É viável direcionar a execução contra o sócio no caso de recuperação judicial da
sociedade executada?
Sim. Mediante a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada, a ser
adotada com fundamento no art. 28, caput e § 5º, do CDC, aplicáveis por analogia. Se é
admitida a penhora de bens dos sócios no
caso de falência da sociedade executada, por
idêntico fundamento é de ser admitida a penhora de bens dos sócios no caso de recuperação
judicial da sociedade executada.
1
Fundamento legal: CDC, art. 28, § 5º, por analogia; CC, arts. 827 e 828, III, por
2
3
analogia; Lei nº 6.019/74, art. 16, por analogia.
Doutrina:
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FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA:
“Não deve ser descartada a penhora de bens do sócio, em caso de falência. Com certeza, o
sócio não conseguirá indicar bens da empresa conforme lhe permite o art. 596, CPC, em face
da arrecadação dos bens pelo administrador judicial. A situação do empregado em comparação
com o estado falimentar da empresa é de res inter alios. O empregado não corre o risco do
empreendimento, pois jamais participa dos lucros; não tem possibilidade de ingerência nos
destinos da empresa; deu a sua força de trabalho em benefício da empresa, força de trabalho
essa que jamais poderá ser revertida. Se alguém deve responder perante os créditos
trabalhistas, em caso de quebra, são os sócios, e não o empregado. São eles, sócios, os
únicos culpados pela quebra, já que o risco é próprio do empreendimento. E o risco não pode
ser transferido ao trabalhador (teoria da disregard of legal entity).”
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ARI PEDRO LORENZETTI:
“Por outro lado, conforme observa Arion Mazurkevic, nada impede que o credor
trabalhista, mesmo após ter-se habilitado perante a massa falimentar, promova, perante a
Justiça do Trabalho, a execução dos responsáveis subsidiários. E justifica: ‘A habilitação não
corresponde à garantia do juízo, nem assegura a satisfação do crédito. Tão-somente permite
que o credor passe a figurar no quadro geral de credores e posteriormente participe, com a
realização do ativo (expropriação dos bens arrecadados), do rateio para o seu pagamento.
Esse pagamento, por sinal, pode não ser integral, bastando que o ativo seja insuficiente para a
satisfação de todos os créditos trabalhistas habilitados. Habilitado o crédito trabalhista perante
o juízo da falência e prosseguindo-se a execução em face do sócio ou administrador na Justiça
do Trabalho, havendo a satisfação integral ou parcial em um destes juízos, bastará seja
comunicado ao outro para a adequação ou extinção da execução,
não gerando
qualquer prejuízo às partes ou à massa falida. Do contrário, compelindo o credor a optar por
uma dessas formas de execução, fatalmente se estará relegando-o a sorte do meio escolhido,
em detrimento ou em favorecimento dos demais credores que escolheram o outro meio.’ Para
que a execução se processe contra o responsável subsidiário, não é necessário que o credor
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CDC: “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do
consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
...
§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
2
CC: “Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que
sejam primeiro executados os bens do devedor.
Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nom ear bens do devedor,
sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.
Art. 828. Não aproveita este benefício ao fiador:
...
III – se o devedor for insolvente, ou falido.”
3
Lei nº 6.019/74: “Art. 16. No caso de falência da empresa de trabalho temporário, a empresa tomadora ou cliente é
solidariamente responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, no tocante ao tempo em que o
trabalhador esteve sob suas ordens, assim como em referência ao mesmo período, pela remuneração e indenização
prevista nesta lei.”
4
Francisco Antonio de Oliveira, Execução na Justiça do Trabalho, 6ª edição, Editora RT,
São Paulo, 2007, p.
253.
Ari Pedro Lorenzetti, A Responsabilidade pelos Créditos Trabalhistas, Editora LTr, São Paulo, 2003, p. 25.
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demonstre haver esgotado todas as possibilidades de recebimento perante o devedor ou
responsável principal. Assim, se o devedor, uma vez citado para efetuar o pagamento, ficar
inerte, não solvendo a dívida nem indicando bens à penhora, é o quanto basta para que a
execução possa voltar-se contra os responsáveis subsidiários.”
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FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA:
“É princípio informador do direito do trabalho que ‘o empregado não corre o risco do
empreendimento, já que também não participa dos lucros’. Em não havendo bens que
suportem a execução forçada – insolvência, concordata, falência, liquidação extrajudicial,
desaparecimento dos bens da pessoa jurídica etc. –, os sócios responderão pelos débitos
trabalhistas com os seus patrimônios particulares.”
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MARCELO PAPALÉO DE SOUZA:
“Matéria interessante a ser analisada é a respeito das obrigações solidárias ou subsidiárias
dos coobrigados em relação à devedora (responsável principal) em recuperação judicial. Como
já referido em vários tópicos, o deferimento do processamento da recuperação judicial acarreta
a suspensão das execuções em face do devedor. Será que essa suspensão se transfere ao
responsável solidário ou subsidiário? A resposta é negativa, por força do disposto no art. 49, §
1º, LRF, que estabelece que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus
direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. Portanto, em se
tratando de responsável solidário não há qualquer discussão a respeito, pois a execução
prosseguirá em razão deste, fica suspensa em relação ao devedor que está em recuperação
judicial. Caso haja pagamento, deverá ser informado ao juízo da recuperação para ser
excluído o valor do quadro geral de credores. Já quanto ao responsável subsidiário, maiores
dúvidas surgirão em face do benefício de ordem que este pode invocar para o pagamento da
obrigação (arts. 827 e 828 do C. Civil). Pode até parecer contraditória a situação da
continuidade da execução em face do responsável subsidiário, haja vista a suspensão em face
do devedor principal, mas esta foi a opção legislativa prevista no art. 49, § 1º, LRF.
A
legislação faz referência expressa em relação ao fiador que, no Código Civil, como regra geral, é
responsável subsidiário. Assim, invocando a proteção ao crédito trabalhista, dada sua natureza
alimentar e a necessidade de celeridade da execução trabalhista, concluímos que a execução
trabalhista, em relação ao responsável subsidiário, deve prosseguir, em que pese estar
suspensa em relação ao principal. Ressaltamos que o responsável subsidiário poderá exigir o
ressarcimento ao principal pelo pagamento efetuado.”
Enunciado nº 20 da Jornada Nacional da Justiça do Trabalho sobre Execução
(Cuiabá/MT - 2010): “Falência e Recuperação Judicial. Prosseguimento da execução
trabalhista contra coobrigados, fiadores, regressivamente obrigados e sócios. Possibilidade. A
falência e a recuperação judicial, sem prejuízo do direito de habilitação de crédito no juízo
universal, não impedem o prosseguimento da execução contra os coobrigados, os fiadores e os
obrigados de regresso, bem como os sócios, por força da desconsideração da personalidade
jurídica.”
Jurisprudência:
EMENTA: “AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO DE COMPETÊNCIA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA CONSTRIÇÃO DE BENS DOS SÓCIOS - RECURSO NÃO PROVIDO. I. Não configura conflito
de competência a constrição de bens dos sócios da empresa em recuperação judicial, à qual
foi aplicada, na Justiça Especializada, a desconsideração da personalidade jurídica.
Precedentes.
II. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg no CC
121.636/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 27.06.2012, DJe
01.08.2012)
EMENTA: “AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO
JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE EM
RECUPERAÇÃO POR JUÍZO TRABALHISTA. CONSTRIÇÃO DE BENS DE SÓCIO E DE
OUTRA SOCIEDADE DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. PESSOAS NÃO ENVOLVIDAS NO
6
Francisco Antonio de Oliveira, Execução na Justiça do Trabalho, 6ª edição, Editora RT,
São Paulo, 2007, p.
263.
Marcelo Papaléo de Souza, “Efeitos da Lei de Recuperação Judicial e Falência na Execução Trabalhista”. In: Curso
de Processo do Trabalho, Luciano Athayde Chaves, organizador, Editora LTr, São Paulo, 2009, p. 1054.
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JUÍZO DA RECUPERAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA NA
ESPÉCIE. 1. Não configura conflito positivo de competência a apreensão, pela Justiça
Especializada, por aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard
doctrine), de bens de sócio da sociedade em recuperação ou de outra sociedade do mesmo
grupo econômico, porquanto essas medidas não implicam a constrição de bens vinculados ao
cumprimento do plano de reorganização da sociedade empresária, tampouco interferem em
atos de competência do juízo da recuperação. Precedentes. 2. Os bens dos sócios ou de
outras sociedades do mesmo grupo econômico da devedora não estão sob a tutela da
recuperação judicial, a menos que haja decisão do Juízo da recuperação em sentido contrário.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg no CC 121.487/MT, Rel. Ministro
RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 27.06.2012, DJe 01.08.2012)
EMENTA: “PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO. AGRAVO REGIMENTAL.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA
EMPRESA. CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS. INEXISTÊNCIA DA MESMA
PROVIDÊNCIA PELO JUÍZO UNIVERSAL. NÃO-CONHECIMENTO. I. Não configura conflito de
competência a constrição de bens dos sócios da empresa em recuperação judicial, à qual foi
aplicada, na Justiça Especializada, a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes.
II. Tal regra comporta exceção somente quando o Juízo universal estender sobre os mesmos
os efeitos da recuperação, quando cabível. III. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no
CC 99583/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em
24.06.2009, DJe 17.08.2009)
EMENTA: “AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO.
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA
EMPRESA RECUPERANDA. CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS. INEXISTÊNCIA
DE PROVIDÊNCIA PELO JUÍZO UNIVERSAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO. 1. “Não configura conflito de competência a constrição de bens dos sócios da
empresa em recuperação judicial, à qual foi aplicada, na Justiça Especializada, a
desconsideração da personalidade jurídica.” (AgRg no CC 99.583/RJ,
Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, Julgado em 24.06.2009, DJe 17.08.2009) 2.
Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, AgRg em ED no CC 121.613-GO
(2012/0056022-3), Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento:
26.02.2014, S2 - SEGUNDA SEÇÃO)
EMENTA:
“DESCONSIDERAÇÃO
DA
PERSONALIDADE
JURÍDICA.
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS. Em princípio, os sócios das sociedades de
responsabilidade limitada não respondem pelas obrigações contraídas
em nome da
sociedade, a não ser nos estritos limites de sua participação societária, conforme art. 2º do
Decreto-Lei nº 3.708/19. Entretanto, o mesmo diploma legal estabelece a exceção contida no
art. 10, pela qual, inexistindo bens da sociedade passíveis de garantir os débitos por ela
assumidos, responderão seus sócios pelas obrigações societárias, de forma ampla (solidária).
Outrossim, restou abraçada pela doutrina e pela jurisprudência trabalhista a teoria da
desconcentração da pessoa jurídica (‘disregard of legal entity’), através da qual se
desconsidera a personalidade jurídica da empresa, se esta for, por algum motivo, óbice à
percepção, pelos empregados, dos direitos devidos e pelos prejuízos a eles causados. Logo, seja
pela teoria da desconsideração da pessoa jurídica, seja pela previsão expressa do Decreto-Lei
nº 3.708/19,
é possível atribuir a responsabilidade solidária ao sócio da sociedade por
responsabilidade. Assim, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade
quando, em detrimento do consumidor, e, também, do empregado, ocorrer falência ou o estado
de insolvência, ainda que não decorrente de má administração. Nenhuma dúvida a respeito
deixa o disposto no § 5º do art. 28 da Lei nº 8.078/90 ao estabelecer que ‘também poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores’. O empregado, economicamente
fraco, como o consumidor, recebe a proteção da lei para garantir o equilíbrio necessário em
suas relações com a parte economicamente forte no contrato celebrado. Daí porque o Código
de Proteção ao Consumidor aplica-se subsidiariamente ao Direito do Trabalho. No caso
vertente, tenho que restou, claramente, configurada a precariedade econômica das
Reclamadas para quitar os débitos trabalhistas, já que restou inconteste nos autos o
fechamento das duas lojas das Rés. Destarte, deverão ser mantidos na lide os 3º, 4º e 5º
Reclamados, os quais responderão pelos créditos devidos ao Reclamante, caso a 1ª e 2ª
Reclamadas não possuam bens suficientes para quitarem o débito exeqüendo.” (TRT 3ª
Região, 00505-2007-107.03-00-5, Rel. Luiz Otávio Linhares Renault, DJMG 16.02.2008).
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É viável direcionar a execução contra o sócio no caso