Recuperação Judicial da GDK
Ermiro Ferreira Neto
Professor de Direito Civil da Faculdade Baiana de Direito e da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (2009/2011).
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, em nível de Mestrado (PPGD-UFBA).
Advogado, sócio de Fiedra Advocacia Empresarial
Conforme noticiado por alguns veículos de comunicação ao longo desta semana, a
empreiteira baiana GDK requereu a abertura de procedimento de recuperação judicial,
junto à 3ª Vara Cível da comarca de Salvador.
À parte questões de cunho econômico e político envolvidas em um fato como esse, a
notícia atrai os holofotes para uma prestigiosa área do Direito, tão ilustre quanto temida
pela maior parte dos empresários: a recuperação de negócios, também conhecida pela
expressão turnaround management.
A quebra de uma sociedade empresária é um evento não desejado pelo Direito. E assim
é porquanto uma situação de insolvência, arrastada ao longo do tempo, traz sempre
consigo uma série de efeitos colaterais causados a todos aqueles que mantém relações
com a empresa, a exemplo de empregados, fornecedores e a cadeia de consumo como
um todo. A fim de equilibrar todos estes interesses, a ordem jurídica confere ao
empresário em crise a prerrogativa de, cumpridos certos requisitos, apresentar um plano
de recuperação, ganhar fôlego na gestão e adimplir com suas obrigações de maneira
planejada.
Este caminho, antes encarado com medo e não raro visto como o último respiro de vida
da empresa, não tem sido mais encarado desta forma pejorativa em situações de crise.
Por ele, passaram nos últimos anos players de setores diversos, como Parmalat, Vasp,
Filizola, Teka, Editora Três; na Bahia, a FTC e, recentemente, a GDK.
A razão para esta mudança de visão é tão simples quanto óbvia: a alternativa à
recuperação na maior parte das vezes é a falência, circunstância regulada fortemente
pela lei, com previsão contundente de créditos preferenciais -- onde os acordos entre
credores e devedor detém eficácia mínima.
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Os procedimentos de falência, recuperação extrajudicial e judicial encontram-se
previstos na Lei federal n. 11.101/2005. Nestes dois últimos casos, a lei confere à
sociedade empresária a possibilidade de apresentar um plano de pagamento dos débitos
(plano de recuperação), que poderá ser homologado pelo Poder Judiciário ou pelos
credores (assembléia de credores).
Até o momento da apresentação deste plano, no entanto, o juiz deverá determinar (i) a
dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas
atividades, exceto para contratação com o Poder Público (art. 52, inc. II) e (ii) ordenará
a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor (art. 52, inc. III) -- direitos
previstos em lei com o objetivo de garantir algum fôlego à empresa ao longo do
procedimento de recuperação.
Conforme decisão divulgada na imprensa, parece ter sido exatamente este o caso da
GDK, tendo o juiz determinado:
“a dispensa de apresentação de certidões negativas para que a
Requerente exerça suas atividades ou seus sócios, nesta fase processual,
exceto para a contratação com o poder público” e “a suspensão de todas
as ações e execuções contra a Requerente por débitos abrangidos pela
recuperação judicial pelo prazo de 180 dias, a partir da presente data”.
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Uma questão, no entanto, pode se colocar nestas situações: e se os contratos
mantidos com a empresa em recuperação forem rescindidos? Ou ainda, dito de outro
modo: os contratos mantidos com a empresa em recuperação podem ser resolvidos
unilateralmente pelo mero fato desta encontrar-se sob regime da Lei n. 11.101/2005?
A dúvida decorre da existência de dois pontos de vista distintos. É que, de um
lado, o espírito do instituto da recuperação judicial é, efetivamente, permitir o
soerguimento da empresa em crise, o que restaria impedido caso as empresas para as
quais esta preste serviço simplesmente resolvessem unilateralmente os contratos. Por
outro giro, no entanto, não parece desarrazoado que tais empresas tenham legítimo
receio quanto à possibilidade da empresa em recuperação cumprir seus compromissos -e, neste contexto, busquem de logo resolver seus contratos e buscar novos parceiros.
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O problema toca em ponto sensível da regulação das chamadas cláusulas
resolutivas expressas. Sob um primeiro lance de vista, havendo cláusula resolutiva que
permita resolver o contrato em função de uma das partes ter se submetido ao regime de
recuperação, é possível admitir-se a incidência direta do artigo 474, Código Civil, tudo
de modo a permitir o fim do negócio jurídico.
Contra esta interpretação, todavia, alega-se que a cláusula resolutiva expressa
apenas gera efeitos em situações efetivas de inadimplemento, e não de mero receio -como ocorreria nas situações de recuperação judicial. Tal entendimento prestigiaria o
princípio da conservação do negócio jurídico, uma vez que é rigorosamente possível
que a empresa, conquanto em recuperação, possa continuar cumprindo com seus
contratos. E, demais disso, a mesma linha também parece alcançar o princípio da
conservação da empresa (art. 47, Lei n. 11.101/2005; STJ, 3ª Turma, REsp n.
1299981/SP, rel. Min. Massami Uyeda).
Seja como for, mesmo este último argumento poderia esbarrar na circunstância
de que não há em relações empresariais, ordinariamente, situações de hipossuficiência.
Nestas situações, a doutrina tem proposto cautela na aplicação de normas dirigistas,
conforme restou assentado no enunciado n. 21 da I Jornada de Direito Comercial: “Nos
contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a
simetria natural das relações interempresariais”.
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Enfim, por tudo o quanto de econômico e juridicamente relevante envolvido, o
desfecho final do caso merece a atenção de todos aqueles que militam na área
Cível/Empresarial.
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