AS RESERVAS TÉCNICAS DOS MUSEUS E OS OBJETOS
Andréa Lacerda Bachettini / Universidade Federal de Pelotas
Juliane Conceição Primon Serres / Universidade Federal de Pelotas
Carla Rodrigues Gastaud / Universidade Federal de Pelotas
RESUMO
O presente artigo apresenta uma reflexão sobre os objetos e as reservas técnicas dos
museus, fazendo parte do projeto de tese de doutorado desenvolvido na linha de pesquisa
“Instituições de Memória e Gestão de Acervos”, do Programa de Pós-graduação em
Memória Social e Patrimônio Cultural do Instituto de Ciências Humanas da Universidade
Federal de Pelotas.
PALAVRAS-CHAVE
objetos; reserva técnica; conservação preventiva; museu.
ABSTRACT
This article presents a reflection on the objects and storages of museums as part of the
doctoral thesis project developed in the research line "Memory Institutions and Archives
Management", at the Post-graduation Program in Social Memory and Cultural Heritage,
Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Pelotas.
KEYWORDS
objects; storage; preventive conservation; museum.
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Andréa Lacerda Bachettini / Universidade Federal de Pelotas
Juliane Conceição Primon Serres / Universidade Federal de Pelotas
Carla Rodrigues Gastaud / Universidade Federal de Pelotas
Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro
É preciso, inicialmente, apresentar alguns conceitos importantes acerca dos objetos
e das reservas técnicas dos museus, os quais serão tratados neste artigo com a
intenção de fazer uma reflexão sobre estes espaços de guarda dentro das
instituições museais.
O primeiro conceito apresentado é o de objeto que tem sua origem no latim objectu
e significa: por, lançar, diante, expor. Ainda pode significar:
“1. Tudo que é aprendido pelo conhecimento, que não é sujeito do
conhecimento. 2. Tudo que é manipulável e/ou manufaturável. 3.
Tudo que é perceptível por qualquer dos sentidos...”. (DICIONÁRIO
AURÉLIO, 1986, p.1208)
Já na filosofia o significado é generalíssimo e corresponde ao significado de coisa.
“O objeto é o fim a que se tende a coisa que se deseja, a qualidade ou a realidade
percebida, a imagem da fantasia, o significado expresso ou o conceito pensado”.
(ABBAGNANO, 2000, p. 732)
Outro significado que “os objetos apresentam é o seu caráter artificial já que é um
produto manufaturado e especifico do homem” (SOARES, 1998, p.34).
Este caráter é assinalado por Moles (apud SOARES, 1998, p.34) quando diz:
O objeto tem ao mesmo tempo um caráter passivo e fabricado. Ele é
fruto do Homo Faber e mais ainda, produto de uma civilização
industrial: uma caneta, uma lâmpada de escritório, um ferro de
passar, são objetos no mais completo sentido da palavra.
No que se refere à obra de Pomian (1984, p. 66) os objetos “participam no
intercâmbio que une o mundo visível e o invisível”. Para o autor situar os objetos que
“representam o invisível”, “sua recolha e, sobretudo, a produção de objetos que
representam o invisível testemunham a emergência da cultura no sentido próprio do
termo”. Seria a separação da natureza. Antes de produzir instrumentos a vida do
homem era totalmente atrelada ao visível. Divisão do mundo visível: de um lado os
objetos, coisas úteis “tais como podem ser consumidos ou servir para obter bens de
subsistência”, objetos que sofrem “modificações físicas, consomem-se”. De outro
lado, “os semióforos, objetos que não tem utilidade, são dotados de um significado,
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não sendo manipulados, mas expostos ao olhar, não sofrem usura” (POMIAN, 1984,
p. 71).
No que diz respeito à relação da utilidade e significado no caso dos objetos, Pomian
apresenta três situações possíveis: 1) uma coisa tem apenas utilidade sem ter
significado; 2) um semióforo tem apenas significado sem ter utilidade; 3) objetos que
podem parecer ao mesmo tempo coisas e semióforos. Mas todos necessitam um
observador que os atribui sentido. Portanto, “um semióforo ascende à plenitude do
seu ser semióforo quando se torna uma peça de celebração e, o mais importante, é
que a utilidade e o significado são reciprocamente exclusivos: quanto mais carga de
significado tem um objeto, menos utilidade tem, e vice-versa” (POMIAN, 1984, p.72).
Deve-se acrescentar neste momento o termo “objeto de museu” ou musealia (pouco
utilizado), “é uma coisa musealizada, sendo “coisa” definida como qualquer tipo de
realidade em geral” (DESVALLÉES e MAIRESSE, 2013, p. 68).
Segundo Desvallées e Mairesse (2013, p. 68): “a expressão ‘objeto de museu’
poderia passar por pleonasmo, na medida em que o museu é o local destinado a
abrigar objetos, mas também um local cuja função principal é a de transformar as
coisas em objetos.”
Para os autores “é possível apresentar o museu como uma das grandes instâncias
de ‘produção’ de objetos” pelo seu trabalho de aquisição, de pesquisa, de
preservação e de comunicação (DESVALLÉES e MAIRESSE, 2013, p. 69).
Desvallées e Mairesse (2013, p. 70) afirmam que:
Os
objetos
no
museu
são
desfuncionalizados
e
“descontextualizados”, que significa que eles não servem mais ao
que eram destinados antes, mas que entraram na ordem do
simbólico que lhes confere uma nova significação (o que conduziu
krysztof Pomiam a chamar esses “portadores de significado” de
semiófaros) e a lhes atribuir um novo valor – que é primeiramente
museal, mas que pode vir a possuir valor econômico Tornando-se,
assim, testemunhos (con) sagrados da cultura.
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Certamente que todos os conceitos e definições sobre o “objeto” exposto acima
estão relacionados com vida do homem em seu habitat, que faz sua utilização e dá
sua significação a estes objetos.
Portando, pergunta-se “por que se guardam objetos?” Guardam-se coisas que nos
são caras, para recordar e para não esquecer.
Conforme abordado por Mendonza guardar objetos para usá-los no futuro é uma
constante da espécie humana. Todo objeto guardado, “conservado” neste sentido
simples, fica subtraído à temporalidade presencial e se transforma numa
temporalidade indefinida, que pode depender tanto do objeto em si ou do sujeito que
decidirá quando voltará a usá-lo (2005, p. 218).
De acordo com Mendonza (2005, p. 219) é claro que não se guarda todos os objetos
com esta intenção, pois, já que desde que se decide conservá-los sabe-se que não
poderão prestar o mesmo uso. Portanto, se guarda objetos porque são testemunhos
de um presente que se quer recordar. E ainda, porque representam a possibilidade
de evocar um passado cuja memória se quer conservar, mediante a um suporte
físico. Em suma, os objetos se tornam apoios da memória.
A autora ainda afirma que quem guarda algo na realidade não guarda só para si e
para sua própria memória e, sim, o guarda para qualquer outro sujeito capaz de
compreender, no futuro, o sentido desse objeto (MENDONZA, 2005, p. 219).
Sem dúvida, conservar diversos objetos do passado para o futuro é um feito decisivo
para a cultura humana (MENDONZA, 2005, p. 220).
Nas palavras de Vera Tostes (2005, p. 75) a instituição museal no mundo
contemporâneo não pode ser ignorada pela sua “trajetória multicentenária”, pois são
nos museus que estão armazenadas as coleções que “podem estabelecer estreito
laço afetivo com os usuários”.
Logo nesse local museal de memória é possível estabelecer relações entre a cultura
material e imaterial, já que é uma característica humana de guardar quase tudo que
se produz.
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Para Tostes (2005, p. 75) este comportamento gera um apego ao que é material,
tanto pessoal como coletivo, justificado razão de salvaguardar a memória. Mas
justifica-se dizendo que “o apego à vida é inerente à natureza humana e acaba se
manifestando de diversas formas”, dentre elas o “ato de colecionar” e de “preservar
o que é colecionado”.
De acordo com Carreño (2004, p.11) o museu teve sua origem no recolhimento e na
conservação de objetos valiosos, que para o autor são chamados de bens culturais,
que, em princípio, se reuniram para ostentação de poder, admiração das qualidades
e também com fins científicos, para finalmente fins educativos, colocando-os ao
alcance da sociedade.
Desvallées e Mairesse (2013, p. 22) dizem que: “concretamente, o museu trabalha
com objetos que formam as coleções”.
Retomando Tostes (2005, p. 76), a maioria dos museus tem como missão central
coletar e preservar, os museus ditos nacionais “onde as coleções estão em
permanente atualização”, o que torna o apego mais acentuado. Uma vez que este
apego faz com que se colete e preserve quase tudo, cria-se, portanto, um desafio
para as instituições, mas principalmente, para os “museus contemporâneos que é o
de saber o que coletar, o que preservar e o que fazer com o grande número de
objetos, sobretudo os que estão em suas reservas técnicas”.
Vale lembrar que as reservas técnicas são justamente o lugar de guarda dos objetos
e coleções que não estão em exposição, são elas o nosso principal interesse de
estudo.
Não se pode negar a importância desse espaço dentro das instituições, mas ao
mesmo tempo porque as reservas técnicas, que são o local de guarda dos acervos
das instituições museológicas, muitas vezes são esquecidas ou até negligenciadas
por essas mesmas instituições, uma vez que as reservas técnicas armazenam as
coleções e os objetos que possibilitam a preservação da memória e do patrimônio
de uma sociedade.
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As áreas de reserva técnica surgiram “da necessidade se reduzir as coleções
permanentes”, com isso, os museus no início do século XX tomam consciência da
necessidade de adequar os espaços do museu para salvaguarda dos objetos
(DESVALLÉES e MAIRESSE, 2013, p. 30).
Quanto ao episódio pós Segunda Guerra Tostes (2005, p.78–79) diz: a respeito à
reorganização das galerias após o término da guerra, com os graves problemas
socioeconômicos que os países enfrentavam, os museus tiveram que passar a exibir
novas práticas como também definir novos critérios para as condições ideais de
conservação. Os museus tiveram que deixar suas bases tradicionais e adaptaram
estratégias mais didáticas e sociais para mostrar a realidade pretendida. Isto trouxe
a necessidade da criação de espaços de guarda, as reservas técnicas, que
passaram a receber grande número de itens, quando foram estabelecidas normas
para a existência e conservação das coleções.
Portanto, só na segunda metade do século XX, novas funções aparecem e
conduzem a modificações arquiteturais:
multiplicação das exposições temporárias, permitindo uma
distribuição diferente das coleções entre exposições de longa
duração e os das reservas técnicas; desenvolvimento de estruturas
de acolhimento, espaços de criação (ateliês pedagógicos) e áreas de
descanso, o que se deu com a criação de espaços multiusos; e
desenvolvimento de livrarias e restaurantes, além da criação de lojas
para venda de produtos derivados. Contudo, paralelamente, a
descentralização por agrupamento e por subcontratação de algumas
funções dos museus demandou a construção ou a instalação de
espaços especializados autônomos: primeiramente os ateliês de
restauração e laboratórios, que podiam se especializar, colocando-se
a serviço de vários museus, depois as reservas técnicas implantadas
fora dos espações de exposição. (DESVALLÉES e MAIRESSE,
2013, p. 30)
No que se refere às reservas técnicas Antônio Mirabile (2010) considera a reserva
técnica particularmente importante para a preservação dos bens culturais, pois é o
local, onde com muita frequência, cerca de 95% do patrimônio do museu é
conservado. Para o autor, a reserva é o museu.
Hoje
as
reservas
técnicas,
em
algumas
instituições,
lembram
depósitos
desorganizados, são muitas vezes esquecidos e até negligenciadas. Claro que
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existem instituições em que as reservas técnicas apresentam as condições ideais
estabelecidas pelos organismos internacionais, mas não são muitas e, geralmente,
estão localizadas em museus nas grandes cidades.
Imagem apresenta uma reserva técnica desorganizada
Fonte: http://www.re-org.info/en/register/why-storage-reorganization
Conforme lemos em Carvalho (2007, p. 36) “objetos em museus são afetados pelas
condições de guarda e exposição”. É fato que as condições ambientais inadequadas
podem causar vários danos às coleções. Por isso, os estudos sobre as coleções que
compõe o acervo são importantes, pois podem dar sobrevida a uma coleção através
da manutenção das áreas de guarda e exposição em condições estáveis.
Para Tostes (2005, p. 79) a influência da nova tendência museológica só foi refletir
no Brasil somente no inicio da década de 1960. Os grandes museus nacionais
passam por uma reorganização do circuito expositivo se adequando aos recentes
conceitos, retirando das galerias o que era considerado excesso. No entanto, sem
um projeto de local definido para proteção do excedente, grande parte dos acervos
foi, em algumas instituições, depositada em salas fechadas com avançados níveis
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de insalubridade, provocando com o passar dos anos, a deterioração de alguns
objetos e a falta de controle sobre eles.
Só por volta de 1970 surge a ideia de reserva técnica em oposição aos depósitos
desorganizados.
Imagem apresenta uma reserva técnica organizada
Fonte: http://www.revistadacultura.com.br:8090/revista/rc46/index2.asp?page=capa
Mesmo que a conservação preventiva tenha surgido na década de 70 do século XX,
sabe-se que no Brasil ainda temos muito a avançar, principalmente nos aspectos
relativos à guarda e manutenção de acervos, ainda existe pouco investimento,
apesar de serem abertos editais para qualificação da área museológica como um
todo.
Para Güths (2007, p. 27 apud Thomson) “Um mau restaurador pode destruir uma
obra e um mau conservador pode destruir uma coleção inteira.” Esta frase é muito
impactante, mostra a responsabilidade do profissional da área diante da preservação
do patrimônio. As questões que esta afirmação coloca confirmam a importância da
conservação preventiva.
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No que diz respeito à história da conservação, Casanovas reitera o pensamento de
Thomson dizendo que a “conservação não pode ser escrita a partir das bem
intencionadas resoluções adaptadas em conferências, embora possam ser úteis”
(CASANOVAS, 2008, p. 25 apud THOMSON).
Thomson é um dos percussores dos estudos da área da conservação preventiva
juntamente com Gael de Guichen. Através do ICCROM os dois especialistas
formaram um grande número de profissionais que hoje ainda atuam em museus
espalhados pelo mundo.
Para muitos teóricos e profissionais, Gael de Guichen definiu da melhor maneira a
visão gerencial que assumiu a conservação preventiva no século XX e
consequentemente ainda hoje. Gael nos diz:
Onde ontem se viam objetos, hoje devem ser vistas coleções. Onde
se viam depósitos, devem ser vistos edifícios. Onde se pensava em
dias, agora se deve pensar em anos. Onde se via uma pessoa,
devem ser vistas equipes. Onde se via uma despesa de curto prazo,
deve-se ver um investimento de longo prazo. Onde se mostram
ações cotidianas, devem ser vistos programas e prioridades. A
conservação preventiva significa assegurar a sobrevida das coleções
(GUICHEN, 2012).
Corroborando, o conceito de conservação preventiva estabelecido pelo ICOM-CC
diz:
“são todas aquelas ações que tenham como objetivo evitar ou
minimizar futuras deteriorações ou perdas. Geralmente são
realizadas no contexto ou na área circundante ao bem, ou mais
frequentemente em um grupo de bens, seja qual for sua época ou
condições, são medidas e ações indiretas que não interferem nos
materiais e estruturas dos bens e não modificam a aparência do
bem”. (ABRACOR, 2010)
A conservação preventiva é o gerenciamento do ambiente da coleção, o que afastou
a posição dos conservadores como os únicos responsáveis pela preservação,
ampliando as suas possiblidades de ação e comprometimento num universo
multidisciplinar, envolvendo as esferas gerenciais e administrativas das instituições
culturais (CARVALHO, 2007).
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A Lei nº 11.904, do Estatuto dos Museus, no que se refere à Preservação,
Conservação, Restauração e Segurança:
Art. 21. Os museus garantirão a conservação e a segurança de seus
acervos. Parágrafo único. Os programas, as normas e os
procedimentos de preservação, conservação e restauração serão
elaborados por cada museu em conformidade com a legislação
vigente.
Art. 22. Aplicar-se-á o regime de responsabilidade solidária às ações
de preservação, conservação ou restauração que impliquem dano
irreparável ou destruição de bens culturais dos museus, sendo
punível a negligência.
Art. 23. Os museus devem dispor das condições de segurança
indispensáveis para garantir a proteção e a integridade dos bens
culturais sob sua guarda, bem como dos usuários, dos respectivos
funcionários e das instalações.
Parágrafo único. Cada museu deve dispor de um Programa de
Segurança periodicamente testado para prevenir e neutralizar
perigos.
É necessário frisar que o Estatuto dos Museus veio para qualificar a área
museológica, mas muitos museus ainda não conseguiram se adaptar às diretrizes
do estatuto. Espera-se que o Governo Federal continue investindo em programas
para qualificação dos museus.
Conforme Tostes (2005, p. 81) a realidade é hoje constituída de ações
independentes. Muitos museus apresentam pontos semelhantes como a carência de
pessoal e a falta de estratégias de segurança e conservação. Em âmbito
internacional o problema das áreas de guarda foi bem caracterizado pelo programa
RE-ORG, uma inciativa recente do ICCROM e da UNESCO, criado a partir de uma
pesquisa, em 2011, que apontou o abandono progressivo das áreas de
armazenamento dos museus, e apresentou resultados surpreendentes, mostrando
que este não é apenas um problema que afeta os países em desenvolvimento, mas
todos os países. A pesquisa apontou que 60% dos museus de todo o mundo estão
enfrentando este problema em particular, e as ferramentas e literatura sobre estas
questões são praticamente inexistentes.
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O historiador francês Dominique Poulot traz à discussão abertura das reservas
técnicas dos museus serem um direito democrático, não deixando a necessidade de
armazenagem dos objetos e que isso seria a materialização de um confisco
intolerável. (2013, p. 29) O autor afirma que a preocupação com as obras não
expostas é legítima. Sua argumentação diz:
Houve mesmo quem se divertisse, em determinado momento, em
imaginar que a abertura de reservas dos museus parisienses,
situados na periferia da cidade, poderia contribuir utilmente para sua
democratização. Com toda a evidência, tal postura remete a uma
inspiração de índole antropológica; as campanhas publicitárias
destinadas a incentivar as visitas aos museus, no decorrer dos
últimos dez anos, servem-se da promessa de revelar o segredo das
reservas – por ocasiões de jornadas específicas – como se tratasse
do último argumento. (2013, p.29)
A visitação das reservas técnicas conforme colocado por Poulot deixa a área da
conservação em alerta, muitos conservadores-restauradores ficam apreensivos, pois
a exposição dos objetos sempre é um risco, as questões de segurança, os fatores
de degradação, fatores ambientais e a própria ação humana sobre os objetos
merecem cuidados e estudos especializados.
O autor diz que a utopia de reservas suscetíveis de serem visitadas em nome da
comunicação parece renascer nos dias de hoje: tendo sido construído entre 2000 e
2002, o Schaulager – neologismo que significa ‘armazenar com a finalidade de
mostrar’ – é uma reserva acessível aos pesquisadores e coloca à sua disposição as
obras de uma Fundação na Basileia (2013, p.33).
A problemática da visitação das reservas técnicas merece atenção especial, levando
em consideração em primeiro lugar à segurança dos acervos, retomando o que diz
artigo 23 do Estatuto dos Museus: “Os museus devem dispor das condições de
segurança indispensáveis para garantir a proteção e a integridade dos bens culturais
sob sua guarda, bem como dos usuários, dos respectivos funcionários e das
instalações”.
Concluindo, o objeto quando musealizado passa a ter outra função,
é
“descontextualizado” e “desfuncionalizado”, se torna um “objeto de museu” ou
“musealia”, nas exposições estes objetos são usados como símbolos de uma
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determinada época ou narrativa histórica, desta forma, apenas uma pequena parte
do acervo dos museus é exposta.
Parafraseando Loreiro, os objetos passam por processos que os convertem em
coisas de outra natureza. Ao perderem suas funções originais e adquirirem função
representacional, todas essas coisas são investidas de papéis essencialmente
diferentes daquelas para os quais foram criados: passam a significar e a conferir
significado a diferentes experiências, desprendendo-se de uma realidade imediata
para remeter e evocar realidades ausentes. Longe de refletir ou espelhar tais
realidades, entretanto, os objetos as recriam através de uma operação de
ressignificação.
Esse processo de musealização envolve estratégias voltadas à preservação desses
objetos que foram retirados de seu contexto original e transferidos para o museu
com a intenção de salvaguardar a realidade da qual foram retirados, no entanto,
acabam recebendo outras ressignificações.
Nas reservas técnicas estão a maior parte das coleções dos museus, nelas os
“objetos” são catalogados, classificados e armazenados de acordo com as normas
internacionais estabelecidas para conservação dos acervos. Geralmente, nesse
processo de catalogação os objetos são reunidos por tipologias de materiais
deixando de lado a relação com seus antigos proprietários, o que pode ocasionar a
dissociação dos objetos com relação aos seus proprietários anteriores, acarretando
em perda de informação e consequentemente no empobrecendo de possíveis
leituras.
Em suma, é necessária a realização de uma qualificada documentação museológica
e principalmente que os espaços de guarda garantam as condições para a
preservação desses objetos.
Do que foi exposto e que se tem observado durante o desenvolvimento do projeto de
pesquisa de doutorado é que muitas áreas de reserva não têm as condições ideais
na maioria dos museus, por isso a necessidade de estudos que instrumentem as
instituições e suas reservas técnicas.
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Andréa Lacerda Bachettini, Juliane Conceição Primon, Carla Rodrigues Gastaud / Universidade Federal de Pelotas
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Brasília: MINC/IPHAN, 2005. p. 74-80.
Andréa Lacerda Bachettini
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural do
ICH/UFPel. Mestre em História pela PUCRS (2003). Especialista em Conservação e
Restauração de Bens Culturais pelo CECOR/EBA/UFMG. Especialista em Patrimônio
Cultural: Conservação de Artefatos pelo ILA/UFPel. Bacharel em Pintura e Gravura pelo
ILA/UFPEL. Professora do Departamento de Museologia e Conservação e Restauro do
Instituto de Ciências Humanas da UFPEL. E-mail: [email protected]
Juliane Conceição Primon Serres
Doutora em História pela UNISINOS (2009). Mestre em Museologia pela Universidad de
Granada, Espanha (2010). Mestre em História pela UNISINOS (2004). Licenciada em
História pela UFSM (2001). Professora do Departamento de Museologia e Conservação e
Restauro do Instituto de Ciências Humanas da UFPEL, atua nos Curso de Museologia e
Conservação e Restauro e no Programa de Pós-Graduação em Memória Social e
Patrimônio Cultural. E-mail: [email protected]
1809
AS RESERVAS TÉCNICAS DOS MUSEUS E OS OBJETOS
Andréa Lacerda Bachettini, Juliane Conceição Primon, Carla Rodrigues Gastaud / Universidade Federal de Pelotas
Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro
Carla Rodrigues Gastaud
Doutora em Educação pela UFRGS (2009). Mestre em História pela UFRGS (1998).
Graduada em História pela UFPEL (1994). Graduada em Direito pela UFPEL (1987).
Professora e Chefe do Departamento de Museologia e Conservação e Restauro do Instituto
de Ciências Humanas da UFPEL, atua nos Curso de Museologia e no Programa de PósGraduação em Memória Social e Patrimônio Cultural. E-mail: [email protected]
1810
AS RESERVAS TÉCNICAS DOS MUSEUS E OS OBJETOS
Andréa Lacerda Bachettini, Juliane Conceição Primon, Carla Rodrigues Gastaud / Universidade Federal de Pelotas
Comitê Patrimônio, Conservação e Restauro
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