Os desafios do ensino de
História no Brasil
Renato João de Souza1
João Ricardo Ferreira Pires2
A
tualmente, vêm-se discutindo importantes questões acerca do ensino de História no Brasil, seus desafios, limites e, principalmente, como melhorar seu desenvolvimento prático na sala de aula. Num contexto onde
a educação passa por vários problemas estruturais, suas práticas precisam ser repensadas e
melhor adaptadas. Discutir seus objetivos, seus
métodos e, especialmente, sua ligação com o
universo acadêmico torna-se um imperativo se
queremos melhorar o ensino e aprendizagem
da disciplina no País.
Aqui apresentaremos um breve histórico do
ensino de história no Brasil, desde a chegada
dos europeus até as discussões atuais, acerca
dos novos objetivos que a disciplina adquiriu
no atual momento de consolidação democrática. Pensaremos ainda na importância de ampliação dos diálogos entre o conhecimento escolar
e o acadêmico, pois se há questões que os diferenciam, há vários pontos em que se encontram,
ou pelo menos deveriam se encontrar.
BREVE HISTÓRICO DO ENSINO DE
HISTÓRIA NO BRASIL
O ensino de História no Brasil é marcado
tanto pela historiografia e suas mudanças como
também pelas características sociais e políticas
de cada tempo. Assim, ao longo de cada época, tanto no âmbito escolar como no meio aca-
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dêmico, as transformações são constantes.
No período colonial, a educação desenvolveu-se muito pouco ficando a encargo da Igreja, especialmente da Companhia de Jesus, principal ordem religiosa atuante nesse período.
Assim, a educação, além de muito restrita, era
diretamente vinculada às ideias religiosas. A
história ensinada era quase unicamente história bíblica ou hagiográfica. Era na verdade uma
matéria encarregada de ajudar na catequese e
na formação de uma moral católica.
O surgimento da História enquanto ciência,
no século XIX, vai favorecer sua regulamentação como disciplina escolar. É neste contexto
que vão surgir os primeiros manuais escolares
como o produzido por Joaquim Manuel de
Macedo, professor do colégio Pedro II, do qual
emanavam as tendências educacionais para o
resto do País. É preciso considerar, ainda a partir da década de 1840, a importância do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB),
que amparado pelo próprio imperador, tomará
para si a missão de escrever a história oficial do
País. E não só isso, esse instituto estará às voltas com a questão da nacionalidade, ou seja,
visava à construção da identidade nacional. Sua
produção influenciou profundamente o ensino
escolar, principalmente ao dotar a história de
um caráter civilizacional, ligando a História do
Brasil à História Europeia, então modelo de civilização a ser seguido.
Graduado pelo ISED/FUNEDI/UEMG e Mestrando na UFJF.
Professor da FUNEDI/UEMG e Mestre pela UFMG.
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Nesse período, Estado e Igreja vão definir
os currículos, pois, se por um lado se ensinava
uma história religiosa, por outro se buscava a
exaltação de Estado e visava à formação de
súditos obedientes ao imperador.
“História sagrada e a História profana, ou
civil, acabava por fundir, de certa forma,
alguns objetivos das duas. Isso ocorria
porque à História atribuía-se a função de
formação moral das crianças e jovens, fosse pelos princípios cristãos e pela doutrina
da religião católica, fosse pelo conhecimento de fatos notáveis do império."(FONSECA, 1998, P. 47).
No entanto, é importante considerar que é
naquele final do século XIX e início do século
XX, a partir dos manuais e compêndios educacionais produzidos sobre forte influência do
IHGB, baseados na questão da nacionalidade
e da moral, que a História como ciência vai-se
consolidando enquanto disciplina e ganhando
metodologias mais apuradas.
O advento da República em seus primeiros
anos não representou grandes transformações
no ensino de História, o que ocorreu foi uma
maior preocupação com o civismo. Crescerão
muito por isso as biografias como forma de exaltar indivíduos exemplares no amor e doação à
Pátria, já como forma de concretizar o sentimento cívico nacional. É o momento também
no qual a história religiosa vai perdendo seu
espaço.
No entanto, foram as reformas do sistema de ensino nas décadas de 30 e 40
que promoveram a centralização das políticas educacionais e colocaram o ensino de História no centro das propostas
de formação da unidade nacional, consolidando-a, definitivamente, como disciplina escolar. A partir desse momento,
não mais deixaria de haver programas
curriculares estruturados com definição
de conteúdo, indicação de prioridades,
orientação quanto aos procedimentos
didáticos e indicação de livros e manuais. (FONSECA, 1998, P. 52).
Tratava-se na verdade do projeto integrador
de Vargas que, entre outras coisas, visava centralizar o processo educacional a nível nacional, como parte de seu projeto de reduzir as
liberdades regionais e fortalecer a União. Nesse
processo a História funcionou como cimento
ideológico na construção dos vínculos nacionais.
Interessante perceber ainda que, nesse contexto, influenciado tanto pelas ideias de integração quanto pelas novas abordagens históricas,
as ideias de formação nacional vão se transformando, pois se esta aparecia como obra do
europeu branco, agora ela é fruto da mistura
entre as diferentes etnias aqui existentes. É o
momento de fortalecimento de heróis republicanos como Tiradentes, por exemplo. A partir
dos materiais utilizados nos primeiros anos da
década de 1940 na disciplina de “História do
Brasil”, como biografias destes “heróis”, é possível inferir uma ideia de História “fundada na
compreensão dos grandes acontecimentos” e
voltada para o fortalecimento dos “sentimentos de civismo, os direitos e os deveres das novas gerações com a Pátria e a humanidade”
(FONSECA, 1998, P. 54).
Mesmo após o fim do governo Vargas, em
que houve algumas mudanças com uma menor intervenção estatal, a disciplina de história
escolar pouco se afastará dos conceitos tradicionais que a vinham norteando. Com o golpe
de 1964, História e Geografia vão se fundir em
Estudos Sociais.
Segundo as determinações do próprio
conselho Federal de Educação a finalidade básica dos Estudos Sociais seria
ajustar o aluno ao seu meio, preparando-o para a ‘convivência cooperativa’ e
para suas futuras responsabilidades
como cidadão no sentido do “cumprimento dos deveres básicos para com a
comunidade, com o Estado e a nação”.
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Nessa concepção os homens não aparecem
como construtores da História; ela é conduzida pelos “grandes vultos”, cultuados e
glorificados como os únicos sujeitos históricos”. (FONSECA, 1998, P. 57, 58).
Assim, a disciplina escolar de história foi despojada de todo olhar crítico e serviu de “arma
ideológica” para o Estado que com seu estudo
visava o desenvolvimento de um patriotismo
exacerbado e da subserviência ao Estado.
A partir do fim da década de 70, com o processo de abertura política, os profissionais das
áreas de História e Geografia se mobilizaram
para o fim da disciplina de Estudos Sociais e a
volta das disciplinas de forma autônoma. Esta
mobilização surtiu efeito e, com o fim do regime, as disciplinas voltaram a existir como disciplinas isoladas. Assim, no contexto de redemocratização e sobre influência do marxismo, iniciou-se uma profunda discussão acerca dos
objetivos e das novas formas de se trabalhar a
disciplina. Nesse contexto, surgiram propostas
radicais como as de Minas Gerais, profundamente marcadas pelos conceitos marxistas e a
proposta paulista, com uma marca maior da
nova história francesa. No entanto, é preciso
considerar que em todos os casos houve mudanças. A história passou a ter a função de formar cidadãos críticos e atuantes em seu meio
social. Os métodos de ensinar também sofreram alterações e, embora com várias dificuldades, tentou-se implantar uma nova metodologia, conhecida nos meios educacionais como
construtivista.
PERSPECTIVAS ATUAIS PARA O ENSINO
DE HISTÓRIA E SUA LIGAÇÃO COM O
MUNDO ACADÊMICO
Atualmente, a História, enquanto disciplina
escolar consolidada, vem buscando em um período de maior autonomia, responder aos questionamentos dos variados processos humanos
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através do tempo e, ainda, buscando preparar
o cidadão para entender e participar dos processos democráticos do País, ajudando o aluno
a se mover em um mundo cada vez mais multicultural e multifacetado.
Assim, a disciplina teria por objetivo, segundo as atuais diretrizes curriculares, preparar o
aluno para conhecer e atuar nos processos de
construção da cidadania e democracia no país.
No entanto, para que esses objetivos sejam alcançados, há um longo caminho a ser percorrido, pois a falta de capacitação dos profissionais,
os baixos salários e a falta de materiais impedem muito as potencialidades do ensino.
Nesse sentido, há questões complexas que
dizem respeito a toda uma trajetória das estruturas educacionais brasileiras, que, embora com
alguns avanços, enfrenta ainda graves problemas. No entanto, algumas questões relacionadas diretamente com o campo do saber poderiam ser resolvidas ou pelo menos amenizadas
com uma maior integração entre o campo do
saber escolar e acadêmico. Muitas vezes, esses
saberes são percebidos de forma separada, hierarquizada e até dicotômica. Aqui propomos
pensar esses saberes a partir das relações que
estabelecem entre si. Relações que são bem
maiores do que em um primeiro momento poderiam parecer.
Se a escola deve permitir ao aluno acesso
aos conhecimentos produzidos e acumulados
pela humanidade, ela também deve permitir
que seus alunos, ao operarem com esses conhecimentos, minimamente também tenham a
possibilidade de produzir algo novo. Afinal de
contas, alunos e professores da rede escolar
básica não são tão passivos a ponto de só receberem conhecimento pronto da academia. Perceber isso é importante, pois quebra com a ideia
de que a universidade produz e a escola consome o conhecimento. Abrir-se a essa perspectiva
é perceber uma dialética que ocorre no cotidiano da vulgarização do conhecimento.
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A ciência de referência, no caso a história,
deve sim, em sua produção intelectual acadêmica, fornecer subsídios que norteiem a disciplina, pois não se pode querer que os alunos
produzam conhecimento, ou mesmo operem
com ele, a partir do nada. Nesse sentido, é muito
relevante o papel da academia, pois deve disponibilizar conhecimento atualizado para dar
base ao desenvolvimento escolar. Por outro
lado, se o saber acadêmico deve estruturar intelectualmente a disciplina na sala de aula, as
disciplinas que compõem a grade das universidades são, em boa medida, aquelas determinadas pelo currículo escolar.
Embora tal diálogo seja inegável na prática,
esses dois saberes ainda estão muito distantes,
prova disso são os alunos saídos do ensino
médio que ingressam nos cursos superiores de
história. A maioria das discussões e abordagens
que lhe são apresentadas lhes são estranhas. E,
por outro lado, o professor recém-formado tem
muito pouco conhecimento da “escola real”, o
que lhe traz grandes dificuldades em sua inserção no mercado de trabalho. Esta é uma realidade que prejudica tanto uma ponta como a
outra do conhecimento. Isso precisa mudar e
talvez um caminho seja novos projetos de estágio que sejam mais práticos e ações que promovam maior aproximação das escolas com as
universidades. Enfim, práticas que realmente
aproximem esses dois universos, que em si já
nasceram próximos.
campos do conhecimento seriam beneficiados
com professores mais bem qualificados e um
ensino de melhor qualidade nas escolas.
É preciso considerar que alguns passos foram dados, pois tanto a disciplina História na
sala de aula, quanto seu conhecimento acadêmico amadureceram de forma considerável no
País. Sabemos que ainda há um longo caminho a percorrer, porém acreditamos que será
muito importante o ensino e a aprendizagem
da História como uma forma de compreender
e, quem sabe, contribuir para melhorar algumas questões sociais no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REIS, José Carlos. A História Entre a Filosofia e
a Ciência. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. Esta
referência não está no texto
FONSECA, Thais Nivia de Lima. Historia &
Ensino de Historia. Belo Horizonte: Autêntica,
1998.
CONCLUSÕES
Conhecer os caminhos do ensino de História no Brasil pode promover um maior amadurecimento nas discussões acerca dos currículos
e seus objetivos. Abre, ainda, ao historiador e
ou professor, a possibilidade de perceber que o
ensino acadêmico influencia o escolar e viceversa e que, se houver uma maior consciência
disso e uma ampliação desse diálogo, os dois
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