uma primeira versão deste artigo foi apresentado nos Anais do II Congresso Nacional de Formação de Professores e no XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores. 1 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 11 INTRODUÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO INICIAL Em decorrência de mudanças sociais, econômicas e culturais ocorridas nas últimas décadas, a educação tem sido destaque nas agendas de governo de diversos países. Entre os temas que se destacam, encontramos as discussões sobre o desenvolvimento profissional docente (DPD), termo guarda-chuva para vários tipos de atividades, processos e concepções de formação docente (SOWDER, 2007). Citando as instituições indutoras de DPD, Oliveira (2012) aponta que o conceito de desenvolvimento profissional foi trazido para a agenda global e regional nos últimos anos por influência de organismos internacionais, tais como: a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO); a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em relação ao contexto brasileiro, cabe destacar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) prevê o envolvimento de professores na participação de atividades relacionadas ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional. Nesse contexto, nos últimos anos, diariamente temos notícias de novos projetos voltados para supostas melhorias do ensino e da aprendizagem que incluem iniciativas dirigidas ao desenvolvimento profissional de professores. Ao propor projetos de indução ao DPD, Sowder (2007) aponta que muitas vezes os recursos são direcionados para oficinas e workshops que proporcionam aprendizagens superficiais e descontínuas aos professores. Na contramão dessas perspectivas, Darling-Hamond e Lieberman (2012) destacam que, em diversos países, consolidam-se práticas formativas articuladas ao desenvolvimento curricular, tais como planejamento colaborativo, Lesson Studies2 e realização de diferentes tipos de pesquisa-ação. No Brasil, também encontramos estudos, como os de Fiorentini et al. (2011) e Passos et al. (2006), que desenvolvem análises de práticas indutoras ou catalisadoras de DPD que inter-relacionam formação docente e mudança curricular em um contexto de colaboração e investigação entre formadores da universidade e professores da escola básica. Diante desse contexto de diferentes sentidos e significados atribuídos ao DPD, nosso intuito, neste artigo, é discutir teoricamente esse conceito e suas concepções. Para isso, realizamos uma revisão bibliográfica de estudos e documentos sobre o tema, dando destaque, de um lado, aos aspectos contraditórios do uso e significado desse conceito no contexto brasileiro e, de outro, a alguns contextos e práticas indutores ou catalisadores de DPD, como a pesquisa do professor e sua participação em comunidades investigativas. UMA BREVE DISCUSSÃO CONCEITUAL ACERCA DO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE O conceito de DPD surgiu na literatura educacional para demarcar uma diferenciação com o processo tradicional e não contínuo de formação docente (PONTE, 1998). O termo “forma-ação” profissional denota uma ação de formar ou de dar forma a algo ou a alguém. Essa ação de formar −, sobretudo, na formação inicial − tende a ser um movimento de “fora para dentro”. O formador exerce uma ação que supõe necessária para que o aluno adquira uma forma esperada pelas instituições ou pela sociedade, De acordo John Elliot (2012), o conceito de Lesson Studies surgiu no Japão e compreende a elaboração coletiva de aulas, por professores e especialistas, as quais são depois observadas, documentadas e analisadas por eles. 2 12 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br para atuar em um campo profissional. Por isso, o termo “formação” tem sido geralmente associado a cursos, oficinas e treinamentos. O DPD remete também ao processo ou movimento de transformação dos sujeitos dentro de um campo profissional específico. Nesse sentido, o termo desenvolvimento profissional (DP) tende a ser associado ao processo de constituição do sujeito, dentro de um campo específico. Um processo, portanto, de vir a ser, de transformar-se ao longo do tempo ou a partir de uma ação formativa. André, ao discutir o campo de estudo sobre formação de professores, aponta que tem encontrado, em anos mais recentes, [...] o conceito de desenvolvimento profissional docente em substituição à formação continuada (NÓVOA, 2008; IMBERNÓN, 2009; MARCELO, 2009). A preferência pelo seu uso é justificada por Marcelo (2009) porque marca mais claramente a concepção de profissional do ensino e porque o termo “desenvolvimento” sugere evolução e continuidade, rompendo com a tradicional justaposição entre formação inicial e continuada (2011, p. 26). Entretanto, cabe destacar que o próprio conceito de formação possui diferentes acepções, algumas delas próximas ao conceito de DPD, como mencionamos anteriormente, e outras mais distantes. Larrosa (1999), por exemplo, concebe a formação como uma ação de “dentro para fora”, uma ação protagonizada pelo próprio sujeito sobre si − autoformação −, para que venha a adquirir uma forma projetada pelo próprio sujeito da formação, tendo em vista seus desejos e projetos de vida. Esse processo, entretanto, é condicionado pelas circunstâncias sociais e políticas. Para Larrosa, uma experiência autenticamente formativa pode ser comparada metaforicamente a uma viagem aberta, na qual pode acontecer [...] qualquer coisa, e não se sabe onde vai chegar, nem mesmo se vai chegar a algum lugar. [...] E a experiência formativa seria, então, o que acontece numa viagem e que tem a suficiente força para que alguém se volte para si mesmo, para que a viagem seja uma viagem interior (1999, p. 52-53). Esse sentido de formação se aproxima, portanto, daquele anteriormente atribuído por alguns autores, como Ponte (1998), apenas ao DPD. Embora nós tenhamos também assumido a acepção de Larrosa para o termo formação, optamos por continuar utilizando o termo desenvolvimento profissional para destacar o processo contínuo de transformação e constituição do sujeito, ao longo do tempo, principalmente em uma comunidade profissional. Assim, temos assumido que os professores aprendem e se desenvolvem profissionalmente mediante participação em diferentes práticas, processos e contextos, intencionais ou não, que promovem a formação ou a melhoria da prática docente. Fiorentini, por exemplo, tem concebido o desenvolvimento profissional docente “como um processo contínuo que tem início antes de ingressar na licenciatura, estende-se ao longo de toda sua vida profissional e acontece nos múltiplos espaços e momentos da vida de cada um, envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais” (2008, p. 45). Day (1999) por sua vez, concebe o desenvolvimento profissional como um processo que envolve múltiplas “experiências espontâneas de aprendizagem”. O autor considera que essas experiências são marcos na descrição do desenvolvimento do professor e uma resultante de sua participação em atividades planejadas conscientemente e “realizadas para benefícios, direto ou indireto, do indivíduo, do grupo ou da escola” Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 13 (1999, p. 20). Segundo Day, essas atividades contribuem ainda para a qualidade da educação na sala de aula. Além disso, ao apontar alguns indicadores do desenvolvimento profissional dos professores, o autor os descreve como um [...] processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança, reveem, renovam e ampliam, individualmente ou coletivamente, o seu compromisso com os propósitos morais do ensino, adquirem e desenvolvem, de forma crítica, juntamente com as crianças, jovens e colegas, os conhecimentos, as destrezas e a inteligência emocional, essenciais para uma reflexão, planificação e práticas profissionais eficazes, em cada uma das fases das suas vidas profissionais (DAY, 1999, p. 20 e 21). Almeida (2000) complementa destacando que o desenvolvimento profissional pressupõe a ideia de crescimento, de evolução e de ampliação das possibilidades de atuação dos professores. O último aspecto é fundamental à manutenção do DPD em uma comunidade profissional: [...] há que se compatibilizar duas dimensões, que se manifestam como inseparáveis na prática docente: a qualificação do professor e as condições concretas em que ele atua. Isso é confirmado pelas linhas de pesquisa mais recentes, que, ao buscar compreender a atividade docente e propor alternativas à preparação dos seus profissionais, apontam para a inseparabilidade entre formação e o conjunto das questões que historicamente têm permeado o seu fazer educativo: salário, jornada, carreira, condições de trabalho, currículo, gestão, etc. (ALMEIDA, 2000, p. 2). Apesar de o conceito ser relativamente amplo, alguns autores, de forma propositiva, apontam práticas que julgam eficazes ao desenvolvimento profissional dos professores. Esse é o caso de Sowder (2007) que, em vasta revisão bibliográfica, sintetiza que as perspectivas bem-sucedidas de desenvolvimento profissional de professores de matemática compreendem: a participação dos professores para decidir aspectos sobre a intervenção pedagógica; o apoio das várias partes interessadas; o envolvimento na resolução colaborativa de problemas ao longo do tempo; a avaliação formativa e a adequada instrução. Nessa mesma perspectiva, Darling-Hammond et al. (2009) destacam que as práticas eficazes de desenvolvimento profissional: a) ocorrem de modo intensivo e contínuo; b) são conectadas às práticas docentes; c) o foco de atenção incide sobre a aprendizagem dos alunos; d) são planejadas para atender aos conteúdos curriculares específicos; e) são alinhadas às prioridades e às metas de melhoria do ensino e f) são projetadas para construir relações fortes entre os professores. No Brasil, desde o final dos anos 1990, tanto a teoria como a prática do desenvolvimento profissional de professores de matemática, articulados ao desenvolvimento curricular, vêm sendo contempladas e despertado o interesse de alguns grupos de pesquisa. Esse é o caso, por exemplo, dos grupos de pesquisa: Prática Pedagógica em Matemática (PRAPEM), Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formação de Professores de Matemática (GEPFPM) e Grupo de Sábado (GdS), todos com sede na Unicamp. Nossa trajetória de trabalho e pesquisa no Brasil tem consistido em articular os problemas e desafios da formação e do desenvolvimento profissional de professores com o desenvolvimento do currículo escolar. Isso nos trouxe a convicção de que pesquisadores de universidades, professores da escola e futuros professores podem juntos, constituir uma comunidade profissional, onde aprendem a lidar com a diversidade e heterogeneidade da escola, visando à qualidade de uma educação possível para o grande contingente de alunos de classes menos favorecidas. Nessa 14 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br comunidade, os professores da escola trazem seus problemas e desafios e os formadores de professores e futuros professores tentam atuar/trabalhar em função dessas demandas. [...] Essa inter-relação entre formação docente e mudança curricular, nos levou [...] a assumir uma postura política e epistemológica, que consiste em reconhecer e investir na capacidade de os professores promoverem o conhecimento profissional, as mudanças curriculares e o desenvolvimento profissional, de forma colaborativa e investigativa (FIORENTINI et al., 2011, p. 214-215). Passos et al. (2006) desenvolveram uma pesquisa meta-analítica sobre 11 dissertações e teses acadêmicas produzidas no Brasil que tiveram como objeto de estudo o desenvolvimento profissional de professores de matemática. Nesse estudo, foram identificados e analisados pelo menos três diferentes tipos recorrentes de práticas consideradas potencialmente catalisadoras de desenvolvimento profissional: as práticas reflexivas, as práticas colaborativas e as práticas investigativas. Embora não exista um conceito único de desenvolvimento profissional, há estudos nacionais e internacionais que concordam sobre a necessidade da participação plena dos professores, seja na elaboração de tarefas e práticas concernentes ao próprio desenvolvimento profissional, seja na realização de estudos e investigações que tenham como ponto de partida as demandas, problemas ou desafios, que os professores trazem de seus próprios contextos de trabalho na escola. Por outro lado, Sowder (2007), ao discutir o significado genérico de DPD, apoia-se nos estudos de LoucksHorsley, para apontar, entre outras coisas, que o termo pode significar em determinados contexto: a) implementação de currículo; b) seleção de materiais didáticos; c) participação em redes de profissionais ou grupos de estudo; d) pesquisa-ação; e) estudos de caso e f) participação em oficinas e seminários, etc. ASPECTOS CONTRADITÓRIOS DA UTILIZAÇÃO DO CONCEITO DE DP NO BRASIL Os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 1998), divulgados pelo MEC, compreendem a formação do professor como um processo contínuo, sendo o desenvolvimento profissional parte integrante de toda a carreira docente: A formação é aqui entendida como processo contínuo e permanente de desenvolvimento profissional, o que pede do professor disponibilidade para a aprendizagem; da formação, que o ensine a aprender; e do sistema escolar no qual ele se insere como profissional, condições para continuar aprendendo. Ser profissional implica ser capaz de aprender sempre (BRASIL, 1998, p. 63). O MEC (BRASIL, 2002) também propõe que secretarias estaduais e municipais apostem em uma perspectiva de desenvolvimento profissional na qual professores e gestores se engajem em estudos coletivos, na avaliação dos resultados e no planejamento pedagógico dentro das próprias escolas nos horários dedicados à jornada extraclasse. Apesar dessas orientações oficiais, o estudo de Fiorentini e Crecci (2012) aponta que o Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), institucionalizado na rede estadual paulista desde o final da década de 1980, tornou-se um espaço controlado burocraticamente pelos gestores escolares, sendo geralmente obrigados a reportar, às diretorias de ensino, relatórios, por exemplo, sobre o desempenho de alunos nas avaliações externas. Logo, as políticas vinculadas às avaliações e aos testes têm comprometido o desenvolvimento profissional dos professores que ficam à mercê de uma política de prestação de contas, em detrimento da realização de estudos que tomam a prática de ensinar como objeto de reflexão e investigação. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 15 Ainda acerca do modo como ocorre o desenvolvimento profissional docente em estados e municípios brasileiros, Davis et al. (2011) investigaram as práticas de desenvolvimento profissional docente em algumas secretarias municipais e estaduais, e identificaram duas perspectivas predominantes: a individualizada, que tenta suprir os déficits da formação inicial dos professores por meio de cursos e oficinas, e a colaborativa, que enfoca atividades realizadas predominantemente nas escolas, com ênfase no trabalho compartilhado. Nesta pesquisa, os resultados apontaram que grande parte das instituições investigadas centram suas políticas em “cursos preparados por especialistas para aprimorar os saberes e as práticas docentes. A literatura a respeito (IMBERNÓN, 2010; SZTAJN; BONAMINO; FRANTO, 2003; FULLAN, 1995, 2006; CANDAU, 1997) questiona esse formato pelo fato de ser, entre outros fatores, basicamente instrumental” (DAVIS et al., 2011, p. 838). Assim, no Brasil, o modelo majoritário de práticas indutoras ou catalisadoras de desenvolvimento profissional pode ser considerado ainda fortemente alinhado ao modelo da racionalidade técnica.3 No contraditório contexto brasileiro, chama a atenção o não cumprimento, por diversos estados e municípios brasileiros, da Lei nº 11.738 que prevê um piso nacional aos professores e 1/3 da jornada de trabalho dedicada a atividades extraclasse. Os professores de diversas partes do país reagiram ao não cumprimento da lei. Para citar apenas um exemplo, os professores do Grupo de Sábado (GdS) organizaram um manifesto4 dirigindo críticas à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seesp) que, em vez de cumprir a jornada prevista na lei e apostar na capacidade dos professores de se organizarem em espaços de formação contínua, oferecem cursos parcialmente presenciais de especialização, geralmente descontextualizados da prática docente. De acordo com o manifesto, esses cursos “não tomam como referência os desafios postos ao professor de matemática na escola atual, não acompanham de perto a implementação de alternativas metodológicas e o desenvolvimento curricular nas unidades escolares” (GRUPO DE SÁBADO, 2010). A opinião desses professores acerca dos cursos que a Seesp oferece vai ao encontro do que Fiorentini (2008), tendo por base Nóvoa, aponta como modelo estrutural de formação continuada. Nessa perspectiva, a formação estrutura-se sob a concepção da racionalidade técnica, pressupondo apropriação prévia de conhecimentos, geralmente distanciados das práticas dos professores, para depois serem aplicados na prática escolar. De outra parte, o modelo construtivo de formação docente, conforme Fiorentini (2008), pressupõe a existência de um processo contínuo de reflexão interativa e contextualizada sobre as práticas pedagógicas e docentes, articulando as práticas formativas com as práticas profissionais. É comum, nessa concepção de desenvolvimento profissional, a constituição de grupos de estudo e de pesquisa-ação, os quais analisam as práticas vigentes e inovadoras, elaboraram conjuntamente projetos de intervenção na prática, seguidos de momentos de registro/documentação das atividades educativas e de reflexão/análise sistemática dessas atividades. Dessa forma, no modelo construtivo, o ponto de partida e de chegada da formação docente são as práticas e os saberes que os professores trazem, produzem e mobilizam nos diferentes contextos do ambiente escolar. Para Schön, a racionalidade técnica: “é uma epistemologia da prática derivada da filosofia positivista [...] [no ponto de vista da racionalidade técnica] os profissionais são aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos” (2000, p. 15). 3 Nesta análise teórica, tomamos esse manifesto como um documento para a análise do desenvolvimento profissional docente na perspectiva de professores que ensinam matemática. Disponível em <http://www.grupodesabado.blogspot.com.br/search/label/Manifestos>. Acesso em: 5 jan. 2014. 4 16 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Esse modo construtivo de compreender a formação continuada de professores está de acordo com as reivindicações dos docentes do GdS quando indicam a possibilidade de criação de grupos colaborativos para discutirem e investigarem “as práticas em sala de aula, permitindo não apenas a relação entre teoria e prática, mas também momentos para a reflexão dessas relações” (GRUPO DE SÁBADO, 2010). A perspectiva desses professores encontra suporte nos estudos de Cochran-Smith e Lytle (2009), pois pressupõe uma relação dialética entre teoria e prática, de forma que ambas possam ser mutuamente problematizadas, compreendidas e transformadas pelos profissionais de comunidades investigativas locais que mantêm interlocução crítica com as comunidades globais. A PESQUISA E AS COMUNIDADES INVESTIGATIVAS COMO CATALISADORAS DO DPD O estudo de Passos et al. (2006) apresenta, como uma das principais conclusões, que a prática reflexiva do professor ganha força e poder de desenvolvimento profissional se ela for compartilhada e desenvolvida em uma comunidade colaborativa que assume a investigação como postura e prática social. Nessas comunidades, os professores da escola têm oportunidade de compartilhar experiências e conhecimentos e, nesse processo, desenvolvem-se profissionalmente. Configura-se, assim, a ideia de que a aprendizagem docente e o desenvolvimento profissional resultam de empreendimentos coletivos que podem envolver parceria entre universidade e escola, ao invés de iniciativas individuais, seja por parte do professor da escola ou do formador da universidade em uma perspectiva que muitas vezes consiste em tentativas de colonizar a prática escolar e seus professores. Na contramão das políticas públicas, cabe ressaltar que iniciativas como essas têm surgido no Brasil, principalmente após os anos 1990. Elas envolvem a parceria entre professores universitários e professores da escola básica que se dedicam à reflexão sobre as práticas de ensinar e aprender na sala de aula. Tendo por base os estudos de Cochran-Smith e Lytle (2009), os grupos de estudos que congregam acadêmicos e professores da escola básica desenvolvem reflexões e investigações sobre a própria prática pedagógica. Esses grupos podem ser considerados como comunidades investigativas locais. Fiorentini destaca que grupos com as características apontadas acima têm se constituído em uma “alternativa para o desenvolvimento profissional de professores e de produção de um repertório de saberes profissionais fundamentados em investigações sobre a prática de ensinar e aprender” (2010, p. 577). Quando professores se expõem perante seus colegas, Cochran-Smith (2012) denomina esse movimento de desprivatização das práticas. Isso ocorre à medida que professores participam de contextos colaborativos, como nas comunidades investigativas nas quais podem contar com o apoio mútuo de colegas, gestores escolares e pesquisadores. Em uma comunidade investigativa local, seus membros buscam e constroem novos conhecimentos ao examinarem os modos de ensinar e aprender nas escolas. Assume-se, então, que os professores aprendem e se desenvolvem profissionalmente “quando geram conhecimentos locais da prática através do trabalho em comunidades investigativas para teorizar e construir seu trabalho, conectando-os ao contexto social, cultural e político” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002, p. 2465). Dessa maneira, o desenvolvimento profissional em comunidades investigativas ocorre à medida que os professores realizam, conjuntamente, questionamentos sobre suas próprias práticas, teorizam e Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 17 sistematizam sobre elas. A partir de práticas investigativas em comunidades, os professores podem planejar atividades que serão realizadas em sala de aula, desenvolver material didático e escrever narrativas sobre os modos de ensinar e aprender. Podem ainda compartilhar e analisar atividades desenvolvidas em sala de aula, realizar estudos a partir de questões emergentes da prática pedagógica e ressignificar a literatura da área, etc. Sobre a natureza das comunidades, cabe destacar que toda comunidade investigativa é também uma comunidade de aprendizagem e de prática. Mas nem toda comunidade de aprendizagem, mesmo que seja reflexiva, é por decorrência uma comunidade investigativa. A prática reflexiva difere da prática investigativa por esta última exigir um processo sistemático de tratamento de um fenômeno ou problema educativo. A prática investigativa do professor, ou futuro professor, pressupõe um processo metódico de coleta e tratamento de informações. Exige que o professor-investigador, a partir de uma determinada perspectiva (recorte, foco ou questão investigativa), faça registros escritos, organize suas ideias, revise e analise suas práticas, buscando e produzindo, para, assim, atingir uma melhor compreensão do trabalho docente. E, no final desse processo, “apresente publicamente um relatório final escrito do estudo desenvolvido” (Fiorentini; Lorenzato, 2009, p. 75). Desse modo, investigar a própria prática é uma aprendizagem que ocorre mediante a participação em comunidades de postura investigativa (CRECCI; FIORENTINI, 2013). Fiorentini, tomando por base a perspectiva da teoria social da aprendizagem em comunidades de prática, desenvolvida por Lave e Wenger, aponta que: [...] toda aprendizagem é situada em uma prática social que acontece mediante participação ativa em práticas de comunidades sociais e construção de identidades com essas comunidades. Os saberes em uma comunidade de prática (CoP) são produzidos e evidenciados através de formas compartilhadas de fazer e entender dentro da comunidade, as quais resultam de dinâmicas de negociação, envolvendo participação ativa e reificação de sua prática (2013, p. 157). Nesse sentido, “a participação se baseia sempre em negociações e renegociações de significados situados no mundo. Isso implica que o entendimento e a experiência estão em constante interação – de fato, são mutuamente constitutivos” (Lave; Wenger, 2002, p. 168 e 169). Compreende-se, assim, a participação como um processo pelo qual os membros de uma comunidade compartilham, discutem e negociam significados sobre o que fazem, falam, pensam e produzem conjuntamente (Fiorentini, 2009). Tomando por base os estudos de Wenger, Fiorentini compreende que reificação “significa tornar em coisa, a qual não se refere apenas a objetos materiais ou concretos (textos, tarefas, materiais manipulativos). Refere-se também a conceitos, ideias, rotinas, registros escritos e teorias que dão sentido às práticas da comunidade” (2013, p. 157). Tendo em vista essa perspectiva de aprendizagem situada em comunidades de prática, uma possibilidade para pesquisar o desenvolvimento profissional e a aprendizagem docente de professores que participam de comunidades investigativas tem sido a análise narrativa sobre a experiência de participação de professores nesses espaços (FIORENTINI, 2013). Dessa maneira, compreender de modo narrativo as práticas e a vida de cada professor implica narrar “os processos de constituição de sua profissionalidade docente, destacando, em uma perspectiva diacrônica, as 18 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br singularidades, tensões e circunstâncias ao longo de sua trajetória de vida e prática pessoal e profissional” (Fiorentini, 2012, p. 15). De forma diversa, “a aprendizagem situada em uma comunidade pode ser captada mediante descrição e análise dos processos de participação e reificação dos participantes nessa comunidade” (FIORENTINI, 2013, p. 163). Nesse sentido, para investigar os processos de constituição das(s) identidade(s) dos professores em comunidades investigativas, é necessário dar-lhes voz e vez. Uma possibilidade para isso tem sido a análise de materiais escritos pelos próprios professores, bem como a textualização de entrevistas e a pesquisa praticante, em que os professores tomam seu desenvolvimento profissional e sua aprendizagem docente como eixos analíticos. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 19 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS Como discutimos neste texto, o termo “desenvolvimento profissional” tem sido com frequência utilizado e apropriado com diferentes acepções pelas políticas públicas e pelos acadêmicos. Nesse sentido, André alerta que “ao se decidir adotar o desenvolvimento profissional docente como objeto da área de formação de professores, deve-se ter em mente sua amplitude e, portanto, assumir todas as consequências que essa opção acarreta” (2011, p. 26). Desse modo, observamos que cada um se apropria desse conceito de acordo com seus interesses, concepções e conveniências. Assim, muitas práticas promotoras de DPD têm sido projetadas e implementadas por instituições como secretarias municipais e estaduais de educação, universidades e ONGs. A maioria dessas instituições é influenciada pelas campanhas e políticas do Ministério da Educação (MEC) e, mais recentemente, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – Educação Básica. Há, também, iniciativas mais independentes de formação de grupos colaborativos ou de comunidades investigativas locais, como mostramos neste artigo. Este é o caso dos estudos de Cochran-Smith e Lytle (2009) e Fiorentini (2010, 2013), entre outros no Brasil, em que os professores da escola e futuros professores desenvolvem investigações sobre suas práticas de ensinar e aprender e os pesquisadores da universidade investigam o processo de DPD dos participantes nesse contexto. Também tentamos discutir modos de investigação desse movimento de desprivatização das práticas, mediante participação em comunidades investigativas. Em relação às políticas públicas, merece destaque a iniciativa da Capes – Educação Básica, que promove e coordena o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)5, oportunizando, assim, uma formação profissional de futuros professores e de professores em exercício na escola básica, sob a perspectiva do DPD. De acordo com André, programas de iniciação à docência que incluam estratégias de apoio, acompanhamento e capacitação, podem “fazer com que os iniciantes se convençam de quão importante é a adesão a um processo contínuo de desenvolvimento profissional” (2012, p. 116). Estes programas e seus projetos, entretanto, necessitam de maior acompanhamento, investigação e avaliação sobre suas possibilidades e contribuições ao DPD. Esta é uma tarefa dos centros de pesquisa em educação e, principalmente, dos grupos de pesquisa sobre formação de professores. Por outro lado, observa-se que ainda persistem cursos e oficinas esporádicos de formação docente, oferecidos de tempos em tempos, muitos de curta duração, nos programas de formação continuada induzidos ou contratados pelas secretarias de educação. Esses cursos e oficinas são, muitas vezes, chamados equivocadamente de desenvolvimento profissional, pois, na verdade, pouco contribuem ao DPD e à emancipação cultural e profissional dos professores, principalmente porque não abrem espaço para os professores explorarem e problematizarem suas próprias práticas. Enfim, como modo de resposta à pergunta título “O termo DPD representa apenas um termo guardachuva ou um novo sentido à formação?” podemos afirmar que tanto a comunidade acadêmica quanto a comunidade profissional de professores que atuam nas escolas, precisam aprofundar o estudo e a 5 Os projetos devem promover a inserção dos estudantes no contexto das escolas públicas desde o início da sua formação acadêmica para que desenvolvam atividades didático-pedagógicas sob orientação de um docente da licenciatura e de um professor da escola. 20 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br compreensão de programas e políticas de formação docente, sobretudo, em relação aos pressupostos e concepções formativas que os sustentam. Isso implica, de um lado, desvelar os sentidos e significados que estão subjacentes às pesquisas, aos programas e às suas normatizações discursivas e, de outro, mobilizar os próprios professores e formadores de professores para que projetem e desenvolvam práticas alternativas de formação profissional que sejam capazes de realmente promover e catalisar o DPD. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 11-23, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 21 REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. I. Desenvolvimento profissional docente: uma atribuição que também é do sindicato. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 23., 2000, Caxambu. Anais.... Caxambu: ANPED, 2000. ANDRÉ, M. Políticas e programas de apoio aos professores iniciantes no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, v. 42, n. 145, p. 112-129, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-15742012000100008>. Acesso em: 1 dez. 2014. ANDRÉ, M. Pesquisa sobre Formação de Professores: tensões e perspectivas do Campo. 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Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 23 ARTIGOS FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADES, DESAFIOS E PERSPECTIVAS Lidiane Gonzaga Chiare Rita Buzzi Rausch RESUMO: Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo desvelar as possibilidades e os desafios da formação continuada, observados em um Centro de Educação Infantil pertencente à rede pública municipal de Blumenau (SC). De cunho qualitativo, a coleta de dados foi realizada por meio da observação dos encontros de formação continuada realizados no interior da instituição no decorrer do ano 2010, e de entrevistas realizadas com profissionais integrantes dessa formação. Como possibilidades figuram o estudo de situações práticas decorrentes de seus contextos de trabalho e o exercício da reflexão docente, que têm lhes permitido avaliar criticamente ações pedagógicas já praticadas e, ao mesmo tempo, tomar decisões relacionadas às suas ações pedagógicas futuras. Em contrapartida, os desafios que permeiam sua realização apontam para a ampliação do tempo e das condições sob as quais a formação continuada é praticada no interior da instituição. Como perspectiva para a superação desses desafios, destacamos a necessidade de que se assumam as responsabilidades de todos os sujeitos envolvidos – pais, gestores e profissionais – frente a uma gestão compartilhada da Educação Infantil, que busque a elaboração de políticas de formação eficientes, permitindo consolidar a formação continuada de maneira integral e permanente entre as atividades desenvolvidas na instituição. PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; formação continuada; Educação Infantil. Continuing education for teachers of early childhood education: opportunities, challenges and prospects Abstract: This article presents the results of a research that aimed to uncover the possibilities, challenges and perspectives in continuing education verified in a municipal public Early Childhood Center in Blumenau (SC). Data collection was qualitative-oriented and conducted through continuing education meetings held within the institution during the year 2010, as well as interviews with six professionals of that institution. As possibilities, the professionals pointed out the study of practical issues arising from their work contexts, and the exercise of teacher reflection, which have allowed them to critically evaluate educational activities already practiced, and at the same time make decisions regarding their future educational activities. However, the challenges that permeate their achievement point to the extension of time and conditions under which continuing education is practiced within the Early Childhood Center. As a possible perspective to overcome those challenges, we highlight the need of taking the respoin face of a shared management of Early Childhood Education that seeks the development of effective training policies, fully and permanently consolidating the training activities developed by the institution. Keywords: Teacher education; continuing education; early childhood education. 24 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br INTRODUÇÃO O objeto de estudo desta pesquisa volta-se à formação docente no campo da Educação Infantil. Nesse sentido, entendemos ser importante, inicialmente, apresentar brevemente a situação dessa etapa da educação básica no cenário brasileiro. Vinculada a um passado de práticas predominantemente assistencialistas e compensatórias, a Educação Infantil brasileira passou a se constituir como “direito da criança” a partir da Constituição Nacional de 1988. A década de 1990 se configurou em um período de discussões sobre esse direito, tendo como marco principal o reconhecimento da Educação Infantil como a “primeira etapa da educação básica” na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (BRASIL, 1996). A partir desse fato, as discussões sobre as necessidades formativas específicas para o profissional que atua com a criança pequena vêm crescendo a cada ano. Essas discussões vão desde a formação inicial oferecida em nível de graduação nos cursos de Pedagogia até a oferta de formação continuada para esses profissionais, como prática a ser garantida pelas redes de ensino. Conforme preceituado no artigo 62, inciso 1º da Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 1996), “a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério”. No Referencial para a Formação de Professores (BRASIL, 2002, p. 68), a formação continuada é definida como [...] necessidade intrínseca para os profissionais da educação escolar, e faz parte de um processo permanente de desenvolvimento profissional que deve ser assegurado a todos. A formação continuada deve propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas educacionais e apoiar-se numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de autoavaliação que oriente a construção contínua de competências profissionais. [...] a perspectiva de formação continuada que aqui se propõe está intimamente ligada à existência dos projetos educativos das escolas de educação básica (de educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos), e pode acontecer tanto no trabalho sistemático dentro do espaço da escola quanto fora dela, mas sempre com repercussão em suas atividades. A formação continuada feita na própria escola acontece na reflexão compartilhada com toda a equipe, nas tomadas de decisão, na criação de grupos de estudo, na supervisão e orientação pedagógica, na assessoria de profissionais especialmente contratados, etc. Embora a oferta de formação continuada seja um direito garantido pela legislação aos profissionais da educação básica e esteja contemplada em documentos de âmbito nacional, o acesso e as condições sob as quais ela é ofertada aos profissionais de Educação Infantil ainda se configuram, atualmente, como desafios a serem superados. Kramer (2006, p. 804) aponta que: A formação de profissionais da educação infantil – professores e gestores – é um desafio que exige a ação conjunta das instâncias municipais, estaduais e federal. Esse desafio tem muitas facetas, necessidades e possibilidades, e atuação, tanto na formação continuada (em serviço ou em exercício, como se tem denominado a formação daqueles que já atuam como professores) quanto na formação inicial no ensino médio ou superior. Candau (2007, p. 140) também destaca que a discussão acerca da formação continuada “tem estado presente em todos os esforços de renovação pedagógica promovidos pelos sistemas de ensino ao longo dos tempos”. Entretanto, apesar dos esforços empreendidos para consolidar essa prática, o que se tem observado na maioria dos projetos realizados nos diferentes sistemas de ensino e centros de formação Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 25 de professores é a formação continuada praticada sob a perspectiva clássica (CANDAU, 2007). Quando praticada nessa perspectiva, a formação continuada é caracterizada pela realização de atividades que enfatizam a reciclagem profissional, que consiste no ato de “refazer o ciclo, atualizar a formação recebida” (CANDAU, 2007, p. 141). Entre as possibilidades de reciclagem figuram, de acordo com a autora, os cursos promovidos pelas Secretarias de Educação e a participação em simpósios, congressos e encontros que orientam, de alguma forma, o desenvolvimento profissional dos professores. A perspectiva clássica de formação continuada está atrelada à presença dos profissionais nesses espaços, “considerados tradicionalmente como o locus do conhecimento”, e tem sido “o sistema habitual de formação continuada dos profissionais do magistério” (CANDAU, 2007, p. 141). No presente artigo, trazemos tais questões para a realidade do município de Blumenau (SC), no qual realizamos nossa pesquisa. Nesse município, tem sido possível identificar, entre as práticas da rede pública municipal, a oferta de formação continuada aos profissionais que atuam na Educação Infantil. Sob diferentes nomenclaturas e gestões públicas, a formação continuada tem sido ofertada aos profissionais de educação infantil sob a perspectiva clássica de formação, tradicionalmente organizada no formato de palestras, seminários e cursos. Entretanto, os resultados da pesquisa que aqui apresentamos incidem sobre uma proposta de formação instituída recentemente nos Centros de Educação Infantil municipais, intitulada Projeto de Formação no CEI. Essa modalidade de formação continuada vem sendo praticada no interior dos Centros de Educação Infantil de Blumenau desde o ano 2006 e tem veiculado aos profissionais de Educação Infantil a possibilidade de formar-se a partir de seus contextos de trabalho, contribuindo para a superação do modelo clássico de formação até então predominante entre as práticas de formação continuada instituídas no município. A formação continuada centrada no ambiente das escolas é uma perspectiva defendida por Nóvoa (1995). Para o autor, “as situações que os professores são obrigados a enfrentar apresentam características únicas, exigindo, portanto, respostas únicas” (1995, p. 27). Nesse sentido, as práticas de formação instituídas nos espaços educativos devem tomar como referência as dimensões individuais e coletivas da profissão docente, num movimento que compreenda o compartilhamento de experiências entre pares e a autonomia de cada professor acerca “da responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional” (1995, p. 27). Nóvoa aponta a necessidade de passar a formação de professores para “dentro” da profissão, tomando como base as situações vivenciadas em contextos escolares, conferindo aos professores a oportunidade de dialogar entre pares em sua própria instituição, na busca de soluções que venham ao encontro dos dilemas e das experiências de cada equipe de ensino em sua realidade singular. Remetendo esse pensamento ao contexto da Educação Infantil, isso implica oferecer aos profissionais espaços de avaliação e discussão entre as demais atividades desenvolvidas nas instituições, para que a formação aconteça como um processo contínuo e integrado ao cotidiano, configurada não somente como necessidade, mas como direito e premissa para a oferta de uma Educação Infantil de qualidade. Nossa pesquisa insere-se nesse contexto. O artigo que apresentamos aqui é parte de uma pesquisa mais ampla que resultou na dissertação de mestrado intitulada Formação continuada de professores: desvelando a trajetória constituída no interior de um Centro de Educação Infantil de Blumenau – SC. Um de seus objetivos foi expor as possibilidades e desafios da formação continuada, constituída e praticada no interior do “CEI Movimento”, nome criado pelas pesquisadoras no intuito de preservar a identidade da instituição. E é exatamente a produção voltada a esse objetivo que será relatada neste artigo. Apresentamos a seguir os caminhos metodológicos percorridos para a realização dessa investigação e, na sequência, a análise dos dados, que foi organizada em três categorias: o investimento no estudo de situações práticas; 26 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br o exercício da reflexão docente; e os desafios frente ao tempo e à organização da formação. Ao final, pontuamos, a partir dos resultados, perspectivas para a formação continuada dos profissionais que atuam na Educação Infantil. CAMINHOS METODOLÓGICOS A abordagem desta pesquisa é de caráter qualitativo. Esse tipo de pesquisa, conforme destacam Bogdan e Biklen (1994, p. 47-51), caracteriza-se quanto [...] à fonte dos dados, que na pesquisa qualitativa é o ambiente natural onde acontecem as atividades educativas; ao caráter descritivo da investigação; ao interesse do investigador pelo processo, não simplesmente pelos resultados ou produtos; pela tendência a uma análise indutiva dos dados; pela importância vital do significado. Tal modelo metodológico de investigação adotado nesta pesquisa possibilitou a compreensão mais abrangente dos fenômenos educacionais observados no contexto real do CEI, e permitiu que nos preocupássemos mais com o processo que com o produto da investigação, e que ficássemos atentos aos seus significados. O campo de investigação foi um Centro de Educação Infantil (CEI) definido pela Secretaria Municipal de Educação como uma instituição com movimentos formativos de vanguarda constituídos em seu interior. Em conversa com a direção do referido centro, constatamos que, no ano 2010, o Projeto de Formação no CEI foi programado no calendário da instituição para acontecer bimestralmente entre os meses de abril e novembro, perfazendo a carga horária total de 20 horas, dividida em cinco encontros de quatro horas. Embora o projeto fosse uma atividade orientada pela Secretaria Municipal de Educação, cabia a cada CEI a elaboração de seu calendário, com autonomia para a escolha dos temas e da modalidade de formação que seria adotada em cada encontro. A seguir apresentamos o cronograma, cujos temas foram selecionados pela instituição para serem refletidos nos encontros de formação no CEI Movimento no ano de 2010: QUADRO 1 – CRONOGRAMA DOS ENCONTROS DE FORMAÇÃO NO CEI MOVIMENTO Encontros Datas Temas 1º 11/05/10 Conhecendo novos espaços – visita ao CEI “W” 2º 08/06/10 Um encontro com a música 3º 17/08/10 Indissociabilidade entre o educar e o cuidar 4º 05/10/10 Conhecendo novos espaços – visita ao CEI “Y” 5º 23/11/11 Reflexão, avaliação, ressignificação do Projeto de Formação no CEI FONTE: Informações coletadas junto à Direção do CEI Movimento. Como o fechamento da instituição para a realização de encontros de formação não é autorizado pela Secretaria Municipal de Educação, os encontros foram organizados no sistema de revezamento, ocorrendo simultaneamente ao atendimento das crianças matriculadas. Por esse motivo, a equipe de profissionais foi organizada em dois grupos e os encontros de formação foram ofertados em períodos alternados. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 27 Fomos autorizadas pela instituição a participar dos cinco encontros de formação do período vespertino planejados para 2010, dos quais participaram dez profissionais do CEI. Além da observação, realizamos entrevistas semiestruturadas com seis profissionais do CEI, com o intuito “de obter dados comparáveis entre os vários sujeitos” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 135). Convidamos as seis profissionais que possuíam mais tempo de carreira na referida instituição. Tal escolha se deu pelo fato de entendermos que essas profissionais poderiam nos fornecer informações sobre a trajetória de formação constituída no local. Apresentamos a seguir alguns dados referentes às profissionais entrevistadas: QUADRO 2 – INFORMAÇÕES SOBRE OS SUJEITOS ENTREVISTADOS Sujeito Função Anos de serviço Anos de serviço no na Educação Centro de Educação Infantil Infantil Movimento 6 3 Formação Acadêmica Graduação em Pedagogia e S1 Educadora S2 Educadora Graduação em Pedagogia 18 16 S3 Educadora Graduação em Pedagogia 13 13 S4 Educadora Graduação em Pedagogia 16 14 S5 Educadora Graduação em Pedagogia 12 12 20 15 Especialização em Artes Graduação em Educação Física, S6 Diretora Especialização em Gestão, Orientação e Supervisão Escolar Fonte: Dados da pesquisa. Consideramos relevante destacar que, embora todos os profissionais entrevistados sejam do sexo feminino, a designação do termo “sujeitos” para nominá-los foi adotada como procedimento para preservação de suas identidades, aspecto que foi solicitado por eles no ato das entrevistas. Apresentamos a seguir a análise do estudo, organizada em categorias definidas a posteriori, a partir das recorrências nos dizeres das profissionais entrevistadas, bem como nos registros das observações dos encontros de formação. Os dados foram organizados em três categorias: o investimento no estudo de situações práticas; o exercício da reflexão docente; e os desafios frente ao tempo e à organização da formação. O INVESTIMENTO NO ESTUDO DE SITUAÇÕES PRÁTICAS Compreendemos que a formação continuada adquire maior sentido quando possibilita a interlocução, entre os profissionais que dela participam, de saberes manifestados por meio da interação dialogada acerca de situações enfrentadas por eles no cotidiano. De acordo com Nóvoa (2009), as respostas para as situações práticas que os professores vivenciam podem ser encontradas mediante a articulação de conhecimentos teóricos com os saberes adquiridos por eles através do exercício da profissão. Nessa perspectiva, a formação continuada deve ser o espaço favorável para esse exercício. 28 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br A relevância dessa questão pode ser observada ao nos voltarmos para o nosso contexto de pesquisa. No ato das entrevistas que realizamos com seis sujeitos, dois se manifestaram sobre o estudo de situações práticas como possibilidade a ser contemplada na formação atualmente praticada no interior do CEI Movimento: “Eu penso que o importante da formação é trazer pessoas que conheçam a realidade, que falem de algumas situações da sala, pois é interessante pra poder trocar com a gente uma experiência. Porque se a pessoa vai lá na frente e fala e a gente só escuta, se ela não relaciona com a realidade do dia a dia, da prática, não fica tão interessante.” (S1) “Eu gosto da formação quando ela... é lógico, que a teoria e a prática, elas andam juntas, e eu gosto assim, quando fala da teoria, mas sempre demonstrando como se reflete na prática. Porque assim se discute mais. Porque, às vezes, tu vais nas formações por aí, e o palestrante tá lá, falando, falando... e tu tens que só ficar ouvindo. Então, isso pra mim, não. Eu acho que na formação aqui dentro tu tens que poder falar junto, dar a tua opinião, ouvir é claro, mas também falar da tua prática. Pra mim é isso.” (S4) Entre os aspectos mais significativos da formação constituída no interior do CEI Movimento, S1 destacou em seus dizeres que a possibilidade de abordar as situações práticas vivenciadas pelos profissionais no cotidiano como conteúdo a ser tratado na formação contribui para que ela se torne mais significativa. A valorização das situações práticas foi enfatizada também nos dizeres de S4, ao mencionar que a teoria deve ser vinculada, no ato da formação, às demandas que emergem a partir das vivências dos docentes. Sobre essa questão, Nóvoa (2009) postula que o estudo de casos concretos, embora derive, essencialmente, das práticas docentes, deve ser resolvido por meio de análises que mobilizem, também, conhecimentos teóricos. Assim, compreendemos que investir no estudo de situações práticas nos processos formativos não diz respeito apenas a “adotar derivas praticistas, nem de acolher tendências anti-intelectuais na formação de professores” (NÓVOA, 2009, p. 30), desinvestindo o saber teórico; trata-se de articular esses saberes. Por meio da formação, precisamos que se originem conhecimentos pertinentes “que não sejam mera aplicação prática de qualquer teoria” (NÓVOA, 2009, p. 32), mas sim saberes construídos por meio de esforços coletivos de reelaboração, dos quais os professores participem ativamente. A participação ativa dos professores nos momentos de formação foi outro aspecto que se destacou entre os dizeres de S1 e S4. Esses sujeitos enfatizaram a possibilidade de interação como um aspecto positivo e que agrega significado à formação, permitindo aos participantes mobilizar saberes adquiridos ao longo do exercício da profissão por meio de interlocuções com seus pares e com o próprio formador. Seus dizeres sinalizaram, ainda, uma crítica a modelos de formação em que os participantes assumem a condição de meros receptores de conteúdos transmitidos por um único sujeito. Destacamos, então, a perspectiva de Imbernón (2011), quando, ao levantar discussões em torno dos formadores de professores, refere-se a esses sujeitos como “assessores de formação”, cujo papel é promover intervenções de acordo com as demandas reveladas pelos docentes a partir dos contextos em que trabalham, envolvendo-os em um processo de reflexão na ação. Nessa perspectiva, cabe aos formadores [...] o papel de guia e mediador entre iguais, o de amigo crítico que não prescreve soluções gerais para todos, mas ajuda a encontrá-las dando pistas para transpor obstáculos pessoais e institucionais, e para ajudar a gerar um conhecimento compartilhado mediante uma reflexão crítica (IMBERNÓN, 2011, p. 94). Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 29 Por meio de nossa inserção nos encontros de formação continuada decorrentes do Projeto de Formação no CEI, desenvolvido no CEI Movimento no ano de 2010, presenciamos momentos em que os profissionais participantes dos encontros de formação tiveram a oportunidade de movimentar experiências e os saberes adquiridos em suas trajetórias pessoais e profissionais, alcançando reflexões que movimentaram o coletivo docente. Observamos, também, situações em que os participantes se expressaram em relação aos seus fazeres, levantando questionamentos e partilhando situações com diferentes interlocutores – formadores, os próprios colegas de trabalho e profissionais de outras instituições. Em seus dizeres, S5 comentou a participação dos profissionais do CEI Movimento nos momentos de formação: “Assim, tem coisas na formação que a gente se identifica mais, como por exemplo, na formação de música que a gente teve. Ela [a palestrante] interagia o tempo todo. Por que quando não é assim, quando é só com slides, tudo passando no slide e não interagindo com o grupo, é muito cansativo. Agora, normalmente, as formações que são aqui dentro do CEI, geralmente as pessoas vêm e interagem, nós participamos, nós contribuímos pra formação com a nossa experiência, que veio da nossa prática, e elas passam a experiência da prática delas pra gente. Há essa troca, isso é muito rico, eu acho... essa troca de experiências das práticas que cada um traz.” (S5) Os dizeres desse sujeito também reforçam a importância da interação nos momentos de formação, destacando ainda a possibilidade de partilhar as experiências adquiridas por meio da prática docente, aspectos que se aproximam dos dizeres de S1 e S4 destacados anteriormente. De acordo com Tardif (2011), os saberes docentes adquiridos por meio da experiência, que se originam da prática e do confronto com as condições encontradas no exercício da profissão, não representam certezas acumuladas individualmente ao longo da carreira docente, mas sim saberes que se objetivam quando partilhados pelos professores nas relações com seus pares. Nessas situações, o docente “não é apenas um prático, mas também um formador” (TARDIF, 2011, p. 52), na medida em que seus saberes experienciais se transformam em um “discurso da experiência capaz de informar ou formar outros docentes, e de fornecer uma resposta aos seus problemas” (TARDIF, 2011, p. 52). Os dizeres dos sujeitos coadunam com as proposições de Tardif acerca dos saberes experienciais constituídos por meio da prática docente, que, quando manifestados pelos professores na relação com seus pares, expandem-se, contribuindo para a formação de todos os sujeitos envolvidos. Portanto, inferimos que o estudo de situações práticas, quando examinadas pelo viés da experiência concreta dos professores nos momentos de formação, contribui significativamente para os processos de formação individual e de coletivo docente envolvido nessa atividade. O EXERCÍCIO DA REFLEXÃO DOCENTE Favorecer o processo de reflexão docente é um dos objetivos a se alcançar por meio da formação continuada. De acordo com García (1995), mobilizar o conceito de reflexão na formação de professores implica criar condições de cooperação entre esses profissionais, no intuito de facilitar a aplicação de modelos e estratégias reflexivas que incentivem o pensamento docente nos níveis individual e coletivo. Remetendo esse aspecto a esta pesquisa, a possibilidade de exercitar a reflexão sobre a prática docente por meio dos encontros decorrentes do Projeto de Formação no CEI foi um item destacado nos dizeres de dois entre os seis sujeitos que entrevistamos. “A formação é bom aqui no CEI, assim, porque a gente para um pouquinho pra pensar, refletir sabe... eu faço a formação, saio pensando daqui... daí quando eu estou em casa, eu penso assim... até nas palavras, nas palavras que eu falei durante o dia, no jeito que eu trabalhei com as crianças... eu chego a pensar nisso né, pra ver assim o que eu posso fazer, melhorar...” (S2) 30 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br “Enquanto tá na formação, você já tá pensando: eu faço isso? Como eu tô fazendo isso? Podia ser diferente... Depois você volta pra sala, olha ao redor e pensa que pode fazer assim, ou assado... pensa no que o palestrante disse, no que as colegas falaram, e no que você também falou. No fim você acaba pensando bastante, e às vezes isso muda o jeito como você faz o seu trabalho.” (S5) Para esses dois sujeitos, a reflexão desencadeada por meio da participação nos encontros de formação continuada decorrentes do Projeto de Formação no CEI resultou em momentos de autoavaliação sobre o seu desempenho profissional, ou seja, esses profissionais avaliam criticamente ações pedagógicas já praticadas e, ao mesmo tempo, tomam decisões relacionadas às suas ações pedagógicas futuras. Ao tratar dos processos reflexivos pelos quais passam os professores, Wels e Louden (1989 apud GARCÍA, 1995) identificaram quatro formas de reflexão, a saber: a introspecção, que diz respeito a uma reflexão que ocorre de maneira interiorizada e pessoal, por meio da qual o professor reconsidera seus pensamentos e sentimentos em uma perspectiva mais distanciada de suas atividades cotidianas; o exame, que caracteriza uma forma de reflexão mais próxima da ação do professor, visto que implica uma referência acerca de acontecimentos ou ações ocorridos no passado ou que possam ocorrer no futuro; a indagação, que possibilita aos professores a análise de suas práticas e a identificação de estratégias para melhorá-las, introduzindo um compromisso com a mudança e o aperfeiçoamento de seu fazer pedagógico; e a espontaneidade, que diz respeito à reflexão praticada pelo professor durante o ato pedagógico e que lhe permite tomar decisões e redirecionar o curso das ações pedagógicas em seu decorrer, ou seja, no momento da aula. Com base nessa teoria, podemos afirmar que os dizeres de S2 e S5 revelaram aproximações com os processos de exame e indagação propostos por Wels e Louden (1989 apud GARCÍA, 1995). As reflexões alcançadas por esses sujeitos durante e após a formação os levaram a considerar ideias de adequações e mudanças a serem implementadas em suas práticas docentes por meio de avaliações de situações passadas e considerações sobre ações a serem praticadas no futuro. As observações decorrentes de nossa inserção nos encontros de formação continuada nos permitiram identificar momentos em que a reflexão se fez presente entre os participantes da formação. Os dizeres de S3 elucidam um desses momentos: “Assim: aqui dentro na nossa formação a gente foi fazer as visitas a outros CEIs, e visitando a outros CEIs, outras realidades, outros momentos... a gente para e pensa que tem muitos que fazem o que a gente já faz. E, às vezes, faz até a gente pensar no que podemos corrigir. Nessa hora tu para e dá uma pensadinha. Como a poluição visual, por exemplo, será que eu não tenho que rever a minha sala? Por que de repente também pode estar assim. Eu não consigo ver porque eu tô vivendo aqui dentro, e eu não consigo ver isso, aí se tu olhas lá fora, te faz pensar e daí tu te toca: ‘Meu, que poluição visual’. Ou de repente tu chegas num local e a sala tá tudo muito vazia, e tu já pensas: será que a minha sala lá também não tá assim? Isso... Isso é uma das coisas que eu vejo, que faz pensar.” (S3) Os dizeres desse sujeito fazem referência a uma atividade realizada no contexto do Projeto de Formação no CEI, realizado no CEI Movimento no ano 2010, que consistiu na realização de visitas a outras duas instituições de Educação Infantil pertencentes à rede municipal de ensino. De acordo com seus dizeres, as observações efetuadas nas visitas a outros CEIs configuraram um significativo momento de reflexão. O exercício de transitar por diferentes contextos de trabalho permitiu que os profissionais levantassem considerações sobre as situações observadas naqueles espaços, tecendo relações entre elas e seus próprios contextos de atuação. Tais reflexões possibilitaram avaliar, além dos aspectos relativos à organização Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 31 e aproveitamento de ambientes, estratégias e ações pedagógicas que viessem a contribuir para as práticas dos docentes do CEI Movimento. Além dos aspectos que observamos por meio de nossas visitas aos CEIs, a presença nos outros encontros do Projeto de Formação no CEI também nos permitiu identificar a existência de atitudes reflexivas dos profissionais participantes em relação aos temas abordados nos encontros. As reflexões foram possíveis devido ao fato de acontecerem interlocuções estabelecidas entre cada profissional com os formadores e os demais participantes dos encontros. Essas interlocuções permitiram que os profissionais, ao passo em que partilhavam suas experiências ou expunham seus questionamentos, refletissem sobre seus fazeres. Nesse sentido, mencionamos Alarcão (1996, p. 182), quando, ao tratar dos processos de reflexão pelos quais passam os professores, menciona que, [...] após a descrição do que penso e faço me será possível encontrar as razões para meus conceitos e para minha actuação, isto é, interpretar e abrir-me ao pensamento e à experiência dos outros para, no confronto com eles e comigo próprio, ver como altero – e se altero – a minha práxis docente. Os dizeres da autora reforçam a perspectiva de uma reflexão que se efetiva a partir de diálogos estabelecidos entre os sujeitos e seus pares. Ao falar sobre sua prática, os profissionais estão, simultaneamente, examinando-a, processo que pode favorecer o desencadeamento de novos posicionamentos e decisões que venham qualificar a atuação docente. Os encontros de formação que presenciamos favoreceram esse exercício para os profissionais que dele participaram, e por isso inferimos que o exercício da reflexão docente tem figurado entre as possibilidades da formação continuada desenvolvida no interior do CEI Movimento. OS DESAFIOS FRENTE AO TEMPO E À ORGANIZAÇÃO DA FORMAÇÃO Além das possibilidades apresentadas, compreendemos que a formação continuada praticada no interior do CEI Movimento também contempla desafios que incidem sobre sua realização. As implicações dos fatores tempo e organização destinados à realização dos encontros de formação foram aspectos evidenciados nos dizeres de cinco entre os seis sujeitos que entrevistamos. Iniciamos as análises destacando os dizeres de S1 e S2: “Pra acontecer a formação, eu acho que o maior desafio é essa questão do tempo, sabe. De ter que sair da sala e deixar a tua parceira sozinha, acho que esse é o maior desafio de fazer essa formação. É assim, talvez se fosse de outro jeito, se pudesse, a gente renderia mais, aproveitaria mais as coisas, porque daí a gente tá na sala, tá cansada, fica um período sozinha, daí de tarde vai pra formação ou ao contrário. Isso é um pouco complicado assim, principalmente na turma dos pequenos.” (S1) “Desafio? Deixa-me ver... Será que é o tempo pra se organizar com o grupo? O tempo de ficar com as crianças sozinhas pra outra colega participar, é isso? Por que isso é, assim, um desafio.” (S2) Os dizeres desses sujeitos revelaram aproximações com a questão do tempo, que, em ambos os casos, foi apontado como um desafio para que a formação acontecesse no interior do CEI Movimento. Essa condição está associada ao fato de que os encontros de formação nessa instituição acontecem em horários simultâneos ao atendimento às crianças. Por esse motivo, essa atividade ocasiona a necessidade de 32 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br uma organização diferenciada de rotinas, horários e ajustes na própria dinâmica de trabalho dos profissionais, que se revezam, nos períodos matutino e vespertino, entre a participação nos referidos encontros e o atendimento às crianças em seus respectivos locais de trabalho. Essa organização diferenciada das atividades no interior da instituição gera consequências para o atendimento às crianças, situação que também foi comentada por S3, S4 e S5: “Então, organizar tudo é um desafio. Por alguns momentos, eu acho muito rico, por outros momentos, eu acho que peca. Por que a gente diz que o foco principal é a criança; em muitos momentos, a gente acaba deixando as crianças de lado. Porque assim, ó, esse ano: quando a gente vem fazer a formação, acabam essas crianças ficando com uma pessoa... se há necessidade de trabalhar em 3 pessoas pelo grande grupo, naquele momento uma só fica com essas crianças... não só na formação aqui dentro, como também na formação fora... então, assim, eu sou a favor da formação, mas sou contra isso.” (S3) “Desafio... dificuldade? Dificuldade é o tempo, são as salas, a nossa dificuldade é que tu tens que sair das salas. As vezes a sala tá cheia, né, as vezes a outra fica sozinha, então isso é uma coisa que mexe com a gente, né... tu tá ali na formação, pensando lá na sala... sei lá, não é a mesma coisa.” (S4) “Como eu tô trabalhando no Maternal I este ano, nós damos conta até de ficar sozinha na hora da formação e fazer tudo. É complicado dar alimentação? É, mas eu penso muito no Berçário. No Berçário, era necessário que tivesse um curinga [profissional substituta] pra estar auxiliando quando temos formação. Eu acho assim, que organizar isso que é o ponto mais complicado, mas formação é bom, então sempre tem que estar dando um jeitinho ou outro pra resolver isso também.” (S5) Os dizeres desses três sujeitos revelam que a prática de revezamento entre os profissionais tem representado uma fonte de angústia em relação às condições do atendimento prestado às crianças. Isso acontece porque, nos dias e horários programados para a realização dos encontros de formação decorrentes do Projeto de Formação no CEI, apenas um profissional permanece na sala de aula, enquanto outro se ausenta para participar da atividade programada. Essa condição parece gerar certa inquietação para ambos os profissionais envolvidos: para o profissional que permanece em sala, dobram as responsabilidades em relação às demandas de atendimento às crianças, e o profissional que vai à formação, carrega consigo a sensação de dívida com as crianças e seus respectivos colegas de trabalho. Por meio das observações, tivemos a oportunidade de presenciar essa condição. Nos cinco encontros dos quais participamos houve revezamento entre profissionais para que se pudesse realizar a formação: enquanto um profissional permanecia atendendo as crianças em sala, o outro se dirigia para a formação. O revezamento interferiu, também, no aproveitamento do tempo destinado aos encontros de formação, pois apesar de estarem previstas quatro horas de duração, três entre os cinco encontros de formação foram realizados no período de duas horas, devido às demandas referentes ao atendimento às crianças. Nos encontros em que foram realizadas as visitas a outras duas instituições de Educação Infantil – que, originalmente, incluíam um momento para socialização das observações efetuadas no ato das visitas –, elas não foram concluídas porque havia dificuldades quanto à organização de datas para envolver toda a equipe em novos revezamentos, os quais seriam necessários para a conclusão do processo. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 33 De acordo com as diretrizes do Projeto de Formação no CEI (BLUMENAU, 2009), o fechamento da instituição e a dispensa de crianças são ações não autorizadas pela Secretaria Municipal de Educação de Blumenau (SC). Assim, compreendemos que as alternativas para sua realização seriam duas: permanecer sendo praticado simultaneamente ao horário de atendimento da instituição, mediante o esquema de revezamento já mencionado; ou ser realizado no período noturno, mediante a adesão espontânea dos profissionais envolvidos. Acerca dessa segunda possibilidade, destacamos os dizeres de S2, S3 e S5: “Formação tem que ficar dentro do horário de serviço, porque é complicado fora. Porque daí envolve a família, né, então à noite eu dou prioridade para a família. Eu levei pra casa o livro da resolução e... Eu não li! Por que à noite é mesmo complicado.” (S2) “Porque assim, ó... hoje os meus filhos são mais velhos, mas se a gente fizesse essa formação à noite, eu teria que deixar a minha família também de lado, os meus filhos, pra estar aqui fazendo essa formação. Querendo ou não, a gente perde um pouco com isso. Porque são os nossos filhos, também... eles também precisam, eles também têm prioridade com a gente. Se tu vir à noite, que também não deixaria de ser uma ideia, a gente perde com os filhos da gente em casa. Ficar assim é melhor.” (S3) “Mas assim, à noite é complicado. A formação é interessante pra gente? É. É necessária? É. Mas só que no meu ponto de vista todo mundo tem família, todo mundo tem seus afazeres. Você trabalha 8 horas aqui dentro, na verdade a gente passa a maior parte do tempo da nossa vida aqui dentro. Sai e a gente também tem filho, tem marido, tem outras coisas extras, alguns estudam, outros fazem curso, todos têm uma programação. E ainda passar mais 4 horas à noite é complicado. A gente viria e tudo, mas se todas as formações fossem à noite seria puxado, então eu acho melhor deixar assim como está.” (S5) A possibilidade de realizar os encontros de formação decorrentes do Projeto de Formação no CEI no período noturno foi mencionada por esses sujeitos como uma alternativa inviável, pois isso conflitaria com interesses de cunho pessoal, relacionados a outras situações de estudos, cursos e, em especial, questões familiares. Reunir-se para realizar as atividades de formação continuada no período noturno parece ser compreendida, por esses profissionais, como uma justaposição a outros compromissos diante dos quais também se tem responsabilidades. Seus dizeres revelaram uma nova questão em torno da formação constituída no interior do CEI Movimento, especialmente no que concerne aos critérios de participação manifestados por esses profissionais. Embora a formação seja uma atividade reconhecida como significativa e necessária, o critério adotado por esses sujeitos para aderir ou não aos encontros se encontra vinculado a uma condição específica, relativa ao horário em que esses são realizados. Mesmo existindo dificuldades no que concerne à organização da formação no horário simultâneo ao atendimento às crianças, seus dizeres sinalizaram o interesse de que ela permaneça concentrada nesse período, evitando, assim, que os profissionais disponibilizem horários alternativos para participar dessa atividade. Pudemos identificar, em seus dizeres, outro desafio referente à formação continuada constituída no interior da instituição analisada, que se refere ao comprometimento de cada profissional frente ao seu desenvolvimento profissional contínuo. De acordo com Nóvoa (2002), estar em formação compreende um processo a ser assumido pelos docentes como um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo de cada indivíduo em relação aos seus próprios percursos formativos. Remetendo essas ideias ao nosso contexto de pesquisa, isso implica que os profissionais empreguem esforços individuais convergentes à realização dos encontros de formação continuada, o que demanda a disponibilização de tempo frente 34 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br à realização das atividades formativas. Inferimos que as manifestações dos esforços individuais de cada docente em relação à formação continuada poderiam consolidar ações que, ao serem praticadas, melhorariam o aproveitamento dessa atividade. O estabelecimento de um acordo entre os profissionais da instituição para o agendamento dos encontros de formação no período noturno seria, em nossa compreensão, uma perspectiva possível para concretizar esse objetivo. Dois sujeitos entrevistados manifestaram outras perspectivas para a realização dos encontros de formação no interior do CEI Movimento: “Sobre a formação, eu acho que seria bom assim: de repente essa questão de estar repensando horários ou uma outra forma. Eu sei que tem que ser dentro do nosso período de trabalho, mas de repente, dispensar as crianças um dia, ou um período, e fazer mais horas, porque às vezes a formação é tão boa, tão legal, mas é, tipo... pouco tempo... aí tu quer ficar mais, tem mais meia hora e é meio apertadinho, às vezes têm temas que levaria... nossa... levaria mais tempo pra gente aprender.” (S1) “Olha, pra formação, eu sugeria de voltar ao esquema de como eram as nossas Paradas Pedagógicas. Porque daí nós teríamos de novo dias pra formação que não são com as crianças, que daí nós viríamos no CEI só pra isso. Só pra fazer formação.” (S4) Em seus dizeres, S1 e S4 sugeriram a revisão do modelo do Projeto de Formação no CEI praticado atualmente: a primeira sugestão apontou para a dispensa das crianças e, consequentemente, a ampliação das horas destinadas aos encontros de formação; a segunda fez menção a uma modalidade de formação praticada no interior da instituição no passado, intitulada Parada Pedagógica. Tal modalidade consistia no fechamento da instituição em dias regulares letivos quatro vezes ao ano, permitindo que os profissionais se reunissem para momentos de formação e estudo no espaço do próprio CEI. Assim, de acordo com ambos os dizeres, a proposta compreendida como mais adequada implica o fechamento da instituição e a consequente dispensa das crianças nos períodos que seriam destinados exclusivamente para a formação. Essa perspectiva compreende um novo elemento passível de discussão, relacionado ao impacto que essas modificações trariam para as famílias atendidas pelos serviços educacionais prestados pela instituição. De acordo com Kramer (2005), entre os diversos benefícios trazidos pela Educação Infantil à criança figuram questões relacionadas à melhoria das condições econômicas das famílias. Ao atender as demandas de educação e cuidado das crianças de 0 a 5 anos, a Educação Infantil contribui para a inserção das mulheres no mercado de trabalho, trazendo, como consequência, o aumento da renda familiar, o que por sua vez, impacta na melhoria da qualidade de vida das crianças. Essa condição impõe à Educação Infantil um caráter de serviço essencial, visto que grande parte das famílias depende, exclusivamente, da garantia do atendimento nas instituições para poder trabalhar. Esse fator implica também a minimização de interrupções no atendimento prestado às famílias no decorrer do ano letivo. Dessa forma, compreendemos que o fechamento das instituições de Educação Infantil com a finalidade exclusiva de realizar os encontros de formação continuada é uma perspectiva que requer uma avaliação criteriosa das necessidades das famílias atendidas nesses espaços, envolvendo diferentes instâncias: os profissionais, as famílias e as secretarias responsáveis por essas instituições. No ato das entrevistas, esse fato foi mencionado por S6: “Pra fazer a formação seria muito bom poder fechar o CEI, mas isso não depende só da nossa vontade. Precisaria que a secretaria autorizasse, né, pra que daí então a gente organizasse direitinho, falasse com a comunidade, pra eles se organizarem, como a gente já fazia no passado. Seria toda uma mudança de proposta, que levaria tempo pra modificar.” (S6) Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 35 Em seus dizeres, S6 destacou os procedimentos que seriam necessários para efetuar modificações no atendimento, garantindo o fechamento da instituição para realizar os encontros de formação. Em primeira instância, as mudanças dependeriam dos encaminhamentos dados pela Secretaria Municipal de Educação, mantenedora dos CEIs e responsável por autorizar ou vetar a proposta; a seguir, dependeriam da ação dos profissionais do CEI Movimento, a quem caberia a conscientização das famílias e a obtenção do seu consentimento para efetivar o fechamento da instituição; e, por fim, da ação das famílias, no sentido de buscar meios alternativos para suprir suas necessidades de atendimento nos períodos determinados para o fechamento. Essas ações representam perspectivas possíveis para que se estabeleçam propostas de formação continuada que ampliem a possibilidade de tempo destinado para estudos e que atendam satisfatoriamente às necessidades formativas dos profissionais de Educação Infantil, sem causar prejuízo no atendimento às famílias. Entretanto, o acesso a tais possibilidades vem caracterizado por outro desafio contemporâneo: a constituição de uma política de gestão pública para a Educação Infantil. Sobre essa questão, destacamos a seguinte reflexão proposta por Kramer (2007, p. 452-453): Se perguntarmos a uma criança pequena o que ela acha que quer dizer a palavra “gestão”, provavelmente ela nos dirá que gestão quer dizer “gesto grande”. E provavelmente os adultos que escutarem isso vão rir dela. Mas pensando bem, a gestão tem a ver exatamente com isso: com os gestos grandes que somos capazes de fazer [...]. Refletindo sobre essas questões, assumimos uma posição e dizemos sim a objetivos, valores e à clara responsabilidade social. É nosso entendimento que o principal papel que desempenhamos como professores, professoras e como gestores de políticas e ações públicas – não só na educação infantil, mas em todos os setores – é um papel de humanização comprometido com a ética e com valores humanos que contribuem para a educação de crianças, jovens e adultos [...]. Esses temas são mais fáceis de estudar e discutir do que de praticar. Mas trazem possibilidades muito interessantes para o trabalho nas creches, pré-escolas e escolas. Enfrentá-los pode contribuir para uma gestão, de fato pública, com as crianças, os jovens, as famílias e com os adultos, professores e demais profissionais, homens e mulheres que merecem também um tempo e um espaço para pensar na sua própria história e em modos de alterá-la. As reflexões propostas pela autora apontam para uma perspectiva de gestão pública da Educação Infantil que se constitui por meio do sentido de responsabilidade social a ser partilhado entre os diferentes agentes que atuam nesse cenário. Professores, pais e gestores das redes de ensino constituem-se como sujeitos ativos de um processo de gestão que se edifica a partir de esforços conjuntos, a serem aplicados na luta por uma educação democrática e comprometida com o desenvolvimento integral das crianças atendidas nas escolas e instituições de Educação Infantil. Compreender que a gestão da educação passa por um olhar atento aos seus diferentes processos, entre os quais a formação continuada, deve ocupar espaços significativos de discussão. Assim, a ampliação das condições de oferta e do direito de acesso à formação continuada – bem como a garantia de sua prática a partir de perspectiva contínua e contextualizada –, figura como aspecto presente nos discursos de gestores, professores, pais e pesquisadores em educação. A gestão da formação continuada pode ser assumida mediante uma perspectiva compartilhada, articulando políticas, interesses, vozes e necessidades manifestadas por todos os seus agentes, em prol da promoção de uma Educação Infantil pública de qualidade para as crianças de 0 a 5 anos e do desenvolvimento contínuo de seus profissionais. 36 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFLEXÕES FINAIS Os resultados obtidos por esta pesquisa se desdobraram entre possibilidades e desafios da formação continuada no interior do CEI Movimento e praticada por meio do Projeto de Formação no CEI. Compreendemos que este projeto é uma atividade de formação que tem possibilitado aos profissionais o estudo de situações práticas decorrentes de seus contextos de trabalho. O exercício da reflexão docente tem permitido aos profissionais avaliar criticamente ações pedagógicas já praticadas e, ao mesmo tempo, tomar decisões relacionadas às suas ações pedagógicas futuras. Em contrapartida, os desafios que permeiam sua realização apontam para a ampliação do tempo e das condições sob as quais a formação continuada é praticada no CEI Movimento. Como perspectiva possível para a superação desses desafios, figura a necessidade de que se assumam as responsabilidades de todos os sujeitos envolvidos – pais, gestores e profissionais – frente a uma gestão compartilhada da Educação Infantil que busque a elaboração de políticas de formação eficientes, que permitam consolidar a formação continuada de maneira integral e permanente entre as atividades desenvolvidas na instituição. De acordo com Kramer (2005), a vontade política destinada à elaboração de propostas de formação continuada eficientes está relacionada às concepções de formação, de educação, de criança, de infância e de Educação Infantil que norteiam as propostas das redes municipais de ensino e, consequentemente, influenciam as práticas de seus profissionais. Contudo, observa-se que as mudanças na gestão pública dos municípios fazem com que haja modificações nas concepções de Educação Infantil e formação que norteiam o trabalho das redes de ensino, visto que a cada administração são ignorados os projetos e as conquistas da gestão anterior. A superação desse modelo visa constituir um movimento no qual “os interesses individuais não se sobreponham ao plano coletivo, visto que a história se constrói por sujeitos coletivos, que dialogam com aqueles que o antecederam” (KRAMER, 2005, p. 120). A superação da descontinuidade de propostas é um processo que envolve não somente os gestores, mas evoca o engajamento dos profissionais que atuam nas instituições de Educação Infantil. “[...] avanços e retomadas fazem parte do processo de formação e demandam enfrentamentos e atuam como geradores de crises, exigindo posicionamentos específicos” (GROSCH; SILVA, 2010, p. 61). A clareza de objetivos frente às concepções de educação e de Educação Infantil que se deseja promover é uma ferramenta emancipadora, que apropria gestores, pais e profissionais de conhecimento em torno das finalidades e necessidades inerentes ao trabalho educativo nessa etapa de ensino. É preciso formá-los para o enfrentamento dos desafios que ainda se impõem não somente à formação continuada, mas à conquista de uma Educação Infantil pública que caminhe continuamente para a qualificação de seus fazeres e do atendimento das crianças em todas as instituições. Em suma, como perspectiva possível para a superação dos desafios da formação de professores da Educação Infantil, destacamos a implementação de esforços conjuntos entre secretarias, pais e profissionais no sentido de articular propostas de formação ancoradas na perspectiva de uma gestão pública de educação orientada para a qualificação dos profissionais. Para isso, é importante que sejam superadas as descontinuidades que se instauram entre os projetos das diferentes gestões municipais e que seja garantida a execução de propostas ancoradas em concepções claras e definidas de criança, infância, formação, educação e Educação Infantil, partilhadas e assumidas pelas redes de ensino e seus profissionais. Finalizamos apontando que os resultados alcançados por meio de nossa pesquisa refletem as possibilidades, desafios e perspectivas que se fizeram presentes no contexto específico investigado. Contudo, esses Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 37 resultados também podem configurar indicadores de questões que permeiam cenários mais abrangentes e que circulam entre as discussões contemporâneas das práticas de formação continuada destinadas aos profissionais de Educação Infantil. As considerações que tecemos em torno da implementação de políticas de formação, das condições de acesso à formação continuada constituída no interior do CEI Movimento e das implicações dessa prática para o desenvolvimento contínuo de seus profissionais se caracterizam como possíveis contribuições. Essas, na medida em que se integram a outras pesquisas que discutem a formação continuada dos profissionais de Educação Infantil, somam esforços para a consolidação dessa etapa de educação que, recentemente inserida no sistema educacional e fazendo parte da educação básica, urge por ocupar novos espaços de discussão nos territórios profissionais e científicos. 38 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 24-39, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS ALARCÃO. I. (Org.) Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto, 1996. p. 182. BLUMENAU. Diretoria de Educação Infantil/SEMED. Projeto de Formação no CEI. Blumenau, 2009. BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994. p. 47-51, 135. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 10 out. 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais para a Formação de Professores. Brasília, 2002. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me000511. pdf>. Acesso em: 12 dez. 2014. CANDAU, V. M. F. 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Maria Regina de Carvalho Teixeira de Oliveira Regina Magna Bonifácio de Araujo RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar a docência universitária a partir de expressões e tipificações feitas pelos próprios professores universitários, em vários momentos de sua carreira, colhidas em uma pesquisa. Usando a metodologia quantitativa e qualitativa, a pesquisa de campo teve como instrumento um questionário com perguntas abertas e fechadas, aplicado a 86 pesquisados, divididos em quatro grupos: entrantes (mestrandos e doutorandos); professores com cinco anos de experiência; professores com vinte anos de carreira; professores com trinta anos de atividade docente. As descrições das atividades docentes e dos perfis feitas por esses diferentes grupos revelaram variações significativas de percepção sobre a profissão docente universitária e sobre o perfil desse profissional. Conclui-se que as identidades profissionais e as carreiras dos docentes universitários são construídas e reconstruídas de maneira dinâmica, passando por mudanças nos últimos trinta anos. As expressões e terminologias utilizadas pelos participantes revelam uma confusão entre o que o professor universitário é e o que ele faz, dificultando uma caracterização ou identidade profissional. Percebe-se uma forte influência da formação específica na graduação e uma presença de aspectos técnicos e relacionais definindo a atuação, mas pouca ênfase na preparação ou na formação essencial pedagógica das pessoas que desempenham essa atividade. Conclui-se também que, na carreira docente, deve ser dada atenção especial aos processos de acesso, de profissionalização, de suporte para o desenvolvimento e de avaliação do trabalho do docente. Visa-se com isso melhorar a qualidade da formação de novos profissionais, a atuação do docente no magistério, na pesquisa e na extensão, e a própria universidade como preparadora de cidadãos e de competências para o atual mercado de trabalho competitivo e mutável. PALAVRAS-CHAVE Identidade profissional; carreira; docência no ensino superior. Universitary teaching in words... Abstract: This article aims to analyze university teaching from expressions and typifications made by university professors themselves in various occasions in their careers, collected in a survey. Using quantitative and qualitative methodology, field research utilized a questionnaire with open and closed questions, answered by four groups of 86 surveyed: incoming masters and doctoral students; teachers with five years of experience; teachers with a twenty-year career, and teachers with thirty years of teaching activity. The descriptions of teaching activities and of profiles made by these different groups revealed significant variations in perceptions of the university teaching profession and of the profile of such professional. It is concluded that the professional identities and careers of academics are constructed and reconstructed in a dynamic way, having undergone changes in the last thirty years. The terms and terminologies used by participants reveal some confusion between what the professor is and what he does, making it difficult to make a professional characterization or identity. A strong influence of specific academic education in undergraduate courses and the presence of technical and relational aspects defining the performance were indicated, but little emphasis on essential teaching preparation or education of persons conducting such activity. We also concluded that in the teaching career it should be given special attention to the processes of access, professionalisation, support for the development and evaluation of the work of teachers. The aim is thereby to improve the quality of the education of new professionals, the performance of professors in their teaching, in research and in extension, and to improve the university itself as preparer of citizens and skills for the current, competitive and changeable work market. Keywords: Professional identity; career; teaching in Higher Education. 40 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br INTRODUÇÃO A identidade profissional é entendida, analiticamente, como identidade ligada à atuação profissional, relacionada à perspectiva de autoconhecimento e que leva a escolhas e especializações na formação e no desempenho profissionais. Nesta pesquisa, a identidade profissional é entendida como aquela vinculada ao trabalho e, principalmente, a uma projeção de si no futuro, isto é, à antecipação de uma trajetória de emprego e a uma perspectiva de aprendizagem, na elaboração da formação escolar (DUBAR, 2005). As escolhas na vida do indivíduo são subjetivas e a sua sequência traça uma dinâmica que é refletida nos desenhos de trajetórias de carreira (DAVEL; MACHADO, 2001). Ao construir suas trajetórias, as pessoas hoje não guiam suas escolhas profissionais por padrões estabelecidos antecipadamente. Muitas vezes, prevalecem as oportunidades surgidas. Nessas trajetórias, as identificações do indivíduo com seu trabalho assumem novos rumos (MOTTA, 2006). A carreira do docente do ensino superior vem sendo sistematizada entre definições da lei e reivindicações da classe. Nesse processo, durante certo tempo, o docente do ensino superior era um profissional quase sempre com dedicação exclusiva. Ele ingressava na atividade com a intenção de ser um professor universitário de determinada instituição, na qual fazia toda a sua carreira. Os profissionais vivenciam muitas mudanças durante sua trajetória profissional. Entre as alterações na carreira de docente do ensino superior estão as transições do perfil de professor, com demandas pedagógicas, para um perfil de pesquisador, com exigências de publicações. Essas mudanças trazem consequências para as identidades profissionais. Este artigo, extraído dos estudos de doutoramento de uma das autoras, apresenta uma pesquisa para a qual se escolheu a perspectiva do construtivismo social (BERGER; LUCKMAN, 1996). Seu objetivo é dar sentido ou interpretar significados que as pessoas têm e dão para o mundo, e especificamente nesse caso, para o mundo do trabalho docente universitário. Tomando como referência quatro momentos diferentes da trajetória da carreira docente universitária: entrantes (mestrandos e doutorandos) com cinco anos de trabalho, com vinte anos e com trinta anos, extraíram-se, dos dados encontrados nesta pesquisa, palavras e expressões significativas na definição da docência, e na visão dos participantes. A partir delas, organizaram-se as temáticas e em seguida, as análises. Na carreira docente universitária, têm-se duas frentes de investimentos: a construção legal e estatutária e os aspectos de preparação didático-pedagógicos. O professor universitário necessita de sólidos conhecimentos na área em que pretende lecionar, mas também de habilidades pedagógicas suficientes para tornar o aprendizado mais eficaz. “O ensino de didática tem sido bem aceito nos ensinos básico e médio, mas não no superior; a maioria das críticas em relação aos professores refere-se à falta de didática” (GIL, 2006, p. 2). Como os critérios de avaliação dos docentes mudaram e passaram a ser guiados pelos órgãos de fomento à pesquisa, para os professores universitários a prioridade hoje é a produção escrita. Com muita intensidade, discute-se atualmente sobre o que fazer para tornar mais eficaz o ensino proporcionado pelas instituições de ensino superior e sobre a preparação dos professores universitários que deve ocorrer, Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 41 principalmente em cursos de Pós-graduação. Mas, em sentido estrito, esses cursos visam a preparar pesquisadores (GIL, 2006). A literatura pesquisada sobre docência do ensino superior discute a atividade tendo como base os componentes didático-pedagógicos que envolvem questões concernentes ao ensino, à pesquisa e à extensão, às características individuais ligadas ao comportamento, às relações, à ética e aos valores sócio-históricos-culturais, políticos e econômicos da carreira. CARREIRA E CARREIRA DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR Na história do ensino superior no Brasil, observa-se o foco na formação de profissionais para o mercado de trabalho, mesmo em universidades que cultivam a pesquisa. As mudanças observadas no século XX voltam-se para quatro aspectos: processo de ensino, incentivo à pesquisa, parceria e coparticipação envolvendo professor e aluno no processo de aprendizagem e o perfil docente (MASETTO, 2003). Deixa-se uma postura de transmissão de informações e experiências e, aos poucos, inicia-se um processo que busca proporcionar aprendizagem aos alunos, melhorar a capacidade de pensar as relações professor-aluno, de dar significado ao que é estudado e de desenvolver a capacidade de construir seu próprio conhecimento. A ênfase atual é no aluno que busca nos cursos superiores desenvolver competências e habilidades esperadas de um profissional da área do curso escolhido. Com as mudanças citadas, o perfil do professor teve que se alterar de “especialista” para “mediador de aprendizagem”. Ele é exigido em pesquisa e produção de conhecimento, atualização e especialização. O aluno exige coerência entre o que o professor ministra em sala de aula e sua área de pesquisa. Mudou o cenário de ensino, e o papel do professor mudou de um especialista que ensina para um profissional da aprendizagem que incentiva, funcionando como ponte entre o aprendiz e a sua aprendizagem. A didática do ensino superior não pode ser tratada apenas a partir de procedimentos voltados para facilitar a aprendizagem dos estudantes. Segundo Gil (2006), as principais dificuldades com as quais se deparam os professores de ensino superior não dizem respeito especificamente à formulação de objetivos, à seleção de conteúdos, à determinação das estratégias de ensino ou a procedimentos a serem adotados na avaliação de ensino. Elas se referem mais a maneira como os professores se relacionam com os estudantes, com seus colegas, com a instituição e com a própria disciplina que lecionam. No caso do professor universitário, muitos trabalham em tempo apenas parcial, desenvolvendo outra atividade, vista em muitos casos como a principal, pelo menos em termos de dedicação e rendimentos. Ao pensarem em um código de ética, a primeira imagem que lhes vem à mente é da sua outra profissão (GIL, 2006). No que tange ao ensino da disciplina, o principal cuidado que o professor deve ter prende-se à necessidade de assegurar-se de que o conteúdo da disciplina que ministra esteja atualizado, seja significativo para os estudantes, compatível com o seu nível e ajustado aos propósitos do curso. É importante que o professor tenha competência pedagógica e saiba formular objetivos apropriados e dominar métodos e técnicas de ensino, escolhendo os mais adequados, e que desenvolva suas atividades considerando a diversidade crescente dos estudantes. Essas são ações difíceis, especialmente para professores que 42 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br não obtiveram formação pedagógica e que devem, portanto, buscar suprir essas deficiências mediante a leitura de obras especializadas e a participação em conferências ou cursos (GIL, 2006). Confirmando a posição de vários autores mencionados, um dos papéis do docente de ensino superior é coordenar o aprendizado de conteúdos, mas o seu papel de formador, de educador, seu compromisso com as pessoas, é, muitas vezes, o que fica mais forte na lembrança dos alunos. O desenvolvimento da atividade docente universitária apresenta aspectos comportamentais e de valores essenciais para uma boa avaliação profissional, os quais estão diretamente relacionados com a identidade profissional. A IDENTIDADE PROFISSIONAL A identidade do trabalho ou identidade profissional refere-se a construção do eu pela experiência do mundo do trabalho e pela articulação dos papéis disponíveis nas organizações. Envolve a experiência da estratificação social, das discriminações étnicas e sexuais e as desigualdades de acesso às diferentes carreiras profissionais. Segundo Sainsaulieu (1985), para que aconteça a construção biográfica de uma identidade profissional é necessário que os indivíduos entrem em relações de trabalho, participem de atividades coletivas em organizações e façam intervenções, pois funcionam como atores em “representações” (as rotinas de trabalho). Dadas essas condições, o autor define a identidade profissional como [...] maneira como os diferentes grupos no trabalho se identificam com os pares, com os chefes e com os outros grupos; a identidade no trabalho é fundada sobre representações coletivas distintas, construindo atores do sistema social empresarial (SAINSAULIEU, 1985, p. 342). As relações de trabalho oportunizam experiências relacionais e sociais de poder. Essas experiências são importantes para a identidade. A identidade, então, é resultado de um processo relacional de investimento de si, no qual ser ator de si é um investimento que questiona o reconhecimento recíproco dos parceiros. Essas transações acontecem nas situações de trabalho, nas empresas, podendo influenciar diretamente as identidades de quem se envolve ou é envolvido nelas (SAINSAULIEU, 1985). Essas relações levam à mudanças. Segundo o mesmo autor, a identidade no trabalho se dá também nos planos afetivo e cognitivo, porque viver sob uma estrutura institui uma espécie de mentalidade coletiva. Com essa mentalidade, o indivíduo se conforma, assimilando suas regras e normas de comportamento e criando vínculos afetivos com as pessoas com as quais convive no trabalho. Identificações por parte do indivíduo podem surgir desse processo, e elas podem conter significados distorcidos. A identidade no trabalho determina muito o processo motivacional e participa também da construção de uma autoestima positiva. Consequentemente, a realização do trabalho e a esfera social organizacional são positivamente afetadas, podendo resultar em formas de trabalho mais criativas, que contribuem para integrar a subjetividade, a socialização e o trabalho (SAINSAULIEU, 1997). A identidade profissional básica surge de características do mercado de trabalho, como o fato de a incerteza estar atingindo todas as faixas etárias, mulheres e homens, estudantes em qualquer nível de escolaridade, diplomados ou não −, como, por exemplo, a alta taxa de desemprego. Com o risco de exclusão do emprego estável e a demanda por criação de estratégias pessoais e de apresentação de si, não Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 43 são mais suficientes a escolha da profissão e a obtenção de diplomas. Torna-se necessária a construção pessoal de uma estratégia identitária que conjugue uma dinâmica eficiente à imagem de si, à avaliação das capacidades e à realização de desejos dos indivíduos (DUBAR, 2005). A universidade enquanto local de trabalho oportuniza socializações e o desenvolvimento de carreira, tendo como base a atividade docente. No caso das universidades públicas, as carreiras estão mais definidas, estabelecem progressões e deixam claras as atribuições a serem desenvolvidas e os critérios de avaliação. Nelas, o foco docente está na docência, na pesquisa e na extensão, e cada um desses direcionamentos da ação docente demandam características diferentes. A carreira docente pública envolve o empenho e o desenvolvimento individual, como também favorece a participação em questões coletivas no que tange à atuação em cargos administrativos e à participação em ações de políticas públicas e de classe. O ensino universitário vem sendo objeto de estudo por vários motivos, entre eles: acesso de um número maior de pessoas, perfil de profissional que a universidade deve formar, indagações a respeito de como tornar o ensino superior mais eficaz e quais as tecnologias mais adequadas a ele. Poder-se-ia acrescentar o conhecimento de como têm acontecido as identificações das pessoas que têm trabalhado na atividade docente universitária e sua identificação com essa atividade. Nesse sentido, é importante preparar esses professores universitários que vêm procurando os cursos de mestrado e doutorado com esse objetivo. As pós-graduações, hoje, visam, prioritariamente, à formação de pesquisadores, não oferecendo em sua maioria disciplinas relacionadas ao desenvolvimento de habilidades pedagógicas (GIL, 2006). A maneira como o ensino superior está organizado no Brasil sempre privilegiou unicamente o domínio de conhecimentos e experiências profissionais como requisitos para a docência de nível superior. O modelo implantado aliado à noção de que “quem sabe, sabe ensinar” desprezava a didática do professor e voltava-se para a formação de profissionais que exerceriam determinada profissão, com disciplinas específicas. No modelo francês, experiências e conhecimentos profissionais eram transmitidos pelo professor aos alunos que não sabiam e que faziam, depois, uma prova, referência principal da avaliação (GIL, 2006). Na universidade, o ensino de didática continuou, até a década de 1950, privilegiando os objetivos, os temas e as metodologias tipicamente escolanovista (o aluno aprende melhor por si próprio). Com base nessa proposta, o trabalho pedagógico acaba por confundir-se com o psicológico e torna-se secundário. O importante é ajudar o aluno a se conhecer, a se relacionar, a se autorrealizar (GIL, 2006). A profissão de professor e a avaliação de seu desempenho são bastante complexas porque envolvem sua atuação em muitos papéis. Logo, caracterizar os papéis de professores universitários é sempre tarefa arriscadamente incompleta. Esses papéis tendem a se alterar frequentemente, aumentando a complexidade. Por muito tempo, o principal papel do professor era ensinar, mas hoje ele é visto como alguém que facilita e promove o aprendizado. De forma especial, o ensino superior é tipicamente muito dinâmico, podendo os papéis dos professores universitários serem ampliados e ganharem certa complexidade. Os primeiros passos na profissão docente são os pessoais: são apaixonados e dirigidos para a missão de professor, são positivos e reais 44 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br (humanidade, empatia, respeito e justiça), e são professores-líder (afetam positivamente a vida de estudantes, pais e colegas), de acordo com Gil (2006). Em seguida, vêm os traços relacionados aos resultados pretendidos: estão sempre alertas ao que ocorre na sala (administração e organização da classe, engajamento dos estudantes e administração do tempo); têm estilo (manifestação de estilo pessoal e único); são motivadores (confiam em sua própria habilidade para fazer a diferença na vida dos estudantes, mantendo expectativas e comportamento altos); e apresentam eficácia institucional (comunicadores competentes com habilidades essenciais). Os últimos referem-se a vida intelectual: detêm conhecimento teórico (dominam o conteúdo e os resultados pretendidos pela escola e pela sociedade); possuem a sabedoria das ruas (conhecimentos da experiência diária, dos estudantes e da comunidade); têm muita capacidade intelectual (são metacognitivos, estratégicos, reflexivos, comunicativos e responsivos). As abordagens voltadas para traços pessoais recebem críticas por deixarem perceber que bons professores “já nascem feitos”, mas ainda são creditadas (GIL, 2006). Desta forma, para o autor, mudanças na concepção das características do professor do ensino superior refletem as seguintes consequências: não são mais suficientes a comunicação fluente e o bom nível de conhecimentos relacionados à disciplina a lecionar e o estudante de nível superior não precisa de nada a mais de seus professores. Muitos desses professores exercem duas atividades: a profissional de determinada área (principal) e a docente. Em sua maioria, esses professores não dispõem de preparação pedagógica e usam frequentemente as aulas expositivas, nas quais os próprios professores são a principal fonte sistemática de informações. Eles aprendem a ensinar por ensaio e erro, estimulam a memorização, avaliam por meio de provas e usam a nota como ferramenta de autoridade (GIL, 2006). Recentemente, os professores universitários têm se conscientizado de que seu papel docente exige capacitação, própria e específica, e competência pedagógica no exercício da educação (MASETTO, 2003). Para esse autor, a prática do professor universitário se embasa em três aspectos: conhecimentos específicos relacionados à matéria, suas habilidades pedagógicas e sua motivação. Sabemos que o desenvolvimento de habilidades pedagógicas do professor universitário dá-se por cursos específicos ou por leituras individuais e que um dos fatores complicadores é que professores universitários, frequentemente, sentem-se desmotivados, porque são inibidos quanto ao uso de posturas mais criativas. Na sala de aula, o profissional de docência deve combinar suas habilidades pessoais com as exigências do ambiente e as expectativas dos estudantes, favorecendo o aprendizado mais agradável e eficiente. Deve ter conhecimentos e habilidades relativos à didática do ensino superior (GIL, 2006). Tem-se, em grande parte, a transferência da ação educativa do ensino para a aprendizagem, e o professor torna-se um facilitador da aprendizagem (GIL, 2006). Isso tudo demanda postura e comportamentos mais identificados com a atividade que desenvolve, uma vez que suas ações vão além da simples técnica de dar aulas ou de pesquisar. O QUE DIZEM OS PARTICIPANTES DA PESQUISA? Na perspectiva da abordagem qualitativa, este estudo trabalhou com a interpretação dos sujeitos de pesquisa sobre as suas construções identitárias profissionais. Considerando-se o critério de classificação Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 45 de pesquisa proposto por Vergara (2010), quanto aos fins esta pesquisa é descritiva, e quanto aos meios ela se caracteriza como uma pesquisa de campo. A técnica utilizada para a coleta de dados apoiou-se em um questionário, enviado aos sujeitos selecionados como representantes dos grupos de docentes envolvidos na pesquisa, por meio eletrônico. As questões abertas foram analisadas utilizando-se o método de análise de conteúdo. As respostas foram analisadas a partir de sua frequência, organização e sentido comparado. O questionário foi formatado segundo o modelo do Google Docs. A pesquisa foi desenvolvida de forma amostral, não probabilística, selecionando profissionais que se dispuseram a responder ao questionário proposto. Logo, foi uma amostra intencional por acessibilidade. Os sujeitos desta pesquisa são representantes de quatro grupos, considerando os momentos da carreira docente: mestrandos e doutorandos de quatro instituições, representando os entrantes; professores selecionados a partir da característica principal de terem cinco anos de docência universitária em instituição pública; profissionais com aproximadamente vinte anos de docência; e professores que se aposentaram ou estão ainda na ativa após trinta anos em instituição pública. Esses sujeitos apresentam as seguintes características: • grupo 1: formado por 55 respondentes que pertencem a 26 diferentes profissões e têm idade variada entre 22 e 64 anos; • grupo 2: formado por 8 respondentes, entre 29 e 40 anos; • grupo 3: formado por 14 respondentes, entre 36 e 60 anos; • grupo 4: formado por 9 participantes, entre 56 e 74 anos. Sobre a dimensão Identificação com a atividade docente, perguntou-se aos participantes “Quem é você?”, com o objetivo de verificar aspectos de sua percepção como docente, a partir de palavras identificadoras de sua pessoa. À primeira vista, percebeu-se certa confusão ou dificuldade em reconhecer se as respostas se tratavam do que eles eram ou de como eles eram, Os participantes identificaram em si características, mas não papéis, fato que chama a atenção por si mesmo, dificultando percepções específicas de identidade. Entre os papéis citados, o número foi baixo em termos de lugares básicos, estruturantes, inclusive como mulher, mãe, pai. O único participante que citou ser pai colocou essa palavra em quinto lugar (3 respondentes mencionaram a palavra mulher, 2 respondentes a palavra mãe, 2 respondentes a palavra esposa, 1 respondente a palavra pai, 1 respondente a palavra estrangeiro e 1 respondente a palavra gente)). O Quadro 1 mostra as cinco respostas de cada participante do grupo dos entrantes, para dizer quem é ele (a). QUADRO 1 – “QUEM É VOCÊ?” – ENTRANTES Resposta 1 “Sou uma professora muito querida pelos estudantes”. Aprendiz Família 46 Resposta 2 Resposta 3 “Tenho muita paciência “Sou competente no ato de ensinar”. porque estudo muito”. Sensata Responsabilidade Resposta 4 Resposta 5 “Sou muito séria e comprometida com o Conversador Persistente trabalho que realizo”. Calma Observadora Dedicação Aperfeiçoamento Amizade Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Resposta 1 Resposta 2 Resposta 3 Resposta 4 Resposta 5 Responsável Dedicação Otimismo Objetividade Persistência Ético Parceiro Incentivador Positivo Persistente Sonhadora Trabalhadora Companheira Pontual Flexível Justo Responsável Comunicativa Atenciosa Preocupada Impaciente Inteligente Dedicada Consciente Sistemática Segura Consciente Altruísta Pesquisador Um pouco omisso Empático Simples Honesto Estrangeiro Simpático Educado Paciente Estudioso Teimoso Professor Companheiro De bem com a vida Amizade Capaz Resolvido Consciente Pai Mulher Inteligente Ambiciosa Estudante Aventureira Alguém feliz Quase realizada Tranquila Solidária Às vezes radical Amorosa Fervorosa Sensível Verdadeira Indecisa Compromisso Seriedade Estudiosa Forte Com metas Educador Esforçada Compreensiva Responsável Focado Equilibrado Estudiosa Responsável Ansiosa Organizado Estudiosa Amigos Humilde Disciplinada Presente Gente Esposa Disciplinado Correto Perseverança Negra Pobre Honesto Perseverante Colaboradora Independente Prestativo Comprometida Atuante Interessado Justiça Determinado Trabalho – trabalhador Alegria Conhecimento Pesquisadora Honestidade Mãe Professora Professora Professora Professora Guerreira Realista Educadora Inovadora Intelectual Companheiro Pesquisadora Vitoriosa Tranquilo Profissional Perfeccionista Controlado Estrategista Realizada que busca a Gosta da docência Amizade Orientadora Desconfiado qualificação Com vontade de Sistemática Sem ambição Consultora Esposa mudar muitas coisas Tento ser franca Solidária Sou autêntica Multidisciplinar Idealista Gosta de fazer no mundo Elegante Alguém que quer ser Gosta da pesquisa AMIGOS Tento ser: justa Prática Focado Sou sincera Estimulada FELIZ Tento ser disponível Consciente Fonte: Dados da pesquisa. No primeiro grupo, dos 55 participantes, 13 não responderam a essa questão. Nota-se que algumas palavras apareceram mais vezes, embora em alguns casos em posições de importância diferentes, como é o caso de dedicado; responsável; perseverante e esforçado. Não se pode definir se são aspectos Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 47 de personalidade ou necessidades mais relativas ao momento em que vivem, mas sabe-se que são entendidas como características marcantes para esse grupo. Ainda assim, pode-se refletir que, apesar de serem as mais citadas, não existe muita homogeneidade nas respostas desse grupo de respondentes. Os participantes do grupo dos entrantes responderam questão sobre identidade docente usando expressões que podem ser organizadas nos seguintes subitens: a) Relativas às relações interpessoais e à personalidade como, por exemplo: equilibrado, correto, humilde, sensata, calma, otimista, positivo, incentivador, sonhadora, idealista, altruísta, empático, simpático, educado, simples, segura, teimoso, comunicativa, atenciosa, preocupada, impaciente, resolvido, de bem com a vida, ambiciosa, aventureira, verdadeira, amorosa, fervorosa, sensível, forte, às vezes radical, compreensiva, ansiosa, indecisa, alegre, colaboradora, entre outras. Notase que são características importantes para o profissional, para a pessoa com dada formação profissional, mas não especificamente para a docência. b) Relativas mais especificamente ao trabalho foram citadas: disponível, presente, atuante, com metas, aprendiz, competente, observadora, em aperfeiçoamento, objetivo, pontual, flexível, um pouco omisso, capaz, em busca de qualificação, gosto pela docência e pesquisa. No grupo dos docentes com cinco anos de trabalho, as respostas para a questão “Quem é você?” estão relacionadas no Quadro 2. QUADRO 2 - “QUEM É VOCÊ?” – DOCENTES COM CINCO ANOS DE EXPERIÊNCIA Resposta 1 Resposta 2 Resposta 3 Resposta 4 Resposta 5 Amável Lutadora Responsável Dedicada Exigente Dedicada Comprometida Alegria Empreendedora Atencioso Envolvida Dedicada Amiga Estudioso Competente Honestidade Disciplinada Disciplinada Responsável Confiável Pessoa consciente Feliz Persistente Generosa Justa Planejamento Flexibilidade Sociável Leal Sincera Fonte: Dados da pesquisa. Destaca-se, nesse quadro, terem surgido duas vezes cada uma das seguintes palavras: dedicada, disciplinada, amiga e responsável. Nota-se uma expressão diversificada, com usos de adjetivos e de substantivos. E, ainda, a repetição de algumas características, mesmo que em graus de importância diferentes, como é o caso de dedicada. No grupo de professores com vinte anos de exercício, as respostas à pergunta “Quem é você?” estão relacionadas no Quadro 3. 48 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br QUADRO 3 - “QUEM É VOCÊ?” – DOCENTES COM VINTE ANOS DE EXPERIÊNCIA Resposta 1 Resposta 2 Resposta 3 Resposta 4 Resposta 5 Profissional Apaixonada pelo que Determinada Acredito no traba- Criativa Educadora Ser político acredita Alegre lho docente Apaixonada Alegre Alegre Elétrica Autônoma Amiga Batalhador Dedicado Cidadã Atencioso Amigo Capacidade de Forma Desafiador Comprometido Autodidata Mulher Honesta Compromissado Determinado Organizada Mãe Cordial Educado Persistente Organizada Dedicado Professor Otimista Estudioso Educadora Gosto do convívio Servidor público Sou uma pessoa que Pesquisador Perfeccionista Mãe Responsável ama a família Trabalhadora Socializadora Tranquila Tímido gestão Estudiosa Intolerante com bajulação Objetivo Persistente Prática com pessoas Honesto Ser político Preocupado Tecnológico Séria em meus compromissos Sonhadora Fonte: Dados da pesquisa. Nesse Quadro, destaca-se a repetição por duas vezes das seguintes palavras: dedicado, pesquisador, cidadã e amigo. No grupo dos professores com trinta anos de trabalho, as características apresentadas em resposta à questão “Quem é você?” estão relacionadas no Quadro 4. QUADRO 4 - “QUEM É VOCÊ?” – DOCENTES COM 30 ANOS Resposta 1 Resposta 2 Resposta 3 Resposta 4 Resposta 5 Alegria Sinceridade Compromisso Lealdade Seriedade Ansioso Compreensivo Fiel Amigo Refletivo Sensibilidade Responsabilidade Respeito Coerência Humano Curioso Sensível Provisório Ativo Persistente Determinado Direto Intelectual Comunitário Professor Dedicado Pesquisador Transparente Acadêmico por Muito meticuloso no Adoto orientandos vocação trabalho como filhos Universitária Pesquisadora Lealdade Família − membro de uma família ímpar, que me ensinou o sentido do amor Renomado Professora Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Desejo de progredir 49 Resposta 1 Resposta 2 Orientadora de trabalho Autora científico Resposta 3 Resposta 4 Resposta 5 Apresentadora de trabalhos em eventos Insegurança em Ter curiosidade face de problemas Baixa resistência à que dependem dos frustração outros Fonte: Dados da pesquisa. A comparação dos quatro segmentos revela um processo progressivo de interiorização do que é ser professor para os participantes desta pesquisa. Acompanhando cada segmento, é como se as características apresentadas falassem de aspectos mais externos e fossem, aos poucos, sendo internalizadas, aderindo e compondo a identidade profissional. De acordo com a teoria analisada, é forte esse sentimento de identificação com uma profissão. Oficialmente, a atividade docente não se caracteriza como profissão, embora tenha estruturações e legalizações de carreira. Corroborando Gil (2006), muitos professores universitários trabalham em tempo apenas parcial, desenvolvendo outra atividade, vista, muitas vezes, como a principal, pelo menos em termos de dedicação e rendimentos. Nesse caso, a primeira imagem que lhes vem à mente é a da sua outra profissão. Torna-se necessária a construção pessoal de uma estratégia identitária que conjugue a imagem de si com a avaliação das capacidades e a realização de desejos dos indivíduos (DUBAR, 2005). Isso leva a um desempenho esperado. Essa questão busca abordar a situação da imagem de si e da imagem construída pelos outros sobre si. A nota é uma forma simbólica de aprovação ou não e sinaliza aspectos de autoavaliações dos envolvidos sobre sua atuação na atividade docente. Mas a percepção individual é fundamentada em algumas justificativas que são expostas a seguir. QUADRO 5 – PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – ENTRANTES Expressões sugeridas em 3º Expressões sugeridas em 1º lugar Expressões sugeridas em 2º lugar Experiência Metodologia Diálogo Insegurança Falta de experiência Perfeccionismo Extrovertida Suscetível Competente Aplicação prática do conteúdo Responder a todas as perguntas dos alunos Bom relacionamento Flexibilidade nas diferenças Colaboração Ajuda Comprometimento/compromisso Ouvir sempre a necessidade do aluno lugar Ter um tratamento mais humano Conhecimento mediano Sinceridade Ensinar o que eles precisam aprender para se motivarem a SER Estudiosa 50 Responsabilidade Vontade Comunicativo Atencioso Calmo Conhecimento Comprometimento Dedicação Dedicação Confiança Incentivo Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Expressões sugeridas em 1º lugar Expressões sugeridas em 3º Expressões sugeridas em 2º lugar lugar Empatia Qualidade Organização Conhecimento Preparo pessoal e de aulas Relacionamento Respeito Presença Capacitação Experiência Inexperiência Empatia Alegre Disposto Inovadora Disponível Eterna aprendiz Falar mais devagar Solícita e educada Didática Clareza na apresentação de ideias Apenas incentivadora do e orientações atualizadas Mais pesquisadora do que autoaprendizado professora Expor melhor as ideias Maior dedicação Formação Conhecimentos metodológicos Didática Organização Falta de prática Influência organizacional Imaturo Afoito Oratória Autocontrole Nervosismo Perfeição Aprendizado Humildade Pontualidade Comprometimento Flexibilidade Procuro ser educadora Qualificada Responsabilidade Compromissada Conhecimento Bom relacionamento Sempre preciso melhorar Fonte: Dados da pesquisa. Algumas expressões ainda podem ser exemplificadas neste primeiro grupo: “As atividades administrativas na instituição comprometem o meu desempenho como professor” (respondente 37). “Levo a sério os meus alunos, muito” (respondente 13). “Somos seres incompletos, em constante formação” (respondente 44). “Aluno nunca está satisfeito” (respondente 8). “Somos incapazes de agradar a todos. O aprendizado é diferente para cada um. Considero a nota uma relação boa” (respondente 18). Algumas das expressões como dedicação, inexperiência, conhecimento, comprometimento sobressaíram. Entre outros aspectos que podem ser percebidos nas expressões usadas por esse grupo, nota-se uma sensação de começo. Alguns sentimentos de docentes entrantes como anseio por conhecimentos metodológicos, afoito, nervosismo e insegurança, nesse caso, podem ser interpretadas como características pessoais, mas, como foram citadas por mestrandos e doutorandos, podem ser também entendidas como insegurança de iniciantes. Ao justificarem as notas atribuídas, os respondentes apresentaram várias expressões representativas de comportamentos e sentimentos: dedicação, responsabilidade, comprometimento, pontualidade, envolvimento e falta de experiência, entre outras, voltadas para o desempenho docente. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 51 Relativamente ao desempenho docente, predominaram conhecimento, falta de experiência, organização, didática, metodologia e aprendizado, como pode ser confirmado nas expressões “Perspectiva de ser uma eterna aprendiz” (respondente 15). “Considerar-se apenas incentivadora do autoaprendizado” (respondente 19). “Sentir-se mais pesquisadora do que professora” (respondente 23). Alguns problemas foram citados quanto à qualidade no preparo pessoal e das aulas e na capacitação: a falta de prática, de influência organizacional, de conhecimentos metodológicos e de oratória. A falta de valores também foi mencionada e, nesse espaço, algumas necessidades foram apontadas: “Ensinar o que eles precisam aprender para se motivarem a SER” (respondente 22). “Investimento em formação. Aplicação prática do conteúdo. Responder todas as perguntas dos alunos” (respondente 34). “Ter um tratamento mais humano” (respondente 46). “Ter experiência. Ter clareza na apresentação de ideias e orientações. Ser atualizada. Falar mais devagar e expor melhor as ideias” (respondente 49). “Ter atenção ao fato de o aprendizado ser diferente para cada um” (respondente 50). Alguns desses exemplos estão voltados para a questão do início de carreira, são os entrantes ainda sem experiência na atividade docente. Alguns deles mostram uma preocupação com diferenças percebidas em relação ao comprometimento e à seriedade no enfrentamento da profissão. Outros refletem dificuldades pessoais e receios mais relacionados à própria conduta do professor. Das respostas dadas pelo grupo de docentes com cinco anos, nota-se que as palavras e expressões citadas exemplificam e caracterizam as respostas relativas à docência e combinam bem com o grupo dos mestrandos e doutorandos. Eles falaram de suas inseguranças, de suas preocupações e de seus tateios em relação ao enfrentamento dos problemas práticos da vida do professor universitário hoje. Lançaram algumas perspectivas, como o diálogo, a comunicação e as posturas calmas, responsáveis e maduras como apoios para as dificuldades apresentadas. As justificativas são apresentadas no Quadro 6. QUADRO 6 – PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – DOCENTES COM CINCO ANOS DE EXPERIÊNCIA Palavras citadas em 1º lugar Palavras citadas em 2º lugar Palavras citadas em 3º lugar Capacidade Amigo Cumprimento do programa Dedicado Comprometimento Estudar mais Interesso-me pela correlação entre Formalizar mais Diferenciar mais os alunos o que ele vive e os conteúdos trata- Interesso-me pelo aluno Domínio do conteúdo dos em sala de aula Responsabilidade Preparação das aulas Interesso-me por seu aprendizado Tenho muito a aprender Tenho pouco tempo de carreira Responsável Tenho muito ainda para aprender didaticamente Fonte: Dados da pesquisa. 52 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Conforme analisado no grupo dos entrantes, observam-se expressões relativas ao trabalho e outras relativas ao comportamento. Os aspectos que refletiam a insegurança e a “entrada” são, aos poucos, no grupo dos professores com cinco anos de exercício, substituídos por outros termos, como amizade, interesse pelo aprendizado do aluno e relação entre o conteúdo e a vida. Mantêm-se os aspectos comportamentais de responsabilidade, de dedicação, de comprometimento e de estudar mais, por exemplo. QUADRO 7 – PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – DOCENTES COM VINTE ANOS DE EXPERIÊNCIA Justificativa 1 Justificativa 2 Justificativa 3 Aprender sempre Compromissado Compromisso Bom relacionamento com alunos Compromisso Criativa Compromisso Conhecimento Depende de competência do aluno para acompanhar a disciplina Conhecimento Depende de objetivos do aluno Ética Dedicação Desenvolvimento Experiente Dedicado Honesto Investimento Dedicado Organizada Jogo de cintura Depende de comprometimento do aluno Organizada Justo Esforço pessoal, apesar do sistema Organizada Realizado Não possuo experiência profissional no mercado Paciência Relacionamento Práxis Responsabilidade Realização Seriedade Fonte: Dados da pesquisa. A expressão abaixo exemplifica tal situação e nota-se certa ênfase em aspectos comportamentais do docente e do aluno e nos aspectos relacionais. “Eu somente saberia reconhecer um bom professor alguns anos depois de ter sido seu aluno. É difícil dar uma boa nota para quem te faz trabalhar muito acima da média dos demais professores” (respondente 12). As justificativas para os docentes com mais tempo de exercício profissional são apresentadas no Quadro 8. QUADRO 8 - PALAVRAS QUE RESUMEM AS JUSTIFICATIVAS – TRINTA ANOS DE EXPERIÊNCIA Justificativa 1 Justificativa 2 Justificativa 3 Competência Didática Justiça Comprometido Falho Paradoxal Dedicação Conhecimento Didática Determinado Empreendedor Criativo Inovação Organização Autodidatismo Interesse Compromisso Mobilizo os alunos Prestativo Facilitador de contatos Cuidado com as necessidades individuais Sonho Realização Necessidade financeira Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 53 Nota-se uma ênfase dividida entre as questões do trabalho e as questões comportamentais. Merece atenção a situação de necessidade financeira, como dado de realidade da vida pessoal do profissional entrevistado, aspecto característico dos participantes desse segmento. Em termos de realização pessoal/profissional como profissional da carreira docente universitária, 23% dos participantes do primeiro grupo sentem-se felizes, 19%, motivados, 16%, animados, 14%, preocupados, 12%, identificados, 9%, preparados, predominantemente. Dos 55 respondentes, 6% não responderam a essa pergunta. Por pertencerem, a maioria dos respondentes, ao grupo de iniciantes, poder-se-ia falar de muitos desses participantes como felizes e motivados pela escolha, ou pela experiência em um departamento ou como professor orientador, ou ainda pela perspectiva de se ter uma atividade profissional melhor e não tanto pela experiência docente efetiva. Observa-se que a maioria dos respondentes que escolheram a opção “feliz” também marcou a alternativa “preocupado”, ou a opção “despreparados”, algo que remete à insegurança e a perspectivas menos tranquilas de vida profissional. TABELA 1 – SENTIMENTOS EM RELAÇÃO À ESCOLHA PELA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA 25 DU vinte anos nº abs. 3 36 DU trinta anos nº abs. 4 33 1 12 2 14 2 22 14 1 12 3 21 2 22 10 19 2 25 2 14 3 33 Insatisfeito 1 2 1 11 Decepcionado 2 4 Resposta Entrantes nº abs. % DU cinco anos nº abs. % Feliz 12 23 2 Animado 10 18 Preocupado 8 Motivado Realizado Sentindo-se identificado Sentindo-se despreparado Sentindo-se preparado Na expectativa que a negociação com o governo estruture a carreira 8 14 1 1 3 8 Estamos muito mal pagos Outro 1 % % 1 12 4 28 4 11 2 25 6 42 3 33 1 12 3 21 4 44 1 12 2 14 14 Fonte: Dados da pesquisa. No grupo dos professores com cinco anos de trabalho, nota-se a ênfase no sentimento de felicidade em relação à atividade escolhida, mas eles não se esquecem de trazer a preocupação e as expectativas em relação a novas e melhores perspectivas para a carreira docente universitária. No grupo dos professores com vinte anos de exercício, nota-se também a tônica de felicidade pela atividade escolhida, mas aliada a preocupações e a reclames acerca dos baixos salários. Um grupo maior de docentes incluiu a opção 54 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br “Sentindo-se preparado”, diferentemente dos grupos anteriores, nos quais é percebida uma parcela de insegurança e de necessidade de mais preparo. Em relação ao grupo de docentes com trinta anos de exercício, são mais fortes as percepções de felicidade, praticamente citada por todos, que escolheram as opções: “motivado(a)”, “preparado(a)”, “identificado(a)” e “realizado(a)”. Um deles mencionou a palavra preocupação. Considerando os quatro segmentos, percebe-se que o docente universitário participante desta pesquisa é um profissional feliz com a sua escolha, realizado e motivado, que dá importância ao preparo profissional e que tem preocupações em relação à carreira. O que muda de um grupo para outro são as proporções de respondentes que apresentam determinado sentimento, mas não o perfil em si. O perfil do docente universitário teve, nos quatro grupos, várias características coincidentes. Os dados desta pesquisa mostram a grande importância atribuída às competências relacionais e de comportamento, reforçando valores pessoais. Por essa ótica, um docente deve ter em seu perfil, caráter, ética e bom relacionamento, porque essas características fazem diferença para o melhor desempenho do professor e integram os fatores identitários. Elas são relevantes e decisivas para o desenvolvimento profissional. A seguir, buscaremos caracterizar a atividade docente em si. Quando solicitados a diferenciar as características do professor e do educador e, ainda, aquelas que se referiam aos dois, os entrantes usaram várias frases descritas no questionário para fazer as identificações. Foi pela diferença de vezes que cada frase apareceu para o professor, para o educador ou para ambos que foi possível avaliar as predominâncias. Nota-se uma diferença sensível entre as pessoas desse grupo. Algumas têm uma visão bem concreta de professor com base nos aspectos legais de regulamentação da profissão, com tarefas específicas a serem cumpridas, com um tom de “desconfiança” das intenções dos alunos e uma necessidade de manter a distância e a autoridade em relação a eles. De outro lado, alguns respondentes deixam bem clara a ideia do educador ser alguém também responsável pela formação dos alunos, na perspectiva de cidadania, de pessoa, usando para isso de seu papel de “modelo”, sendo um formador de pessoas para além de formador de técnicos em determinada área. Essas percepções correspondem a uma identidade projetada dos papéis de professor e de educador para o docente universitário. No grupo pesquisado, as características pessoais e de docente universitário favoreceram a montagem de um paralelo que está apresentado na Tabela 5. TABELA 5 - COMPARAÇÃO ENTRE A IDENTIDADE DO PARTICIPANTE E A IDENTIDADE DO DOCENTE UNIVERSITÁRIO NA PERCEPÇÃO DOS PESQUISADOS Quem é você? Palavras Característica do docente Iniciantes Até 5 anos Até 20 anos 30 ou mais Iniciantes Até 5 anos Até 20 anos 30 ou mais Responsável 14 2 1 - 3 - 1 - Persistente 8 3 - - 1 - - 1 Dedicado 7 6 2 1 10 2 1 - Companheiro 6 - 2 1 - - - - Pesquisador 5 - 2 2 9 2 1 2 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 55 Amigo 5 2 3 1 4 - 1 - Professor 5 1 1 1 1 1 - - Persistente 4 1 2 1 1 - - - Estudioso 4 1 2 6 3 3 1 Comprometido 4 1 3 - 8 1 3 1 Esforçado 3 - - - 3 1 - - Honesto 3 - 2 - 2 - - - Educador 2 - 3 - 7 2 1 - Disciplinado 2 3 - - 1 - - Organizado 2 - 2 - 2 - 1 - Compreensivo 1 - - 1 - - - - Sonhador 1 - 1 - 1 - - - Conhecimento 1 - - - 4 - 1 - Aprendiz 1 - - - - 2 Relacionamento - - - - 2 3 1 1 Articulador - - - - 4 - - - Total 78 20 26 8 63 14 13 7 2 Fonte: Dados da pesquisa. Na visão dos respondentes, as características citadas por eles sobre quem são compõem o perfil necessário para o professor universitário. Mas, se analisadas mais detalhadamente, um perfil de docente universitário público, hoje, não se completa com as características percebidas pelos participantes neles mesmos. Mudanças na carreira docente e nas demandas sobre os profissionais da docência pulverizaram e diversificaram as características definidoras do professor universitário. Pode-se considerar que o quadro percebido nesse tópico da pesquisa representa um profissional em transição, até porque nele estão gerações diferentes de profissionais do ensino superior. E é esse o momento revelado pelas respostas relativas à docência do ensino superior. No caso dos grupos de professores com trinta anos e vinte anos de trabalho, eles vivenciaram toda a transição e muitos deles ainda estão trabalhando, sujeitos a novas mudanças. Para quem entrou para a carreira dentro de um modelo mais tradicional, os ajustes forçosamente tiveram que acontecer em larga escala no âmbito individual para acompanhar as novas exigências e, mais, sem terem tempo de preparo, tiveram que mudar durante o exercício da atividade. Se existem questões de ordem material, como as baixas salariais e as questões administrativas relativas ao ambiente universitário, essas são lutas a serem empreendidas pela classe, como uma carreira ainda em construção. Isso, no entanto, não diminui ou tira o significado e a influência do professor universitário para os alunos, que podem até “não quererem nada com o estudo”. No grupo dos docentes com trinta anos, foi ainda solicitado que deixassem uma pergunta, uma questão sugestiva para debate ou reflexão sobre a docência universitária. Assim, finalizando o perfil docente 56 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br universitário e considerando a experiência do grupo mais velho desta pesquisa, deve-se dar atenção a alguns aspectos da docência universitária hoje. Essas contribuições guiarão as análises finais. Diante dessa realidade e buscando as reflexões de Maia (2003), uma forte contribuição seria a iniciativa coletiva de lutar pelos direitos e pelas estruturações de carreira. Se o docente universitário fosse mais bem valorizado, os reflexos disso seriam um progresso do conhecimento e mais seriedade também do cliente da universidade, seja ela pública ou paga. Isso porque o aluno não deveria ter a sua vaga de universitário baseada na noção de quanto vale a aula daquele professor ou quanto é o salário do professor, porque esse deveria, sim, ser um salário, pelo menos, justo! Mas quanto esse professor contribui para a ampliação do conhecimento? E quanto dessa ampliação tem ou pode ter a minha participação como aluno? O sentido seria, então, de uma universidade como local de construção do conhecimento e visto de forma ampla, sendo o aluno e o professor partes de uma grande estrutura, a universidade, e não números de uma faculdade específica. “É um ambiente de baixa autocrítica e muita vaidade, uma calamidade. Há apenas alguns professores que realmente merecem o título de PROFESSOR” (respondente 8). As circunstâncias a que chegaram as universidades em termos de estrutura e de possibilidades oferecidas aos professores e aos alunos deixam de lado o foco que é o crescimento do saber, das pessoas e da instituição. Enfatizam aspectos periféricos, que se tornam essenciais à dinâmica universitária. As pessoas que ocupam os cargos prendem-se, muitas vezes, a uma valorização e a uma competição que se tornam um fim em si mesmas. Um exemplo desse desvio são os conflitos interpessoais que tanto desgastam o dia a dia universitário. “Excelência das práticas acadêmicas e ampliação do conhecimento científico, buscando sempre a inovação e o contexto criativo das práticas profissionais para viabilizar a formação do aluno e as necessidades do mercado sustentável” (respondente 3). Destacam-se as palavras excelência, conseguida mediante qualidade e identificação, aspectos intimamente ligados; a palavra ampliação, do conhecimento científico com inovação − missão primeira da escola, especialmente a de nível superior –; a criatividade, nas práticas profissionais (atenção dada à tarefa do professor, seja como pesquisador ou como profissional de magistério). A criatividade está relacionada também às leituras dos diversos contextos, para ser possível atuar de forma mais adequada, sem padronizações ou repetições maquinais. Distingue-se ainda a palavra viabilizar relacionada à formação do aluno, pois quem está se formando é o aluno, apesar de nesse processo o professor também se desenvolver. E por último, a palavra ver, isto é, olhar para o profissional de docência como alguém que acompanha as mudanças e pode contribuir para melhorar as realidades física e emocional. Em relação ao objetivo proposto neste artigo, pode-se afirmar que a construção deve-se mais às características pessoais, às oportunidades, às influências e à formação acadêmica. Mas, diante de várias situações da vida, as oportunidades acabam guiando as próprias carreiras e os investimentos pró-melhoramentos na profissão. Até mesmo para as escolhas profissionais, as pessoas encontram uma forte determinação das influências e das oportunidades, distanciando-se progressivamente da perspectiva de carreira planejada. As características do professor universitário apontadas não diferem muito de um segmento para outro, deixando claro que mudaram os contextos, e, por isso, as características identificadoras do professor estão em transição. Ou, visto por outra ótica, a identidade do docente universitário está em metamorfose, mas não está completa e dificilmente o estará, porque é dinâmica. Sobre o perfil do docente, a partir dos dados desta pesquisa, além dessa premissa, acrescenta-se que os próprios docentes têm diferenças Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 57 sensíveis em suas identidades, porque são profissionais de áreas diferentes e não se fazem idênticos pelo fato de exercerem a docência. Se a carreira docente caminhar para uma melhor estruturação, se houver uma profissionalização efetiva da carreira docente universitária, a definição do perfil do docente poderá ser mais reconhecida institucionalmente. Mas, nas atuais circunstâncias, as tendências percebidas são as pessoas buscarem seguir as oportunidades que mais as favorecem no momento e conjugá-las, na medida do possível, com o que elas são. As carreiras são mais de cada indivíduo que se constituem exemplos de carreira docente. Nesse processo, não se tem ainda um “quem” é o docente universitário, mas “como” é o docente universitário. Ele se constrói e se reconstrói permanentemente como pessoa e como profissional. “Discutir o papel do docente/educador neste momento histórico de grandes mudanças sociais e de grandes avanços científico-tecnológicos, que exigem, além do permanente aprimoramento profissional, uma ampla abordagem de temas voltados para a ética profissional e a bioética. A discussão de novas metodologias de ensino também deve ser aprofundada, pois vivemos novos tempos. Estamos vivenciando a reforma curricular de vários cursos, mas nenhuma delas será mais relevante que a nossa própria revisão de visão de mundo e preservação de valores, redescobrindo o papel de cada um na construção de um mundo sempre em evolução” (respondente 7). O papel do professor como estimulador de estruturação de visões de mundo e de vida pela força da construção do conhecimento é algo que combina com as características desse tempo, que apresenta o mundo de forma multivariada, mas que não acontece ao acaso. Professor e aluno deveriam ser lugares simultâneos e mútuos, e não competitivos cada um e entre si. A identidade não se forma nem em um lugar nem em outro, mas na relação. Só serão construídas identidades profissionais de fato quando esses papéis forem assumidos. A pesquisa nos processos de formação e atuação dos professores é uma condição da docência. A isso se agrega o reconhecimento social, o imaginário do professor e a sua valorização salarial. “O que significa ser docente universitário para você?”, “Ser docente universitário foi sempre assim, nos últimos 35 anos?”, “O que é ser docente nos anos 60, 70 e 80?”, “E hoje?”, “O fato de estarmos em greve pode interferir nas minhas respostas?”. Tudo de bom no seu percurso. Seja qual for o ponto de chegada que ele seja um bom ponto para uma nova jornada (respondente 6). Essas palavras resumem, de alguma maneira, o próprio papel do docente, colocando a pesquisa como condição, não legal, mas a ser usada para a ampliação do conhecimento citado anteriormente. A pesquisa deve ser desenvolvida por alguém que tenha uma boa autoestima, favorecida por um reconhecimento social e por um salário digno, essenciais para uma identidade profissional.O que significa ser docente universitário para você? Tal pergunta só tem sentido se a resposta for útil para alguém ou alguma situação. Ser docente universitário foi sempre assim? Esta questão leva a uma constante mudança, acompanhando as diferenças do contexto histórico, social, geográfico e econômico. Enfim, uma atuação com bases em valores firmes e objetivos ajustáveis. O compromisso político é proposto com a pergunta: “O fato de estarmos em greve pode interferir nas minhas respostas?” (o questionário foi aplicado em período de greve dos professores), e com a postura de crescimento do outro, por meio do desejo de coisas boas, independente do ponto de chegada. Lembrando Guimarães Rosa, vale mais a caminhada que propriamente aonde se chega. A mola mestra de toda atuação docente é o fato de que a cada conquista abrem-se novas perspectivas desafiadoras. O processo é dinâmico e contínuo, nem sempre com resultados visíveis pelo que possibilitou. 58 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br QUE SEJAM CONSIDERAÇÕES INICIAIS... A identidade profissional é uma construção subjetiva, que tem como elementos básicos as características do indivíduo e as características de uma determinada atividade de trabalho. Para que isso aconteça, o ambiente de trabalho deve ser entendido como algo resultante dos compartilhamentos que se dão nas interações humanas. Nele deve haver uma sintonia forte e consciente do trabalhador com os objetivos e os valores da profissão ou atividade desenvolvida. Individualmente, a identidade é um importante fator da realidade subjetiva, na qual o indivíduo é produto e produtor de sua carreira. Carreira e identidade profissional são, ambas, construídas a partir das experiências vividas no trabalho e das circunstâncias sociopolíticas e históricas que formam seu contexto. O perfil dos professores que escolheram trabalhar com a atividade docente universitária mudou. Se antes o foco era mais no magistério, na sala de aula, nas relações com os alunos e no acompanhamento do desenvolvimento de sua formação acadêmica, hoje, a base da atividade envolve a pesquisa e as produções escritas. As reflexões sobre o papel efetivo do docente universitário, segundo a amostra pesquisada, não são trazidas aos debates, abrindo espaço para que, aos poucos, reforçadas pelos critérios avaliativos atuais, sejam preponderantes as tipificações do pesquisador. Também não se oportuniza a real mudança do papel do aluno como aquele que pesquisa junto com o docente, por exemplo. Em muitos relatos sobre as influências para a escolha pela carreira docente, notou-se que a participação em projetos de iniciação científica foi forte instrumento mobilizador. Entretanto, em muitos casos evidenciados nas falas dos participantes, as ajudas dos bolsistas prendiam-se mais à execução de uma função de secretariado ou de um secretariado “executivo”. Alguns mencionaram a palavra escravo, o que representa que a tarefa foi desenvolvida praticamente pelo estudante, que tem nesta pesquisa um papel operacional, pois realiza as atividades mais demoradas ou mecânicas, bem como a função de planejar e concluir, compartilhando a autoria com o professor da disciplina. Os professores pesquisados gostam da docência e se sentem identificados, em todos os segmentos, com a atividade profissional. Mas algumas diferenças devem ser destacadas: no grupo dos entrantes, a docência não é suficiente para que eles se sintam realizados, o que pode ser confirmado pelo número de respostas que demonstram a disposição dos mestrandos e doutorandos a se dedicarem à docência ou conjugá-la com outra atividade. Esse último dado, mais forte no grupo dos entrantes, reflete uma identidade profissional menos focada, na qual os indivíduos mostram-se atentos a novas oportunidades, abertos a reconstruções e sem a visão de uma escolha feita de modo definitivo na vida. Essa perspectiva de carreira liga-se bem ao conceito de carreira proteana (HALL, 1996), na qual o foco é a adaptação às novas circunstâncias. Notam-se uma intencionalidade e uma busca de realização por meio de uma atividade profissional docente mais definida no grupo dos professores com mais tempo de experiência, diminuindo esse sentido à medida que se tomam os grupos pesquisados mais jovens. Fica clara, assim, a mudança no perfil do profissional de docência superior: os entrantes não têm as mesmas características, nem os mesmos objetivos, nem as mesmas pretensões dos docentes de vinte anos atrás. Consequentemente, seus investimentos na carreira também serão diferenciados. Se aqueles que entram hoje não se envolvem com a carreira como opção, também a carreira docente deveria moldar-se a esse novo profissional, e vice-versa. Durante as leituras das respostas dos participantes desta pesquisa surgiram algumas reflexões que podem ser trazidas como futuras questões de pesquisa ou iniciadoras de novos temas, por exemplo: Será que a docência passará a ser um refugo de profissionais em processo de decisão do que pretendem fazer? Ou um local de transição e crescimento na área escolhida para permitir que o profissional se prepare Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 59 melhor para o mercado de trabalho? Ou uma oportunidade de reposição do que não foi suficientemente aprendido na graduação (foi citado que o aluno “não quer nada”!). Ou, ainda, uma oportunidade de fazer as pós-graduações em condições melhores que os profissionais em atuação no mercado de trabalho (foi citada a oportunidade de viagens e conhecer outras culturas), como é o caso de muitos mestrandos e doutorandos? Ou será que a carreira docente tende a se tornar opção de pessoas mais conscientes e identificadas com as atividades a serem desenvolvidas? Aqui ficam mais sugestões significativas para o avanço da pesquisa nesta área, depois destes resultados. Na percepção dos professores pesquisados, eles se acham felizes na profissão, quando considerados na sua grande maioria. Os professores do primeiro grupo reforçam estar animados, entusiasmados, enquanto nos outros grupos o tom de preocupação se destaca mais. A interpretação de felicidade é bem subjetiva, mas aqui tender-se-á a relacioná-la a realização, pelos dados vistos nesta pesquisa. Voltando às análises anteriores, embora todos os conflitos e todas as insatisfações, as pessoas da área docente se sentem felizes. Poder-se-ia questionar então: se os alunos não estão dispostos a aprender, como relatado, se as condições do trabalho e da carreira não atendem às necessidades e se as recompensas são insuficientes, qual é o conceito de felicidade desse profissional? Em algumas respostas, percebeu-se que é muito difícil manter a motivação quando se tem toda uma dedicação no preparo das aulas, quando se gosta do conteúdo ministrado e quando se investiu para estar no lugar de professor universitário, mas o aluno não se interessa e o salário não compensa... Pelos dados desta pesquisa, não se tem clareza de onde vem essa felicidade, podendo também esse ponto ser objeto de pesquisas futuras, uma vez que essas ambiguidades perduram já por muito tempo. As conclusões desta pesquisa podem contribuir para processos futuros de reestruturações da carreira docente, com vistas a uma maior coerência entre o tipo de profissional que atua na docência e as atribuições que tipificam essa atividade. Se o professor universitário deve ser um educador, como constatado nesta pesquisa, e se a educação é processo de formação mais que de informação, confirma-se a importância de incrementar a consciência das construções e reconstruções de identidades profissionais em suas trajetórias de carreira. 60 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis: Vozes, 1996. DAVEL, E.; MACHADO, H. V. A dinâmica entre liderança e identificação: sobre a influência consentida nas organizações contemporâneas. Revista de Administração Contemporânea, v. 5, n. 3, p. 107-126, 2001. DUBAR, C. A Socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. GIL, A. C. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2006. HALL, D. T. Preface. In: _______. The career is dead – long live the career. San Francisco: Jossey-Bass Publishers, 1996. MAIA, A. C. N. APUBH: 20 anos – História oral do movimento docente da UFMG. 2. ed. Belo Horizonte: APUBH, 2003. MASETTO, M. T. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003. MOTTA, P. R. Reflexões sobre a customização das carreiras gerenciais: a individualidade e a competitividade contemporâneas. In: BALASSIANO, M.; COSTA, I. de S. A (Org.). Gestão de carreiras − dilemas e perspectivas. São Paulo: Atlas, 2006. SAINSAULIEU, R. L’identité au travail. 2. ed. Paris: Presses de La FNSP, 1985. SAINSAULIEU, R. Sociologia da empresa. Organização, cultura e desenvolvimento. Tradução de Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 530p. (Título original: Sociologie de L’enterprise.) VERGARA, S. C. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2010. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 40-61, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 61 ARTIGOS A CRISE NÃO RECONHECIDA: IDENTIDADE DOCENTE DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL 2 Selma Oliveira Alfonsi Vera Maria Nigro de Souza Placco RESUMO: Este artigo se trata de um relato de pesquisa de mestrado que teve como objetivo investigar como as exigências que os professores percebem que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, afetam a sua identidade profissional. A pesquisa foi realizada com 26 professores de uma escola particular de ensino fundamental 2, em São Paulo. O instrumento utilizado foi o questionário, que visava identificar o processo de negociação identitária dos sujeitos. A pesquisa foi realizada segundo as concepções sociológicas de Dubar (2005 e 2009) sobre identidade profissional. Os resultados apontaram que os sujeitos encontram-se confusos quanto a sua função como professor, em decorrência das múltiplas atribuições que acreditam lhes serem postas. Além disso, foi possível identificar que estão vivenciando um momento de crise de identidade, apesar de não se narrarem literalmente nela. A crise é vista, neste estudo, como uma ruptura com aquilo que os sujeitos acreditavam ser o seu papel. PALAVRAS-CHAVE: Identidade docente; identidade profissional; crise de identidade. Teachers Identity Abstract: This article shows the results presented in a research which aimed to investigate in what extent the requirements that teachers realize to be made by the students’ families and by the school affect their professional identity. Twenty-six teachers from a secondary private school in São Paulo took part in this research. A questionnaire was used in order to identify how the process of identity negotiation was carried out by these teachers. The analyses were made according to the social conceptions of Dubar (2005, 2009) concerning the professional identity. According to the data analyses it was possible to identify that teachers are confused in relation to the roles they are supposed to play, due to the multiple attributions they believe to be required by the students’ families and by the school. The results also showed that they are undergoing a moment of crises, although they do not literally say it. Herein crisis is considered as a rupture of what individuals used to believe to be their roles. Keywords: Teachers’ identity; professional identity; identity crisis. 62 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br INTRODUÇÃO As rápidas mudanças pelas quais a sociedade brasileira tem passado nos últimos anos, entre elas, o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho e a ida das crianças cada vez mais cedo para a escola, têm refletido na escola e em seus agentes. A escola é um ambiente complexo que requer reflexão sobre as muitas contradições existentes, entre a pessoa e a sociedade, a harmonia e o conflito, a igualdade e a diferença (PERRENOUD, 2001). Apesar da complexidade dessas relações no ambiente escolar, pensamos ser essencial que os professores, a família e a escola caminhem juntos para poderem proporcionar ao aluno o seu desenvolvimento intelectual e formativo. Contudo, muitas questões e contradições podem interferir e até mesmo dificultar esse processo. Sacristán (1991) pontua que a evolução da sociedade afeta a escola, fato que pode ser observado nas notícias e artigos veiculados pela mídia, quando o desempenho dos alunos brasileiros é avaliado por exames nacionais e internacionais, quando as empresas reclamam que a escola não está dando conta de preparar os alunos para o mercado de trabalho ou quando se fala do baixo nível de qualificação dos professores. Enfim, as cobranças sobre a escola e, consequentemente, sobre os professores, são muitas. Diante desse cenário, surge um questionamento: nessa sociedade globalizada, na qual tudo muda muito rapidamente e as demandas são cada vez maiores, principalmente sobre a escola, como ficaria a identidade profissional dos professores que precisam, cada dia mais, desempenhar diferentes funções? Qual o significado da angústia e insegurança dos professores, que, por estarem inseridos nessa sociedade mutante, espera deles também mudança de papéis e comportamentos? Qual o significado dessas mudanças em sua identidade profissional? Nas palavras de Dubar, teórico da Sociologia, que trouxe grandes contribuições para este estudo, “a identidade de uma pessoa é o que ela tem de mais valioso: a perda de identidade é sinônimo de alienação, sofrimento, angústia e morte” (2005, p. 25). Dessa forma, acreditamos ser importante considerar a constituição identitária docente nos processos de formação continuada de professores. Nessa perspectiva, surge a questão: como os docentes têm construído e reconstruído suas identidades profissionais? O objetivo desta pesquisa, portanto, foi de investigar como as exigências que os professores percebem que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, afetam a sua identidade profissional. A hipótese que nos norteou foi a de que, quando os professores percebem as demandas que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, como incompatíveis com o que acreditam ser a função deles, eles tendem a adaptar o próprio comportamento, a atuação pedagógica e a prática em sala de aula para responder a essa demanda. No entanto, essa aceitação não significa concordância, tampouco uma identificação com as funções que, segundo eles, espera-se que desempenhem. Ao procurarem atender a essas demandas, os professores tendem a mudar as suas práticas pedagógicas, por vezes, a contragosto. Ao analisar esse movimento de negociação entre o que eles acreditam que lhes é atribuído e sua atuação profissional, buscamos indicadores que nos revelassem em que medida a identidade profissional desses sujeitos está sendo afetada de forma a contribuir para os processos de formação de professores. Na busca de respostas para esta investigação, optou-se por centrar o referencial teórico em dois eixos: a identidade e a profissionalidade docente. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 63 O conceito de identidade requer reflexão e uma compreensão que precisa ser, ao mesmo tempo, profunda e abrangente, considerando-se dois fatores fundamentais: os contextos sociais e profissionais e a trajetória dos indivíduos. Em seu estudo sobre identidade de professores, Placco e Souza (2010) apresentam a pluralidade de como o conceito de identidade é apresentado por diferentes autores, como Jacques, Kaufman, Marques e Ciampa. Segundo esse estudo, a identidade pode ser definida como imagem e representação de si; como as características de uma população que se constitui como minoria e busca ser reconhecida; como as representações originadas tanto pelo sujeito quanto pelo meio social, as quais variam conforme os tipos de sociedade, e como metamorfose, que significa que o indivíduo está em constante transformação. Apesar de não haver um consenso entre os autores sobre o conceito de identidade, ou uma definição única, é possível identificar que esses autores se referem a um indivíduo que busca a sua singularidade dentro das relações, em um determinado contexto social. Para Dubar, a identidade é o resultado de uma dupla operação: diferenciação, ato de definir-se como diferente, “o que constitui a singularidade de alguma coisa ou de alguém relativamente a alguém ou a alguma coisa diferente: a identidade é a diferença” (2009, p. 13), e generalização, que possibilita ao indivíduo identificar-se com aspectos comuns de dado grupo, criando, assim, a sensação de pertencimento comum. Essas operações, diferenciação e generalização, criam um paradoxo, o que há de único e o que é partilhado. Sob essa perspectiva, Dubar postula que não existe identidade sem alteridade, ou seja, o indivíduo se constitui a partir do olhar do outro, em um determinado tempo e contexto. A identidade se constitui pela negociação que o indivíduo vai fazer com as atribuições sociais, em um movimento dialético. Por meio das suas experiências com o outro e com o seu contexto social, profissional e familiar, ele se modifica e, consequentemente, a sua identidade é também modificada. Dubar (2005) apresenta dois grandes processos – sintetizados neste artigo –, que se relacionam nos modos de identificação dos indivíduos: o relacional e o biográfico. A construção da identidade segue no sentido desses dois processos. O processo relacional refere-se às atribuições que o indivíduo recebe, os reconhecimentos e não reconhecimentos. E o processo biográfico envolve as questões mais subjetivas, ou seja, apesar de tudo aquilo de concreto, objetivo que o indivíduo vivencia durante a sua trajetória pessoal e profissional, ele tem uma forma subjetiva de interpretar esses acontecimentos em decorrência de suas experiências passadas e também em função de suas projeções futuras. Esses dois processos, relacional e biográfico, estarão sempre juntos, mas, em ambos, o indivíduo, como ator, estará presente; é um movimento de ir e vir. É esse movimento que precisa ser observado, pois a constituição da identidade não está somente no relacional ou no biográfico, mas sim na interação dos dois. O autor utiliza dois termos oriundos do alemão, que foram definidos por Max Weber, para nomear duas formas de identificação: as formas comunitária e societária. A forma comunitária, que está ligada ao processo biográfico, refere-se à primeira identidade social do sujeito, aquela que está relacionada à sua família, à sua etnia, à sua classe social, “a agrupamentos chamados ‘comunidades’, consideradas como sistemas de lugares e nomes pré-atribuídos aos indivíduos [...]” (DUBAR, 2009, p. 15). Referem-se a questões essenciais de identidade, como o indivíduo se nomeia em função das atribuições que os outros lhe deram: pai, mãe e a sua formação. 64 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br A forma societária, que está ligada ao processo relacional, refere-se às várias fontes de identificação do sujeito: casamento, trabalho, e a todos os outros grupos sociais que possibilitam que esse indivíduo se nomeie e se identifique. No entanto, essa identificação não é definitiva, mas existe por um tempo limitado e implica escolha. O indivíduo opta por se associar a algo ou a alguém. Esses grupos também lhe farão atribuições que, ao serem aceitas pelo sujeito, tornam-se ou não uma pertença. O sujeito irá se identificar ou não com o grupo ou instituição opta por participar ou não desse grupo. As formas societárias “supõem a existência de coletivos múltiplos, variáveis, efêmeros, aos quais os indivíduos aderem por períodos limitados e que lhe fornecem recursos de identificação que eles administram de maneira diversa e provisória” (DUBAR, 2009, p. 15). Dessa forma, os indivíduos passam por múltiplas pertenças que podem mudar ao longo da sua vida, mas será na articulação entre a atribuição e a pertença que consistirá o processo de constituição identitária do indivíduo. Dubar propõe, também, outras formas intermediárias de identificação: a forma reflexiva, a narrativa, a estatutária e a cultural, que apresentamos a seguir, de forma sintética. Faz-se necessário ressaltar que as formas identitárias foram construídas em decorrência de um profundo mergulho do autor nas obras de Elias, Weber e Marx. Essas formas de identificações foram construídas e ilustradas historicamente, em decorrência das mudanças políticas, simbólicas, econômicas e não ocorreram de forma isolada. Os indivíduos se organizam, prioritariamente, em torno das formas comunitárias ou societárias, como relatado anteriormente. Quando existe uma associação de um modo de identificação do Nós comunitário, e de um Eu íntimo, ou seja, quando a subjetividade do indivíduo e as suas questões internas estão mais fortes, esse indivíduo encontra-se na forma reflexiva, que é “esse modo específico de identificação que consiste em procurar, argumentar, discutir, propor definições de si mesmo fundadas na introspecção e na busca de um ideal moral” (DUBAR, 2009, p. 47). Na forma cultural, há um predomínio do Nós comunitário, da etnia, dos traços culturais; o indivíduo se define para e pelo outro. Nas palavras do autor, “os indivíduos são designados por seu lugar na linhagem das gerações e por sua posição sexuada nas estruturas de parentesco” (DUBAR, 2009, p. 30). A forma narrativa não implica uma reflexão interna sobre si mesmo, mas um predomínio da sua ação no mundo. “Cada um se define pelo que faz, pelo que realiza, e não pelo seu ideal interior. Ela se organiza em torno de um plano de vida, de uma vocação que se encarna em projetos, profissionais e outros” (DUBAR, 2009, p. 50). O indivíduo tem uma projeção de si mesmo, que existe apesar das crises, dos problemas, mas ele se projeta para o futuro, tem planos e busca realizá-los. A sua identificação é pessoal, mas está voltada para o exterior. Quando o indivíduo tem uma propensão maior às formas societárias, seu Eu é estratégico e implica a aprendizagem de “novas maneiras de dizer, de fazer e de pensar valorizadas pelo Poder” (DUBAR, 2009, p. 38). O indivíduo escolhe estar em determinada instituição porque tem interesses, objetivos e projetos. Dessa forma, ele cumpre as regras, os estatutos e as atribuições que lhe são feitas, porque o cumprimento das regras é do seu interesse. Nesse momento, ele está mobilizando a forma estatutária. Dubar não afirma que existe uma forma de identificação única e predominante, e elas não são mobilizadas de forma estanque, separadas, descoladas, mas sim em um movimento contínuo, e dependem do contexto e da situação em que o indivíduo está inserido. Nessa perspectiva, pode-se dizer que existe um movimento histórico, de processos históricos, coletivos e individuais, que modificam a configuração das formas identitárias. Dessa forma, a identidade é Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 65 compreendida como “resultado, a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições” (DUBAR, 2005, p. 136). A identidade é um processo de construção, dentro de um contexto histórico-social do indivíduo, na articulação de atos de atribuição (do outro para si), o que eu acho que o outro diz de mim e de pertença (de si para o outro), o que eu digo de mim, em um movimento contínuo e permanente. O indivíduo vive numa sociedade, recebe as atribuições que lhe são feitas, vive as suas experiências, aceita ou não as atribuições que ele percebe que lhe são postas, e se redefine constantemente. Esses processos estão imbricados num movimento constante e dialético, pois a identidade de uma pessoa não é feita à sua revelia e não se pode prescindir dos outros para forjar nossa própria identidade. (DUBAR, 2005) Dubar (2005) denomina os atos de atribuição como sendo aqueles que visam definir que tipo de homem ou mulher você é, que seria a identidade para o outro. As atribuições percebidas pelo sujeito nos levam a saber como ele está negociando com elas, como ele vai reagir a elas, como ele as lê e as interpreta. O indivíduo pode recusar as atribuições sem ter consciência de que está recusando; por exemplo, ele pode recusar uma atribuição fazendo de conta que está aceitando-a. O sujeito não muda se ele não quiser; ele é o protagonista, a identidade é dele. Quando o sujeito não consegue negociar com as atribuições que lhe são postas, ele pode passar por uma crise. Dubar (2009, p. 20) fala da crise como “ruptura de equilíbrio entre diversos componentes [...] perturbações de relações relativamente estabilizadas entre elementos estruturantes da atividade [...]”. Essas rupturas, sejam elas de nível social ou econômico, podem afetar os comportamentos econômicos, as relações sociais e as subjetividades individuais. As crises, pessoais, econômicas ou sociais, são inerentes aos processos de constituição identitária, pois “a crise revela o sujeito a si mesmo, obriga-o a refletir, a mudar, a lutar para ‘libertar-se’ e se inventar a si mesmo, com os outros. A identidade pessoal não se constrói de outra forma” (DUBAR, 2009, p. 255). Entendemos que as crises estão presentes, fazem parte da vida de todos e mobilizam mudanças. Como esta pesquisa visa compreender a identidade docente, essa mobilização de mudanças, para muitos professores, principalmente aqueles que estão no magistério há muito tempo, pode tornar-se um problema e gerar sentimentos de exclusão. Para outros, no entanto, as crises podem levá-los a refletir e buscar novas formas de atuação profissional. Cada professor, como indivíduo e um ser social, tem um movimento identitário próprio. Esse professor vem para a escola com uma identidade constituída no âmbito social, e vai entrar nas relações desse contexto profissional. Ele continua mobilizando a sua identidade; uns mobilizam mais, têm uma dinâmica mais forte, outros têm uma dinâmica reativa, por isso é muito diferente para cada um. Por outro lado, essa escola tem uma cultura, um contexto próprio, isto é, ela é uma comunidade cultural de formas relacionais, e dessa forma, a identidade desse professor vai se constituir nesse ambiente. Ser professor no século XXI implica assumir que, tanto o conhecimento quanto os alunos se transformam mais rapidamente do que se estava acostumado, e, para responder adequadamente ao direito de aprender dos alunos, é necessário que o docente faça um esforço redobrado para continuar a aprender, pois o 66 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br papel do professor é fundamental nas possibilidades de aprendizagens dos alunos, e precisa compreender como se configura a sua profissionalidade (MARCELO, 2009b). Para Roldão (1998), a profissionalidade é aquilo que caracteriza um profissional e o distingue de outro. A autora afirma que todas as profissões que construíram o reconhecimento de um estatuto de profissionalidade se afirmam, se reconhecem e são distinguidas na representação social, pela posse de um saber próprio e distintivo. Para a autora, a principal função do professor é a de ensinar, não como simples ação expositiva e desinteressada da aprendizagem, mas imbricada a ela. Assim, acreditamos que os professores precisam saber qual é a sua função, precisam mobilizar os saberes educativos, saber qual o grau de poder e de autonomia inerentes à sua função e ter a capacidade de refletir sobre a sua função e as suas práticas, para poder redirecioná-las. Sacristán (1991) postula que o ensino é uma prática social e só se concretiza na interação entre professores e alunos; que “a função dos professores define-se pelas necessidades sociais a que o sistema educacional deve dar resposta” (p. 67). E que diante das constantes mudanças na sociedade, diferentes aspirações e exigências são formuladas para as escolas, bem como um conjunto cada vez mais alargado de funções se apresenta. Segundo o autor, “esta evolução da exigência social, especialmente projetada na educação pré-escolar e na escolaridade obrigatória em geral, conduz a uma indefinição de funções” (SACRISTÁN, 1991, p. 67). A escola busca responder às necessidades da sociedade, mas vale ressaltar que as demandas sobre as instituições educativas aumentaram significativamente e as exigências para que se prepare o aluno para atuar nesse mundo são grandes. Libâneo (2007) afirma que a função social e política da escola é a de dar ao aluno uma educação geral, que propicie a oportunidade de dominar os conhecimentos científicos, desenvolver capacidades intelectuais, aprender a pensar e internalizar valores e atitudes. Nessa perspectiva, o professor precisa adequar-se rapidamente às mudanças sociais e também às mudanças teóricas, de abordagens metodológicas que se fazem presentes nas práticas diárias. No entanto, com essa diversidade conceitual, existe a possibilidade de o professor não ter o tempo suficiente para absorver tais transformações, o que pode levá-lo a um sentimento de instabilidade e até mesmo a uma dificuldade de se narrar, de saber exatamente qual é o seu papel, o que remete à noção de crise num dos sentidos postulados por Dubar: “Fase difícil atravessada por um grupo ou indivíduo” (2009, p. 20). Os professores do ensino fundamental 2I, por serem especialistas e licenciados nas suas disciplinas, detêm o domínio do conteúdo a ser ensinado. No momento em que a sociedade requer que o professor dê conta de outras funções, as quais ele julga que não fazem parte do seu papel, o professor pode sentir que a importância desse conhecimento não tem o valor e o respeito merecidos. Shulman (1986) ressalta a importância do conhecimento construído pelo professor, ou seja, a base do conhecimento do professor sobre aquilo que constitui o conteúdo do ensino. Entendemos que ser professor não é uma tarefa simples; faz-se necessário a articulação de conhecimentos e a mobilização de saberes pedagógicos que tenham como objetivo principal a aprendizagem dos alunos. METODOLOGIA O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário, com perguntas abertas e fechadas, e o mesmo foi respondido por vinte e seis professores do ensino fundamental 2 de uma escola particular de classe média da cidade de São Paulo, cujo quadro de discentes é formado, em sua maioria, por alunos Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 67 nipodescendentes. A maioria dos sujeitos da pesquisa está no exercício da profissão há mais de dez anos. Esse dado é muito relevante para as análises, pois, quando esses professores falam em mudanças ou adequações que são necessárias às demandas atuais, é preciso considerar que, por exercerem a profissão há muitos anos, eles possuem um grau de experiência que pode respaldar as suas falas, em decorrência de terem participado de vários momentos de transformações sociais, políticas e econômicas. Além disso, como docentes, vivenciaram as discussões teóricas e metodológicas que perpassaram a educação nos últimos anos. Importante relatar que, para uma melhor compreensão das análises, descreveremos a seguir as perguntas feitas no questionário. Perguntas fechadas: sexo, idade, graduação, tempo de graduação, disciplinas que leciona. As perguntas abertas foram: a) Em sua opinião, qual é o papel do professor? b) Partindo-se do pressuposto de que os pais têm grande preocupação com a formação acadêmica de seus filhos, o que você acha que eles esperam do professor, além do ensino do conteúdo? c) Essas atribuições o(a) afetam de alguma forma? Como? Por quê? d) Você acredita que o seu plano de ensino é alterado ao ter de lidar com outras questões que estão fora do conteúdo da aula? De que forma? e) Diante das demandas atuais, o que você acha que a escola espera de você? Essas atribuições o(a) afetam? De que forma? Por quê? f) Você acredita que a sua formação acadêmica inicial lhe forneceu ferramentas para enfrentar essas demandas? Justifique; g) Como você se sente ao pensar sobre as relações aluno-professor-escola-família? h) Além das expectativas da família e da escola em relação ao professor, existe alguma coisa que você queira relatar? Na articulação da análise das falas com a fundamentação teórica, três categorias de análise foram identificadas: “Ser professor”, “Profissionalidade: atribuição e pertença” e “Sentimentos”, que serão apresentadas a seguir. SER PROFESSOR Na categoria Ser professor, várias discussões emergiram como, por exemplo, o que os sujeitos entendem por ser professor, em que medida esse “ser professor” é afetado por questões internas ao próprio indivíduo e por questões de seu ambiente de trabalho, ou seja, pelas circunstâncias e pelas pessoas com as quais ele precisa interagir. Para muitos desses sujeitos, a função do professor refere-se, principalmente, a ser um mediador e facilitador da aprendizagem, como pode ser observado nas respostas abaixo: 68 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br “Mediar o conhecimento teórico e prático, adaptando os conceitos ao determinado grupo, um facilitador” (R., sete anos de magistério). “O professor também é um facilitador nesse processo, providenciando ferramentas para que seus alunos possam organizar melhor a forma de pensar [...]” (F., dez anos de magistério). “Para mim o professor tem a tarefa de mediar, orientar, mostrar o caminho que o aluno tem que perceber entre o conhecimento e ele mesmo” (C., quinze anos de magistério). Ao ler essas definições, verifica-se que um número grande de sujeitos entende a função do professor como sendo um a de um facilitador e mediador da aprendizagem do aluno. Por meio de uma leitura mais minuciosa do conjunto das respostas, tem-se a impressão de que elas são reproduções de metodologias popularizadas nas últimas décadas. Nóvoa (2000, p. 17) diz que “os professores são, paradoxalmente, um corpo profissional que resiste à moda e que é muito sensível à moda”. Não pretendemos, em momento algum, diminuir a importância das teorias sobre ensino e aprendizagem e sobre o papel do professor nesses processos. No entanto, é importante observar que, ao se narrarem como formador, educador, facilitador, utilizam um discurso que entrará em contradição mais adiante ao responderem outras questões, o que aponta para uma falta de clareza, ou para uma compreensão um tanto confusa sobre o que é ser professor. Por um lado, existe a possibilidade de, por atravessarem tantas mudanças, não somente sociais, mas também metodológicas e de concepção da educação, esses indivíduos não tiveram o tempo suficiente para elaborar os seus conhecimentos, acomodar esses conhecimentos às suas práticas, refletir sobre essas práticas, questionar as diversas metodologias e escolher, criticamente, qual o caminho a seguir. Por outro lado, ao se narrarem como mediadores e facilitadores, eles podem estar tentando mostrar que valorizam a transmissão do conhecimento, ou seja, o informar, mas ao mesmo tempo estão buscando outras formas menos tradicionais de levarem esses conhecimentos aos seus alunos, bem como, uma construção conjunta desse conhecimento. PAREI Poucos sujeitos utilizaram a palavra ensinar para descrever a sua função, o que nos remete a Roldão, que acredita, como vimos anteriormente, que a função do professor é ensinar (ROLDÃO, 1998, p. 82). “O papel do professor é ensinar o conhecimento que contribua na formação do cidadão” (C., 3 anos de magistério). “Ensinar os conteúdos importantes para passar de ano, passar no vestibular e que seja de importância para o dia a dia” (T., 8 anos de magistério) Outros sujeitos disseram que para eles, ser professor é ser formador. “O papel do professor hoje, no meu ponto de vista, é o de educador, não só transmitindo conhecimentos, mas também resgatando valores perdidos na família” (M., 24 anos de magistério). “[...] O professor também é um educador, pois atualmente ele não lida somente com o conteúdo da disciplina que leciona” (K.,10 anos de magistério). Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 69 “Atualmente o papel do professor mudou muito. Deixamos de ser somente transmissores de conhecimentos, precisamos ser capazes de levar o aluno a questionar” (C., 33 anos de magistério). Na leitura das falas desses sujeitos, confrontando o conjunto de suas respostas, observamos que eles se contradizem ao dizerem que ser professor é ser formador, e, logo a seguir, ao responderem se são afetados pelas demandas das famílias e da escola, dizerem que “perdem tempo” e muitas vezes não conseguem cumprir o seu plano de ensino do conteúdo por precisarem lidar com outras questões, como ensinar valores, o que, na opinião deles, seria de responsabilidade das famílias. “Afetam porque não é possível passar valores morais e éticos quando não há apoio ou reforço desses valores no âmbito familiar. Como disse, esse trabalho formativo deve ser conjunto entre família e escola e, sendo muitas vezes unilateral, torna-se exaustivo e às vezes, infrutífero” (L., 29 anos de magistério). “Afetam sim. Hoje em dia os pais transformaram muito a educação que os alunos devem trazer de casa para a escola e isso muitas vezes atrapalha o andamento da aula” (C., 15 anos de magistério). “Afetam-me em parte, pois muitas vezes preciso cuidar de algumas atribuições que competem aos pais e não ao professor” (E., 20 anos de magistério). “Afetam sim. Hoje em dia os pais transformaram muito a educação que os alunos devem trazer de casa para a escola e isso muitas vezes atrapalha o andamento da aula” (C., 15 anos de magistério). “Sim. Aumentaram as responsabilidades e cobrança. Parte dos objetivos idealizados pelo professor acaba ficando para segundo plano” (T., 45 anos de magistério). “Essas atribuições me afetam, pois enquanto ‘tudo’ vai bem, a família está ao meu lado, porém, quando há alguma forma de conflito, seja ele de ordem cognitiva ou de valores, a família entra em atrito, exigindo retratações inadequadas, pois não compactuam com meus valores, ou minhas atitudes” (L., 51 anos, 33 de magistério). “Atualmente os pais têm transferido aos professores não só a responsabilidade de transmitir os conteúdos aos alunos, mas também a de educá-los moralmente, o que seria a função deles” (S., 29 anos de magistério). Percebemos que essas respostas demonstram certo inconformismo desses sujeitos, não somente pelo fato de terem mais afazeres, mas por não acreditarem, não somente como profissionais, mas como sujeitos, que devam dar conta dessas atribuições. Ao dizerem que “parte dos objetivos idealizados pelos professores ficam em segundo plano” ou que as famílias exigem “retratações inadequadas, pois não compactuam com meus valores” evidencia que não concordam com o que estão vivendo. Nóvoa diz ser “impossível separar o eu profissional do eu pessoal” (2000, p. 17). Essas colocações levam-nos a identificar a existência de uma crise de identidade, de forma que os sujeitos precisam agir de determinada forma, responder certas demandas, no entanto, o fazem por obrigação. Ao se verem obrigados a atender a essa demanda, sentem-se angustiados e veem desmoronar suas convicções. Esses sentimentos de não pertencimento afetam a sua identidade profissional e, consequentemente, a qualidade de sua aula, recaindo inevitavelmente sobre o processo de ensino e aprendizagem. 70 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Roldão pontua que o professor é herdeiro de um passado, um tanto recente, no qual a sua identidade se definia pelo domínio de um saber e de um poder socialmente reconhecidos, sendo ele o detentor exclusivo do saber para ministrar os conhecimentos, mesmo que fossem básicos. No entanto a autora afirma que o exercício da função mudou, mas que, no essencial, a função profissional não mudou (ROLDÃO, 1998). Dessa forma, resgatar a maneira como o professor se descreve parece ser um passo importante para o seu processo de constituição identitária, pois Dubar (2009), ao falar sobre a forma narrativa de identificação, afirma que cada um se define pelo que faz e realiza. Vários professores se narraram como transmissores de conteúdos: “O papel do professor é transmitir os conteúdos específicos de sua disciplina, fazendo uso dos conhecimentos linguísticos, culturais e sociais do aluno a fim de atingir os objetivos propostos” (F., 15 anos de magistério). “O professor é um transmissor de informação, mas não apenas isso: é responsável pela formação também dos seus alunos. É um elo entre conhecimento e aprendizagem” (S., 22 anos de magistério). “O papel do professor é transmitir ao aluno conhecimentos acadêmicos considerados relevantes para sua formação e desenvolvimento [...]” (T., 2 anos de magistério). “Transmitir com segurança os conteúdos das matérias que leciona [...]” (S., 29 de magistério). Por meio dessas respostas, que parecem ir mais ao encontro de seu contexto de ensino, podemos inferir que os professores detenham e valorizem bastante os conhecimentos de sua disciplina, como pontua Shulman (1986). O autor acrescenta ainda que as bases do conhecimento do professor são: o conhecimento do conteúdo, dos conceitos, dos procedimentos e processos; o conhecimento pedagógico do conteúdo, as analogias, as ilustrações e o conhecimento do currículo propriamente dito. Supõe-se que esses professores, principalmente por se tratarem de especialistas em suas disciplinas, detenham e valorizem tais conhecimentos. Além disso, ao se levar em consideração que esses sujeitos atuam em uma escola que preza pelo conhecimento e pelos conteúdos, não é surpreendente essa preocupação. Entretanto percebe-se que eles pensam o conteúdo de forma descolada e não integrada, como apresentado por Libâneo (2007), que entende o conteúdo como uma composição de vários elementos, que incluem o programa, os métodos, os valores e os modos de enfrentar o mundo. Pode-se inferir que, para esses professores, o conteúdo é entendido muito mais como apresenta Shulman (1986), do que como entende Libâneo (2007). Tudo indica que, na compreensão do papel do professor, para esses sujeitos, existe a dicotomia formar e informar. Essa aparente contradição, entre formar e informar, demonstra o movimento de negociação identitária, postulado por Dubar (2005), entre a identidade “virtual”, que é aquela proposta por alguém, que nesse caso seria a de “formar” e a identidade “real”, às quais os indivíduos aderem, e que, no caso da maioria dos sujeitos, seria a de “informar”. Esse movimento é realizado inconscientemente pelos indivíduos, pois eles não têm a percepção de que sua identidade está sendo afetada. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 71 Embora os seus discursos indiquem uma valorização do formar, percebe-se que o informar é mais forte. De alguma maneira, essa contradição faz com que eles possam suportar a crise, porque utilizam o formar como sendo o protagonista da sua ação pedagógica, e assim, a sua identidade virtual está, teoricamente, atendendo às demandas das famílias e da escola. No entanto eles enfatizam o informar e se queixam das demandas do formar, que são advindas dos pais e da escola e da falta de tempo para lidar com elas. Eles se definem, mas não se projetam, o que indica uma crise de identidade. Nas palavras de Dubar (2005, p. 140): A relação entre as identidades herdadas, aceitas ou recusadas pelos indivíduos, e as identidades visadas, em continuidade às identidades precedentes ou em ruptura com elas, depende dos modos de reconhecimento pelas instituições legítimas e por seus agentes que estão em relação direta com os sujeitos envolvidos. A construção das identidades se realiza, pois, na articulação entre os sistemas de ação, que propõem identidades virtuais, e as “trajetórias vividas”, no interior das quais se forjam identidades “reais” às quais os indivíduos aderem. [...] Pode ser traduzida tanto por acordos quanto por desacordos entre identidade “virtual”, proposta ou imposta por outrem, e identidade “real”, interiorizada ou projetada pelo indivíduo. Embora os seus discursos indiquem uma valorização do formar, percebemos que o informar é mais forte. De alguma maneira, essa contradição faz com que eles possam suportar a crise, porque utilizam o formar como sendo o protagonista da sua ação pedagógica, e assim, a sua identidade virtual está, teoricamente, atendendo às demandas das famílias e da escola. No entanto eles enfatizam o informar e se queixam das demandas do formar, que são advindas dos pais e da escola e da falta de tempo para lidar com elas. Ele se define, mas não se projeta, o que indica uma crise de identidade. PROFISSIONALIDADE: ATRIBUIÇÃO E PERTENÇA Na análise dessa categoria observamos que a profissionalidade desses indivíduos está sendo confrontada entre aquilo que acreditam ser a sua função e as atribuições que acreditam que lhes são postas pelas famílias e pela escola. Essas contradições podem ser mais bem exemplificadas quando os sujeitos respondem a questão sobre o que eles acreditam que os pais esperam do professor. “Acredito que os pais querem que os professores passem, além do conteúdo, noções de solidariedade e respeito às diversidades” (Y., 5 anos de magistério). “Os pais esperam que as crianças, além do conhecimento do conteúdo, saibam também resolver problemas, saibam se comportar diante das situações diversas, ou seja, os pais acreditam que a escola deva dar a base da ‘formação’ do indivíduo” (I., 24 anos de magistério). “Acredito que, além da formação acadêmica, os pais também esperam que os professores ajudem na educação social dos seus filhos” (C., 15 anos de magistério). “Além do conteúdo, os pais esperam a superproteção aos seus filhos, desejam que a formação dada aos filhos seja, em geral, parecida com a da família, e não a de um consenso.” (I., 25 anos de magistério) De acordo com essas respostas, pode-se observar a ambiguidade em que vivem esses professores, porque, segundo eles, os pais esperam que eles informem e formem. Eles se dizem formadores e transmissores de conteúdos, mas ao serem questionados se essas demandas os afetam, eles são quase unânimes em responder que sim. 72 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Como o objetivo desta pesquisa é investigar se as demandas percebidas pelos professores afetam a sua identidade profissional, podemos verificar que esses sujeitos acreditam que a sua função seja ensinar os conteúdos, mas, ao serem confrontados por outras questões, eles se mostram confusos. Ao se narrarem formadores, orientadores, eles estão negociando, de forma consciente ou não, como os estatutos, pois se é esperado da escola formar, ele tem que formar, apesar de não acreditar que seja sua função. Eles se nomeiam objetivamente, mas não concordam subjetivamente. Essa negociação nos remete a Dubar (2009), que fala da forma de identificação estatutária. Essa forma identitária, como já apresentada, é por adesão. O indivíduo escolhe participar desse grupo social. Como a maioria dos sujeitos dessa pesquisa é de professores que exercem a profissão há muitos anos, e que, apesar de não concordarem com o que as famílias esperam deles, acatam objetivamente porque querem permanecer nesse grupo, apesar de não aceitarem algumas atribuições. Esse não concordar fica visível quando a professora I. diz que os pais esperam “superproteção aos filhos” e a professora S. diz que vê a necessidade de formar porque “percebe que os alunos não recebem isso em casa.” Eles se veem forçados a atuarem como formadores. Outros sujeitos também demonstraram não concordar, quando falam de transferência de papéis, como pode ser visto nas respostas a seguir: “Acho que os pais também esperam que o professor passe aos alunos valores morais e éticos. Na verdade, acho que os pais estão transferindo totalmente essa responsabilidade aos professores e se esquecem que a formação de seus filhos deve ser compartilhada entre eles e a escola” (L., 29 anos de magistério). “Eles nos responsabilizam por toda a formação da criança. Já não existe (raro) aquela educação que vem de casa. Toda e qualquer atitude, reação, postura da criança, a responsabilidade passou a ser da escola e consequentemente do professor. (T., 45 anos de magistério). “A família espera que o professor ‘dê’ a formação de valores para seus filhos. Hoje os pais transferem toda a responsabilidade da formação de seus filhos aos professores” (L., 33 de magistério). “Atualmente os pais têm transferido aos professores não só a responsabilidade de transmitir os conteúdos, mas também a de educá-los moralmente, o que seria a função deles” (S., 29 anos de magistério). “Alguns pais deixam sob a responsabilidade da escola, consciente ou inconscientemente, a educação que os jovens deveriam ter dentro em seus lares, como: boas maneiras e limites. Os alunos não têm discernimento da função que têm a escola. Não enxergam o professor como autoridade, alguns alunos veem a escola como a extensão de suas casas, e, como seus pais não lhes dão limites, agem como se estivessem em suas casas (D., 19 anos de magistério). Os professores percebem que, com o passar dos anos, os alunos e as famílias mudam. Consequentemente, as demandas sobre a escola também mudam, exigindo deles o cumprimento de outros papéis, aos quais a maioria não adere, por se sentirem, de certa forma, menos valorizados na sua função específica de professor transmissor de conhecimento. Entretanto apesar de eles também valorizarem a função de Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 73 professor formador, percebem que essas mudanças, que demandam que eles exerçam também outras funções além de transmissor do conhecimento, estão trazendo prejuízo para a própria educação dos alunos ao retirar o tempo do ensino do conteúdo, já que eles precisam cuidar de questões, as quais esperariam que fossem assumidas pelos pais. As falas acima sugerem uma não identificação com o que, na opinião dos sujeitos, lhes é posto pelas famílias. Dessa forma, esses professores não tornam as atribuições em pertenças, lembrando que, na teoria de Dubar, esses termos significam: atribuição (do outro para si), o que o outro diz de mim e pertença (de si para o outro), o que eu digo de mim (DUBAR, 2005). Ao afirmar que ser professor é também ser formador, mas, ao mesmo tempo, não concordar com a atribuição de formador conferida a ele pelas famílias, faz com que essa atribuição não se transforme em pertença, gerando um paradoxo. Percebe-se uma tensão entre a atribuição e a pertença, prevalecendo a atribuição (PLACCO; SOUZA, 2010). Se a atribuição não prevalecer, ou se a pertença for muito significativa para o professor, a crise se instala, pois significa que ele não está conseguindo fazer as negociações para acomodar o que ele acredita ser a sua pertença (de si para o outro), com o que está sendo atribuído a ele. Dessa forma, ao ler essas respostas e observar que foram escritas por professores que, em sua maioria, estão no exercício da docência há muitos anos, podemos inferir que eles perceberam que as demandas sobre o professor se modificaram. Ao falar em transferência de responsabilidade, infere-se que a responsabilidade de formar não era considerada deles, mas passou a ser, por atribuição de outros, apesar de eles não concordarem com ela. Importante ressaltar que, para esses sujeitos, formar significa ensinar boas maneiras, posturas adequadas ao ambiente escolar. Ensinar limites e o respeito ao próximo, valores morais e éticos. As variáveis idade e tempo de magistério tiveram uma influência que pode ser considerada significativa nesta análise, visto que a maior resistência à transferência de papéis é advinda de professores com mais de 19 anos de magistério e com idade acima de 46 anos. Ao confrontarmos as respostas com o local onde foi realizada a pesquisa, é possível compreender esse estranhamento por parte dos professores, à medida que a maioria dos alunos dessa instituição é nipodescendentes, e que, culturalmente, costumam ter uma educação familiar mais rígida. Sendo assim, os professores não esperam ter que ensinar boas maneiras ou limites a esses alunos. Entretanto, vale salientar que os alunos dessa escola pertencem à terceira ou à quarta geração dos imigrantes que inicialmente frequentava essa instituição. É, portanto, natural que mudanças de comportamento aconteçam, em decorrência de vários fatores, entre eles, uma forma menos rígida e conservadora, adotada pelas famílias mais jovens, de educar seus filhos. Nóvoa (2000) diz que a construção de identidades é um processo complexo e que “necessita de tempo. Um tempo para refazer identidades, para acomodar inovações, para assimilar mudanças” (p. 16). Por essa razão, acreditamos na existência de uma crise, pois as respostas dos professores sugerem uma mudança de referenciais, uma ruptura de equilíbrio e, provavelmente, eles ainda não tiveram tempo de digerir tais transformações. Essa aparente contradição entre formar e informar demonstra o movimento de negociação identitária postulado por Dubar (2005), entre a identidade “virtual”, que é aquela proposta por alguém, que nesse 74 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br caso seria a de “formar” e a identidade “real”, às quais os indivíduos aderem, e que, no caso da maioria dos sujeitos, seria a de “informar”. Esse movimento é realizado inconscientemente pelos indivíduos, pois eles não têm a percepção de que sua identidade está sendo afetada. Ao se verem obrigados a atender a essa demanda, sentem-se angustiados e veem desmoronar suas convicções. Essa crise de pertencimento afeta a sua identidade profissional e, consequentemente, a qualidade de sua aula, recaindo inevitavelmente sobre o processo ensino e aprendizagem dos alunos. SENTIMENTOS Durante as análises das categorias “Ser professor” e “profissionalidade: atribuição e pertença”, percebemos que as respostas foram permeadas por palavras que indicavam os sentimentos dos sujeitos. Esses sentimentos eram por vezes positivos, de motivação e de desafio, mas outras vezes de insegurança pela falta de tempo para estudar ou dar suas aulas como planejado, de angústia pela sobrecarga de atividades e principalmente de preocupação com as inversões de papéis vivenciadas hoje na escola. “Sinto que temos uma grande responsabilidade em nossas mãos. A cada ano novas mudanças, novos desafios, novas realidades” (C., 33 anos de magistério). “Sinto-me completamente desgastada porque nunca sabemos como agir. Temos que agradar ao aluno, aos seus pais, à escola, que consequentemente se mostram perdidos, sem convicções definidas” (L., 29 anos de magistério). “Sinto-me preocupada, pois percebo que o aluno e a família não respeitam mais a escola/professor, pois questionam muito o trabalho do profissional, mas delegam a educação dos filhos à escola. (F., 15 anos de magistério). “Um pouco desconfortável, porque, infelizmente, está cada vez maior o número de pais que pensam que a escola – e por extensão o conhecimento – é uma mercadoria. Até mesmo algumas escolas têm essa visão. Dessa forma, encaram-na como uma loja vendedora de diplomas. O professor fica ‘num fogo cruzado’. A escola quer vender, o aluno quer comprar, e o professor ‘atrapalha’ os dois lados” (T., dois anos de magistério). “Sinto que essa relação não está muito bem equacionada e as obrigações estão mais voltadas para a escola e o professor. Estou certa de que essa situação é irreversível e a responsabilidade maior incidirá sobre o professor, que, acima de tudo, deverá ser um educador” (D., 19 anos de magistério). “Preocupada porque hoje em dia parece que a escola e os professores fazem mais o papel da família do que a própria família” (T., oito anos de magistério). Vários sujeitos mencionaram a necessidade de ação conjunta entre aluno-professor-escola-família: “Sinto que essa relação ainda está muito longe do que poderia ser ideal. Se todos trabalhassem juntos, tenho certeza que a educação poderia melhorar bastante” (K., 10 anos de magistério). “Tem que andar juntos, ou seja, falar a mesma língua para que ocorra um equilíbrio harmônico na educação e formação do jovem” (V., 24 anos de magistério). Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 75 “Eu acredito que um bom trabalho só é feito quando há plena integração entre esses elementos. O apoio e o diálogo entre escola e a família é fundamental” (I., 24 anos de magistério). “Penso que é uma relação ideal, porém, não é a real. Muitas vezes a corrente pode se quebrar em um desses elos” (S., 22 anos de magistério). “Eu sinto que essas relações devem estar muito próximas e que as conexões devem ser feitas de todas as formas, sem restrições para que o aluno seja o maior beneficiário de todos” (L., 20 anos de magistério). As respostas acima sugerem que, se há uma preocupação por essa integração, por esse equilíbrio, é porque ela não existe. Ela não existindo, não pode haver tranquilidade e autonomia para a execução do trabalho docente, de forma real, não possibilitando, dessa forma, ao indivíduo projetar-se para o futuro. A ausência desse equilíbrio irá levar o professor a narrar-se objetivamente, o Nós societário irá prevalecer e o indivíduo se narra na forma de identificação estatutária. Por consequência, ele rejeita, subjetivamente, as atribuições que acredita que lhe são postas. Para manter-se no emprego, acaba acatando o que as famílias e a instituição lhe atribuem, sem, no entanto, se sentir parte integrante desse processo. Para Dubar (2009, p. 74), “a forma estatutária é inseparável da dominação burocrática, sistêmica, aquela que muitas vezes esmaga o indivíduo sob o peso das regras anônimas e algumas vezes cegas, que subordina os dirigidos aos dirigentes”. Assim, uma crise se instaura. Se o indivíduo é confrontado o tempo todo com mudanças e instabilidades, ele pode se sentir perdido e a sua negociação subjetiva ser afetada, pois ele não consegue se projetar para o futuro. Esse sujeito pode procurar fazer algo para mudar esse quadro ou romper com ele e buscar outros modos de identificação. Dubar (2009), ao estudar a crise identitária de trabalhadores franceses, faz algumas colocações que podem ser aplicadas ao grupo de professores da presente pesquisa, pois são professores, em sua grande maioria, que estão no exercício da função há muitos anos e que trabalham há muito tempo na mesma instituição. Dubar, ao falar sobre aqueles trabalhadores, diz que eles não são [...] respeitados por seus “clientes”, não valorizados por seus “chefes”, sofrem com a falta de reconhecimento de sua identidade. [...] Essa frustração pode, às vezes, voltar-se contra si mesma e engendrar formas extremas de desamparo. Assim, a transformação de um ofício aprendido, transmitido, incorporado, numa “atividade” que se tornou incerta, mal reconhecida, problemática, constitui o próprio tipo da “crise identitária” no sentido da sociologia interacionista (DUBAR, 2009, p. 143). As expressões que podem ser consideradas mais fortes, como “desgastada”, “preocupada”, “situação irreversível”, emergiram das respostas dadas por professoras, independente da idade ou tempo de magistério, o que pode indicar que as mulheres são mais afetadas do que os homens, o que não nos garante que eles também não tenham sentimentos de preocupação, mas as mulheres tiveram uma maior facilidade em expor o que sentem. 76 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br CONSIDERAÇÕES FINAIS Na busca por compreender a identidade docente a partir de um grupo de professores de uma escola particular, foi possível observar a complexidade que envolve o trabalho docente e como a identidade pessoal não pode ser separada da identidade profissional. Os sujeitos desta pesquisa, em sua grande maioria, exercendo a atividade docente há muitos anos, puderam sentir não somente as mudanças sociais e econômicas, mas também as consequências dessas mudanças, que recaíram sobre a escola e os seus agentes. Segundo a percepção dos sujeitos pesquisados, outras demandas se fizeram e colocaram em choque as expectativas dos professores frente à sua profissão. Apesar de todo esforço que esses sujeitos procuram fazer para atender às demandas, em muitos momentos eles demonstraram certo inconformismo por terem de dar contas de questões que julgam não ser de sua alçada, mas de competência das famílias. Por essa razão, utilizaram várias vezes a expressão “transferência de papéis”. Pode-se perceber, também, a importância que esses sujeitos dão à transmissão do conhecimento e pode-se inferir que eles acham que seus alunos perdem em qualidade de ensino quando os professores precisam despender o seu tempo, que deveria ser dedicado ao ensino, com questões que seriam, segundo eles, de responsabilidade das famílias. Dubar (2009) entende que toda mudança gera crise e a sociedade está em constante mudança. No entanto as rápidas mudanças na sociedade e na escola não permitem que os professores tenham o tempo suficiente para elaborar e digerir as diversas demandas e os diferentes papéis que precisam desempenhar. Como o objetivo desta pesquisa era o de investigar como as exigências que os professores percebem que lhes são feitas, pelas famílias e pela escola, afetam a sua identidade profissional, pode-se constatar que as demandas afetam a identidade desses professores provocando uma crise de identidade. Eles se percebem atravessando, já há algum tempo, períodos difíceis, com falta de autonomia, desvalorização do seu trabalho e do seu conhecimento. Os sujeitos pesquisados, por se tratarem de professores especialistas em suas disciplinas, sentem que seu conhecimento e sua formação são relegados a um segundo plano, sentindo-se desvalorizados ao terem de dedicar menos tempo ao ensino de suas disciplinas. Eles percebem as exigências feitas pela escola e pelas famílias; no entanto, não conseguem perceber em que medida essas demandas provocam uma crise, que é revelada por meio de suas falas, em sua maioria, contraditórias, entre o formar e o informar. A crise provocada pelas demandas os afeta à medida que fazem com que um aspecto de sua identidade profissional entre em relevo. Em outras palavras, pode-se dizer que o sujeito, ao se narrar formador, assume uma identidade para si. Entretanto, logo a seguir, ele se narra como transmissor de conteúdo, ou seja, informador, que também é uma identidade para si. Dessa forma, instaura-se uma crise, pois as duas funções são importantes, mas ele as vê como paradoxais e mesmo contraditórias. Talvez esses sujeitos não consigam perceber que, como formadores, possam preparar os seus alunos para buscarem a informação que lhes faltou, quando for o caso. Pode ser que eles não acreditem que, como formadores, consigam formar alunos autônomos. Por essa razão o paradoxo formar/informar. Assim, Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 77 a identidade desses sujeitos é afetada pela presença contínua de uma crise, na qual eles veem uma identidade “virtual” para si narrada, semelhante àquela que lhes é atribuída. No entanto, essa identidade “virtual” não é condizente com aquilo que eles realmente acreditam, ou seja, com a sua identidade “real”. A maioria dos sujeitos vivencia a contradição, por isso a crise revelada pelo paradoxo. É difícil se narrar e viver algo em que não se acredita. Lamentavelmente, essa crise, que se põe contínua, parece ser de difícil resolução. Como abandonar um lugar em que se trabalha há tanto tempo? Como mudar de local de trabalho se as exigências não são características de um único lugar, mas, sim, da sociedade como um todo? Apesar de não haver uma alternativa para reverter essa situação, faz-se necessário reconhecer e compreender esse processo de crise identitária, pelo qual passam os professores, para que se possam buscar alternativas para tornar essa jornada menos conturbada e sofrida. Por meio dos resultados apresentados neste estudo, espera-se ter contribuído para os demais estudos sobre formação de professores, pois, como entendem Placco e Souza (2006, p. 26), “não é possível conceber a aprendizagem do adulto, sobretudo do adulto professor, sem considerar o processo de formação identitária”. 78 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 62-79, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Tradução de Andréa Stahel M. da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2005. DUBAR, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Edusp, 2009. LIBÂNEO, J. C. A escola com que sonhamos é aquela que assegura a todos a formação cultural e científica para a vida pessoal, profissional e cidadã. In: COSTA, M. V. (Org.) A escola tem futuro? Rio de Janeiro: Lamparina, 2007. p. 23-50. LUDKE, M.; ANDRÉ, M. 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Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 79 ARTIGOS A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR: EM BUSCA DA PRÁTICA Denise Pollnow Heinz Rosana Mara Koerner RESUMO: O presente artigo traz resultados de uma pesquisa realizada junto aos professores alfabetizadores de uma rede de ensino do sul do Brasil e tem por objetivo apresentar as discussões sobre a formação e a profissão do professor alfabetizador. A pesquisa teve abordagem qualitativa, uma vez que, a partir dos resultados, objetivou-se a compreensão dos processos vividos por um dado grupo social. Com auxílio do aporte teórico, foi possível verificar que a literatura nas áreas da formação de professores está crescendo e permite algumas análises com base em observações e pesquisas realizadas por autores como Tardif (2002), para o qual os saberes profissionais dos docentes são plurais e amalgamados aos pessoais e acadêmicos, entre outros. A pesquisa junto aos professores foi do tipo levantamento, também chamado survey, buscando dados sobre os sujeitos da pesquisa e a implicação dos fenômenos estudados, em um processo de exploração do campo de pesquisa. O survey obteve retorno de 138 questionários, o que representa 43% dos 318 professores que atuam nos primeiro e segundo anos do ensino fundamental da referida rede de ensino no ano de 2012. Nas análises, além dos dados adquiridos no campo da pesquisa, serão retomados os principais aspectos da investigação que envolvem a formação e a profissão do professor alfabetizador e as práticas pedagógicas dos alfabetizadores. Como principais resultados destacam-se o elevado índice de professores com pós-graduação e a busca por formações que impliquem diretamente na sua prática em sala de aula. Os principais autores de referência são Tardif (2002), Santos (2007), Cochran-Smith e Lytle (1999), entre outros. PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; professores alfabetizadores; profissão do professor. Literacy teachers education: searching for practice Abstract: This paper presents results of a research carried out with literacy teachers in a school system in southern Brazil and aims to present discussions on literacy teachers’ training and profession. The research had a qualitative approach, considering that we aimed at understanding the processes experienced by a given social group from the results obtained. With the aid of the theoretical framework we found that the literature in the areas of teacher education is growing and allows for some analysis based on observations and research by authors such as Tardif (2002), who states that the professional knowledge of teachers are plural, and are amalgamated to personal and academic knowledge, among others. A survey was conducted seeking for data on the subjects and on the implication of the phenomena studied in a process of exploration of the search field. The survey achieved a return of 138 questionnaires, 43% of the 318 teachers who work in the first and second years of elementary education of that school system in 2012. In the analysis, in addition to the data obtained in the research field, the main aspects of the investigation involved the literacy teacher training and profession, as well as their pedagogical practices. As main results we highlight the high rate of teachers with postgraduate training and the search for training that directly involve their classroom practice. The principal authors of reference are: Tardif (2002), Santos (2007), Cochran-Smith and Lytle (1999), among others. Keywords: Teacher training; literacy teachers; teacher’s profession. 80 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br INTRODUÇÃO Durante muito tempo pensou-se que para ensinar bastava saber. A complexidade das relações vividas no trabalho docente tem alterado significativamente essa visão. Os aspectos moldados no trabalho docente vêm ao encontro do conhecimento posto em ação, das decisões tomadas no momento da ação educativa, das pequenas escolhas, da postura e dos argumentos que o professor faz uso para validar as suas ações frente a seus pares. Mesmo nos conteúdos mais estanques, sobre os quais o professor já tem um repertório de conhecimentos bem fundamentado, novas questões, dúvidas dos alunos e pequenos desentendimentos podem levar o professor à reflexão, à pesquisa e a uma nova compreensão da matéria ensinada; portanto, ocorre aprendizagem pela prática profissional e/ou durante ela. Os estudos mais recentes na área da formação docente, segundo André (2010), têm como foco o professor e as suas opiniões. Conhecer melhor o fazer docente, dando voz aos professores, também traz a necessidade de se conhecerem os contextos de produção dos depoimentos e das práticas declaradas. Ainda para André (2010, p. 176), “investigar o que pensa, sente e faz o professor é muito importante, mas é preciso prosseguir nessa investigação para relacionar essas opiniões e sentimentos aos processos de aprendizagem da docência e aos seus efeitos na sala de aula”. A aproximação das pesquisas em educação com os protagonistas dessa área – os professores – mostrou um crescimento sistemático e positivo nos aspectos sociais, científicos e políticos e um fortalecimento da identidade profissional dos professores. Os estudos podem fornecer subsídios para os formuladores de políticas públicas, remetendo ao papel crucial da formação de professores na melhoria da qualidade da educação. Pensar nos avanços e lacunas na pesquisa na área da formação de professores mostra a grande responsabilidade dos pesquisadores e daqueles que iniciam suas pesquisas na área da educação. Delinear como quadro de estudos a educação básica e principalmente o professor que atua nesse nível na sua formação e atuação profissional leva a estabelecer reflexões em uma perspectiva ampla e multifacetada. Aproximar as discussões pertinentes da prática com a formação inicial e o desenvolvimento profissional, investir mais estudos nas políticas de trabalho docente e não ver a condição docente como um dado, uma forma de ser estática, mas dinâmica, imbricada nos impasses do presente são contribuições necessárias a todos os níveis da educação. Busca-se, na experiência do professor e no que ele sabe dizer sobre a sua prática, um momento para ouvir, refletir e também propor momentos em que a formação inicial e continuada esteja unida à prática não como um complemento mas como duas partes indissociáveis. FORMAÇÃO DE PROFESSORES Com o ritmo acelerado de mudanças na educação, pensar na formação inicial do professor, ofertada nos cursos de graduação, como suficiente para todas as demandas que a escola apresenta não é mais possível. O aprender mais sobre a sua profissão durante a prática educativa e o desenvolvimento profissional atrelado à formação continuada são requisitos cada vez mais exigidos dos professores. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 81 Diversos autores, como Tardif (2010), Marcelo (2009), Santos (2007), entre outros, destacam a falta de ênfase em atividades de sala de aula durante a formação de professores, tanto inicial quanto continuada, e comentam sobre a necessidade de instrumentalizar o docente para a sua prática. Nos cursos de formação inicial, muito pouco do saber de prática de sala de aula dos professores mais experientes é apropriado por aqueles que estão em formação. Os estudos de Santos (2007) sobre como têm sido estruturados os cursos de formação inicial de professores estão apoiados em três grupos de paradigmas. O primeiro defende a formação de um profissional mais reflexivo, em oposição ao modelo da racionalidade técnica, que defende a aplicação de técnicas fornecidas pelos pesquisadores para resolver problemas da prática, com separação entre teoria e prática. O segundo grupo de paradigmas aponta que diferentes conceitos de formação docente estão presentes nos cursos de formação de professores, seja de maneira isolada ou combinada. O foco da formação pode ser o desenvolvimento de habilidades básicas e imutáveis no trabalho do professor; o sujeito professor, enfatizando a reorganização de percepções e crenças e sua relação com o conhecimento; a bagagem adquirida na formação; ou ainda a educação como emancipação. O terceiro grupo de paradigmas discute tradições distintas que orientam o campo da formação de professores. Mas essas diferentes correntes encontram problemas, como as dificuldades para formar um profissional que tem de dar conta de conteúdos de diferentes disciplinas – no caso dos professores de séries iniciais – ou a definição de procedimentos a serem seguidos em cada situação na sala de aula, sem considerar a multideterminação e as especificidades das relações na escola. Arroyo (2007) faz a defesa de uma formação de professores menos idealizada, mais próxima da realidade da atividade. O “protótipo ideal” de docente, configurado durante a formação inicial e por vezes justificado dentro de uma concepção sócio-histórica, produz a dualidade entre uma educação crítica e transformadora e a educação idealizada gerida pela legislação. Arroyo (2007, p. 195) afirma que “saber mais sobre a docência para a qual se prepara seria um dos saberes mais formadores; seria o norteador para a conformação do currículo de formação”. Saviani (2009) apresenta um percurso da formação inicial de professores no Brasil no período de 1827, a partir da Lei das Escolas de Primeiras Letras, até 2006, com os dez anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A discussão passa por fases de ênfase no domínio somente do conteúdo, que são outras fases de observação da prática, períodos em que, durante a formação de professores, havia o enriquecimento dos conteúdos com exercícios práticos, com a pesquisa e até as propostas de cursos híbridos, entre outras. Para Saviani (2009, p. 148), [...] o que se revela permanente no decorrer dos seis períodos analisados é a precariedade das políticas formativas, cujas sucessivas mudanças não lograram estabelecer um padrão minimamente consistente de preparação docente para fazer face aos problemas enfrentados pela educação escolar em nosso país. Percebe-se, como em outras mudanças na educação brasileira, que os períodos históricos e as questões econômicas e políticas estão sempre fortemente imbricadas nos modelos adotados no ensino, na formação de professores e nas políticas educativas. Segundo Oliveira (2010, p. 30): 82 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br As diretrizes curriculares para os cursos de Pedagogia aprovadas em maio de 2006 centram a formação do pedagogo na docência, além de atribuir grande ênfase à gestão. Os cursos de graduação em Pedagogia no Brasil foram se constituindo no principal lócus da formação docente para atuar na educação básica, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Romper com um modelo aplicacionista do conhecimento promovido em geral pelos cursos de formação, para Tardif (2002, p. 274), [...] consiste na elaboração de um repertório de conhecimentos para o ensino, repertório de conhecimentos baseado no estudo dos saberes profissionais dos professores tais como estes os utilizam e mobilizam nos diversos contextos do seu trabalho cotidiano. Ainda para Tardif (2002, p. 290), “a pesquisa na área da educação procura esclarecer e potencialmente melhorar a formação inicial, fornecendo aos futuros professores conhecimentos oriundos da análise do trabalho docente em sala de aula e na escola”. Seguindo nas reflexões, pode-se questionar: como, no modelo atual, a formação de professores da maioria das faculdades e universidades pode ser realmente, como diz Nóvoa (1995, p. 18), “mais que um lugar de aquisições de técnicas e de conhecimento”, mas também um “momento chave de socialização e de configuração profissional”? Contribuindo com a questão do processo de formação e profissionalidade docente, Aguiar (2010, p. 185) afirma que [...] o processo de formação de professores visto como um fenômeno social mostra-se extremamente complexo, exigindo um olhar profundo para questões de várias ordens que envolvem dimensões diversas relacionadas ao conhecimento, às peculiaridades culturais e aos aspectos históricos, políticos e econômicos. Cada vez mais são requisitados ao professor constantes atualização, estudo e pesquisa (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999; CANÁRIO, 1998). Novos termos e conceitos são criados ou incorporados à educação vindos de diferentes áreas. A falta de conhecimentos atualizados é colocada como um grande obstáculo para uma prática pedagógica condizente com as expectativas do mundo atual e com a cidadania. Assim, não se trata apenas da estagnação profissional; a atuação do professor é entendida como ação sobre outros indivíduos, profissão de interações humanas e, portanto, as responsabilidades sociais e políticas de cada indivíduo professor são questionadas e requisitadas como suporte para o desenvolvimento da sociedade. Em estudo organizado por Cochran-Smith e Lytle (1999, p. 249), são apresentadas distinções entre três “imagens” do aprendizado do professor: o “conhecimento para a prática”; o “conhecimento na prática” e o “conhecimento da prática”. Também defendem que as concepções não podem ser tomadas e apontadas como um “tipo puro”, mas entendidas como integrantes de ideias dominantes em momentos e contextos específicos. A primeira concepção, descrita como mais presente na educação de professores, tem como premissa a existência de um corpus de conhecimentos que fundamenta a profissão e que deve ser dominado pelo Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 83 professor. Esse conjunto de “conhecimentos para a prática” é o que distingue professores de leigos. Dessa forma, cabe ao professor aplicar os conhecimentos de teorias gerais e descobertas científicas que adquiriram com especialistas da educação nas formações e momentos de desenvolvimento profissional. Na segunda concepção, professores mais experientes apresentam modelos de boas práticas. O conhecimento é entendido como enraizado “na prática”, e a complexidade das vivências na escola faz da experiência em sala de aula um campo para construção de um conhecimento artesanal, para reflexões e para aprendizados de novas maneiras de o professor ensinar. O “conhecimento da prática”, foco da terceira concepção, entende que os professores e sua prática são o eixo das pesquisas e da geração de conhecimentos sobre a educação. Cochran-Smith e Lytle (1999) defendem o pressuposto de que o conhecimento é construído socialmente e, portanto, os professores aprendem ao longo da sua vida profissional e também enquanto ensinam. A aprendizagem do professor também vem das comunidades, dos grupos de estudo e das conversas com outros professores sobre a educação. Ao apresentarem a investigação como uma postura requerida do professor, os autores não destacam o tempo de experiência como diferencial, mas valorizam a heterogeneidade dos conhecimentos produzidos na escola. Os conhecimentos construídos inscrevem-se na concepção de ensino como práxis e com vistas a uma educação emancipatória. Em artigo em que afirma que a escola é um dos lugares onde o professor mais aprende sobre a sua profissão, Canário (1998, p. 10), baseado em Lesne e Mynvielle, sustenta que “a formação, como processo organizado e intencional, corresponde a um aspecto particular e parcelar de um processo contínuo e multiforme de socialização que coincide com a trajetória profissional de cada um”. Nesse sentido, Canário (1998) ainda reafirma o poder formativo dos contextos de trabalho, como espaço de reflexões e de múltiplas interações, fazendo do exercício contextualizado do trabalho o referente principal para a formação e para as práticas educativas. Na reflexividade – momento em que o professor analisa sua prática – são revistos sentidos, sentimentos e até mesmo a intencionalidade das suas ações. Trata-se de um período fundamental para questionar se realmente os objetivos estão sendo cumpridos e se a sua função de ensinar pode ser melhorada. A reflexão pode não apenas fazer parte da formação inicial, mas também abranger as experiências individuais e coletivas, as situações de trabalho e o desenvolvimento profissional do professor, pois estes também se constituem de aprendizagens. METODOLOGIA O presente estudo é um recorte de uma dissertação de mestrado, ainda em elaboração, intitulada “O letramento na voz dos professores alfabetizadores”, com o objetivo de compreender como as noções de letramento estão presentes na voz dos professores alfabetizadores. Os dados apresentados são amplos e caracterizam o grupo de alfabetizadores atuantes em 2012 na rede municipal de ensino da cidade lócus da pesquisa, a profissão do alfabetizador e a sua formação. Quanto à abordagem, a pesquisa apresenta características de um estudo qualitativo, uma vez que, a partir dos resultados, objetivou-se a compreensão dos processos vividos por um dado grupo social. A ampliação da escolarização, que no Brasil se deu através do ensino público, foi uma das propulsoras dos estudos envolvendo processos e instituições educacionais. 84 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br A pesquisa junto aos professores foi do tipo levantamento, também chamado survey, buscando dados primários sobre os sujeitos da pesquisa e a implicação dos fenômenos estudados em um processo de exploração do campo de pesquisa. O survey obteve retorno de 138 questionários, o que representa 43% dos 318 professores que atuam nos primeiros e segundos anos do ensino fundamental da referida rede de ensino no ano de 2012. O questionário foi composto por questões fechadas e abertas referentes à formação, atuação profissional e concepções que envolvem a prática de alfabetizar e as práticas sociais de leitura e escrita do professor. Os dados dos questionários, nas questões fechadas, foram analisados com apoio do software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), um aplicativo de tratamento estatístico e correlacionando com a revisão de literatura e o enfoque da metodologia utilizada. As questões abertas foram analisadas individualmente, depois de transcritas para o software Word. Como indicador para a análise, foram selecionadas as unidades representativas presentes na resposta dos professores. A PROFISSÃO E A FORMAÇÃO DOS ALFABETIZADORES O questionário enviado aos professores, em sua parte inicial, apresentava questões relacionadas a aspectos profissionais. Informações de cunho mais pessoal como idade ou sexo não foram solicitadas para que não sobrecarregassem o professor e por terem sido consideradas irrelevantes para a pesquisa. A primeira questão foi: “Qual é o seu tempo de serviço na área da Educação?”, com seis opções fechadas. Do total de 138 professores respondentes, 5 professores (4%) indicaram como sendo o seu primeiro ano na área da Educação. Obtiveram-se dados semelhantes em todas as outras faixas, sendo que entre 2 e 5 anos foram 26 professores (19%); entre 6 e 10 anos era o tempo de atuação de 25 professores (18%); entre 11 e 15 anos, de 29 professores (21%); de 16 a 20 anos, de 22 professores (16%); e o maior número de respostas, mas não muito afastado das demais faixas com experiência, encontra-se na faixa de mais de 21 anos de atuação na Educação, com 31 professores (22%). Huberman (1995), em estudo que analisa o ciclo de vida profissional dos professores sob a perspectiva das carreiras, afirma que estas podem ter alguns elementos comuns, mas enfatiza que não são todas as carreiras que têm as mesmas “sequências” delimitadas. As “tendências centrais” observadas por Huberman (1995, p. 47) nas carreiras dos professores apontam para uma primeira sequência ou fase de exploração/tateamento nos três primeiros anos. A establização ou consolidação de um repertório pedagógico seria alcançado entre 4 e 6 anos. Entre os 7 e 25 anos de atuação, período mais longo apontado pelo autor, o professor buscaria a diversificação ou o questionamento das suas práticas. A serenidade, o distanciamento ou mesmo o desinvestimento na sua carreira são as tendências para o período que sucede 25 anos de carreira. Não foram utilizadas como referência para a elaboração do questionário os períodos indicativos das fases traçadas por Huberman, mas as suas considerações podem trazer alguns indicativos consideráveis para a análise das declarações dos professores alfabetizadores. Os dados apontam para uma maior incidência de professores com alguma experiência na Educação atuando nas classes de alfabetização. A importância da experiência prática do professor, maior domínio sobre as inúmeras especificidades da educação e o entendimento da fase da alfabetização como muito importante para toda a sequência na escolarização, podem ser fatores que se revelam nesses dados. Também pode reforçar o sentimento de que é um classe difícil, que exige maior experiência do professor. Os dados referentes ao tempo de serviço na alfabetização, obtidos por meio da segunda questão, “Qual é o seu tempo de serviço na alfabetização (1º e 2º anos)?”, apresentaram resultados distintos daqueles Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 85 obtidos na primeira questão, na qual a indagação recaía sobre o tempo de serviço na educação. Vinte e um professores declararam estar em seu primeiro ano (15%), e 51 professores (37%), entre o segundo e quinto ano – portanto, com pouco tempo de atuação na alfabetização. Esses dados indicam que mais da metade dos alfabetizadores (52%) estão em uma fase de exploração, como afirma Huberman (1995), quando fazem uma opção provisória e passam a experimentar um ou mais papéis na educação, até alcançar uma estabilização na carreira. Segundo Marcelo (2009, p. 127): A inserção profissional no ensino é o período de tempo que abarca os primeiros anos, nos quais os professores hão de realizar a transição de estudantes a docentes. É um período de tensões e aprendizagem intensivas, em contextos geralmente desconhecidos, e durante o qual os professores principiantes devem adquirir conhecimento profissional, além de conseguirem manter um certo equilíbrio pessoal. Observa-se, por meio dos dados obtidos pela questão seguinte, “Qual a sua situação funcional?”, que os alfabetizadores são selecionados entre professores efetivos na Rede Municipal de Ensino. Entre eles, 96,3% são professores efetivamente concursados, e apenas 5 (3,6%) têm vínculo por contrato temporário de serviço na rede de ensino, período em que estão substituindo o professor concursado e efetivo na vaga, afastado por motivo de saúde ou outro qualquer. Também ligada às condições de trabalho do professor alfabetizador estava a questão “Você trabalha em mais de uma instituição?”. Responderam de forma positiva apenas 31 professores (22%), e os outros 107 (78%) atuam exclusivamente em uma instituição. A pouca rotatividade de professores durante o ano, com a incidência da maioria de professores alfabetizadores efetivos na rede e trabalhando em uma única instituição de ensino, tem reflexos não somente no processo de ensino, mas também na segurança dos professores quanto a sua estabilidade profissional. Quando perguntado “Qual a sua carga horária semanal?”, uma maioria de 103 professores (75%) alegou trabalhar 40 horas semanais; outros 35 (25%), 20 horas por semana. A busca por preencher uma carga horária de trabalho que forneça subsistência costuma ser um fator preponderante entre os professores. Esses dados nos remetem à condição de trabalho do professor. Segundo Sampaio e Marin (2004), os problemas ligados à precarização do trabalho do professor não são recentes e passam também pela formação e pelas condições materiais de sustentação do atendimento escolar e da organização do ensino. O trabalho dos alfabetizadores exige grande proximidade e atenção a cada aluno, que individualmente precisa apoderar-se de diversas habilidades e conhecimentos necessários para a aquisição da escrita e da leitura. Pode tornar-se cansativo e desgastante trabalhar o dia todo em turmas que exigem muito da intervenção e da mediação do professor. Essa consideração é reforçada quando perguntado aos professores: “No ano de 2012 você atua exclusivamente nas classes de alfabetização (1º e 2º anos)?”. Um total de 29 professores (21%) conciliam o seu trabalho de alfabetizadores com atuação em outras classes. A maior parte, totalizando 108 respondentes (78%), atua com exclusividade em turmas de alfabetização no ano de 2012, e um professor não respondeu. As múltiplas demandas da escolarização inicial, como cita Koerner (2010), podem afastar muitos profissionais desse nível. Entender a rotatividade entre os alfabetizadores ou a extrema ligação que alguns adquirem 86 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br por esse nível é perceber o professor como alguém que deposita nas suas escolhas profissionais muito de quem ele é e de como ele está se sentindo naquele momento. A parte seguinte do questionário teve como foco conhecer a formação do professor alfabetizador. Para a questão “Qual a sua maior titulação/formação?” foram disponibilizadas alternativas de “Superior completo” até “Pós-graduação: Doutorado”, deixando espaço em aberto para que o professor pudesse registrar a área de formação. Observou-se que 125 professores (90%) concluíram pelo menos um curso de pós-graduação. Verificouse ainda um número de 8 professores com titulação máxima na graduação em Pedagogia com curso presencial (6%) e 3 na modalidade a distância (2%). Um professor respondeu que possui curso superior completo em outro curso que não o de Pedagogia, informando se tratar do normal superior, e um professor também assinalou a opção “Pós-graduação: Mestrado” sem, no entanto, especificar qual o curso. Este mesmo professor indicou no espaço aberto para complementar informações no final do questionário que ainda não concluiu o mestrado. Nenhum professor informou ter formação em nível de doutorado. Romanowski e Martins (2010) discutem os cursos de especialização na formação continuada de professores da educação básica. Afirmam que, com a nova LDB, os cursos de especialização em pós-graduação assumiram, além de um caráter de aperfeiçoamento para o ensino superior, um caráter de formação continuada de natureza acadêmica, qualificando e especializando professores em todos os níveis de ensino. A qualificação dos professores, a atualização dos conhecimentos e a ascenção profissional e salarial são os príncipais fatores que podem estar envolvidos no índice elevado de professores com especialização. No espaço destinado a responder qual foi o curso de pós-graduação frequentado, apareceram 22 nomeações distintas, distribuídas em um total de 213 ocorrências (houve situações em que um mesmo professor fez referência a mais de um curso de pós-graduação). A área de atuação do professor alfabetizador aparece em 59 ocorrências (44 para Séries Iniciais, 10 em Alfabetização e 5 em Letramento). As áreas afins na educação, mas que não convergem para o trabalho do alfabetizador (gestão escolar, educação infantil, inclusão/educação especial, psicopedagogia, práticas educativas, pedagogia empresarial, musicalização, contação de histórias, pedagogia da infância, interdisciplinaridade, matemática, supervisão escolar, administração escolar, orientação escolar, metodologia do ensino superior e teologia) totalizam 152 ocorrências. Ainda, 2 professores indicaram que possuem pós-graduação, mas não indicaram qual; outros 2 professores utilizaram siglas para nomear os cursos frequentados (MEL, PeL e AEE) cujos significados não foram identificados. Sampaio e Marin (2004, p. 1210), em estudo sobre a situação do trabalho docente, afirmam que [...] a situação salarial brasileira melhora um pouco com o passar dos anos de atividade docente, por meio dos incentivos dados como adicionais por tempo de serviço ou de qualificação. Assim mesmo permanecem em posição bem inferior quando comparados com os incentivos dados em outros países. Tais resultados também podem ser entendidos como reflexo do discurso da necessidade constante de atualização do professor para enfrentar as atuais mudanças no trabalho docente ou ainda como programas compensatórios, que entendem que a formação inicial não é satisfatoriamente apropriada. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 87 Ao falar da grande diversidade de usos para os termos “formação continuada”, Gatti (2008) afirma que o universo heterogêneo que se tem atualmente no Brasil não exige credenciamento ou reconhecimento na maioria das formações continuadas voltadas para a educação, sendo estas realizadas como extensões ou pós-graduações. Ainda segundo Gatti (2008, p. 64 -65): Tudo que é relativo à formação profissional ou definido como “para áreas profissionais” é ignorado pelos educadores e gestores em educação, como se a educação não fosse propriamente uma “área profissional”, ou não comportasse subáreas especializadas. Por essa razão, temos, no campo da educação, formações em especialização que não habilitam para funções especializadas, ficando apenas a graduação como delimitadora para esse exercício, sem maiores aprofundamentos. Os cursos de especialização em áreas específicas de trabalho são objeto de uma regulamentação exigente, desconhecida de modo geral pelos setores profissionais da educação. Assim, as normatizações exaradas para essa modalidade são deixadas de lado pelos gestores educacionais. Os cursos de especialização em educação não especializam com certificação profissional, como ocorre em outras áreas do trabalho, e, embora contribuam para aprofundamentos formativos, do ponto de vista do exercício profissional apenas entram como “pontuação” em carreiras ligadas ao ensino. É esse tipo de curso, sem exigências especiais até aqui, que prolifera como proposta de educação continuada. Para a questão “O curso de graduação que frequentou conta com alguma habilitação específica? Qual?”, apareceram 181 referências, divididas em 11 categorias de descritores diferentes. Alguns professores informaram cursos com mais de uma habilitação, outros com habilitações em áreas afins na educação, e alguns informaram até mesmo cursos com habilitações distantes do trabalho do alfabetizador. A habilitação para Séries Iniciais teve a maior incidência, com 46 ocorrências, seguida pela Orientação Escolar (22), Supervisão Escolar (20), Educação Infantil (16), Administração Escolar (12), Psicopedagogia (4) e Educação Especial (2). Informaram o curso (Pedagogia, Magistério) 11 professores respondentes, ou que o curso frequentado não possuía habilitação (8). Não informaram a habilitação 39 professores e apenas um afirmou que não recordava. Gatti (2008) afirma que legalmente são as licenciaturas os cursos que têm o objetivo de formar professores para a educação básica. O professor da educação infantil e das séries iniciais do ensino fundamental, denominado “polivalente” pela autora, tem seu valor social, acadêmico e político diferenciado dos especialistas, professores formados nas demais licenciaturas. A formação menos fragmentada, mas também mais panorâmica geralmente encontrada nos currículos de formação dos pedagogos, segundo Gatti (2008), abre margem para a questão da insuficiência formativa para o desenvolvimento do trabalho com a educação infantil e as séries iniciais. Nos cursos de graduação em Pedagogia, a existência das habilitações e de diferentes ênfases no curso vem justificada pela ampliação do mercado de trabalho e pelas maiores oportunidades de atuação oferecidas aos pedagogos. Quando perguntado “Em que ano se formou na graduação?”, a variação foi de 27 anos entre 1985, o registro mais antigo, e 2011, o mais recente. Onze professores (8%) não responderam a questão. Entre os anos de 1985 e 1989 formaram-se 6% dos professores alfabetizadores que participaram da pesquisa, 20% entre 1990 e 1999, 60% entre 2000 e 2009, e entre 2010 e 2011 outros 6% dos professores. 88 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Considerando que os estudos de letramento foram incorporados mais recentemente aos programas dos cursos de graduação, especialmente em Pedagogia, investigar há quanto tempo os professores alfabetizadores estão formados pode dar pistas acerca de sua trajetória de formação inicial e se foram (ou não) apresentados a tais estudos. Na questão seguinte, “Participa de formações complementares?”, obteve-se 32% de professores que responderam que sempre participam, 42% frequentemente, 23% raramente e 3% não participa ou não respondeu a questão. Um professor inaugurou uma opção na qual afirmava ter participado de formações “sempre que oferecido pela SEC”, não prevista no questionário. Percebe-se que é atribuído sempre mais ao professor a busca por constantes atualizações e que em alguns momentos, como o citado acima, este tenta deslocar o foco dessa exigência para os órgãos que regem o seu trabalho como professor. Não será esta uma forma de mostrar como o professor se sente sobrecarregado por exigências de todos os tipos? Também foi perguntado, “Se participa, quais são as suas principais expectativas nessas formações?”, com as opções: “Metodologias/práticas”; “Fundamentação teórica”; “Ouvir especialistas da área da educação”; “Encontros com outros profissionais da educação”; “Reconhecimento e ascensão profissional”; “Outras motivações. Quais?”. Nessa questão, foi possibilitado ao professor assinalar quantas alternativas desejasse, obtendo-se 315 respostas. O intuito era não só encontrar a maior recorrência, mas entender todas as opções como importantes nas formações complementares e notar quais os pontos que ainda não são observados pelos professores. A busca por “Metodologias/práticas” foi a mais citada, apontada por 103 professores, seguida por “Ouvir especialistas da área”, presente em 71 respostas, e “Encontros com outros profissionais da educação”, escolha de 69 professores respondentes. A busca por aquilo que pode impactar diretamente a prática do professor e a socialização da realidade em sala de aula aparece como grande motivador para a complementação da formação do professor alfabetizador. A busca por fundamentação teórica alcançou apenas 39 respondentes, e o reconhecimento e a ascensão profissionais, 24. No espaço previsto para o registro de “outras motivações”, a referência à “troca de experiências” apareceu sete vezes e a aquisição ou “reciclagem” dos conhecimentos teve duas referências. Seriam, de fato, a busca por metodologias e práticas, a troca de experiência e o encontro com outros profissionais que também atuam na alfabetização, especialmente para os iniciantes, suportes para as dificuldades que os professores não conseguem vencer na sala de aula? Como última questão referente à formação, foi perguntado se o professor participa de palestras ou cursos sobre alfabetização. Um professor, como uma nova alternativa, assim se expressou: “Ainda não tive oportunidade”. Ressalta-se que esse professor estava em seu primeiro ano na alfabetização. Responderam que sempre participam de palestras e cursos sobre a alfabetização 27% dos professores; frequentemente, 41%; raramente, 27%; 3% não participam; e 2% não responderam ou anularam a questão. Como diferença entre a questão que trata das formações complementares em geral – apresentada anteriormente – e a parte específica de alfabetização observa-se uma leve diminuição do número de professores que participa “sempre” e “frequentemente” das formações voltadas para tal temática. Será um reflexo da menor oferta de formações específicas para o alfabetizador? Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 89 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apontando alguns resultados, de modo geral, evidenciou-se que os professores alfabetizadores que participaram da pesquisa formam um grupo bastante comprometido com a sua formação e heterogêneo em sua experiência. As práticas pedagógicas com escrita são variadas, assim como os materiais que servem de referência. O termo “letramento” parece familiar, compondo a base do que os professores entendem como conhecimentos necessários para alfabetizar. Os dados referentes à formação mostram que a maioria dos professores tem pós-graduação e que participa sempre ou frequentemente de formações complementares na área da alfabetização. Os dados também são bastante significativos ao revelar que a maioria dos professores que respondeu ao questionário investe na sua autoformação, o que fica evidente até mesmo nas leituras voltadas para a atuação profissional e denota a valorização da constante formação por parte dos próprios professores. Contudo, as múltiplas determinações envolvidas nas escolhas formativas (se é que são sempre escolhas) dos professores ficam evidenciadas pelas amplitudes de especializações e habilitações dos cursos frequentados pelos professores, nos quais se percebe pouco direcionamento para as especificidades da alfabetização. Os cursos voltados para a alfabetização ou mesmo para o trabalho nos anos iniciais do ensino fundamental não são os mais frequentados. Estaria faltando oferta específica de formações voltadas para a alfabetização? A participação dos professores em formações continuadas, tanto em pós-graduações como em demais cursos, poderia ser entendida como atrelada a uma forma de continuidade na escala profissional, ligada à ascensão salarial e profissional. Mas, ao questionar os professores quanto a suas expectativas relacionadas às formações, percebe-se que a busca por conhecimentos que implicam diretamente no seu trabalho pedagógico, as metodologias e as práticas são tidas como mais requisitadas. Será que buscar ou ofertar “qualquer” formação aos professores alfabetizadores vai garantir as metodologias e práticas que o professor espera? Aproveitando as oportunidades de crescimento e formação continuada, o educador adquire subsídios para sua prática docente e isso poderá se refletir em uma melhoria na educação. Propostas que favoreçam o diálogo entre os agentes educativos, formação continuada de professores e metas comuns entre os diferentes níveis de educação serão sempre importantes para a educação. 90 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 80-91, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS AGUIAR, M. A. L. O ser docente: processos de formação e profissionalidade. In: CORDEIRO, A. F. M. (Org.) Trabalho Docente: formação, práticas e pesquisa. Joinville: Univille, 2010. ANDRÉ, M. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Revista de Educação da Pontifícia Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010. ARROYO, M. G. Condição docente, trabalho e formação. In: SOUZA, J. V. A. (Org.) Formação de professores para a educação básica: dez anos da LDB. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. CANÁRIO, R. A escola: o lugar onde os professores aprendem. 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A questão principal voltou-se então para o desvelar das experiências formadoras desses sujeitos. Para alcançá-las, tendo em vista a distância temporal em que se encontram, é necessário o desvendamento das memórias desses atores históricos, o que foi parcialmente alcançado pela análise de narrativas escritas. Entretanto, a necessidade de esmiuçar esses relatos fez com que a pesquisa os reunisse em um grupo de discussão e são os achados desse grupo que serão discutidos neste artigo. O principal deles está no delinear dos fóruns de EJA como espaços de formação de professores e para compreendê-los assim, empreende-se uma discussão sobre o conceito de formação, a metodologia do grupo de discussão e o histórico dos fóruns de EJA no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Fóruns de EJA; grupos de discussão; formação continuada. Eja forums as spaces for teacher continuing training: analyses through discussion groups Abstract: This paper discusses research findings whose production is linked to the document “Draft Youth and Adults” (EJA in Portuguese), which describes a proposal for EJA in Divinópolis/MG municipal education. However, its analysis shows that it was prepared by a committee of teachers who do not discuss their own work or the issues drafted in the text. From the entire process, only the product resulted. The main question then turned to the unveiling of the education experiences of these individuals. In order to achieve them, in view of the perspective given by time, it is necessary to unveil the memories of those historical actors, which have been partly achieved by the analysis of written narratives. However, the need of scrutinizing these reports made them to be gathered in group discussions and the findings of these groups are discussed in this article. The most important one is the outline of the EJA forums as spaces for teacher training, and to understand them as such leads to a discussion about the concept of training, the methodology of group discussion and the history of EJA forums in Brazil. Keywords: EJA forums; discussion groups; Continuing Education. 92 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br INTRODUÇÃO O texto que ora apresentamos faz parte da pesquisa sobre formação de professores de Educação de Jovens e Adultos (EJA).1 Nas primeiras leituras sobre a temática e na leitura dos documentos de pesquisa nos deparamos com o Projeto de Educação de Jovens e Adultos2. É possível afirmar que ele foi o primeiro motor do foco e da delimitação do objeto desta pesquisa. Tal documento descreve uma proposta “em caráter experimental para a Educação de Jovens e Adultos – EJA – no Ensino Fundamental da rede municipal de Divinópolis” (DIVINÓPOLIS, 2006, p. 3). Nesse projeto, que ainda se encontra em vigência no município, estão descritos e analisados os principais contornos e determinações da EJA municipal para o nível de Ensino Fundamental. O texto do documento está ancorado em diversas leis e regulamentações que são concernentes a essa modalidade de Educação − em especial à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) e o Parecer 11/2000 (BRASIL, 2000)3 do Conselho Nacional de Educação −, que garantem uma remodelação em relação a tempos e espaços, de modo a abarcar as especificidades dos alunos da EJA. O texto foi elaborado a partir de uma comissão composta por professores da EJA e técnicos da Secretaria Municipal de Educação, sem, contudo, dar informações sobre como e onde essa comissão foi montada e quais eram os seus membros. De igual modo, o documento não apresenta referência ao trabalho da comissão, aos sujeitos que elaboraram o texto: não há nenhuma assinatura nele. De todo o processo, ficou apenas o produto e a invisibilidade do grupo que discutiu e formulou a proposta, o que parece indicar que foi elaborado de maneira informal em reuniões de trabalho coletivo. A questão principal da pesquisa voltou-se então para o desvelar das experiências formadoras dos sujeitos que participaram da elaboração de tal projeto, tendo em vista a ideia de que esse grupo esteve envolvido em vários espaços e momentos de formação. Saímos à procura, no município, dos professores que haviam constituído esse grupo. Encontramos quatro sujeitos, os quais compuseram o corpus desta pesquisa. Este texto foi constituído a partir da análise desse material. Considerando a distância temporal que se encontra o desencadear dessas ações formativas – anos 2005 e 2006 –, foi necessário o desvelamento das memórias desses atores históricos sobre todo o processo, o que foi parcialmente alcançado pela escrita de narrativas pelos sujeitos. Entretanto, a necessidade de esmiuçar os relatos desses educadores indicava que era preciso acrescentar à pesquisa outros procedimentos de construção de dados. Utilizou-se o recurso do grupo de discussão, e são os achados desse grupo que serão discutidos no presente artigo. Na primeira parte buscamos apresentar sucintas considerações sobre a questão da formação, seguida da discussão sobre as indicações metodológicas a respeito do grupo de discussão e o método de análise empregado. A terceira parte apresenta alguns achados da pesquisa em breves análises do grupo de discussão os dados que se referem aos Fóruns de EJA, que são discutidos em seção separada. Por fim, fechamos o texto com breves considerações sobre o lugar dos fóruns no processo de formação continuada desse grupo de professores da EJA. A partir daqui a Educação de Jovens e Adultos será referenciada pela sigla EJA. 1 2 O Projeto de Educação de Jovens e Adultos foi submetido à apreciação do Conselho Estadual de Educação (CEE/MG) pela Secretaria Municipal de Educação de Divinópolis (SEMED) e aprovado em 16 de julho de 2006. O Parecer 11/2000 do Conselho Nacional de Educação estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. 3 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 93 CONSIDERAÇÕES SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES Abordar a formação de professores remete-nos a vários questionamentos: Que tipo de formação esses profissionais estão tendo? Inicial, continuada? Qual os loci de formação? Universidade, institutos superiores de educação, centros de ensino superior, faculdades isoladas...? (PAIM, 2005, p. 95) Inicia-se essa discussão com os questionamentos de Paim (2005) a respeito do tema da formação de professores. Implícitos a ele estão reflexões e questões que o próprio termo formação de professores carrega nas mais diversas áreas da Educação, desde o próprio caráter da formação, passando pela discussão da formação a distância chegando às políticas públicas que orientam esse processo formativo em cada tempo e espaço determinados. Se recorrermos à raiz etimológica do termo formar, sua concepção mais simples e dicionarizada indicará que formar é “dar a forma a (algo)”. Com uma analogia simples poder-se-ia dizer que formar professores é dar a forma de professor a alguém. No entanto, o tema da formação de professores vai além da simples e pura ideia de dar forma. Poder-se-iam apontar diversas razões para tanto. Porém, tendo em vista a discussão que se deseja fazer aqui, salienta-se como a razão mais importante a necessidade de perceber os diversos saberes que os sujeitos constroem ao longo de suas vivências. Os sujeitos envolvidos no processo de formação – formadores, licenciados, professores da Educação Básica, entre outros – têm diversas faces como atores históricos, carregam mais de um tipo estático de conhecimento, ou seja, estão em constante formação. Em outra oportunidade, discutindo ainda sobre a formação docente, Paim (2007) apresenta que a formação de professores, geralmente remete à ideia de que formar alguém é definitivo, e que o modo de fazê-lo está preestabelecido, convencionado. Para o autor poder-se-ia usar “a metáfora da linha de produção: a matéria prima (aluno ingressante numa licenciatura) entrou sem saber e deverá sair o produto final (o professor formado)” (PAIM, 2007, p. 158). A ideia de dar forma a algo, implícita no verbo formar, leva à ilusória compreensão de que a forma adquirida é permanente. A metáfora usada pelo autor ilustra bem a transposição dessa noção para a formação docente. O professor, ao concluir uma graduação, não está pronto, formado. A formação é um eterno fazer-se. Há, durante toda a carreira, um movimento contínuo de aprendizagem, que acarreta a mobilização e a constante (re)construção de saberes por meio de desafios que se delineiam na prática, junto aos pares (ou não) e nos mais diversos espaços que o sujeito transita. Freitas (2002) assinala que, a partir da década de 1980, os professores passaram a forjar uma nova dimensão da formação docente e acabaram por determinar uma compreensão da profissão. Segundo a autora, os educadores produziram e evidenciaram concepções avançadas sobre a formação do educador “destacando o caráter sócio-histórico dessa formação, a necessidade de um profissional de caráter amplo, com pleno domínio e compreensão da realidade de seu tempo, com desenvolvimento da consciência crítica que lhe permita interferir e transformar as condições da escola, da educação e da sociedade” (FREITAS, 2002, p. 139). Dentro desse novo olhar sobre a profissão docente, percebe-se uma valorização não apenas do saber prático, mas também dos conhecimentos e saberes produzidos na prática pelos educadores a partir das 94 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br transformações da própria escola, dentro da sociedade contemporânea que, desde as últimas décadas, tem-se, numa linha de democratização dos saberes, se constituído numa “Escola para Todos” como desejava Freire. Nestes loci de formação – a Escola –, os professores se constituem profissionais da educação, desenvolvem um conhecimento próprio, produto de suas experiências e vivências pessoais e coletivas. Essas são racionalizadas e muitas vezes passam a fazer parte da rotina desses sujeitos, no entanto, para que se constitua como epistemologia, à prática é necessário acrescentar a reflexão. É nesse sentido que algumas questões levantadas por Cury (2009) vêm nos ajudar a compreender politicamente o fenômeno da formação. Para o autor, a certificação responde a uma necessidade de avaliação do grau de organização dos saberes individuais adquiridos na prática profissional. Para que se obtenha esse reconhecimento é necessário um órgão de “fé pública capaz de autenticar o saber baseado no fazer cotidiano. Esse saber necessita de condições para adquirir caráter sistemático. [...] Este novo caráter nem sempre é obtido exclusivamente por meios autodidatas e para isso existe a formação processual, contínua, ou seja, a formação continuada” (CURY, 2009, p. 300). A ideia de formação continuada nesse sentido estreita-se com a noção de que os saberes do cotidiano precisam ser balizados e “autenticados” por “órgão competente”, por isso, são estruturados em cursos que discutem as questões emergentes do cotidiano do professor. No entanto, ao tratar do conceito de educação continuada, Gatti (2008) chama atenção para o extenso número de atividades que são consideradas sob esse guarda-chuva. A autora assinala que as discussões sobre o conceito de formação continuada não ajudam a precisar o conceito, pois “ora se restringe o significado da expressão aos limites de cursos estruturados e formalizados oferecidos após a graduação, ou após ingresso no exercício do magistério, ora ele é tomado de modo amplo e genérico, como compreendendo qualquer tipo de atividade que venha a contribuir para o desempenho profissional” (GATTI, 2008, p. 57). No caso específico dos educadores de jovens e adultos, objeto desta pesquisa, ressalta-se que suas demandas de formação continuada estão estreitamente atreladas às necessidades advindas da prática. Os desafios que se colocam no cotidiano do educador o mobilizam a buscar formas de compreensão e modificação dessa realidade. No entanto, o que se percebe como educação continuada voltada para a EJA está vinculado à realização de eventos ou cursos que de alguma maneira “saneiam”, de forma rápida, as necessidades imediatas impostas pela realidade múltipla das salas de EJA (MARTINS et al., 2008). Segundo Paiva (2006), o termo formação continuada foi atrelado a concepções como “treinamento, capacitação, reciclagem, todos assentados em paradigmas de que o conhecimento se produz de fora para dentro, por transmissão, controlada, dosada e selecionada por aqueles que supostamente conhecem as necessidades dos formandos” (PAIVA, 2006, p. 78). Percebe-se assim que essas ações são criticadas em especial pelo caráter de exclusão do educador como sujeito ativo de sua própria formação. A noção de que se “treina”, “capacita” e até “recicla” educadores, como algo descartável, deixa claro que esses sujeitos-educadores são considerados como meros executores de tarefas. Formar apresenta-se sempre como algo externo e que incide sobre o sujeito. Releva-se, assim, a realidade a que está inserido o docente, não permitindo ainda que esse concretize seu potencial inventivo, criativo e que faça uso de sua experiência como processo formativo. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 95 Essas propostas, apesar de guardarem suas potencialidades e importância, não esgotam a necessidade de formação específica para a modalidade da EJA nem, de algum modo, as dúvidas que emergem no cotidiano das aulas, uma vez que se compreende que essa realidade é constantemente modificada por concepções, atores e situações novas. As discussões que emergem, portanto, quando se discute a formação continuada de educadores de jovens e adultos são imediatamente identificadas com a prática pedagógica. No entanto, em se tratando de formação de professores em geral, as reflexões hoje “apontam para uma concepção de formação como processo, ou seja, não faz mais sentido a dicotomia entre formação inicial e continuada, sendo indispensável que essa visão seja superada” (NAITO, 2006, p. 36-37, grifo da autora). A separação entre formação inicial e formação continuada como momentos estanques requer que se repense a ideia de que, na formação inicial, o sujeito estará formado e pronto para a atuação na sala de aula. É necessário, também, repensar que, na formação continuada, os conhecimentos adquiridos durante a atuação em sala de aula serão sempre (re)lapidados por novas teorias e práticas. A compreensão da formação continuada para educadores de EJA exige adesão a essas concepções e se insere no bojo das argumentações quanto à própria caracterização dessa modalidade de educação, considerando a importância das especificidades dos sujeitos e do histórico de lutas desse movimento da educação desde a primeira metade do século passado. Nesse contexto, lança-se o desafio de descobrir e esmiuçar outros espaços de formação dos educadores de EJA a partir de uma questão proposta por Silva (2008) ao final de seu trabalho de pesquisa sobre a vivência e convivência de sujeitos-educadores nos Fóruns Regionais Mineiros de EJA: “Seria quase que encontrar a resposta para ‘onde mais se aprende?’ Certamente em diferentes espaços” (SILVA, 2008, p. 187). O convite imbricado na questão “onde mais se aprende?” levou-nos a reflexões sobre a formação em espaços e tempos diferentes daqueles engendrados nas formações em curso, seja como formação inicial ou continuada. A necessidade dessa discussão vai ao encontro das especificidades tanto da modalidade de EJA quanto dos sujeitos, educadores e educandos, envolvidos num fazer-educacional que é diverso daquele considerado “regular”. O documento inicial, ainda que formalmente orientado por um órgão executor de política municipal, apontava para lampejos de um processo de “educação não formal”. Oliveira (2004), ao citar Alves, apresenta que as pesquisas sobre formação no Brasil já demonstraram a necessidade de compreender que a formação “se dá em múltiplos ‘espaçostempos’, sendo a docência apenas uma das esferas da intrincada rede de relações em que a formação se dá, no âmbito da prática social mais ampla” (OLIVEIRA, 2004, p. 2, grifo nosso). A concepção de formação que norteou a pesquisa que ora se apresenta finalizada vai ao encontro da ideia de que o educador se forma em múltiplos espaços, em interação com os pares, em outras esferas da prática social mais ampla que apenas a sala de aula ou na gestão democrática escolar. Assim, considera-se que a formação se dá certamente, em diferentes lugares, não apenas em espaços exclusivamente acadêmicos ou de formação fechadas em cursos. Um dos espaços formativos para os educadores de jovens e adultos que trará essa pesquisa são os Fóruns de EJA. Para compreender melhor os espaços em que os sujeitos da pesquisa transitaram e que se delinearam como diferentes lugares de formação, utilizou-se como instrumento de pesquisa o grupo de discussão, e para a análise, o método documentário, os quais serão explicitados a frente. 96 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br USO DO GRUPO DE DISCUSSÃO COMO RECURSO METODOLÓGICO A utilização dos grupos de discussão está inicialmente associada às pesquisas de marketing, em especial, como preparação para questionários de pesquisa quantitativa. Surge, portanto, no contexto de uma sociedade de consumo “onde o grupo, como lugar de desenvolvimento de relações e referências, se torna central em contraponto ao indivíduo massificado e universalizado da sociedade industrial” (VALVERDE, 2008, p. 60). Segundo Weller (2006), a utilização dos grupos de discussão na pesquisa social empírica se deu no início da década de 1950 por integrantes da Escola de Frankfurt. No entanto, somente na década de 1970, esse procedimento recebeu arcabouço teórico-metodológico caracterizando-se como método. Com raízes nas pesquisas de opinião, a introdução desse método na pesquisa social trouxe ainda uma mudança considerável de perspectiva. A compreensão de que a opinião do grupo era a soma das opiniões individuais dos participantes passa a ser contestada. Foi Mangold o primeiro a criticar a forma de análise de então, dando “um novo sentido aos grupos de discussão, transformando o método em um instrumento de exploração das opiniões coletivas e não apenas individuais” (WELLER, 2006, p. 245). Nesse sentido, as opiniões do grupo não podem ser vistas como o resultado de uma influência mútua no momento da entrevista. Considera-se que, naquele momento elas são apenas atualizadas. Assim, as posições dos participantes refletem as visões de mundo do grupo social no qual estão inseridos (WELLER, 2011). Valverde (2008) acrescenta que os grupos de discussão se projetam nas perspectivas dos atores de forma que esses constituem a sua própria realidade social e por meio do grupo é possível conhecer a percepção dos sujeitos com intensidade e profundidade. No entanto, mais do que serem representantes de uma dada realidade e da compreensão dela, por meio dos grupos de discussão é possível apreender as experiências, as opiniões e “as vivências coletivas de um determinado grupo (por exemplo, os refugiados), ou as posições comuns de uma determinada classe social (por exemplo, trabalhadores da indústria do carvão, agricultores, etc.), independentemente de se conhecerem ou não entre si” (WELLER, 2011, p. 57). Além da ênfase na possibilidade de alcançar as experiências vividas em grupo, ao tratar de pesquisa com jovens utilizando os grupos de discussão como método, Weller (2006) destaca outras vantagens desse método que foram cruciais para a decisão de adotá-lo também nesta pesquisa. A autora argumenta que a discussão entre integrantes do mesmo meio social permite alcançar detalhes desse convívio, que outras formas de coleta, como a entrevista narrativa, não são capazes de captar. Acrescenta ainda que a discussão em grupo exige alto grau de abstração convidando os participantes a refletir e a expressar suas opiniões sobre temas que nunca consideraram sob esses aspectos. Ao estar em grupo, a possibilidade de distorção ou até mesmo de invenção de fatos é menor, pois os próprios membros podem corrigir eventuais falhas, dando ao método um maior grau de confiabilidade. Ao concordarmos com as reflexões de Weller (2011) de que o método é uma ferramenta para a compreensão de experiências, considerou-se que ao compartilhar lembranças, opiniões e discussões, as experiências coletivas emergiriam e os sujeitos teriam, mais uma vez, a oportunidade de refletir sobre elas. Essas foram as principais prerrogativas para a escolha desse método Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 97 Weller (2006, 2011) acrescenta a noção de que a utilização dos grupos de discussão como método de pesquisa não representa uma “economia de tempo”, uma vez que essas discussões podem se prolongar por mais de três horas, gerando uma infinidade de dados que muitas vezes é criticada. É nesse sentido que a preparação do pesquisador é importante, tanto no que concerne à elaboração das questões a serem dirigidas ao grupo, quanto no momento da execução do grupo. Uma vez que esse tipo de coleta de dados traz muitos desafios ao pesquisador, pois “existem critérios para a condução dos grupos que devem ser considerados para que esse método tenha êxito” (SILVA, 2009, p. 42) é interessante ressaltar a postura do entrevistador na execução dos grupos de discussão; pois embora a presença do pesquisador e do gravador gere uma situação diferente do cotidiano, os participantes acabam “travando diálogos interativos bastante próximos daqueles desenvolvidos em outro momento” (WELLER, 2006, p. 250), desse modo o entrevistador passa a ser um ouvinte e não um “intruso” no grupo. Seguindo ainda as reflexões e discussões de Weller (2005, 2006, 2011), a análise dos dados colhidos por meio do grupo de discussão é feita tendo em vista as prerrogativas do método documentário que tem origem nas reflexões de Karl Mannheim sobre a forma de interpretar os objetos culturais, transformando o conhecimento natural, resultante de experiências cotidianas, em conhecimento teórico. Em sua concepção, as visões de mundo, Weltanschauung, são construídas nas ações práticas e não pertencem nem ao campo teórico nem ao a-teórico (VALVERDE, 2008). De modo a compreender como se apresentam as visões de mundo, Mannheim define três níveis de sentido que permitiriam alcançar a sistematização de um conhecimento teórico. O primeiro nível é o sentido imanente ou objetivo, que já está posto e pode ser interpretado imediatamente. O segundo refere-se ao sentido expressivo que exige o conhecimento dos atores para ser interpretado. “Por último o nível documentário que documenta a ação prática e exige que o processo de interpretação envolva a posição daquele que está interpretando” (SILVA, 2009, p. 44, grifo da autora). Sobre a análise do sentido documentário, Weller (2005), ao discutir a teoria de Mannheim, acrescenta que, para além dos objetos culturais, toda ação pode ser interpretada tendo em vista os três sentidos delineados pelo autor. No entanto a utilização das reflexões de Mannheim sobre os sentidos das ações exigiu uma diferenciação para a pesquisa social empírica: “ao invés da reconstrução do decurso de uma ação (nível objetivo ou imanente), passaremos a analisar e reconstruir o sentido dessa ação no contexto social em que está inserida (nível documentário)” (WELLER, 2005, p. 268). Uma vez que toda frase ou ato está ligado a um contexto específico, a compreensão do último nível de sentido exige tanto uma compreensão da realidade social em que foi produzido, quanto uma via de acesso ao conteúdo subjetivo do outro. “A análise documentária tem como objetivo a descoberta ou indicialidade dos espaços sociais de experiências conjuntivas do grupo pesquisado, a reconstrução de suas visões de mundo e do modus operandi de suas ações práticas” (WELLER, 2005, p. 269, grifo do autor). O que se busca alcançar é o impacto das ações de um grupo no contexto social em que está inserido. Para alcançar esses objetivos, a reconstrução do grupo de discussão se constitui como uma das principais ferramentas para a análise documental. A análise processual deve levar em conta “a dramaturgia dos discursos; estes, por sua vez, são identificados como metáforas de foco. As metáforas de foco referem-se aos centros de convivência que são comuns aos membros do grupo” (SILVA, 2009, p. 45, grifo nosso). 98 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Valverde (2008) esclarece que as metáforas de foco são a parte do grupo de discussão que emana da interação dos sujeitos, sem a intervenção do pesquisador. Além disso, pode ser identificado pelo tempo que os participantes se voltam ao tema. Importa destacar que o tema alvo da metáfora de foco pode, muitas vezes, ser díspar dos objetivos da pesquisa, “mas são reveladores e tão importantes quanto aquele na medida em que nos trazem elementos sobre as experiências coletivas daquele meio social” (VALVERDE, 2008, p. 77). O processo de análise inicia-se com a etapa denominada de interpretação formulada. Primeiramente é realizada uma divisão em temas e subtemas, em seguida selecionam-se as metáforas de foco. Valverde (2008) esclarece que a seleção das passagens pode ser feita de acordo com os objetivos do estudo, embora também possa ser baseada no tempo de duração do trecho e da interação existente. No entanto, “orienta-se que não é necessário transcrever toda a entrevista, mas deve-se transcrever a passagem inicial, as metáforas de foco e os trechos identificados como relevantes para a pesquisa” (VALVERDE, 2008, p. 78). Após feita a divisão da entrevista em temas e subtemas, esmiuçando ainda a duração das discussões, as metáforas de foco ficam ressaltadas, aparecem. Nesta pesquisa, apesar de se ocuparem por tempo considerável em temas que não estavam entre os objetivos – por exemplo, a prática pedagógica na EJA e as críticas à postura da Secretaria Municipal de Educação – verificou-se, como destacado por Valverde (2008), que, muitas vezes, os participantes voltam ao mesmo tema, definindo assim metáforas de foco que auxiliaram a compreender espaços de formação de professores dentro do processo de elaboração do Projeto de EJA. A interpretação baseada no método documentário se segue numa segunda fase denominada interpretação refletida. O objetivo desta é permitir que o pesquisador se aprofunde nas análises, o que “implica uma observação de segunda ordem, na qual o(a) pesquisador(a) realiza suas interpretações, podendo recorrer ao conhecimento adquirido sobre o meio pesquisado” (WELLER, 2005, p. 276). Para o método documentário, a análise comparativa tem por objetivo a apreensão dos aspectos homólogos entre diferentes casos estudados. Assim, quando a usa como base, a análise do método será estreitamente por comparações. Na pesquisa em questão o objetivo principal era perceber aspectos de formação nos diversos momentos de elaboração do Projeto de EJA, alcançados previamente nas narrativas. Por fim, acrescenta-se que o objetivo da análise documentária é a descoberta ou indicialidade dos espaços sociais de experiências conjuntivas do grupo pesquisado, a reconstrução de suas visões de mundo e de suas ações (WELLER, 2005). Dessa forma, o método possibilitou que as experiências vividas no processo de elaboração do projeto de EJA fossem esmiuçadas e delineassem, junto a outros dados, os espaços que foram para os sujeitos formativos. EM BUSCA DE ANÁLISE: AS “METÁFORAS DE FOCO” COMO CATEGORIAS Indicações sobre os sujeitos da pesquisa Antes de apresentar parte da análise advinda do grupo de discussão faremos breve caracterização dos sujeitos da pesquisa4 que participaram desse estudo, de modo que fiquem ao menos delineadas suas trajetórias e a forma como acabam se transformando, em dado momento, em um grupo. Por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos sujeitos e sob a guarda dos pesquisadores foi autorizada a revelação da identidade dos sujeitos, por tratar-se de uma pesquisa com narrativas autobiográficas. 4 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 99 Cláudio Gonçalves Guadalupe nasceu em São João del-Rey/MG em agosto de 1959, mas ainda criança se mudou para Divinópolis, onde mora e trabalha. Formou-se em Ciências Sociais em 1984, na Fundação Educacional de Divinópolis (Funedi/UEMG). Possui Pós-Graduação em História e em Educação de Jovens e Adultos, ambas pela UFMG. Atua como educador há mais de vinte anos, sendo os últimos doze vinculados à EJA. A sua entrada na EJA está ligada ao movimento político-partidário do qual participa há anos: Cláudio é filiado ao PCdoB. Em 2000, com a implementação do projeto Semear5 da CUT nacional em Divinópolis, ele foi convidado a ministrar aulas de Ciências Humanas na zona rural para alunos trabalhadores. Foi nesse mesmo ano que Geraldo Eustáquio Lara, natural de São Tiago, iniciou a carreira de magistério na EJA, embora por motivo diferente: precisava dar aulas à noite. Naquele ano, Geraldo completava quatro anos como licenciado em História pela UFMG. A transferência de escola, em 2004, foi o que fez Geraldo, o mais novo dos sujeitos, 49 anos, e Hermes Gualberto da Fonseca, o mais velho, 59 anos, trabalharem juntos num projeto de EJA, na Escola Municipal João Severino Azevedo. Na época, Hermes, que foi contemporâneo de Cláudio quando cursava a graduação em Ciências Sociais na Funedi/UEMG, trabalhava também como professor de História. Um ano depois, 2005, Maria Aparecida Alves de Souza se formava em Normal Superior pelo Projeto Veredas6 e começava a trabalhar no mesmo projeto que Cláudio, o Semear, no entanto, era professora dos anos inicias. Sua entrada na EJA estava ligada a uma opção pessoal pelo trabalho com os adultos no projeto Semear. Oito anos depois, Cida, 50 anos, sente com pesar não trabalhar mais na EJA, pois em 2012 aposentou-se no cargo em que atuava na modalidade, sendo, na data, vice-diretora da EJA, na Escola Municipal São Geraldo. No outro cargo em que é professora trabalha com crianças de cinco anos. Geraldo e Hermes iniciaram uma parceria bem-sucedida na gestão da E. M. João Severino de Azevedo, sendo, respectivamente, diretor e vice já há alguns anos, tendo contato com a EJA sempre. Cláudio é um dos membros do grupo de trabalho voltado à inclusão, na Secretaria Municipal de Educação. Seu trabalho está estreitamente ligado ao projeto de EJA do município, sendo ele a referência dentro da secretaria para as questões da modalidade. “A Central Única dos Trabalhadores e a Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional [...] iniciaram, em 1998, o Projeto Semear. Em caráter experimental, o projeto possibilitou o acesso à educação de pessoas que não tiveram esse acesso e não encontraram, no ensino tradicionalmente oferecido pelas escolas, um caminho para a melhoria das suas vidas. Além disso, mais do que estimular, gerar e transmitir novos conhecimentos que ajudaram a promover a cidadania e uma vida mais digna no campo para os (as) educandos (as) que dele participam, [...] o Semear incorpora inovações institucionais, metodológicas e organizacionais; a construção, de forma participativa, de currículos adequados às necessidades de cada território; o desenvolvimento de uma prática pedagógica que respeita os conhecimentos e as culturas da população e estimula a aprender; a promoção de uma forte ligação entre o projeto educacional e as comunidades e, ainda, o controle social fortalecido através da gestão do projeto por organizações sociais. Essas foram importantes inovações introduzidas na prática educacional pelo projeto Semear” (ARAÚJO, 2006, p. 18). 5 “O Projeto Veredas30 – Formação Superior de Professores foi implementado em parceria com o Programa Anchieta de Cooperação Interuniversitária com objetivo de qualificar os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sob o patrocínio do Governo do Estado de Minas Gerais. [...] Fomentar a melhoria da qualidade de ensino, promover a compreensão e a consciência intercultural entre os povos ibero-americanos estão entre as finalidades do programa. [...] Um dos objetivos da SEE-MG para a implementação do Veredas foi a perspectiva de redução do número de professores da rede pública de Minas Gerais sem formação superior. Destaca-se, também, a valorização do profissional da educação, como condição para melhoria do padrão de qualidade da escola pública do Estado” (RODRIGUES, 2009, p. 46). 6 100 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br As Metáforas de foco As experiências dos sujeitos, constituídas de forma coletiva no grupo de discussão, foram desencadeadas por algumas questões que estavam contidas no tópico-guia. No entanto, seguindo as reflexões metodológicas já apontadas anteriormente, após a fase de análise de interpretação formulada, em que os temas e subtemas são delimitados, as metáforas de foco identificadas ligavam-se aos pontos que os sujeitos sempre se remetiam, embora não sejam os momentos de maior interação. Esses últimos referem-se a questões que não se buscava abordar na pesquisa. O objetivo desta seção foi detectar as metáforas de foco, de modo a compreender como os fóruns aparecem como locais de formação pelos sujeitos. Vale ressaltar, entretanto, que muitas vezes os próprios participantes não os identificam como espaços de formação e que esse caráter fica claro apenas na análise refletida dos trechos. Tendo em vista os objetivos limitados deste artigo, as análises que serão apresentadas aqui não seguirão a ideia de comparação − que compõe o relatório final−, intrínseca ao método documentário, o que se buscará está bem próximo à primeira etapa da análise, ou seja, uma interpretação das reflexões dos sujeitos em relação às suas experiências e (com)vivências nos Fóruns de EJA, tema deste texto. As passagens selecionadas remetem a lembranças, aos debates, a pessoas e aos espaços que permearam todo o processo de elaboração do Projeto de EJA do município. Trazem lembranças das discussões nos fóruns, das temáticas e das atividades propostas nesses espaços e vislumbram uma forma diferente de observá-los. A gente veio com uma ideia de que a EJA tinha que ser algo diferente... [murmúrio de concordância do Hermes] então essa ideia sim, nós trouxemos (?), até porque nós mudamos muito a forma de trabalhar dentro do Novo Cidadão7a partir dos fóruns [eu acho até que não foi muito o fórum não, Geraldo], mas a Olívia trazia muita coisa, das leituras dos fóruns... (Geraldo) Ao relembrar sua participação nos fóruns, Geraldo, apoiado por Hermes, menciona que a ideia do que deveria ser a EJA foi (re)formulada durantes as plenárias do fórum. O sujeito sinaliza ainda que as leituras que eram feitas junto às discussões, nos fóruns, adentravam o ambiente escolar, provavelmente porque nesses espaços – tanto os fóruns quanto as salas de aula – engendraram-se discussões e debates que levaram os sujeitos a refletirem sobre a temática e os seus reflexos na prática. A fala de Geraldo aponta ainda para outro sujeito: Olívia, supervisora na escola em que trabalhava. Suas lembranças remetem às discussões que essa trazia do ambiente dos fóruns. O sujeito destaca que os fóruns trouxeram uma forma nova de pensar sobre o que era a EJA, como deveria ser e ainda as mudanças da prática pedagógica voltadas às especificidades dos educandos dessa modalidade de educação. Ressalta-se que, por intermédio das falas, percebe-se que para esses sujeitos estavam imbricadas as noções de EJA como educação ao longo da vida e de respeito aos saberes dos educandos. A prática pedagógica, portanto, deveria ser diferente do que é normalmente feito no ensino (tido como) regular. Essas ideias foram, não apenas para Geraldo, mas também para o grupo que participava junto dos debates, disseminadas por meio da participação nos fóruns. 7 Nesse ponto, Geraldo faz referência a um projeto voltado a jovens e adultos trabalhadores em que ele e Hermes trabalhavam como educadores. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 101 Para compreender essa inferência, é importante acompanhar as lembranças do sujeito que, em outro momento de discussão, dá como exemplo o processo de avaliação do trabalho realizado junto/para/pelos educandos à época: A avaliação era diferente, mas porque... [início de fala de Hermes não completada(?)] mas também acho que isso veio também dos estudos...dos fóruns...lá agente é...várias vezes...a gente estudou sobre avaliação. Nesse sentido a avaliação é um conjunto, né? [murmúrio de aprovação de Hermes] (Geraldo). Percebe-se ainda que a própria concepção de avaliação foi repensada. Depois da participação nos fóruns o processo de avaliação passa a ser compreendido como um conjunto, ou seja, levando em consideração todos os aspectos da formação do educando. Reflete-se ainda o modo como a participação nos fóruns é relembrada por Geraldo por meio do verbo que é usado por ele ao se remeter àquele espaço: “lá a gente estudou”. Ao refletir sobre as três possibilidades de definições para essa palavra, no dicionário, duas são significativas aqui. Para Ferreira (1993), estudar é “aplicar a inteligência a, para aprender” e ainda “observar atentamente” (FERREIRA, 1993, p. 234). Nesse sentido, a participação nos fóruns fez com que os sujeitos – nesse caso Geraldo e Hermes, que concorda com a fala do primeiro – aprendessem algo sobre a EJA. Retomando discussão acima sobre a ideia de formação continuada, compreende-se que nesse ponto a ideia de estudar está estreitamente vinculada à noção de formação por meio de cursos em que são desenvolvidas palestras e os ouvintes aprendem sobre algo.Acrescenta-se ainda que estudar a EJA nos fóruns como foi posto por Geraldo, pode se ligar a definição de observar atentamente, nesse caso observar práticas que ocorriam na EJA em outros espaços com outros sujeitos. É nesse sentido que a fala de Cláudio é elucidativa: Teve alguns que eu lembro que a gente fazia muita discussão da prática, né? Prática pedagógica... práticas que estavam acontecendo na EJA na região. Outros a gente discutia a questão do que que é a EJA, né? O significado de EJA... então...a suplência...tentando conter...essa visão de suplência. Então teve muita essa discussão, muitas oficinas, a gente trabalhou com muita oficina. Todos os encontros a gente privilegiava o momento teórico, aí a gente chamava a Analise, chamava o Leôncio, chama... chamava esse povo que a gente tinha contato, mas depois tinha a parte de oficinas, práticas mesmo...dentro da matemática, das ciências humanas, discutir prática de debate, oralidade...então isso em todos os encontros. Então isso em todos os encontros. A gente sempre teve essa preocupação. De ter a parte teórica e de oficina, pro pessoal vivenciar (Cláudio). As lembranças de Cláudio se voltam mais uma vez às discussões sobre a ideia de EJA. Em suas palavras, uma compreensão da modalidade que ultrapassasse a ideia de suplência, ou seja, diferente da ideia de que a EJA deve primar pela diplomação ou ainda pela mera ideia de que o educando deve estar na escola e não ter suas especificidades entendidas e consideradas. Nesse sentido sua fala está bastante ligada às de Geraldo, embora tenham sido proferidas em momentos diferentes da discussão. Por meio de sua fala é importante ainda discutir a dinâmica das plenárias do fórum regional e, de alguma forma, até é possível inferir sobre uma conceituação do que é formação para esse sujeito. As discussões teóricas eram advindas da leitura dos intelectuais que discutem a EJA na Universidade, momentos estes em que o discurso acadêmico adentra e se entrelaça com os dilemas da prática. 102 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Nesse sentido, ainda é possível compreender que a formação e a discussão estão ligadas ao ambiente acadêmico e aos debates que esse espaço engendra. Demonstrando a valorização do saber acadêmico sem, no entanto, depreciar ou negligenciar os saberes, experiências e vivências dos que estavam atuando na sala de aula e cujos saberes são contemplados nas oficinas. A montagem de oficinas favorecia a interlocução de ideias sobre as práticas que eram desenvolvidas pelos educadores das cidades da região e visavam à vivência de uma prática pedagógica diferenciada. A participação nas oficinas é parte das lembranças de Cida, quando relembra que ela foi, a convite de Cláudio, uma das oficineiras: Eu participei das oficinas e teve uma que ele...que o Cláudio me convidou pra...pra...trabalhar com o pessoal sobre a questão da alfabetização, como se dava a alfabetização nos primeiros anos, né? Então foi interessante, foi uma experiência ímpar (Cida Alves). A participação nas oficinas aparece como um momento de aprendizagem tanto como participante quanto como oficineiro e permite a emersão de mais reflexões sobre o caráter de formação desses espaços. As oficinas eram propostas a partir de questões que emergiam da prática pedagógica, remetendo à fala de Cláudio, percebe-se que os temas voltavam-se às diversas áreas de ensino, portanto, buscavam compreender como as especificidades da EJA poderiam ser discutidas e vivenciadas para e na prática. Desse modo, as oficinas ofereciam a oportunidade de discussão e divulgação de práticas inovadoras entre os educadores e mais, por serem os oficineiros educadores também, as oficinas ofereciam espaço para o educador de jovens e adultos expor os saberes de sua prática. Nesse sentido, bem atrelado às novas compreensões de formação continuada para educadores de jovens e adultos, como já foi tratado aqui, as oficinas abriam um espaço para que o educador falasse e fosse ouvido pelos pares, e seu saber e trabalho não era visto como inferior ao que era; na dinâmica do fórum, antes discutido nas palestras dos convidados, considerado dentro como um momento acadêmico. Assim, engendra-se algo bastante raro: os saberes da prática sendo considerados tão valiosos quanto os acadêmicos de EJA. Os fóruns pra mim ficou mais assim... é como aceitar a educação do adulto, essa (?) até EJA não se usava muito não, que ele tem direito. Precisa ter! Resgatar que a prefeitura forneça essa escola. Porque até hoje não tem esse trem ainda, embora fala, mas eu sei que é assim (Hermes). Os fóruns ainda são espaços de compreensão da EJA como um movimento de luta contínua pela educação como direito. É nesse sentido que o caráter político do fórum se vincula ao caráter formativo. As reflexões de Tuckmantel (2002) sobre o caráter educativo do ato de educar são importantes, pois para a autora é impossível negar “o caráter educativo do ato político” (TUCKMANTEL, 2002, p. 33). Na reflexão da autora, considera-se também o ato político como educativo, formativo, dentro também da perspectiva de Freire,8 que chama a atenção para o caráter ideológico do ato formativo (FREIRE, 1996) e da educação como um ato político. Sobre essa questão ver, principalmente: Pedagogia do Oprimido e Educação como prática de liberdade. 8 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 103 A partir dessas metáforas de foco brevemente analisadas aqui, compreende-se os Fóruns de EJA como espaços em que se engendram momentos de reflexão, discussão e convivência que são formativos para o educador. Neles se entrelaçam vários meandros da compreensão do que é formação, seja seu caráter vinculado à noção política ou acadêmica. Dessa forma, os Fóruns de EJA podem ser entendidos como espaços formativos. O FÓRUM EJA – ESPAÇO DE FORMAÇÃO NÃO FORMAL Historicamente, o termo latino forum tem sua origem nas grandes cidades romanas, tratava-se de uma palavra usada para designar o principal local público de encontro. O fórum romano era circundado por outros edifícios, como templos religiosos, espaços comerciais e de administração. Constituído de um grande pátio central pavimentado, era o local onde os encontros (comerciais ou não) dos mais diversos grupos de pessoas aconteciam, dessa forma, era um espaço em que todos (podiam e) frequentavam (FERREIRA, 2008). Segundo Ferreira (2008, p. 56) a noção de forum como espaço de intercâmbio mantém-se ainda hoje, embora esteja ligada a novos contextos. Fala-se de forum para se designar um espaço físico urbano e bem delimitado, mas, sobretudo, para traduzir uma possibilidade de interação, de discussão e de troca. A principal característica que se deve ter com vistas à discussão sobre os Fóruns de EJA é justamente seu caráter plural e de interação. Ao congregar, em um mesmo espaço, agentes envolvidos com a EJA nas mais diversas esferas, o fórum passa a ser um espaço de debate aberto, de integração, de discussão e de trocas. O processo de realização e organização de uma plenária de um Fórum de EJA é bastante complexo e por meio dele é possível compreender em minúcia o caráter de interação e envolvimento que esse espaço congrega. Ao tratar especificamente da dinâmica no Fórum Mineiro, Campos et al. (2007) relatam que as atividades desenvolvidas pelo fórum são definidas por um grupo de pessoas que compõe a Secretaria Executiva. Em cujas reuniões acontecem as articulações que possibilitam a realização das plenárias do Fórum, os encaminhamentos para as reuniões entre os representantes dos Fóruns Estaduais com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), o Ministério da Educação (MEC) e também a realização dos Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA). Os temas e atividades a serem desenvolvidos durante a plenária do Fórum são definidos por uma secretaria, que nada mais é que um grupo de pessoas representantes das mais diversas entidades atuantes na EJA: universidades, sistema “S”, educadores e técnicos da Secretaria Estadual e das Secretarias Municipais de Educação. A esse grupo também cabe a divulgação e a organização do evento em si, além da definição temática e do agendamento de local e horário, o convite e a viabilização da presença de palestrante, as organizações diversas como lanches, os materiais de papelaria, etc. A plenária se inicia com a chamada dos representantes das diversas cidades e espaços que estejam cooperando com as discussões e finaliza-se com uma proposta de tema/atividade de discussão que é novamente encaminhado para a secretaria. Os membros da secretaria têm por missão transformar essa sugestão de tema em outra plenária. Dessa forma, os temas e debates são decididos em conjunto e a secretaria apenas executa. Sobre o papel da secretaria executiva em relação à organização das plenárias dos fóruns, é elucidativa a reflexão de Jane Paiva (2005): 104 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Deve-se entender que os Fóruns não tem “dono”, não são propriedade de nenhuma instituição, mas resultam dos esforços de várias pessoas/entidades que acreditam na ideia e na possibilidade de gestão compartilhada e cooperativa para tomar decisões e propor alternativas. Significa dizer que o poder circula, não é centralizado, não é hierárquico (2005, p. 205, grifo nosso). Os componentes da secretaria, portanto, são tão membros do Fórum e dos debates quanto aqueles que vão às plenárias sem intervir em nenhuma das discussões. O argumento da autora é que ao conceber o poder e o papel de cada um dos membros como horizontal e ainda por ser um espaço de tomar decisões e propor alternativas, permite-se que a democracia seja vivida na sua plenitude, num espaço em que todos têm direito de falar e têm suas opiniões respeitadas igualmente. Campos et al. (2007) seguem apresentando que nesses encontros regulares, as plenárias, acontece a troca de experiências entre as inúmeras iniciativas desenvolvidas no campo da EJA, além de se estabelecerem diálogos frequentes entre as instituições que, de alguma forma, trabalham com essa modalidade de educação. É nesse sentido que se compartilha com os autores a opinião de que o surgimento dos Fóruns criou aos poucos, um movimento nacional com o objetivo de estabelecer uma interlocução com os organismos governamentais a fim de intervir na elaboração de políticas públicas para a EJA. Dessa forma, os Fóruns podem ser definidos como “espaços privilegiados de discussão, intercâmbio e socialização de experiências com o objetivo de contribuir para a formulação de políticas de ação” (CAMPOS et al., 2007, p. 1). Troca de experiências e ideias apenas? Não, os Fóruns são, antes de tudo, espaços democráticos privilegiados de discussão e socialização de experiências. Entretanto, guardam também a possibilidade de intervenção nas políticas públicas. As reflexões dos autores demonstram que nesses espaços engendrou-se ainda um processo bastante rico de interlocução entre a esfera da sociedade civil organizada e o governo. Essa última dimensão está estreitamente associada com sua história. O surgimento dos Fóruns de EJA está intrinsecamente relacionado com o período de transição da política brasileira – mudança do período ditatorial para uma redefinição civil democrática –, ou seja, entre as décadas de 1980 e 1990. É nesse contexto que novas demandas sociais e debates/embates político-ideológicos se apresentam no cenário brasileiro. Silva (2008) esclarece que o surgimento dos Fóruns se deu junto às mobilizações para a preparação da V CONFINTEA.9 Convocados pelo MEC, vários representantes foram mobilizados para as discussões que seriam enviadas à Conferência em nome do Brasil. Ferreira (2008) completa esclarecendo que na ocasião foi montada uma agenda de encontros que reuniria representantes de diversas esferas que tratavam da EJA – entre esses, governos estaduais e municipais, universidades e empresas de iniciativa privada. O autor assinala a ocorrência de dois encontros regionais, um nacional, um latino-americano e finalmente a Conferência Internacional na Alemanha. 9 “A Conferência Internacional de Educação de Adultos (CONFINTEA), promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e realizada a cada doze anos, é o único evento global de educação de adultos. A primeira foi realizada na Dinamarca (1949), e as demais no Canadá (1960), no Japão (1972), na França (1985) e, por último, na Alemanha (1997)” (HADDAD, 2009, p. 358). O contexto assinalado por Silva (2008), então, são os debates para o encontro realizado em Hamburgo, Alemanha, em 1997. Observa-se ainda que em 2009 foi realizada a VI CONFINTEA no Belém do Pará, Brasil. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 105 Di Pierro (2005) relata que esses seminários acirraram as divergências entre os representantes de segmentos sociais e as autoridades federais que adotando uma postura vertical e delegativa fecharam os canais de diálogo. A partir de então o movimento adotou nova postura, baseada na ideia de descentralização “mediante a constituição nos estados de Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, que funcionam como espaços públicos de gestão democrática e controle social das políticas educacionais” (DI PIERRO, 2005, p. 1130). Os fóruns nascem, portanto, como uma iniciativa contra o poder e a imposição de posições pelo governo federal. São uma resposta da sociedade às demandas da EJA e mais um passo pela efetivação ao direito à educação para todos, promulgado na Constituição de 1988. Paiva (2005) acrescenta a concepção de que a reunião informal de pessoas e entidades envolvidas com a EJA surgiu como estratégia para a inclusão do direito à educação para as pessoas adultas e jovens que eram colocadas à margem dos processos de escolarização. A partir das discussões dos encontros de preparação para a V CONFINTEA e do acirramento de tensões entre os grupos, como apontado anteriormente, os Fóruns Estaduais de EJA foram se constituindo, segundo Lima “com motivações diferentes na origem e no percurso de cada movimento local” (2006, p. 51), a começar pelo do Rio de Janeiro em 1997, seguido pelos dos estados de Minas Gerais, da Paraíba e do Rio Grande do Norte no ano 1998. Desde então, os outros estados se articularam e constituíram seus Fóruns. Assumindo ainda o compromisso de articulação dos programas de alfabetização com os níveis mais elevados de escolaridade, os Fóruns promovem a luta pela efetivação do direito constitucional ao Ensino Fundamental gratuito para todos. E mais, adere à perspectiva da educação ao longo da vida e reivindica processos mais longos e ricos de aprendizagem (DI PIERRO, 2005). Assim, os fóruns são lugares não formais de formação de professores numa concepção de educação como um “ato político”. À GUISA DE CONCLUSÃO: OS FÓRUNS DE EJA COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO Por meio dos aspectos políticos envolvidos no processo de formação dos fóruns de EJA e ainda o caráter de mobilização, de militância e de efetiva participação na elaboração de políticas públicas, os fóruns guardam a possibilidade de ser um espaço de formação de professores, seja por meio do acesso às discussões no âmbito acadêmico, seja nos momentos de troca de experiências entre os educadores ou ainda na luta por uma educação de melhor qualidade como a esboçada em torno do último Plano Nacional de Educação (PNE). Ressalta-se ainda que o processo político em si faz parte da formação do educador, acredita-se, como Tuckmantel (2002), que a prática coletiva exige reflexão da situação vivida. E essa reflexão produz um conhecimento da real situação que possibilita a execução de planos e o empenho em sua realização. Nesse sentido, as lembranças dos educadores, emersas no grupo de discussão, permitem considerar os Fóruns de EJA como um espaço-tempo de formação. Processo que vai além da concepção de formação engendrada em cursos, pois conforme nossos dados, discussões, reflexões e embates desse espaço ao mesmo tempo formativo e político, foi possível observar que os sujeitos que participaram ativamente desses espaços se conectaram com as reflexões de outros espaços-tempo, mobilizando reflexões, discussões e conceitos de locais da sala de aula e para além dela. 106 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 92-108, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS ARAÚJO, Lindomar. Projeto Semear: Educação e profissionalização dos agricultores familiares visando ao desenvolvimento sustentável. In: TV Escola, Salto para o Futuro. Educação de Jovens e Adultos no campo. Boletim 15, set. 2006. Disponível em: <http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/172355EJA. pdf>. Acesso em: 5 jan. 2015. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 1, de 5 de julho de 2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000. pdf>. Acesso em: 9 dez. 2014. CAMPOS, Eliete; VENÂNCIO, Ana Rosa; SOARES, Leôncio. Fórum Mineiro De EJA: espaços de (re) leituras da EJA. 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Conceptions of internship and teaching practice Abstract: This article presents conceptions of internship and of teaching practice resulted from the research that aimed to understand what components make up the teaching practice in curricular internship. The empirical material consisted of Internship Reports. The results of the content analysis show that the internship is understood as a suitable space and time for linking theory and practice, while teaching is understood as an experience and an opportunity for building relations with students and elementary school teachers. Keywords: Teacher education; internship; teaching. Agradecemos a FAPERGS pelo apoio financeiro. Uma versão preliminar foi apresentada na AnpedSul 2012, em Caxias do Sul, por Katiane de Almeida Gonçalves e Igor Daniel Martins Pereira. 1 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 109 INTRODUÇÃO O desenvolvimento permanente de pesquisas que envolvem os processos de formação inicial e continuada de professores é necessário especialmente quando reformas curriculares e educacionais estão na agenda. Marli André (2010) adverte que nos últimos anos há uma diminuição gradativa de pesquisas envolvendo programas e/ou cursos de formação inicial ou continuada de professores quando se analisa o foco específico de suas abordagens. A partir dos anos 2000, de acordo com a autora, as pesquisas passaram a ter como foco “o professor, suas opiniões, representações, saberes e práticas, chegando a 53% do total de estudos sobre formação docente em 2007” (ANDRÉ, 2010, p. 176), contrapondo-se aos estudos realizados uma década antes, nos quais o enfoque eram os cursos de formação inicial. De acordo com o estudo realizado por André (2010), em 2007, a porcentagem de pesquisas referentes à formação inicial de professores girava em torno de 18%. A autora justifica o interesse por outras temáticas, em especial, o professor e sua prática, devido ao fato de que cresceu o interesse dos pesquisadores em “conhecer mais e melhor os professores e seu trabalho docente”, sobretudo para “descobrir os caminhos mais efetivos para alcançar um ensino de qualidade, que se reverta numa aprendizagem significativa para os alunos” (ANDRÉ, 2010, p. 176). Pesquisadores do campo da formação de professores têm indicado a ausência de estudos que se ocupem principalmente em entender o estágio como espaço-tempo propício ao processo de aprendizagem da docência e de constituição da profissionalização docente. Silvestre (2008) destaca o pequeno número de estudos que tenham como foco os estágios curriculares supervisionados e, em especial, a ausência de pesquisas sobre este assunto no âmbito da formação inicial de professores para os anos iniciais do ensino fundamental. A autora adverte que a óbvia defesa da importância do estágio por meio de ideias como “contato com a prática”, “iniciação ao ofício”, “aprender pela prática”, “unir teoria e prática” esvaziou o conteúdo desse componente de formação. Sugere que é preciso conduzir pesquisas que busquem compreender o porquê de sua presença nos cursos, sua função na formação profissional de professores e quais modelos de supervisão são mais adequados, para que, por meio de pesquisas, o estágio possa ser ressignificado (SILVESTRE, 2011, p. 167). Calderano (2012) informa que entre 201 teses encontradas, a partir dos descritores “formação docente”, “trabalho docente” e “educação profissional” no banco de teses da Capes, defendidas entre os anos de 1998 a 2009, somente 11 tratavam do estágio curricular no âmbito das licenciaturas. A partir da análise das teses localizadas, a autora afirma que esses estudos e pesquisas descrevem a coexistência de concepções distintas de estágio e, de formas diferentes, os autores indicam que é preciso superar a visão de estágio marcada pela racionalidade técnica e/ou racionalidade prática. De igual forma, os estudos indicam a necessidade de maior articulação entre universidade e escolas-campo-de-estágio e entre os saberes dos professores envolvidos como condição para superar os isolacionismos encontrados (CALDERANO, 2012, p. 147). Identificada a presença ou a ausência de determinados estudos nesse campo, entendemos como relevante conduzir pesquisas que se ocupem com a dimensão formativa do estágio curricular. Sustentamos que é preciso investigar os processos de formação de professores em contexto de estágio verificando que aprendizagens são favorecidas por meio da ação docente conduzida por professores supervisores da academia e 110 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br da escola, em sua relação com os acadêmicos, futuros professores. Para isso, consideramos que é preciso valorizar abordagens que contemplem os processos formativos em sua complexidade, avaliando fatores e condições favoráveis ou não à formação do professor e à qualificação da sua ação docente. O tempo e as condições reservadas à aprendizagem da docência (MIZUKAMI et al., 2002), principalmente aquelas que envolvem o acadêmico durante o período de estágio supervisionado, constituem-se desafios para as instituições formadoras de professores, especialmente porque não raras vezes o número de professores envolvidos com a supervisão de estágio é pequeno, o que fragiliza a qualidade da orientação. O estágio curricular se constitui numa primeira forma de docência mais sistemática e contínua. Entretanto, o pouco tempo e as condições de inserção e orientação do acadêmico em estágio nem sempre favorecem espaços e oportunidades significativas para a aprendizagem da docência de forma a garantir processos de reflexão ancorados na dimensão teórica. José Contreras (2002) adverte sobre o perigo e o limite que a racionalidade prática produz nessas situações porque a reflexão desenvolvida no contexto de atuação nem sempre alcança/revela algum conteúdo pelo simples fato de o professor pensar sobre suas práticas profissionais. Nesse momento, entendemos que a participação dos professores supervisores de estágio poderá incidir qualitativamente no sentido de produzir meios de adensamento teórico, definindo o campo de reflexão e os seus limites, o que produziria condições para o acadêmico reconstruir concepções e práticas pedagógicas, ancoradas na compreensão teórica, observando quais são os aspectos que condicionam a prática profissional e a própria produção de conhecimento na sociedade e no espaço escolar. Pesquisas e avaliações (BROOKE; SOARES, 2008; TORRES, 2001) no campo educacional cada vez mais revelam e apostam na centralidade da ação docente como um dos fatores de melhoria da aprendizagem e como condição para a permanência e o sucesso da criança e do jovem na escola. Por essa razão, evidenciar e entender os elementos que constituem a ação docente do professor-formador e do acadêmico em estágio curricular torna-se necessário porque ainda é preciso investir sistematicamente na definição de estratégias que permitam qualificar o processo de formação e aprendizado da docência realizado pelo acadêmico durante o curso de formação. Diante dessas considerações iniciais, este artigo apresenta e discute dados decorrentes de pesquisa que teve como objetivo compreender quais são os componentes didático-metodológicos que formam a ação docente do acadêmico em estágio, verificando suas concepções de estágio. Na sequência, apresentamos a metodologia de pesquisa e os resultados da análise realizada do material coletado junto aos estagiários de um dos cursos participantes da pesquisa. PRODUÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS DE PESQUISA A geração dos dados de pesquisa foi feita por meio da produção e análise de conteúdo de Relatórios de Estágio. O Relatório de Estágio reúne diferentes informações e documentos, tais como: texto de caracterização da escola e da turma de estágio, plano de ensino, planos de aula, instrumentos de avaliação, materiais e recursos didáticos, descrições reflexivas sobre as atividades realizadas. Os Relatórios de Estágio analisados foram escritos pelos acadêmicos que cursavam o Estágio Supervisionado IV, do Curso de Ciências Biológicas da instituição investigada. Nesse estágio, realizam-se as atividades de regência Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 111 de classe no ensino médio. A orientação e a supervisão do estágio eram realizadas de forma conjunta entre uma professora da Faculdade de Educação e uma professora do Instituto de Ciências Biológicas da instituição pesquisada. O estágio tinha duração de 102 horas semestrais. Destas, 40 horas eram destinadas à prática de regência de classe, 30 horas para as tarefas de planejamento e registro e 32 horas para as atividades de orientação de estágio, que eram feitas de forma coletiva e individual, realizados com as professoras supervisoras da universidade. Para produzir um conjunto significativo de texto reflexivo sobre o processo vivido, a mobilização dos estagiários foi conduzida a partir da solicitação de que sua escrita deveria contemplar descrições envolvendo as situações de ensino e aprendizagem experimentadas com os estudantes da turma do ensino médio na qual desenvolviam as atividades de docência, a indicação dos sentimentos e experiências docentes construídas, as articulações e referências aos aportes teóricos e conceituais estudados ao longo do curso. Sugerimos que a escrita deveria exercitar um olhar descritivo e crítico sobre as aulas desenvolvidas e que os registros fossem feitos em diário a fim de subsidiar a organização do Relatório de Estágio. O convite feito a cada estagiário foi o de lançar-se ao movimento da escrita contínua sobre o que fazia e via na escola, exercitando reflexões e articulações teóricas. Essas orientações foram feitas pela equipe de pesquisadores em encontro organizado para tal fim, realizado no início do semestre em que o estágio supervisionado ocorreria, com a presença das professoras supervisoras da universidade. A proposição para a escrita do diário foi ancorada nas ideias de Werle e Nörnberg (2006, p. 10). O registro em diário, além de possibilitar elementos para entender o que se passa e ocorre no cotidiano da sala de aula, permite uma reflexão sobre o próprio registro, especialmente quando se considera que há dois tipos de anotações: “a anotação descritiva – quando o professor faz a descrição dos comportamentos, atitudes, tal como eles se oferecem à sua observação –, e a anotação reflexiva – quando o professor faz uma pausa para refletir sobre o que observou, o que fizeram com a sua aula e o que ele fez com o que fizeram com ela”. Ao final do período de estágio, com base nos registros feitos em seu diário, cada acadêmico organizou seu Relatório de Estágio. A análise de conteúdo foi o método de apreciação dos relatórios, cujo processo foi amparado pelos estudos de Roque Moraes (1999). Foi realizada a análise de 11 relatórios, o que correspondeu a 45% do total de acadêmicos em estágio. Para preservar a identidade dos acadêmicos, atribuiu-se, aleatoriamente, a cada relatório, uma letra do alfabeto. Após leitura flutuante, foram marcados e retirados fragmentos que apresentavam aspectos relacionados aos temas em investigação – concepções de estágio, características da ação docente e aprendizagens favorecidas e/ou ampliadas – e que possuíam uma descrição entendida como “ato mais pedagógico” porque evidenciavam as aprendizagens, as práticas de ensino conduzidas e as relações estabelecidas pelo estagiário com a classe de estágio e a equipe de professores da escola e de supervisoras da universidade. Os fragmentos extraídos dos relatórios foram compilados num novo texto, denominado documento-fonte, para aprofundamento e realização da análise de conteúdo propriamente dita. Após nova leitura do documento-fonte, realizou-se o processo de categorização que, segundo Moraes (1999), é um procedimento que consiste em agrupar dados considerando a parte comum existente entre eles. Classifica-se 112 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br por semelhança ou analogia, segundo critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo. No caso dessa análise, os critérios que definiram as categorias foram estabelecidos a priori. No campo conceitual, o apoio teórico foi buscado em Selma Pimenta (1999) para definir a expressão “ato mais pedagógico” como decorrente do processo de reinventar os saberes pedagógicos a partir de uma prática que ocorre na escola, meio social onde o professor também aprende a ensinar e a construir sua ação docente. Amparados nos estudos de Edgar Morin (1999), trabalhamos com a compreensão da não fragmentação do conhecimento e com a importância do pensamento interdisciplinar para compreender a relação teoria e prática e a articulação informação e conhecimento por meio de práticas de ensino contextualizadas. Igualmente, recorremos a Jorge Larrosa (2002) quando fala do ato de experienciar como experiência verdadeira que nos passa e deixa alguma marca para compreender as aprendizagens favorecidas e/ou ampliadas durante o estágio. Foi possível perceber que, a maioria, se não todos, dos acadêmicos escreveu de forma reflexiva sobre a ação docente e as concepções de estágio. A escrita extraída dos Relatórios de Estágio mostra o exercício dos acadêmicos em articular situações vividas com conceitos teóricos que lhes permitiram ampliar, compreender, problematizar o que experimentaram durante o estágio, exercitando, inclusive, um olhar crítico sobre sua ação docente e a conduzida pelos professores da escola-campo-de-estágio. O olhar crítico evidenciado na escrita de vários estagiários mostra a prática da leitura “crítica”, defendida por Freire (1981), que deve preceder a leitura da palavra escrita, o que exige a compreensão do texto, que, quando alcançada pela leitura crítica, amplia a percepção das relações entre texto e contexto. Nesse processo, não raras vezes os estagiários teceram críticas às formas de gestão da escola e de organização das salas de aula, à postura e atitude dos alunos e dos próprios colegas docentes, especialmente no que se refere às atividades de planejamento (ausência) e à falta de orientação por parte da direção em relação aos processos de funcionamento e organização das atividades letivas (calendário escolar, horário de início e término das aulas). Alguns estagiários também teceram críticas relacionadas à estrutura física das escolas (laboratórios inexistentes ou precários, classes danificadas, bibliotecas fechadas) e às condições inadequadas de trabalho e remuneração dos professores. Em alguns registros foi possível localizar articulações e referências a autores ou estudos do campo das políticas educacionais e curriculares para sustentar suas críticas e análises sobre a escola. Na próxima seção, apresentamos a análise dos dados evidenciando as concepções de estágio dos acadêmicos do Curso de Ciências Biológicas, as características da ação docente e, por fim, as aprendizagens favorecidas e/ou ampliadas durante a experiência de estágio curricular. CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO, AÇÃO DOCENTE E APRENDIZAGENS Seguindo as orientações de Roque Moraes (1999), na forma de análise direta, ou seja, quando se escreve explicitamente sobre a temática em foco, foi delineada a categoria 1: “Vinculação teoria e prática” para as concepções de estágio; a categoria 2: “Experiência, criticidade, responsabilidade e investigação” como características da ação docente; e a categoria 3: “Relação e novas experiências com a escola e os alunos” explicitou as aprendizagens favorecidas e/ou ampliadas durante o estágio. Na forma de análise indireta, isto é, quando se escreve implicitamente sobre as temáticas propostas, foi identificada uma categoria Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 113 que evidencia o estágio como lugar da “crítica ao ato de ensinar e estar na escola”. Entre as categorias inferidas de forma direta, selecionamos excertos na forma de frases-chave para ilustrar o conteúdo de cada uma das categorias, apresentados na Tab. 1. TABELA 1 – CONCEPÇÕES DE ESTÁGIO, AÇÃO DOCENTE E APRENDIZAGENS Categoria Excertos selecionados Vincular aspectos teóricos e aspectos práticos. (Estagiário A) Colocar em prática muitas teorias e aprendizagens construídas durante a graduação. (Estagiário E) 1 – Vinculação Teoria e Prática Oportunizar o exercício da prática de uma teoria que estudamos ao longo de cinco anos. (Estagiário I) Colocamos à prova as experiências do percurso acadêmico. (Estagiário J) Aproximação do meio acadêmico com a práxis pedagógica. (Estagiário K) Postura não só crítica, mas também reflexiva de nossa prática. (Estagiário A) Experiências que serão mais bem refletidas para a nossa futura docência efetiva. (Estagiário B) 2 – Experiência, criticidade, responsabilidade e investigação Consciência da responsabilidade que é ser professor para poder realizar um bom trabalho. (Estagiário E) A capacidade de percepção, observação e reflexão deve ser inerente ao professor. (Estagiário F) É nesta hora que todos os anseios, medos e expectativas são postos a nossa própria provação. (Estagiário J) Adequação da formação com/na escola e universidade. (Estagiário A) Abordar e investigar alguns temas como, por exemplo, a relação professor-aluno, professorprofessor, professor-comunidade. Aprendi muitas coisas com os alunos. (Estagiário D) Abertura a novas experiências. (Estagiário E) 3 – Relação e novas experiências com a escola e os alunos Experimentar novas experiências. (Estagiário F) Eu estava de forma mais participativa, assim como meu envolvimento com os alunos foi bem maior. (Estagiário H) Necessidade de mais contatos com os alunos; conhecer determinados comportamentos; refletir sobre determinadas situações. (Estagiário I) Os cursos deveriam deixar de lado o “como a escola deveria ser” e trazer para a discussão “como a escola é e o que pode ser feito para que a mudança ocorra”. (Estagiário K) Fonte: Documento-fonte dos Relatórios de Estágio Supervisionado IV, 2011. A análise comparativa e interpretativa do conjunto de relatórios mostra que nos excertos do Relatório do estagiário G não há referência às categorias inferidas diretamente; apenas foram inferidos elementos sobre sua concepção de estágio na forma indireta, que contemplam aspectos relacionados ao que os demais colegas escrevem, como espaço de relação com os diferentes sujeitos da escola: “Na fase de observação tive a oportunidade de conversar com direção, professores e funcionários sobre a escola e sobre a educação [...]” (Estagiário G, 2011, p. 6). 114 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br A categoria “vinculação teoria e prática” reúne ideias que mostram o quanto se faz necessário, para os estagiários, o construir, na prática, um conhecimento que foi armado teoricamente durante a formação inicial. Entender a prática enquanto práxis é assumir a indissolubilidade entre a teoria e a prática. Ou seja, significa compreender que, na mesma atividade, coexistem as dimensões teórica e prática da realidade na qual o professor edifica a sua identidade a partir de um movimento de alternância, que se constrói entre o saber e o saber fazer, entre a situação de formação e a situação de trabalho (TARDIF, 2002; PIMENTA, 1999). Por muito tempo a teoria foi vista de forma desarticulada da prática e o estágio foi interpretado como uma atividade independente, realizada em outro contexto que não o da formação acadêmica e, em geral, nas últimas etapas do curso para o cumprimento obrigatório de algumas horas que o habilitariam para o exercício profissional. Era comum entender o tempo de estágio não como espaço de formação, mas como de testagem da capacidade de exercitar a profissão, restringindo sua dimensão pedagógica e reiterando apenas sua dimensão certificativa. A formação cujo processo dicotomiza a relação teoria e prática reforça, nos futuros professores, a ideia de docência em que prevalece a cisão entre teoria e prática. Diversos fatores são ignorados ou silenciados, tanto pelos professores formadores quanto pelas instituições formadoras, bem como pelos professores que já atuam nas escolas de educação básica. Por isso, segundo Vieira (2005, p. 20), uma das formas de trabalhar com tais fatores muitas vezes silenciados e ignorados, como é o caso da dificuldade de realizar o adensamento teórico, seria torná-los visíveis, “fazendo deles objeto de reflexão e abrindo a discussão às questões do valor da pedagogia da formação”. Para Pimenta (1999), a educação escolar está assentada fundamentalmente no trabalho dos professores e dos alunos, cuja finalidade é contribuir para o processo de humanização de ambos pelo trabalho coletivo e interdisciplinar destes com o conhecimento, numa perspectiva de inserção social crítica e transformadora. Para que essa transformação ocorra, a junção entre conhecimento teórico e prático na sala de aula da educação básica é necessária. Para isso, é preciso que o estagiário reconheça que, para a aprendizagem da docência e do tornar-se professor, a dimensão do tempo é fundamental porque seu processo formativo acontece desde a infância por meio das suas experiências familiares e comunitárias, e continua na escola e na universidade, onde participa de processos de formação docente, e na própria sala de aula, onde atua como professor. É corrente no campo da formação de professores que os conhecimentos são adquiridos durante a trajetória de vida, ampliados no período de formação acadêmica e aprimorados, diariamente, pelo exercício profissional da ação docente e da participação em situações de formação continuada. Entretanto, se os professores que atuam como supervisores de estágios, tanto os das escolas como os da instituição de formação, não auxiliarem os acadêmicos-estagiários a tomarem ciência de que a ação docente em sala de aula articula elementos da trajetória acadêmico-profissional e da vida pessoal, e que, além disso, eles encontrarão vários desafios do cotidiano educativo como, por exemplo, situações de fracasso escolar, de exclusão educativa e social, de deficiências intelectuais, de falta de professores e de recursos didáticos, é bem provável que os estagiários apenas reproduzirão o que aprenderam em suas escolas, deixando de lado os conhecimentos científico-culturais e pedagógicos construídos na academia durante a formação inicial. Maurice Tardif (2002), em sua obra Saberes docentes e formação profissional, indica sínteses de pesquisas que tratam dos conhecimentos, crenças e predisposições dos alunos-professores encontradas por ele em pesquisas desenvolvidas por Borko e Putnam (1996), Calderhead (1996), Carter e Anders (1996), entre outros. Esses autores evidenciam o fato de que as crenças dos professores que se encontram Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 115 em formação inicial remetem a esquemas de ação e de interpretação implícitos, estáveis e resistentes através do tempo. Há a hipótese de que são esses esquemas que dão origem à rotinização do ensino na medida em que tendem a reproduzir os comportamentos e as atitudes que constituem a essência do papel institucionalizado do professor. A análise de entrevistas realizadas por Holt-Reynolds (1992 apud TARDIF, 2002) mostra a visão tradicionalista do ensino que tem raízes na história escolar dos futuros professores, os quais entendem o ensino a partir de sua própria experiência de aluno no nível secundário. Os alunos falam ter aprendido através de aulas expositivas, as quais o professor apresentava a matéria de uma forma que despertava e mantinha o interesse dos alunos. Fora isso, eles julgavam, sempre a partir de suas experiências como estudantes, que seus futuros alunos seriam incapazes de compreender os livros didáticos ou os textos por si mesmos. Apoiado em Raymond (1993 apud TARDIF, 2002), o pesquisador explica que esses esquemas de ação e essas teorias atributivas são, em grande parte, implícitos, fortemente impregnados de afetos e percebidos pelos jovens professores como certezas profundas. Tardif, Lessard e Lahaye (1991) também mostram que os professores-estudantes resistem ao exame crítico durante a formação inicial, algo que perdura muito além dos primeiros anos de atividade docente. Quando realizamos uma análise buscando verificar se os escritos dos estagiários se inseriam em mais de uma das temáticas em estudo percebemos que, nos excertos dos estagiários B, D, F, J e K, havia elementos vinculados a, no máximo, duas categorias inferidas. Apenas os excertos do Estagiário A se inseriam em todas as categorias. A análise de texto mostra que esse acadêmico entende a “relação teoria e prática” como ação de vincular, o que, segundo ele, exige a não fragmentação entre conhecimento teórico e prático: “O estágio supervisionado teve o objetivo de observar e aplicar os conhecimentos adquiridos nas disciplinas estudadas, bem como confrontá-los com a prática pedagógica propriamente dita [...]” (Estagiário A, 2011, p. 3). O grau de importância atribuído à prática pedagógica e aos conhecimentos adquiridos durante o curso, específicos da área da Biologia ou do campo pedagógico propriamente dito, foram notadamente evidentes pelo volume de aporte teórico apresentado em seu relatório. Suas ideias e observações sobre a prática conduzida durante o estágio eram referenciados por conceitos e autores das duas áreas, expressando relações entre conhecimentos da área específica e do campo pedagógico. Outro acadêmico que contemplou em seus escritos aspectos relacionados às três categorias foi o Estagiário E. Anotações descritivas relacionadas à categoria 3 se destacaram: “[...] o estágio também é um momento de nos colocarmos abertos a novas experiências e aprendermos com nossos colegas de profissão, mas defendo que nós, estagiários, devemos e temos que defender nossos ideais e caminhos enquanto aprendizes da futura profissão, mesmo dentro do espaço em que está se estabelecendo os estágios e mesmo que isso venha causar inquietações em alguns professores” (Estagiário E, 2011, p. 6). Um aspecto a ressaltar em sua anotação refere-se ao espaço a ser construído e estabelecido pelo estagiário dentro da escola. É plausível sua colocação de que esse espaço deve ser conquistado e não imposto porque, mesmo sendo o estagiário “a cabeça nova” (Estagiário E, 2011, p. 6), que possui conhecimento e informações atuais e construídas no espaço acadêmico, também poderá aprender com a prática dos professores em exercício na escola básica. Os excertos do Relatório do Estagiário I tratam da questão do estagiário ver-se como professor no exercício da prática, ou seja, abordam sobre o movimento de ir constituindo-se como professor durante os estágios, no contato com professores e estudantes. Como bem nos lembra Pimenta (1999, p. 20), “o desafio, então, 116 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br postos aos cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de passagem dos alunos no seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como professor. Isto é, de construir a sua identidade de professor”. A construção da identidade de professor ocorre por meio das experiências vividas no estágio, do processo de reflexão e relações estabelecidas com os estudantes. Esses aspectos estão presentes na escrita do Estagiário I: “[...] como aluno do nono semestre do curso de biologia, sinto a necessidade de mais contatos com os alunos, contatos esses que me possibilitem passar por mais situações diferenciadas como as que passei nesse período de estágio supervisionado IV” (Estagiário I, 2011, p 22). Corroborando questões que observam a importância do estágio de docência, Felício e Oliveira (2008) consideram “a necessidade de privilegiar, também, a dimensão prática nos cursos de formação de professores, entendendo que o Estágio Curricular, se bem fundamentado, estruturado e orientado, configura-se como um momento de relevante importância no processo de formação prática dos futuros professores”. Azevedo e Andrade (2011) referem-se ao estágio como tempo de aprendizado marcado pelo período de transição e pela tarefa e/ou fase de aprender algo, uma profissão. O estágio contribui para o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes de aprendizagem no ambiente profissional. As autoras também afirmam que os professores formadores, responsáveis pelos estágios, desempenham um papel formativo fundamental, pois podem gerar a qualificação do trabalho dos estagiários, futuros professores, mediante interação real e colaborativa. Azevedo e Andrade (2011, p. 152) propõem a supervisão como processo de ensino e aprendizagem, perpassando dois mundos: o mundo relativo aos processos de ensino e aprendizagem, onde ocorre a relação entre professor formador e estagiário; e o mundo relacionado aos processos de ensino e aprendizagem que ocorre entre o estagiário e os seus alunos. Nesse contexto, percebemos que os professores formadores, orientadores de estágio, são extremamente importantes, porque a atividade de supervisão, quando embasada numa relação entre “supervisor e supervisado” (entendida como espaço de ajuda, orientação e colaboração, num clima relacional positivo, e pautada num trabalho metodológico variado, decorrente de uma série de atividades que venha ao encontro das necessidades dos estagiários, por meio de um procedimento avaliativo permanente e global), favorece condições para o desenvolvimento da profissionalidade docente. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 117 Os excertos aqui analisados corroboram tais perspectivas evidenciadas nos estudos referenciados. Mostram que, para os estagiários participantes da pesquisa, o estágio também foi entendido como espaço-tempo em que, por meio das relações que se estabelecem com os estudantes, com os professores da escola e com os professores-supervisores da universidade, aprende-se a vinculação teoria e prática. Evidenciam que o exercício de constituir-se professor ocorre mediante o desempenhar a ação docente, em contexto da sala de aula, com os estudantes e professores da escola básica. ANOTAÇÕES FINAIS Nota-se, nos excertos de Relatórios de Estágio analisados, a importância dada para as experiências vividas com os estudantes, em sala de aula, para o processo de aprendizagem da docência. Os acadêmicos reconhecem e afirmam o estágio como espaço-tempo em que se intensificam a vinculação teoria e prática e a relação com os estudantes. Entretanto, não fica explicitado se isso se refere também aos aspectos pedagógicos ou se limita apenas ao ensino de um conhecimento específico, como determinado conteúdo da área de Ciências Biológicas. Embora o estágio tenha sido reconhecido pelos acadêmicos como um tempo de experiências intensas, observa-se, nos relatórios, certa ausência de anotações sobre a forma como aconteceu a interlocução com os professores supervisores de estágio, da Universidade e da Escola, durante o período de estágio. Com base nos resultados de análise do material coletado, os professores formadores e os professores da escola foram pouco referidos como parceiros ou como interlocutores centrais no processo de aprendizagem da ação docente. O estágio é o momento em que o acadêmico se depara com situações distintas das que viveu como estudante na educação básica; é o espaço-tempo do aproximar-se da realidade escolar, experimentando certa ansiedade, especialmente ao querer desenvolver e explorar situações didáticas com os estudantes, envolvendo o conhecimento adquirido na universidade. Além disso, de forma sistemática, o acadêmico insere-se no universo da burocracia pedagógica que organiza os processos educacionais, como os diários de classe, os pareceres avaliativos, as reuniões com pais, a elaboração dos planos de ensino, o que geralmente demanda energia e tempo de preparação e trabalho docente. 118 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 109-120, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br No contexto do estágio supervisionado, entendemos que o professor supervisor da instituição de ensino superior e o professor supervisor da escola possuem aportes teórico-práticos importantes para problematizar com os acadêmicos suas concepções sobre o que significa ser professor e ensinar em determinado contexto sociocultural em que as formas de estudar e de aprender das crianças e jovens que frequentam as escolas são distintas e peculiares. Intensificar o apoio por meio das ações de supervisão a fim de problematizar e compreender as dimensões que envolvem a ação docente na escola parece continuar sendo o desafio e, ao mesmo tempo, uma das alternativas que as pesquisas conduzidas sobre a formação de professores em contexto de estágio têm apontado. REFERÊNCIAS ANDRÉ, M. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Revista Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010. AZEVEDO, M. A. 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Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br ARTIGOS A RELAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO DO PROFESSOR E A IDENTIDADE DO ENSINO RELIGIOSO Sérgio Rogério Azevedo Junqueira1 – PUCPR Edile Maria Fracaro Rodrigues2 – PUCPR RESUMO: A presença do Ensino Religioso no currículo escolar tem sido atribulada. Daí a importância de se conhecer a história do Ensino Religioso como componente curricular e compreender o processo de formação e profissionalização dos docentes. Inicialmente, o artigo aponta aspectos da formação dos profissionais da educação e sua identidade docente para traçar um paralelo com a formação do professor de Ensino Religioso. Apresenta pesquisas do tipo “estado da arte”, que compreendem o período entre 1995 e 2010 em relação à oferta de cursos de formação e produção científica. As pesquisas no campo da formação de professores para o Ensino Religioso no cenário brasileiro discutem com maior ênfase a formação continuada. Percebe-se a ausência de uma reflexão sistematizada para verificação da atuação do egresso junto à prática pedagógica. Contudo, fica evidente que o Ensino Religioso se configura como uma área de estudos e comunidade de cientistas que se empenha na pesquisa e na extensão. PALAVRAS-CHAVE: Formação Docente; Ensino Religioso; Perfil Pedagógico. The relationship between teacher’s training and their Religious Education identity Abstract: The presence of Religious Education in the school curriculum has been problematic, which shows the importance of knowing the history of religious education as a curricular component and of understanding the process of teachers’ training and professionalization. The article starts by indicating some aspects of the Education professionals’ training and identity as teachers in order to draw a parallel with teachers training in Religious Education. It presents state of the art of research, in the period between 1995 and 2010 concerning the offer of training courses and scientific production. The research in the field of Religious Education teacher training in the Brazilian scenario focuses on continuing education. The absence of a systematic reflection to verify the performance of graduates as for teaching practices can be observed. However, it is clear that Religious Education is considered as an area of study and community of scientists that is devoted to research and extension. Keywords: Teacher training; Religious Education; teaching profile. Livre-docente e pós-doutor em Ciências da Religião. Professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR/PR. Líder do Grupo de Pesquisa Educação e Religião (GPER – www.gper.com.br). 1 Doutoranda em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR/PR. Mestra em Educação. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR/PR. Membro do Grupo de Pesquisa Educação e Religião (GPER – www.gper.com.br). 2 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 121 INTRODUÇÃO A formação dos profissionais da educação é uma temática discutida de várias formas e com vários objetivos pela literatura educacional. Esse tema tem se constituído em debates, legislação, políticas públicas educacionais e de planos de cargos e carreiras. Isso é positivo para o processo de construção da identidade docente. Em 2009, o Ministério de Educação organizou uma consulta pública para contribuir com a avaliação, a regulação e a supervisão dos cursos de graduação (bacharelado e licenciatura), com desdobramentos para a mobilidade e a empregabilidade dos egressos desses cursos. A proposta visava à organização das ofertas de cursos superiores, uniformizando denominações para conteúdos e perfis similares, de modo a produzir convergências que facilitassem a compreensão por todos os segmentos interessados na formação superior, sem inibir possibilidades de contemplar especificidades de demandas por regiões ou setores laborais do país. Tal intento teve como objetivo rever os Referenciais dos Cursos que são os descritivos, o perfil do profissional formado, os temas abordados durante a formação, as áreas em que o profissional poderá atuar e a infraestrutura necessária para a implantação dos cursos de graduação. No caso da formação de professores, esses fatores têm implicação direta na identidade dos professores. Para Tardif (2002, p. 107): [...] é impossível compreender a questão da identidade dos professores sem inseri-la imediatamente na história dos próprios atores, de suas ações, projetos e desenvolvimento pessoal. Nossas análises indicam que a socialização e a carreira dos professores não são somente o desenrolar de uma série de acontecimentos objetivos. Ao contrário, sua trajetória social e profissional ocasiona-lhes custos existenciais (formação profissional, inserção na profissão, choque com a realidade, aprendizagem na prática, descobertas de seus limites, negociação com os outros etc.) e é graças aos seus recursos pessoais que podem encarar esses custos e assumi-los. Ora, é claro que esse processo modela a identidade pessoal e profissional deles, e é vivendo-o por dentro, por assim dizer, que podem tornar-se professores e considerarem-se como tais aos seus próprios olhos. Entretanto, como cada indivíduo se apropria do sentido de sua própria história pessoal e profissional, isso se torna um processo complexo. Há a necessidade de acomodar inovações, assimilar mudanças e aceitar realidades do cotidiano que podem interferir na construção diária dessa identidade. E, talvez, o ritmo veloz das transformações do mundo contemporâneo e a dificuldade do docente em acompanhar tais transformações sejam fatores para a desestruturação da identidade profissional docente. Os avanços no campo do conhecimento centram-se na tecnologia e esse avanço nem sempre é prioritário para os que atuam no cotidiano escolar. Além dessa inserção tecnológica, também estamos envolvidos num processo de globalização em que as exigências de aperfeiçoamento também vêm de forma globalizada, em uma visão qualitativa. Entre aquilo que se espera do profissional do terceiro milênio, é possível mencionar a requalificação dos professores que exercem efetivamente a função docente, a formação em cursos regulares de forma continuada, e a instrumentalização do professor para atuação mais tecnológica, exigindo um profissional extremamente qualificado para o exercício de sua função. E essa visão de aperfeiçoamento vai ao encontro da melhor qualificação do docente, construindo a figura do professor com produção acadêmica, pesquisador e criativo. Assim, além da busca de ações que confirme o seu espaço, que identifique sua profissão e suas ações pedagógicas, ele pode analisar sua 122 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br prática à luz das teorias existentes para construir as novas teorias, deixando de ser considerado apenas um repetidor de conceitos já estruturados. Também há que se considerar o caminho da coletividade na construção da identidade docente. A identidade pressupõe o relacionamento docente com os seus pares nas escolas, nos sindicatos e nos agrupamentos de classes, sendo um indivíduo atuante e defensor de suas ideias. E aqui, novamente, é possível sentir uma das fragilidades que os docentes têm de se identificarem como classe, pela dificuldade encontrada em estabelecer raízes nas instituições onde atuam devido à constante troca de local de trabalho. Pela necessidade de compor a renda familiar, a carga horária distribuída em várias unidades de ensino fica fragmentada. Com isso, a reflexão crítica comum ao espaço social sobre as práticas pedagógicas com o intuito de construir e reconstruir coletivamente sua identidade fica sem corporativismo ou cooperação coletiva, deixando de ser partícipe de um contingente de pessoas com as mesmas lutas e necessidades e que buscam os mesmos espaços e reconhecimentos. Para Imbernón (2009), os novos valores e atitudes dos cidadãos requerem diferenciadas competências profissionais dos professores, pois tais mudanças na maneira de conceber o conhecimento alteram a prática e a formação docente. Assim, além da formação inicial, exige-se uma proposta de formação permanente, considerando atualização de aspectos técnicas, de planejamento, programação, objetivos, avaliação constantemente para adequar as contínuas reformas que a sociedade exige dos formadores. Essa formação deve ser vista a partir de uma perspectiva que considere o que aprendemos e o que nos falta aprender. Independentemente do nível de formação, a ação do professor só se concretiza no processo de ensino-aprendizagem direcionado para uma dinâmica envolvendo a cognição e a relação entre sujeitos. Esses saberes constituem ao longo do processo de escolarização, no curso de formação e na prática profissional. E são decorrentes do enfrentamento dos problemas da prática, envolvendo a relato dos professores com o conhecimento a ser ensinado, portanto, são os saberes da experiência, os saberes pedagógicos e específicos, são os saberes das lutas cotidianas (ROMANOWSKI, 2006). Romanowski (2009) aponta ainda a importância da observação do contexto da sala, dos alunos em relação à diversidade cultural, respeitando suas diferenças, bem como do investimento na atualização científica, pedagógica e cultural. Ou seja, é preciso estar permanentemente em formação, tendo uma perspectiva afetiva no exercício da docência, considerando a ética na sua atuação, e também procurar desenvolvê-la junto aos alunos, com a utilização das novas tecnologias da comunicação e da informação, refletindo sobre seu emprego e as possibilidades na melhoria das aulas. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ENSINO RELIGIOSO A reflexão sobre a formação do professor de Ensino Religioso apresenta um desafio ainda maior. A partir do que já foi apresentado sobre a identidade docente, o que dizer sobre a identidade do professor de Ensino Religioso diante da formação que ainda está se constituindo? Acrescenta-se a isso a discussão sobre a necessidade do Ensino Religioso na escola. A discussão sobre o Ensino Religioso não se dá apenas no Brasil. Teixeira (2006)3 se reporta a uma proposta em estudo interessante realizado na França por Regis Debray, em fevereiro 2002. A preocupação de Em entrevista à Revista Último Andar, Cadernos de pesquisa em Ciências da Religião/Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião, PUC-SP. 15. ed. São Paulo: EDUC, 2006. 3 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 123 Debray é a passagem de uma laicidade de incompetência (que se desinteressa radicalmente pelo fenômeno religioso) para uma laicidade de inteligência (que indica o dever de compreender esse fenômeno). A ausência da cultura religiosa dos estudantes das escolas públicas francesas, decorrente da ruptura dos canais de transmissão da memória religiosa na tradição secular francesa, estaria tendo repercussões muito negativas para a formação do estudante e para sua compreensão de fenômenos históricos e culturais. Por constituir “parte integrante da formação básica do cidadão” (BRASIL, 1996), a ênfase do Ensino Religioso está na formação cidadã do ser humano, promovendo o diálogo intercultural e inter-religioso para que seja garantido o respeito à identidade e à alteridade. O Ensino Religioso no espaço escolar objetiva produzir conhecimentos sobre a dimensão social e aos poucos vai tomando o seu espaço para desempenhar a sua função de forma pedagogicamente adequada às urgências e às necessidades da sociedade brasileira. O conhecimento religioso enquanto patrimônio da humanidade necessita estar à disposição na escola e promover aos educandos oportunidades de se tornarem capazes de entender os movimentos específicos das diversas culturas, cujo substantivo religioso colabora no aprofundamento para a autêntica cidadania. Considerar todos esses aspectos possibilitará múltiplas relações e interações entre os conhecimentos dos educandos, os conhecimentos religiosos dos seus colegas e aqueles apresentados pela escola, estabelecendo um contínuo processo de observação e reflexão, não somente por parte dos educandos, mas também do professor. Santos (2000) enfatiza a necessidade de se congregar no mesmo campo cognitivo: discurso científico, político, estético, religioso. O desafio, portanto, é promover o diálogo desses conhecimentos para a construção de um saber emancipatório, uma educação que considere a comunicação, a subjetividade, as reflexões, as ações, as observações, as impressões, as irritações, os sentimentos e também a fé. O Ensino Religioso como componente curricular e fundamentado numa releitura religiosa do cotidiano colabora no processo da construção de um cidadão que compreende os “motivos e razões da existência de múltiplas diversidades, expressões cultuais e paradigmáticas que se criam e recriam por meio dos seus contextos sócio-cultural, político-educacional, econômico e religioso” (HOFF, 2005, 228). Rodrigues e Junqueira (2009, p. 64) discorrem sobre o desafio do Ensino Religioso que [...] está numa formação de professores de Ensino Religioso pautada nos diversos aspectos da condição humana e de suas potencialidades e que considere dialeticamente a realização pessoal do sujeito e de seu contexto social. Uma formação construída, avaliada e reconstruída para articular no espaço escolar o processo de educação que promova o reencontro da razão com a vida, e que considere as necessidades vitais, as aspirações e os conhecimentos de todos os sujeitos envolvidos nesse processo de educação. Assim, destaca-se a necessidade de uma leitura crítica das realidades sociais para se buscarem os referenciais para a organização e o redirecionamento da formação do profissional da educação. 124 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br O PROCESSO FORMADOR PARA A DOCÊNCIA DO ENSINO RELIGIOSO O Ensino Religioso na atual concepção é considerado um componente curricular, pois a partir da Resolução nº 04/10 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010), o Ensino Religioso passa a fazer parte das áreas do conhecimento, sendo reconhecido como integrante da formação básica do cidadão. Garantido no contexto escolar desde a década de 1930, a presença do Ensino Religioso no currículo escolar tem sido atribulada. Daí a importância de se conhecer a história das disciplinas e compreender o processo de formação e profissionalização dos docentes, pois, conforme a ótica definida para uma disciplina, existe uma interferência direta nas instituições formadoras e seus respectivos programas. Os princípios estruturais do Ensino Religioso nos levam a concebê-lo como: a) parte integrante da formação básica do cidadão; b) um conhecimento que subsidia o educando para a vida; c) uma aprendizagem processual, progressiva e permanente; d) disciplina que orienta para a sensibilidade ao mistério na alteridade; e) disciplina que tem uma avaliação como processo que permeia os objetivos, conteúdos e práticas didáticas; f) prática didática contextualizada e organizada; g) uma disciplina dos horários normais. Um dos nós na educação atual é o conceitual. Se não houver clareza nos conceitos que iremos lidar no dia a dia da educação, todo o processo pode ficar comprometido. E esse é um grande problema na área do Ensino Religioso. Basta fazermos uma pesquisa rápida nos trabalhos sobre a área, participar de congressos, simpósios ou qualquer evento nessa área para o problema ficar em evidência. Falta clareza conceitual sobre alguns termos como religião, credo, instituição religiosa, fé, crença, mito, rito, ritualização, religiosidade, espiritualidade, devoção popular, transcendência, o sagrado, o divino, secularização, teologia... Se formos citar todos os termos, a lista será muito extensa. As deturpações dos conceitos são próprias de uma sociedade de mudanças tão rápidas como a nossa que, na ânsia de adaptar o todo aos objetivos das mudanças, altera os conceitos para que a ideologia vigente permeie melhor a consciência das pessoas. Muitos conceitos são equivocadamente usados por conta de um enfoque essencialmente proselitista, ou seja, a ideia de que há uma única e verdadeira religião revelada e salvífica. E o nó conceitual se estrangula nessa questão! Pela formação que os professores do Ensino Religioso tiveram e pela postura autoritária de alguns conselhos e órgãos ligados às instituições religiosas, ainda não foi possível entender ou aceitar a diferença entre evangelização, pastoral e educação. O Ensino Religioso está no âmbito da educação, portanto é um componente curricular que faz parte da formação educacional do aluno, em nada se diferindo dos outros componentes curriculares. A educação, assim como a religião, tem por objetivo civilizar o homem, ou seja, torná-lo humano, afastando-o dos limites e condicionamentos biológicos a que está sujeito. Tornamo-nos humanos a partir do momento que somos capazes de criar estruturas sociais complexas regidas por valores e normas. É Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 125 justamente nesse ponto que reside a pertinência do Ensino Religioso. Desde os primórdios, as religiões orientaram os homens no seu processo civilizatório, criando as estruturas que propiciariam a vida em grupo como as interdições, os tabus, os mitos e as leis, com o objetivo de situar o indivíduo nas suas relações, consegue mesmo, com o transcendente e com seu semelhante. Ao longo desse processo civilizatório, existe toda uma mudança permanente de ideais, valores, normas e conhecimentos, pois nada está pronto e acabado: o processo é extremamente dinâmico. O conhecimento está em construção, daí as tradições religiosas orientais afirmarem que tudo é movimento, movimento é vida e o estático, pela sua rigidez, é morte. A importância do Ensino Religioso reside nesse contexto. Ele deve evidenciar as contribuições das tradições religiosas para o processo civilizatório da humanidade, assim como se evidenciam na educação as contribuições das outras áreas de conhecimentos. MODELOS DE FORMAÇÃO DO ENSINO RELIGIOSO A identidade do Ensino Religioso, construída no início substancialmente pelas legislações, também pode ser compreendida pelos esforços em estabelecer uma política de formação. A década de 90 é com certeza um período que marca esse percurso (JUNQUEIRA, 2008). Antes dessa década, a formação dos professores era organizada em sua quase totalidade pelas instituições religiosas cristãs. Algumas experiências em parceria com os sistemas de ensino, em decorrência da proposta confessional ou interconfessional, foram adotadas por esta disciplina. Eram cursos denominados de Teologia, Ciências Religiosas, Catequese, Educação Cristã e outros similares oferecidos por Igrejas, ficando condicionadas à ajuda financeira do exterior e/ou a recursos do próprio professor. Essas propostas não graduavam os professores em conformidade com os profissionais da educação de outras disciplinas, gerando impasses e dificuldades na vida funcional dos mesmos. Os professores das outras disciplinas tinham suas graduações reconhecidas pelo MEC, dando-lhes direito ao ingresso por concurso público e, em consequência, de seguir plano de carreira funcional. Os professores de Ensino Religioso, embora muitas vezes formados por cursos de caráter teológico, não tinham reconhecimento por parte do MEC. Por imperativo da legislação, eram-lhes negados os acessos funcionais na área do magistério, sendo apenas permitida a contratação de seus serviços em caráter temporário. Em decorrência, é possível localizar professores que atuaram na disciplina de Ensino Religioso durante mais de trinta anos consecutivos sem acesso aos direitos legais trabalhistas como plano previdenciário de saúde, décimo terceiro salário, contratação nos mesmos parâmetros aos demais profissionais da área da educação, plano de carreira, aposentadoria por tempo de serviços prestados, entre outros, pois não tinham acesso ao direito de concurso público para a disciplina de sua atuação. Isso se deve ao fato de ainda não existirem políticas nacionais para a formação de docentes nessa área do conhecimento e não estarem instituídas as Diretrizes Nacionais para a Licenciatura de Graduação Plena em Ensino Religioso, abrindo-se, desta feita, lacunas para tais procedimentos. Desde a década de 1970, vemos tentativas de estabelecer a profissionalização dessa área do conhecimento por meio da formação específica do professor para atuar no Ensino Religioso. Entretanto, a partir da segunda 126 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br metade dos anos 1990, o cenário foi alterado com a elaboração final da Lei de Diretrizes que culminou com a sua homologação, a organização do FONAPER, a alteração do Artigo 33 da LDBEN, e a busca de uma disciplina que assumisse o perfil da escola implementou a discussão da profissionalização docente. A mudança de paradigma na concepção do Ensino Religioso, a elaboração dos PCNER e a busca de definição de Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores para essa área do conhecimento junto ao Ministério da Educação e Cultura passaram a exigir novas propostas de formação docente para essa área do conhecimento. De tal forma que se registrou o interesse, compromisso, estudo e discussão em busca de parcerias suscitados nas denominações religiosas, na comunidade acadêmica e nos sistemas de ensino no que concerne aos encaminhamentos previstos em forma de lei para a habilitação dos professores de Ensino Religioso (JUNQUEIRA, 2002). A nova redação do artigo 33 da LDBEN nº 9.394/96, prescrita na forma da Lei 9.475/97, veio, portanto, contemplar ambas as questões, não excluindo a valiosa colaboração das diferentes denominações religiosas, no que se refere à definição dos conteúdos para a disciplina de Ensino Religioso. Na construção das parcerias para a formação de docentes em Ensino Religioso, o dispositivo legal congrega os sistemas de ensino que deverão regulamentar os procedimentos para a definição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecer as normas para a habilitação e a admissão dos professores. As diferentes denominações religiosas constituídas em entidade civil serão ouvidas pelos sistemas de ensino no tocante à definição dos conteúdos da disciplina. As instituições de ensino superior, em sintonia com tais conteúdos, têm a tarefa de habilitar o profissional correspondente, fomentando o ensino, a pesquisa e a extensão dos mesmos. O quadro a seguir apresenta o caminho da história da formação de professores a partir de modelos de Ensino Religioso. QUADRO 1 – HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE ENSINO RELIGIOSO MODELO DE ENSINO RELIGIOSO Modelo Confessional Este modelo persiste no século XXI. FORMAS DE VER O CONHECIMENTO FORMADOR NOS PROFESSORES Uma informação reprodutiva sustentada pelo discurso catequético de formação de fiéis. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br FORMAS DE VER A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES Um produto assimilável de forma individual, mediante conferências ou cursos ditados. Este modelo não produziu subsídios teóricos para formação de professores. REGIÕES DO BRASIL Por todo o país, sob a responsabilidade das autoridades religiosas. Ministrado em instituições formadoras religiosas, nem sempre com preocupação acadêmica. Cursos para credenciar professores, encontrados, por exemplo, no Rio de Janeiro e Brasília. 127 Modelo Fenomenológico Podemos considerar o ano de 1997 com abertura das Licenciaturas em Santa Catarina, e 1998 com a publicação das Diretrizes como marcos para esta nova fase. Com certeza, o fato de a formação docente ser realizada na universidade alterou o perfil do processo formador, percurso já iniciado na transição do modelo anterior. Desenvolvimento de conhecimento, construção coletiva para estabelecer a identidade pedagógica do Ensino Religioso como área de conhecimento. Elaboração de projetos de transformação, com a intervenção de pesquisadores para estabelecimento de uma epistemologia e fundamentos visando estruturar a profissionalização docente. Este modelo preocupou-se explicitamente em definir uma área como as Ciências da Religião e a produção de pesquisas e subsídios para formação docente. Organização dos primeiros cursos de Licenciatura no Estado de Santa Catarina e, posteriormente, no Pará, Minas Gerais, Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba. Os Cursos de PósGraduação assumiram uma perspectiva acadêmica, assim como articulação de cursos de extensão universitária. A publicação das Diretrizes para a formação docente do Ensino Religioso em 1998 pelo FONAPER colaborou nesta orientação. Fonte: Tabela organizada a partir de IMBERNÓN (2009, p. 24) e do Relatório de CARON (1997). É na compreensão da relação entre os modelos da formação de professores e o contexto brasileiro que compreenderemos a situação da profissionalização do corpo docente desse componente curricular. Pensando no processo de formação dos docentes, foi feito um levantamento para reconhecer as ênfases e os temas abordados nos cursos de Ensino Religioso e suas respectivas estruturas organizativas nas diferentes regiões do país entre 1995 e 2010. O objetivo era compreender as diferentes propostas formadoras de professores do Ensino Religioso.4 Foram selecionados 106 fôlderes de cursos de formação, impressos e eletrônicos, ofertados nas cinco regiões do Brasil e distribuídos conforme o quadro a seguir. QUADRO 2 – CURSOS PESQUISADOS NÍVEL MODALIDADE NÚMERO DE CURSOS TOTAL Ensino médio EAD 01 01 Graduação Presencial 07 bacharelados e 12 licenciaturas 21 EAD 02 licenciaturas Presencial 09 EAD 05 Presencial 62 EAD 08 Extensão Especialização 14 70 Foram pesquisados quinze programas de Teologia e Ciências da Religião e somente três oferecem explicitamente disciplinas que discutem o Ensino Religioso, que são PUC–SP, PUCPR e EST (RS), e são assim concebidos: O relatório dessa pesquisa é a tese de pós-doutorado do professor Sérgio Junqueira (2010). 4 128 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Religião e Literatura – literatura, religião e educação – para alunos do mestrado e doutorado do Programa de Ciências da Religião da PUC–SP, na área de concentração Fundamentos das Ciências da Religião, e na linha de pesquisa Fundamentos do Ensino Religioso; Programa de Teologia da PUCPR – para alunos do Mestrado, na linha Teologia e Sociedade, a disciplina Temas de Educação; A disciplina Práxis do Ensino Religioso, na EST, explicita aspectos para aprofundar o Ensino Religioso. A pesquisa apontou que a leitura e a análise dos temas que orientam os cursos de Ensino Religioso no país assinala ainda a presença de uma proposta que mescla elementos postos pela legislação do pluralismo com elementos da confessionalidade religiosa, bem como para a existência de uma adequação entre os currículos visando a uma escolarização para a formação do profissional docente. Também indicou que os Estados e a Federação estão buscando alternativas para habilitar o profissional de Ensino Religioso para o exercício pedagógico da formação humana integral. Como podemos perceber, o Ensino Religioso assumiu diferentes características e seu modelo implica em uma formação específica. A seriedade desse componente curricular aponta para a necessidade de uma formação de professor que possibilite uma visão dessa área do conhecimento que vá além da exposição de valores, mas garanta uma atuação que leve à criação de um espaço privilegiado de reflexão. REGISTROS DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA A literatura especializada tem evidenciado de maneira imperativa a necessidade de acompanhar o desenvolvimento, as transformações e inovações que buscam tornar os campos da educação e seus profissionais cada vez mais competentes para atender, com propriedade, aos anseios daqueles que vêm conquistando o direito à educação. Neste aspecto os estados da arte podem: Os estudos de “estado da arte” são sem dúvida, de grande importância, pois pesquisas desse tipo é que podem conduzir à plena compreensão do estado atingido pelo conhecimento a respeito de determinado tema – sua amplitude, tendências teóricas, vertentes metodológicas. A relevância de pesquisas do tipo estado da arte está em acompanhar e pontuar o movimento do conhecimento em um determinado período, permitindo consequentemente compreendê-lo em perspectivas relacionáveis no que concerne a contextos históricos, políticos e sociais. Pesquisas “estado da arte” significam uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada (ROMANOWSKI, 2006, p. 39). Para compreender a formação do conceito sobre o Ensino Religioso, foi realizado um levantamento dos registros da produção científica produzidos no Brasil também compreendendo o período de 1995 a 2010. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 129 Esse levantamento tinha como objetivo estabelecer a identidade do Ensino Religioso inserido no currículo escolar das escolas públicas. O mapeamento foi realizado com apoio de estudantes da graduação com bolsa do programa de iniciação à pesquisa do PIBIC e por cinco pesquisadores.5 Estes últimos realizaram análise do conteúdo a partir dos resumos com base em fichas que continham informações sobre título, autor, instituição, objetivo, metodologia e resultados. Foram levantados artigos em periódicos e em eventos, teses e dissertações, livros e relatórios de pesquisas. Para a constituição do corpus de análise foram selecionados resumos organizados a partir da Plataforma do Curriculum Vitae, Banco de Dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Periódicos CAPES, Indexadores como SCIELO, Latindex, Biblioteca Wolfgang Gruen (GPER), Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Universidade Federal do Paraná. A pesquisa teve como indicador de busca nos resumos as palavras-chave utilizadas pelos autores das pesquisas como ensino religioso – ensino religioso escolar – educação religiosa (quando compreendida como componente curricular). Foram mapeados 811 documentos (122 dissertações de mestrado, 21 teses de doutorado, 458 artigos em eventos, 130 artigos em periódicos e 79 livros teóricos sobre o Ensino Religioso). Em relação à formação de professores, foram analisados 130 documentos, conforme o Quadro 3. Dissertações Textos de Eventos Eventos de educação Eventos de Teologia/CR Eventos de Ensino Religioso Artigos em Periódicos Livros TOTAL Formação de professores Teses Categorias QUADRO 3 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES 02 18 79 14 15 50 29 02 130 Essa identificação é importante para estabelecer dois percursos: epistemológico e praxiológico (metodologia, didática), que possibilitem a orientação para a formação do profissional que atuará junto a esse componente curricular. De forma geral, os diferentes autores produziram seus respectivos trabalhos sobre a história, a identidade, a legislação do Ensino Religioso no contexto brasileiro. Outro aspecto abordado foram os elementos sobre a questão da metodologia, subsídios, conteúdos para o cotidiano da sala de aula, assim como sobre a formação de professores, além do trabalho realizado sobre as Escolas Confessionais. A pesquisa apontou que a formação continuada tem se destacado, visto que há um campo ainda a ser explorado em decorrência da especificidade das diferentes exigências dos estados brasileiros. Percebe-se que nas referências existem poucas bibliografias clássicas da área de educação sobre a formação de professores, um campo que está sendo ampliado especialmente pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED) pelo Grupo de Trabalho (GT) 8. Bruno Serafim Ferracioli, Isabel Cristina Piccinelli Dissenha, Maria Eunice Rodrigues Chaves e Sérgio Barbosa Rodrigues. 5 130 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br O PERFIL PEDAGÓGICO DO ENSINO RELIGIOSO É preciso ter em mente que os aspectos legais do Ensino Religioso sofrem a interferência das concepções de educação, escola, professor, currículo e outros segmentos relacionados ao pensar pedagogicamente o processo de ensino-aprendizagem. O exercício de elaborar o Perfil Pedagógico do Ensino Religioso no contexto brasileiro está sendo estabelecido a partir da reflexão e operacionalização do seu estudo de acordo com a elaboração de uma proposta de educação, hoje fundamentada dentro dos quatro pilares propostos do relatório da UNESCO (1999, p. 89-102): [...] - aprender a conhecer, que pressupõe saber selecionar, acessar e integrar os elementos de uma cultura geral, com espírito investigativo e visão crítica; em resumo, significa ser capaz de aprender a aprender ao longo de toda a vida; - aprender a fazer, que pressupõe desenvolver a competência do saber se relacionar em grupo, saber resolver problemas e adquirir uma qualificação profissional; - aprender a viver com os outros, consiste em desenvolver a compreensão do outro e a percepção das interdependências, na realização de projetos comuns, preparando-se para administrar conflitos, fortalecendo sua identidade e respeitando a dos outros na busca da paz; - aprender a ser, para melhor desenvolver sua personalidade e poder agir com autonomia, expressando opiniões e assumindo as responsabilidades pessoais. Os conteúdos a serem considerados para o Ensino Religioso devem ser articulados e integrados a um contexto mais amplo e nossas ações pedagógicas organizadas e articuladas, considerando o estudante como sujeito de sua história e cidadão na comunidade em que está inserido. Como integrante da base nacional comum na Educação Básica definida pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, aprovada em 2010 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), conforme o artigo 14, lemos que [...] o currículo da base nacional comum do Ensino Fundamental deve abranger, obrigatoriamente, conforme o art. 26 da Lei nº 9.394/96, o estudo da Língua Portuguesa e da Matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente a do Brasil, bem como o ensino da Arte, a Educação Física e o Ensino Religioso (BRASIL, 2010). Nessa perspectiva, o Ensino Religioso procura viabilizar o encontro da diferença e favorecer a construção da identidade dentro da diversidade, respeitando o conhecimento revelado do professor e do aluno. Também discute a complexidade do ser humano e possibilita a percepção da dimensão religiosa como um compromisso histórico diante da vida e do transcendente (OLIVEIRA et al., 2007). Enfatiza, sim, a dimensão religiosa do ser humano contemplando a sua inter-relação capaz de promover o respeito à diversidade, a atualização do conhecimento do fenômeno religioso e a reflexão sobre as diversas formas de expressão em diferentes culturas e tradições religiosas, porém numa perspectiva pedagógica. Para Imbernón (2009, 22), o fator da diversidade e da contextualização são elementos imprescindíveis na formação como a preocupação com a cidadania, o meio ambiente, a tolerância e outros, já que o Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 131 desenvolvimento e a diferença entre as pessoas sempre têm lugar no contexto social e histórico e influi em sua natureza. O desencadeamento de questionamentos de práticas potencializa a formação a partir de dentro na própria instituição ou no contexto próximo a ela. É nesse lócus que se produzem as situações problemáticas que afetam os professores. De fato a diversidade e a contextualização permitem um re-olhar sobre a prática na sala de aula, a formação de professores e todos os componentes curriculares. O Ensino Religioso socializa o conhecimento envolvendo o educando, levando-o a interagir e a construir novos significados. É por meio desse movimento que se possibilita ao educando fazer a releitura e decodificação da experiência religiosa de diversas tradições. Essas reflexões por sua vez propiciam a construção do conhecimento, o estabelecimento de interações com o mundo, novas experiências de vida remetendo-o a compreensão de transcendência que está voltada para a sua tradição religiosa, evitando o proselitismo. Mais do que acumular conhecimentos, é importante que a aprendizagem seja significativa, para que novas informações se articulem às informações já existentes na estrutura cognitiva. O desafio, portanto, é considerar as demandas e articulá-las aos conteúdos do Ensino Religioso. O referencial metodológico para operacionalizar o Ensino Religioso, nessa perspectiva, precisa permitir que se ampliem a observação e a reflexão para que o educando possa compreender e dar sentido ao que sua tradição lhe revela ou aquilo que ainda não compreendeu, aprendendo a saber de si. Por isso para cada período da educação escolar, o roteiro dos conteúdos precisa criar possibilidades ao educando de participação de forma reflexiva e crítica, conhecendo a diversidade religiosa presente na dinâmica social. Para que esse processo se concretize, torna-se necessário que as aulas de Ensino Religioso transformem-se em espaço de saber significativo, propiciando ao educando uma informação que o ajude a apropriar-se do conhecimento organizado, passando de uma visão ingênua para uma visão explícita da realidade, que torne possível reconhecer que o outro percebe o mundo de maneira diferente. Pois nesse espaço da aula de Ensino Religioso, o fazer e o compreender se integram a um processo em que a ação e a reflexão se realizam de forma orgânica, para gerar o exercício de respeito nos diferentes estágios da vida escolar do educando. A INTERDISCIPLINARIDADE DO ENSINO RELIGIOSO Atuando em duas grandes áreas: a das Ciências da Religião e a das Ciências da Educação, os professores de Ensino Religioso estudam e discutem o desenvolvimento do fenômeno religioso e, ao mesmo tempo, lecionam conhecimentos no campo da sociologia, psicologia, antropologia e outras ciências para crianças e adolescentes, procurando analisar o movimento religioso em suas diferentes facetas (RODRIGUES e JUNQUEIRA, 2009). Quando levamos em conta os fatos pedagógicos de um componente curricular precisamos pensar a partir de três dimensões: • Epistemológica: a evolução interna da disciplina em questão • Psicológica: os dados fornecidos pela psicologia da infância e da adolescência • Didática: os procedimentos do ensino 132 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Assim a habilitação desse profissional docente deve se estruturar nesses três pressupostos. E também, no caso específico do Ensino Religioso, é preciso considerar: • a complexidade do Ensino Religioso como componente curricular; • a formação de docentes no Brasil; • o número de estudos e pesquisas a subsidiar o Ensino Religioso. Ainda que persistam dúvidas quanto aos conteúdos a serem tratados na escola é preciso encarar que o Ensino Religioso não pode fugir dessa contextualização. Por isso se faz necessária mais uma vez a distinção: para a sociedade as religiões são confissões de fé e de crença, mas no ambiente escolar as religiões são objeto de conhecimento a ser tratado nas aulas de Ensino Religioso. Por meio do estudo das manifestações religiosas que delas decorrem e as constituem, as diferenças culturais são abordadas com o objetivo de ampliar a compreensão da diversidade religiosa como expressão da cultura, construída historicamente e marcadas por aspectos econômicos, políticos e sociais. Essa atenção especial ao conteúdo abordado pelo Ensino Religioso se dá a fim de considerar a diversidade de referenciais teóricos para suas aulas. É recomendável que o professor priorize as produções de pesquisadores da respectiva tradição religiosa para evitar fontes de informação comprometidas com interesses de uma ou outra tradição religiosa. Todo esse cuidado se faz necessário porque o respeito ao direito à liberdade de consciência e à opção religiosa do educando é também um dos objetivos do Ensino Religioso como componente curricular que possui uma linguagem própria, um conhecimento específico e um objetivo a ser atingido. Partindo da prática social e da realidade vivida em sala de aula, precisamos compreender como ocorre o processo de aprendizagem, quais os fatores que interferem nesse processo e como atuam os mecanismos cognitivos. Considerando os diferentes aspectos do ser humano e a compreensão da educação nacional em cada segmento escolar, a organização das ações pedagógicas será articulada a partir de variáveis que considerem o estudante como sujeito de sua história, favorecendo a compreensão do conhecimento, para que possa atuar como cidadão na comunidade em que está inserido (RODRIGUES E JUNQUEIRA, 2009). Um aspecto a ser ressaltado é que o Ensino Religioso não fique restrito somente em informações e curiosidades. Há que se preocupar com um esvaziamento se esses conteúdos forem trabalhados somente em nível de informação e curiosidade, pois é a transformação da informação em conhecimento que proporcionará a consciência cidadã. A educação para a ação transformadora auxilia os alunos a enfrentar os conflitos existenciais e a desenvolver, orientados por critérios éticos, a religiosidade presente em cada um, agindo de maneira dialógica e reverente ante as diferentes expressões religiosas. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS A contemporaneidade traz uma série de questionamentos, mudanças e desafios diante do momento histórico que estamos vivenciando: a transformação de valores, o capitalismo avançado, o consumo desenfreado, uma sociedade de velocidade, de tecnologia, informatizada e virtual. As alterações na organização escolar se constituem em outro aspecto a ser destacado, pois as relações de ensino-aprendizagem e as estruturas curriculares das disciplinas, inclusive para o Ensino Religioso, passam a assumir uma perspectiva pedagógica exigindo a construção de diferentes concepções epistemológicas, assim como a elaboração de subsídios didáticos para serem utilizados nas aulas. E isso requer um curso que projete uma formação, pressupondo um perfil profissional, pois um docente formado por uma determinada escola de pensamento vai formar segundo esses moldes. Educar para conhecer diversas religiões e compreender as culturas que lhes dão forma, analisar a relação entre presente e passado para produzir um saber histórico, implica em exercitar o diálogo com o diferente, baseado no respeito profundo e no desejo de preservar a dignidade e direito de existência de cada manifestação cultural-religiosa. A reflexão sobre a formação de professores de Ensino Religioso, desde os cursos livres realizados em espaços das igrejas em parceria com secretarias de educação até os cursos oferecidos por Instituições de Ensino Superior credenciadas pelo Ministério da Educação, é importante para verificarmos as concepções do Ensino Religioso e as consequências para o cotidiano da sala de aula. A identificação e análise da legislação, a oferta dos cursos de formação e a produção de conhecimento são importantes para estabelecer as bases epistemológicas, perfil e tendências para a consolidação do Ensino Religioso como componente curricular. O salto que ainda se deve dar é a efetivação da prática docente fundamentada num olhar pedagógico e não religioso. A pesquisa mais estruturada sobre a formação docente ainda é um campo ainda a ser perseguido. As discussões enfatizam a formação continuada e percebe-se também a ausência de uma reflexão sistematizada para verificação da atuação do egresso junto à prática pedagógica. Contudo, fica evidente que o Ensino Religioso se configura como uma área de estudos e uma comunidade de cientistas que se empenha na pesquisa e na extensão. 134 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 121-135, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS BRASIL. Resolução nº 04/10. Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional LEI 9394/96. Brasília: MEC, 1996. BRASIL. Lei nº 9.475 de 22 de julho de 1997. 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Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 135 ARTIGOS INTERVENTORIA: UMA PROPOSTA PARA O ACOMPANHAMENTO DE ESTAGIÁRIOS DE PEDAGOGIA Marina Cyrino Samuel de Souza Neto RESUMO: O estudo focaliza o estágio curricular no curso de Pedagogia de uma universidade pública do interior paulista, tendo como objetivo identificar na literatura as várias nomeações e tipos de acompanhamento de estágios no Brasil e em outros países; e apresentar e elencar os possíveis elementos que caracterizam uma proposta de acompanhamento de estágio que segue uma perspectiva de interação e intervenção. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que se utilizou de fontes bibliográficas e de entrevistas semiestruturadas com estagiários, professores, coordenadores e responsáveis pelo estágio na Secretaria Municipal de Educação. Identificamos como formas de acompanhamento de estagiários a tutoria, a mentoria e a supervisão, sendo que essas nomenclaturas também são utilizadas para outras áreas. Nomeamos a proposta que sugerimos para o momento de interventoria, e o professor universitário de estágio foi nomeado de “interagente”. A interventoria, perspectiva reflexiva e crítica de formação, coloca diretamente a universidade e o interagente em interação com a escola e seus professores no processo de estágio. Nas considerações, pontuamos que a interventoria permite compreender o estágio como um campo de conhecimento e possibilita ver a formação de professores voltada para dentro da profissão. PALAVRAS-CHAVE: Estágio curricular; interventoria; formação de professores. “Interventoria”: A proposal to assistance pedagogy student teacher during pratical training Abstract: This research focuses on the curricular internship in a Pedagogy course of a São Paulo public university. The study aimed to identify names and types of following-up internships in Brazil and in other countries, as well as to present and list the elements that characterize a proposal to follow-up internships that considers interaction and intervention. It used qualitative methodology with data from bibliographic sources and semi-structured interviews with teaching-assistants, teachers, school coordinators and the ones who are responsible for the internship in the Municipal Department of Education. We identified the tutoring, mentoring and supervision as types of following-up teaching-assistants, these names being also used for other areas. The proposal that we suggested is “Interventoria”, considering the university professor as being an “Interagente”.The “Interventoria”, a critical and reflexive perspective for teacher education, places the university and the “Interagente” in interaction with the school and their teachers during the internship process. It is indicated that the “Interventoria” allows for understanding the internship as a knowledge field and enables to see the teacher education focused on the profession itself. Keywords: Practical training; interventoria; teacher education. 136 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br PROBLEMATIZAÇÃO ACERCA DO ESTÁGIO O artigo apresenta como foco de investigação o estágio supervisionado na formação inicial de professores, centralizando suas discussões no envolvimento da universidade e da escola nesse processo, assim como sobre seus principais agentes. Inicialmente, cabe considerar que o estágio curricular supervisionado está presente em nossa realidade desde as escolas normais, passando pelo magistério e permanecendo, posteriormente, no curso de Pedagogia e no Normal Superior, entre outros, como uma área de conhecimento ou atividade regulamentada. Transitando na compreensão de que era uma disciplina ou uma atividade, o estágio supervisionado passou por várias concepções de formação, ora conhecido como “prática como imitação de modelos” ou “prática artesanal”, ora como “prática como instrumentalização técnica” (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 35-41). No primeiro caso, o estagiário observava bons professores e, acompanhado por um supervisor da instituição formadora, deveria elaborar e executar “aulas-modelo” (PIMENTA; LIMA, 2011). A supervisão de estágio era centrada no cumprimento ou não dessa tarefa. No segundo caso, os estagiários deveriam saber “como fazer”, além de desenvolver desde “habilidades específicas do manejo de classe ao preenchimento de fichas de observação, diagramas, fluxogramas” (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 37). Dessa forma, os conhecimentos científicos eram deixados de lado e cabia ao supervisor observar o desenvolvimento do estagiário enquanto “bom professor”, ou seja, aquele que sabe lidar com as técnicas de ensino. O acompanhamento de estagiários seguia uma perspectiva regulatória de supervisão, na qual o supervisor tinha como objetivo verificar se o estagiário estava realizando o estágio e qual a forma como ele estava aplicando/desenvolvendo as aulas a que se propôs; ou seja, o supervisor era aquele que, de certa forma, controlava as ações do futuro professor. Assim, mesmo que a primeira perspectiva tenha perdurado até os dias atuais em várias instituições de formação do país, a partir dos anos 80 esse tipo de racionalidade técnica na formação de professores passou a ser questionada, dando margem para a perspectiva crítica (PIMENTA; LIMA, 2011), para a proposta de uma prática reflexiva (ALARCÃO, 2003) ou para uma prática reflexiva crítica (ZEICHNER, 2013, 1993) no desenvolvimento dessa “prática de ensino”. No que tange à orientação crítica de formação, Pimenta e Lima (2011) propõem que a formação no estágio seja baseada em uma postura investigativa, ou seja, que se pense no estágio como uma possibilidade de pesquisar a própria prática, ao mesmo tempo em que o estágio torna-se uma pesquisa. A supervisão enquanto prática reflexiva (ALARCÃO, 2003) pressupõe que os futuros professores confrontem a prática exercida no estágio com a teoria aprendida na universidade. Com isso, o supervisor, em vez de controlar os licenciandos, apresenta questionamentos a fim de que possam revisitar suas concepções de escola, educação, ensino e aprendizagem. Zeichner (1993), por sua vez, vai propor o desenvolvimento do practicum reflexivo no estágio que, a partir de uma visão reflexiva, visa ultrapassar os limites da sala de aula, envolvendo a escola como um todo nesse processo. Com isso, propõe pensar em escolas de desenvolvimento profissional, as quais assumiriam a parceria na formação de professores, constituindo-se como lugar de formação, além de considerar o professor que recebe os estagiários como um tutor. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 137 Na breve trajetória apresentada, percebemos a presença de um supervisor e/ou tutor, que permanece entre a prática regulatória e a prática reflexiva. Na perspectiva pontuada por Zeichner (1993), encontramos com maior ênfase a escola como um espaço formativo, exercendo um papel ativo no acompanhamento de futuros professores. Na história do estágio há instituições que já levaram em consideração a colaboração da escola, mas esta não é uma prática comum em território brasileiro. Outra questão a ser considerada é que o papel do supervisor é, em poucos casos, uma prática ativa na formação dos estagiários em conjunto com escolas e professores. Tais apontamentos direcionam nosso olhar para a formação dos professores e para o trabalho docente considerando tanto o desenvolvimento pessoal como o desenvolvimento profissional dos professores. Nesse sentido, Nóvoa (2011) nos convida a olhar a profissão docente “de dentro para fora”, esclarecendo que a sua construção se faz a partir daquilo que o professor é. No entanto, cabe considerar que é no estágio e na entrada da carreira docente que um dos traços sociológicos da profissão mais se manifesta, pois o professor passa do papel de estudante para uma posição profissional. Para Nóvoa (1991, p. 91): No processo de sua entrada na profissão, os docentes efetuam um role-transition ao invés de um role-reversion e, no começo da atividade profissional, utilizam frequentemente referências adquiridas quando eram alunos; em certo sentido, pode-se dizer que o período crucial da profissionalização do docente não ocorre durante a aprendizagem formal, mas durante o exercício do seu ofício. Nessa direção, Tardif (2002, p. 89) pontua que, na passagem de estudante a professor, há um desafio para os cursos de formação, pois, principalmente na América do Norte, “percebe-se que a maioria dos dispositivos introduzidos na formação inicial dos professores não consegue mudá-los nem abalá-los”, ou seja: Os alunos passam através da formação inicial para o magistério sem modificar substancialmente suas crenças anteriores a respeito do ensino. E tão logo começam a trabalhar como professores, sobretudo no contexto da urgência e adaptação intensa que vivem quando começam a ensinar, são essas mesmas crenças e maneiras de fazer que reativam para solucionar seus problemas profissionais, tendências que são muitas e muitas vezes reforçadas pelos professores de profissão. Pontuamos, portanto, que o estágio na formação inicial de professores pode ter o papel de ressignificar as concepções e práticas trazidas pelos estudantes. Para tal, um dos elementos necessários é a apresentação de um acompanhamento ativo tanto da universidade quanto da escola. Essa temática tem sido discutida em pesquisas que realizamos há seis anos, suscitando-nos questionamentos significativos a partir de observações feitas durante estágios de estudantes: Como o professor universitário de estágio pode tornar a prática profissional uma via de mão dupla entre a universidade e a escola? Como poderemos envolver os professores de escola, considerando-se que na realidade brasileira o estágio curricular tem sido visto mais como um momento de aplicação de conteúdos e uma tarefa da universidade do que um espaço em que se problematiza o que se faz? Em que medida os estagiários podem se tornar sujeitos ativos desse processo? O processo de acompanhamento de estágio pode ser mais dinâmico e envolver todos seus agentes? 138 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Nesse contexto, elucidou-se o problema desta pesquisa considerando que, embora críticas sobre o desenvolvimento do estágio supervisionado estejam em pauta, há também experiências inovadoras ou consistentes que demonstram que é possível fazer um trabalho sério no estágio, envolvendo a universidade e a escola em um projeto de parceria. O CONTEXTO DO ESTUDO E OS CAMINHOS PERCORRIDOS O artigo que ora se apresenta é também parte de um estudo de mestrado,1 envolvendo um programa de estágio desenvolvido no curso de Pedagogia de uma universidade pública do interior paulista. O curso conta com uma professora universitária que exercita o trabalho de parceria com as escolas e com os professores que recebem os estagiários, oferecendo-lhes um curso de extensão, entre outras estratégias que visam a uma maior aproximação com os docentes. Nesse contexto, a investigação envolveu estagiários, professores-parceiros, a professora universitária e a equipe gestora da instituição escolar, bem como a Secretaria Municipal de Educação. Ao voltar os olhos para a maneira que o estágio era organizado e para o compromisso da escola na formação inicial de professores, traçamos elementos que pudessem caracterizar uma proposta de acompanhamento de estágio. Para a dada proposta, traçamos como objetivos: identificar na literatura as várias nomeações e tipos de acompanhamento de estágios no Brasil e em outros países; apresentar e elencar os possíveis elementos que caracterizam uma proposta de acompanhamento de estágio que segue uma perspectiva de interação e intervenção. Na busca por essas respostas, optamos pela pesquisa qualitativa, utilizando fontes documentais e bibliográficas, bem como pesquisa de campo e análise de conteúdo (GOLDENBERG, 2004; LÜDKE; ANDRÉ, 1986). As fontes documentais dizem respeito às legislações que apoiam a temática em questão. Como fontes bibliográficas, buscamos, na literatura nacional e internacional, artigos e livros que apontem os modos de orientação e de acompanhamento de estagiários. No que tange ao trabalho de campo, realizamos entrevistas semiestruturadas com seis estagiários, seis professores-parceiros, seis coordenadores de escolas, a docente de estágio e duas pessoas da Secretaria de Educação do município2. Utilizamos ainda dados de observações realizadas nas seis escolas, na disciplina da universidade e no curso de extensão oferecido pela professora da universidade. O texto que se apresenta foi organizado considerando, inicialmente, o acompanhamento de estagiários e os diversos modos como ele pode ser feito. Em seguida, explicitamos o que entendemos por “interventoria”, tanto do ponto de vista do termo quanto das ações que esse processo pressupõe; por fim, apontamos reflexões acerca da proposta de acompanhamento de estudantes como possibilidade formativa para estagiários e professores-parceiros. O ACOMPANHAMENTO DE ESTAGIÁRIOS E OS DIVERSOS MODOS COMO ELE PODE SER FEITO O processo de acompanhamento de estágios está presente nos currículos dos cursos de formação de professores, os quais, segundo Borges (2008), seguem dois modelos: o modelo acadêmico de formação e o modelo profissional de formação. Concluído em 2012. Financiado pela FAPESP. 1 Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido do Comitê de Ética. 2 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 139 No primeiro caso a formação é voltada para a pesquisa, sendo que o estágio localiza-se ao final do curso, tendo, na maioria das vezes, uma perspectiva aplicacionista, ou seja, tudo o que é aprendido na teoria deve ser aplicado na prática. Assim, o discurso que se encontra ao final do curso é o de que “na prática, a teoria é outra”. O modelo profissional de formação tem a prática e a escola como elementos centrais. O estágio ocorre desde o início do curso, seguindo a perspectiva da alternância, estimulando os licenciandos a refletirem e a revisitarem a teoria para ressignificar suas práticas. Em ambos os casos o acompanhamento de estagiários recebe várias nomeações, sendo que as mais utilizadas são “tutoria”, “mentoria” e “supervisão”. Pretendemos, portanto, neste tópico, esclarecer cada uma delas, enfatizando especificamente aspectos que se relacionam ao estágio de professores em formação inicial, pois é importante ressaltar que esses termos também são empregados para outras finalidades voltadas, por exemplo, para a área empresarial. O termo “tutoria” significa “função ou autoridade de tutor; exercício da tutela” (HOUAISS; VILAR, 2009). E a palavra “tutor” refere-se àquele que exerce uma tutela ou que supervisiona (HOUAISS; VILAR, 2009). Do mesmo modo, Jordão (2005) define que o tutor é aquele que acompanha, tutela, ampara e orienta os estagiários. No campo educacional, esses termos são tratados de diversas maneiras nos mais diferentes espaços. Em trabalhos sobre educação a distância, por exemplo, o tutor é aquele que se encontra disponível na forma virtual ou presencial para auxiliar os que estão em situação de formação. Nesse caso, podemos encontrar estudos relacionados ao Projeto Veredas3 (BRAÚNA, 2007; SILVA, 2006), os quais apontam o serviço de tutoria e o tutor como possibilidades formativas e de ressignificação da prática, pois tende a superar “as limitações da ausência do professor na educação a distância e rompe com o possível isolamento do estudante” (SILVA, 2006, p. 13). Braúna (2007, p. 2) nos aponta também as diversas possibilidades de atuação do tutor, entre elas a [...] orientação dos cursistas em relação aos guias de estudo, aos memoriais e à monografia; visitas às escolas onde eles atuam, para acompanhar as atividades pedagógicas desenvolvidas; participação em todas as atividades presenciais de início de módulo, bem como nas reuniões mensais com o grupo de cursistas. Outros estudos reconhecem, da mesma maneira, o tutor no papel daquele que apoia e orienta formandos de educação a distância. Para Souza et al. (2004, p. 6), o tutor é responsável pela motivação dos estudantes, além da “orientação acadêmica, acompanhamento pedagógico e avaliação da aprendizagem dos alunos a distância”. Apesar de o tutor apresentar tais características mais ou menos comuns nos casos apresentados, Souza et al. (2004, p. 2) afirmam que “a forma como o tutor e o aluno se comunicam e interagem dependerá do programa e das diretrizes didáticas e educacionais a serem usados”. Em outros estudos brasileiros, quem ocupa a posição de tutor é o docente da educação básica durante o processo de acompanhamento de estagiários (JORDÃO, 2005; KIST, 2007). 3 Projeto do estado de Minas Gerais que visava formar e qualificar em serviço professores do ensino fundamental I no ensino superior, com graduação no curso Normal Superior. 140 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Na literatura internacional encontramos os futuros professores enquanto tutores de alunos em período de alfabetização (HART; KING, 2007) ou de estudantes do ensino fundamental 2 e ensino médio (HEDRICK; MCGEE; MITTAG, 2000). No primeiro caso, os estagiários relatam que estar na posição de tutor possibilita vivenciar situações reais, bem como aplicar o que foi aprendido anteriormente. No estudo de Hedrick, McGee e Mittag (2000), os tutores apontam que, com a tutoria, foi possível observar uma diversidade de alunos, modos de aprender e diferentes metodologias a serem utilizadas. Em estudos que visam a um contexto voltado para a psicologia (MCLACHLAN; HAGGER, 2010), podemos encontrar o tutor como um estudante universitário. No entanto, o foco da investigação foi avaliar os efeitos de uma intervenção global baseada na teoria da autodeterminação e na mudança de comportamento desses tutores. No mesmo contexto da formação inicial, Simão et al. (2008), ao realizarem uma investigação nas universidades de Portugal, destacaram mais de cinco tipos de programas de tutoria que envolvem acompanhamento de estudantes do ensino superior. Diretamente relacionado ao estágio, McNamara (1995) apresenta o tutor como o formador da instituição superior que acompanha o estagiário na escola, e o professor da escola como mentor. Na literatura nacional e internacional os termos “mentor” e “mentoria” também estão relacionados a diferentes atores e processos. Mentor é a “pessoa que serve a alguém de guia, de sábio e experiente conselheiro” ou que orienta (HOUAISS; VILAR, 2009). Em alguns estudos podemos encontrar a mentoria diretamente relacionada ao âmbito empresarial (DAUD, 2008; KIM; ZABELINA, 2011; SANTOS, 2007). Na área educacional os programas de mentoria estão ligados tanto à formação de professores inicial, voltada ao estágio supervisionado, quanto à formação de professores em início de carreira ou em serviço. Neste caso específico, Hobson et al. (2009) tomam como base a mentoria com professores iniciantes. Os autores realizaram uma pesquisa bibliográfica em bases de dados internacionais a fim de conhecer com propriedade o campo, além de buscar como a mentoria é tratada sob tal perspectiva. Ao final da investigação, os autores apontaram a importância da mentoria no desenvolvimento profissional docente, destacando que em cada realidade ela é realizada de uma maneira diferente, ora oferecendo cursos de formação aos mentores, ora focalizando as atenções para as estratégias desenvolvidas com os professores iniciantes. Moran et al. (2012), reunindo vários países, realizaram uma grande pesquisa que visava aproximar escola e universidade através de workshops, os quais tinham como objetivo qualificar os professores da escola para a mentoria, ou seja, orientar e acompanhar os estagiários. Nesse caso, a mentoria foi desenvolvida juntamente com o processo de supervisão de estágios (realizada pelos professores universitários). No caso da supervisão há diversas formas de concebê-la, com na ideia de controle (HOUAISS; VILLAR, 2009) sobre o que o estagiário está realizando na escola, o contato do supervisor com a instituição escolar e com os professores fica restrito ao pedido de concessão da sala de aula para o estagiário realizar sua regência. Nesse contexto, a escola é vista como um lugar de aplicação da teoria, pois na história do estágio supervisionado, essa forma de acompanhamento prevaleceu dentro do modelo observação, participação e regência. Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 141 Nessa perspectiva, a observação foi compreendida como um período em que o estagiário observava o professor de classe, muitas vezes enfatizando o que havia de negativo na prática do docente; essa participação era o momento em que o estagiário auxiliava nas atividades didáticas em sala de aula, enquanto a regência ficava restrita ao momento no qual o estagiário ministrava uma aula, assumindo a sala de aula (FARIA JR; CORRÊA; BRESSANE, 1982). Além dessas funções ou estratégias, havia outras possibilidades como o acompanhamento de classes de reforço ou escolares com dificuldade de aprendizagem, minicursos, propostas de estágio a partir de temas emergentes, etc. Assim havia também a ideia de a supervisão ser efetuada por um professor capacitado, com o intuito de se evitarem algumas falhas que os alunos-mestres cometiam durante o estágio. No entanto, no universo do estágio há outra concepção de supervisão nos estudos desenvolvidos por Alarcão (2003) e Vieira et al. (2010) que transcende a noção de controle, perpassando a perspectiva da reflexão dos estagiários no momento em que vivenciam o estágio. Para Vieira (2010, p. 10), a supervisão pedagógica é defendida como “teoria e prática de regulação de processos de ensino e aprendizagem” e ampliada para o conceito de reflexão, o qual prevê a autonomia e a emancipação do professor em formação (MOREIRA, 2010). Nesse contexto de supervisão, o supervisor é aquele que questiona a prática do estagiário, a fim de que reflita sobre suas ações. Na realidade europeia, Pierón (1996, p. 22) assinala que a concepção de supervisão é compreendida da mesma maneira que se encontra nas literaturas anglófona ou francófona, provenientes da América do Norte. Este conceito traduz o que conhecemos como orientação pedagógica: [...] um processo que permite o aperfeiçoamento dos futuros professores em exercício no quadro da sua formação inicial ou dos professores em exercício no quadro duma formação contínua ou no das visitas mais ou menos regulares dum inspetor encarregado duma missão de avaliação ou de conselho. Esta orientação pedagógica toma lugar de maneira contínua durante a formação universitária. Ele põe em presença uma tríade em que é, por vezes, necessário harmonizar as relações: o estagiário, o professor cooperante (ou orientador do estágio) titular das aulas nas quais a prática do primeiro toma lugar e, ainda, o formador universitário, responsável pela formação didática, observador mais ou menos frequente e avaliador no final do processo. O autor assinala que a supervisão “tem lugar num processo de aprendizagem, de habilidades e de estratégias de ensino” (PIERÓN, 1996, p. 23), e ainda ressalta que supervisionar é ensinar e o ensino é uma habilidade. Mas cabe também não esquecer que “são numerosos os supervisores que não dispõem de formação específica como supervisores”; sua experiência escolar está desatualizada ou não existe, ou, no caso do formador universitário, o conjunto de seus “conhecimentos sobre os resultados da pesquisa em matéria de supervisão pedagógica” pode ser “extremamente limitado” (PIERÓN, 1996, p. 23). Nesse itinerário, o termo “supervisão” para uma prática reflexiva ou colaborativa causa estranhamento, pois, como demonstrado, sua etimologia deriva da palavra “supervisionar”, que significa “dirigir, inspecionando (um trabalho); controlar, supervisar” (HOUAISS; VILLAR, 2009), podendo ficar restrita apenas à ideia de controle sobre o que o estagiário está realizando na escola. Com base em outros autores, Pimenta e Lima (2011, p. 115) apontam para a necessidade de utilizar outro termo para o processo de estágio, pois: 142 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Considerando a forte conotação negativa e autoritária de que se reveste o termo “supervisão”, herdado da pedagogia tecnicista, que reforçou, inclusive, o estágio como componente “prático” e isolado das disciplinas “teóricas” dos currículos, vários educadores começam a ressignificar o termo. A partir dessa breve compreensão acerca das formas de acompanhamento de estagiários, seus diferentes termos e, ainda, as diferentes concepções dos termos, pudemos observar que aqueles que se referem ao acompanhamento específico de estagiários seguem uma perspectiva reflexiva, além da preocupação com a aprendizagem do futuro professor. No entanto, como demonstramos, existem diferentes campos que utilizam os mesmos termos utilizados no acompanhamento de estagiários, o que pode, muitas vezes, gerar uma confusão no modo de concebê-los e desenvolvê-los. Como saída a tal descompasso, propomos a interventoria como algo que incorpora procedimentos semelhantes à supervisão reflexiva, ou até mesmo à tutoria, mas que também considera, na formação de professores, a necessidade da interação entre todos os atores envolvidos nesse processo. “INTERVENTORIA”: UMA PROPOSTA POSSÍVEL? A ideia de utilizar os termos “interventoria” e “interagente” surgiu a partir de uma pesquisa de mestrado, realizada com um curso de Pedagogia de uma universidade pública, que apresentava como objetivo principal analisar o compromisso da escola na formação dos futuros professores, do qual este trabalho faz parte. Durante o estudo, realizamos observações de como o estágio era conduzido, e pudemos perceber que não se tratava de um modelo de supervisão tal como relatamos anteriormente, e também não seguia somente um cunho reflexivo. Notamos que o que ocorria naquele programa de estágio não poderia continuar levando o nome de supervisão, bem como não se caracterizava como tutoria ou mentoria. Surgiu um questionamento: Como professores supervisores de universidade, professores de escola e a própria supervisão de estágio podem trabalhar numa perspectiva de interação, ressignificando os seus papéis no desenvolvimento do estágio? Essa questão apresenta como pressuposto a possibilidade de o professor de escola e o professor universitário interagirem e intervirem no processo de formação do estagiário. Significa, ainda, serem corresponsáveis pela formação de seus futuros professores e colegas de trabalho. Assim, a partir de entrevistas com os participantes, observações e análises dos dados, propusemos uma terceira visão: uma prática de acompanhamento de estagiários que nomeamos “interventoria”; o professor da instituição formadora responsável pelos estágios, nomeado “interagente”; e o docente da escola que recebe os estagiários, denominado “professor-parceiro” (SARTI, 2009). Esses três elementos podem compor o “estágio intervisionado”, proposto pelo professor José Tancredo Lobo, da Universidade Regional do Cariri, “mais como uma interação do que como simples intervenção, abrindo-se a possibilidade de uma ação entre a universidade e a escola”, além de “considerar a importância da participação dos professores das escolas que recebem os estagiários nesse processo formativo” (PIMENTA; LIMA, 2011, p. 115). Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 143 Os termos “interventoria”4 e “interagente” refletem a interação entre estagiário e meio escolar, possibilitada pelo professor da universidade. Desse modo, encontramos na palavra “intervir” algo próximo do que acreditamos no que concerne ao acompanhamento de estagiários. Assim, no dicionário: 1 t.i.int. ingerir-se (em matéria, questão etc.), com a intenção de influir sobre o seu desenvolvimento; interferir; interceder [...] 3 t.i.int. emitir opinião, contribuir com ideias etc. (em conversa, debate etc.); falar [...] 5 t.i. estar presente; assistir (HOUAISS; VILLAR, 2009). Portanto, para além do significado do dicionário, a interventoria carrega modos de agir por parte do interagente, da escola e do professor-parceiro para com os estagiários. E quais são esses modos? A interventoria é um processo pelo qual se pressupõe interferência e intenção por parte do interagente, da escola e do professor-parceiro na influência sobre o desenvolvimento do estagiário, além de todos estarem conscientes do processo. Arriscamos ainda elementos que podem compor tal proposta de acompanhamento. São elementos que perpassam a observação das aulas dos estagiários por um período determinado (um ou dois dias); a intervenção dessas aulas quando necessário; o retorno de como e do que ocorreu na aula; o auxílio do estagiário na reflexão de sua prática; e a avaliação do processo realizada por cada envolvido (professor-parceiro, interagente e estagiário). Tal trabalho de interventoria pressupõe ainda a ressignificação da imagem de escola, de ensino, de aprendizagem e de gestão da aula que o estagiário traz de sua vida enquanto aluno. Já o termo “interagente”, diretamente relacionado ao sentido que atribuímos à “interventoria”, está vinculado à figura do professor universitário que responde pelos estágios. Nós o nomeamos “interagente” pelo fato de que ele exerce a função de proporcionar aos licenciandos momentos de interação com o meio escolar; assim, no dicionário remete a este vocábulo: 2. ação recíproca de dois ou mais corpos 3. atividade ou trabalho compartilhado, em que existem trocas e influências recíprocas 4. comunicação entre pessoas que convivem; diálogo, trato, contato [...] 8. conjunto das ações e relações entre os membros de um grupo ou entre grupos de uma comunidade (HOUAISS; VILLAR, 2009). Além disso, é um docente que sai da universidade para estabelecer relação com a escola, que leva possibilidade de interação com a realidade profissional de seus estagiários. Assim, é um agente que intervém, estabelece relações e interage com os envolvidos no estágio. A interagente entrevistada define sua função a partir de dois aspectos. O primeiro diz respeito ao estabelecimento de vínculos com outras instituições de ensino (“me vejo como alguém que tem na universidade uma responsabilidade diferente [...] o professor que se ocupa da prática de ensino, dos estágios supervisionados, ele tem uma responsabilidade específica que é conseguir estabelecer contatos mais estreitos”) e tem um exercício que ocorre com pessoas que estão fora da universidade (“eu preciso alimentar os vínculos, eu preciso criar possibilidades de relação, [...] eu tenho que estabelecer contatos sistemáticos, permanentes, produtivos com agentes que estão fora da universidade”). Na política, a interventoria é um cargo ocupado por um interventor (agente do governo federal). No entanto, gostaríamos de ressaltar que o que compreendemos como interventoria não se aproxima do modo com que esses setores o empregam. 4 144 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br No segundo aspecto, a interagente refere-se ao estabelecimento de vínculos dentro da própria universidade (“estabelecer esse contato também com os alunos dentro da universidade”), além de vivenciar um constante trânsito entre escola e universidade, relatando que “é um trânsito [...] simbólico, quer dizer, eu estou a todo tempo pensando como estabelecer estas relações [...] e físico também, então tem essa característica física de você ter um compromisso fora da universidade [...]”. A interagente aponta ainda que “é uma função de mediação que é muito difícil de ser realizada, um grande desafio [...]”. Sendo assim, o papel do interagente pressupõe oferecer, aos estagiários, possibilidades de vivência na escola, onde possam construir um olhar profissional para o ambiente escolar em vez de ocupar uma postura passiva de aluno/estudante que cumpre uma tarefa da universidade. O interagente pode ainda possibilitar a reflexão do estagiário sobre sua prática, bem como oferecer um retorno dessa reflexão, além do contato que já estabelece com a escola, com os professores e com a Secretaria de Educação. O professor-parceiro é o professor da escola que recebe os estagiários em sua sala de aula. Para Sarti (2009), o professor-parceiro é uma figura central no desenvolvimento do estágio, pois é ele quem possui um contato direto com a prática pedagógica, além de pertencer a uma geração diferente do estagiário: “Por meio dessa proposta de parceria entre diferentes gerações docentes, busca-se investir no desenvolvimento de uma dimensão mais colaborativa no seio da cultura do magistério” (SARTI, 2009, p. 134). Reconhecemos, portanto, que o professor-parceiro é aquele que se comunica com o outro, que mantém uma relação de reciprocidade com o estagiário através de um diálogo sobre o que ocorre durante seu processo de aprendizagem, havendo ainda trocas de experiências, seguindo a perspectiva de que “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 25). Por meio das entrevistas, as estagiárias puderam nos mostrar a importância desse trabalho em parceria com o professor da escola, como destaca a Estagiária F: “foi em parceria, a gente trocava muita ideia, e ela aceitava muito do que eu falava. O que ela achava que não era coerente, ela sempre falava que não, mas ela explicava o porquê”. Os professores-parceiros também destacaram suas opiniões, colocando que o estágio “é um aprendizado duplo” (Professor-parceiro G) e “significa troca de experiências” (Professor-parceiro H). Apontam, ainda, que é uma “troca fundamental de experiências; ela [a estagiária] com a parte tecnológica e de trazer os áudios e os vídeos, e um pouco da interação com as crianças” (Professor-parceiro K), pois, segundo a Professora-parceira H, “facilita o seu trabalho porque você tem uma ajudante, uma parceira”. No caso da universidade participante da pesquisa, no curso de Pedagogia, especificamente, a interagente de estágio oferece aos professores-parceiros um curso de extensão que visa, além de uma formação continuada, a uma aproximação com a universidade, bem como a sensibilização para a formação inicial dos estagiários. A interagente aponta que “o foco nesse curso é [...] o processo de aprendizagem do magistério”, sendo que “esse processo possibilita a esses professores perceberem os seus saberes, perceberem o seu processo, e aí a minha aposta é que, perceber o processo do estagiário, e perceber o seu papel nesse processo do estagiário”. Com os elementos apresentados, apontamos que a interventoria carrega, desse modo, uma postura política no que diz respeito ao estágio, pela própria compreensão desse processo que possui, ou seja, Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 145 o entendimento de que o estágio é uma construção, uma aprendizagem e um olhar sobre a profissão docente. É, ainda, a possibilidade de ressignificação da visão sobre e para a escola. Para a interagente o desafio é possibilitar aos estagiários esta ressignificação: [...] os alunos carregam consigo um preconceito com relação à escola que é um preconceito que está na universidade, está na sociedade, então é um desafio de levá-los pra escola abertos pra ver o que tem lá, abertos e dispostos pra estabelecer relações de produção, de construção com a escola. A interventoria pressupõe que os envolvidos no processo tenham consciência de seu papel e que o desenvolvam a partir da perspectiva reflexiva. É uma proposta em construção. No entanto, compreendemos que os elementos acima apresentados perpassam a base, os princípios da “interventoria”. Dessa forma, perguntamos: em que a supervisão pode diferir da interventoria? Talvez a postura com que todos os envolvidos no estágio assumam, não somente a do professor interagente, mas os professores da escola se reconhecerem como formadores de campo. A escola deve reconhecer que tem um papel importante na formação de seus futuros profissionais e os órgãos públicos devem tomar o estágio como um momento de aprendizado e de vivência, levando em consideração aspectos didáticos e pedagógicos, e não somente de cumprimento de regras burocráticas, como as apresentadas na legislação de 2008 (BRASIL, 2008). A partir dessas colocações, a interventoria, como um trabalho de vínculo e interação entre escola e universidade, é uma experiência que valoriza tanto os aspectos teóricos e reflexivos quanto os aspectos da experiência e da realidade profissional (TARDIF, 2002), realizando uma interação entre esses elementos, como pudemos observar no curso de extensão na universidade e no desenvolvimento dos estágios nas escolas. Porém, existem desafios que impedem ou dificultam o desenvolvimento de uma proposta de estágio voltada para a intervenção e para a interação. Destacamos dois que julgamos necessários para serem superados: a distância existente entre a realidade discursiva e a realidade pragmática (SARTI; BUENO, 2007) e os impasses do professor interagente. No primeiro caso, considerando universidade e escola como principais espaços do estágio, questionamo-nos: como unir ou estabelecer uma relação de colaboração entre essas duas realidades distintas? Como trabalhar com a questão da teoria e da prática de forma que elas se complementem e não se distanciem? A interagente relata que a universidade está presa ao seu discurso teórico. Assim, essa ligação é um desafio para os docentes universitários, principalmente para aqueles ligados à prática de ensino, cabendo a eles criar estratégias para que haja um vínculo: É interessante como estamos presos nessa rede discursiva, [...] a universidade não consegue criar muitas estratégias para lidar, fazer essa articulação com uma dimensão prática de fato, do fazer diário na escola, nós ainda estamos um pouco distantes disso. (Interagente A) O vínculo entre escola e universidade é algo imprescindível tanto para os professores que estão na instituição escolar quanto para os licenciandos, como assinala o Estagiário H: “é extremamente importante essa ligação, porque na universidade você está formando professor pra trabalhar lá e tem que ter essa ligação, ter essa formação na faculdade e lá na escola”. 146 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br Enquanto possibilidades de aproximação, a coordenadora de uma escola relata que “qualquer grupo de estágio que venha pra cá [escola] a gente pode pedir pra que essa universidade, esse responsável pelo estágio venha ao HTPC [horário de trabalho coletivo pedagógico], faça algum tipo de orientação ou sobre o estágio ou sobre algum outro assunto que a gente queira” (Coordenadora J). Sob o olhar da relação teoria e prática, outra coordenadora de escola relata: “a universidade pode estar contribuindo com a gente sim, porque nós ficamos muito longe da parte teórica e de muitas coisas que são produzidas na universidade” (Coordenadora G). E a coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação propõe que, para uma troca, a universidade poderia levar seus estudantes ao Simpósio de Educação promovido pela Secretaria, pois “seria um momento de ter essa troca entre a universidade conhecendo um pouco do nosso trabalho e até depois disso também estar utilizando nas aulas, na formação lá. Eu entendo que seja essa parceria”. No segundo caso, apontamos o trabalho do interagente que possui duas funções distintas dentro da universidade: ele é alguém que deve acompanhar os estagiários na escola e ao mesmo tempo ser pesquisador e professor universitário, ou seja, há um acúmulo de funções de naturezas muitas vezes polares. Sobre o assunto, a interagente nos relata: [...] eu tenho 49 estagiários..., impossível eu assistir a aula de cada um. Eu não seria uma professora universitária se eu fizesse isso, porque eu não faria outra coisa. Então, a instituição me pede outras coisas também, e eu gostaria de assistir pelo menos uma aula de cada um. Como possibilidade, ela destaca a forma de organização do estágio: “[...] se o estágio fosse organizado de tal maneira que aquele que supervisiona tivesse um número de alunos condizente com a sua possibilidade de acompanhar o estágio seria bárbaro, porque eu acho que nós poderíamos intervir muito no momento oportuno”. Destacamos, portanto, que alguns avanços são possíveis, porém dependem de uma política de estágio a ser implementada. Um exemplo disso pode ser destacado na entrevista da interagente abaixo, quando aponta que o professor-parceiro, enquanto figura importante do processo, deveria ter alguns elementos que pudessem apoiá-lo no momento em que decidisse ser partícipe ativo da formação de um futuro professor, ou seja, ele deveria [...] receber pra isto, ser dispensado de atividades pra isso, ter uma infraestrutura que lhe possibilite sair da escola para se ocupar da ideia da formação do professor, das praticas de formação dos professores, fazer de fato esta articulação. E ser alguém que entende também do processo de aprender a ser professor e que esteja observando isto, que esteja preocupado com este processo, que esteja preparado. Então não é todo professor que poderia, porque tem professor que não está interessado nessa questão. A interventoria, dessa forma, é composta de um apanhado de necessidades, possibilidades trazidas por estagiários, professores da escola, equipe gestora, Secretaria Municipal de Educação, bem como pela relação de proximidade e reciprocidade entre universidade e escola. É uma proposta de acompanhamento de estagiários que visa superar alguns limites, criar possibilidades e estratégias de formação docente que possam partir de dentro da profissão (NÓVOA, 2011). Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br 147 CONSIDERAÇÕES E POSSIBILIDADES Com o rol de reflexões apresentadas no artigo, pudemos notar que o acompanhamento de estagiários vem sendo realizado de diversas formas. Porém, partimos do pressuposto ou hipótese de que as concepções de formação pautadas na “prática como imitação de modelos”, na “prática artesanal” e/ou na “prática como instrumentalização técnica” são um obstáculo natural para o desenvolvimento dos estágios curriculares. Esse obstáculo se traduz em uma das fortes representações que tendem a estar presentes no acompanhamento dos professores em formação no qual aprendem “a ensinar in loco, pela experiência e imitando os professores mais experientes” (TARDIF, 2013, p. 555). Na realidade brasileira essa crença também se expressa no slogan de que “os professores se tornam professores sendo professores”. Por outro lado, a tutoria, a mentoria e a supervisão pedagógica ou reflexiva apontam para um novo modo de olhar para o estágio, visando superar as antigas estratégias de formação que muitas vezes não surtiam efeito no momento da prática profissional. Perez-Gómez (1992, p. 111-113) apresentou um itinerário a ser considerado nesse processo, destacando quatro elementos: a prática como o eixo central do currículo e do processo de formação; a metodologia; os formadores; e as escolas de desenvolvimento profissional. No primeiro elemento, o autor destaca que a prática é vista mais como um processo de investigação que como um contexto de aplicação, devendo levar ao desenvolvimento do pensamento prático do professor de modo a capacitá-lo a intervir de forma competente. O que nos leva ao segundo elemento, em que se priorizam os métodos etnográficos e qualitativos para o estudo de situações divergentes da prática, visando entendê-la em seu contexto. No que tange ao terceiro elemento, é dada devida importância aos professores da escola, preconizando-se a presença de professores experientes que possam desenvolver um ensino reflexivo e uma inovação educativa, assim como cuidar da própria autoformação como profissionais. Nesse sentido, os formadores (professor supervisor ou professor tutor) assumem, juntamente com a prática, um papel fundamental dentro do currículo de formação profissional. Rumo a esse processo, são importantes as escolas de desenvolvimento profissional, quarto elemento, pois nelas se celebra a parceria entre universidade e escola como lugares de formação. No bojo dessas reflexões, a interventoria propõe olhar para o estágio como um campo de conhecimento e não apenas como uma disciplina da universidade. Visa colaborar com essa questão, a partir do momento em que se colocam novos atores para pensarem juntos sobre o estágio a partir da prática. Porém, é uma proposta em construção e em consolidação. Com tais compreensões, a interventoria caminha para uma formação de professores que tem como ponto de partida o interior da profissão docente, como aponta Nóvoa (2011) acerca da profissionalização docente. Assim, o que significa essa proposta? Significa pensar que a formação de professores deve partir do envolvimento e do interesse dos docentes da escola e da instituição escolar, assim como da própria universidade. Mas é necessário que atuem de forma consciente, ou seja, que a formação de seus futuros professores e colegas de trabalho ocorra a partir da escola, e que haja mobilização da própria classe para apontar as melhores condições e maneiras que um professor deve ser formado, podendo a universidade buscar tais elementos para compor a formação inicial de professores. 148 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 05, n. 08, p. 136-152, jan./jun. 2013. Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br REFERÊNCIAS ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. BORGES, C. A formação docente em Educação Física em Quebec: saberes espaços, culturas e agentes. In: TRAVERSINI, C. et al. (Orgs.) Trajetória e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas: livro 2. 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