ÚLCERA CORNEANA EM “MELTING” EM CÃO – RELATO DE CASO "MELTING" ULCER IN DOG – CASE REPORT Fernando Yoiti Kitamura Kawamoto1; Gabriela Rodrigues Sampaio2; Luís Guilherme de Faria1; Filipe Curti1; Rodrigo Barros1; Luciane dos Reis Mesquita3 Resumo: As ceratites ulcerativas são doenças corneanas comuns na rotina do médico veterinário. Grande parte destas lesões responde satisfatoriamente ao tratamento clínico e/ou cirúrgico; porém, as úlceras em “Melting” representam um componente complicante da enfermidade, exigindo intervenção rápida para o sucesso terapêutico. Palavras-chave: úlcera, Melting, oftalmologia, tratamento. Abstract: Ulcerative keratitis are common corneal diseases in routine veterinarian. Most of these injuries respond satisfactorily to medical treatment and / or surgery, but the "Melting" ulcers are a complicating of the disease, requiring rapid intervention to therapeutic success. Keywords: ulcer, Melting, ophtalmology, treatment. As ceratites ulcerativas constituem as doenças oculares mais comumente encontradas na oftalmologia veterinária. Entretanto, apesar de representarem uma ameaça à visão dos animais domésticos, elas são passíveis de tratamento clínico, cirúrgico e/ou ambos (CAMPOS et al., 2003; VYGANTAS & WHITLEY, 2003; PRADO et al., 2006; VANORE et al., 2007; KIM et al., 2009). As úlceras podem ser classificadas de acordo com o comprometimento das camadas corneanas em superficial, estromal profunda e descemetocele (SAMPAIO, 2007; KIM et al., 2009). Há diversas etiologias que podem levar a esse quadro, como exposição a materiais nocivos, corpos estranhos, deformidades anatômicas das pálpebras, problemas congênitos ou iatrogênicos, produção deficiente de lágrimas e traumas (CAMPOS et al., 2003; VYGANTAS & WHITLEY, 2003; KIM et al., 2009; VONGSAKUL et al., 2009; BRITO et al.,2010). A fisiopatogenia das úlceras é acompanhada de uma inflamação prolongada, a qual prejudica as células-tronco da córnea e da membrana epitelial basal, resultando em neovascularização, cicatrizes corneanas e comprometimento da visão (CAMPOS et al., 2003; BRUNELLI et al., 2006; VONGSAKUL et al., 2009). Além disso, as células inflamatórias, fibroblastos, ceratinócitos, microorganismos e células epiteliais produzem colagenases e outras enzimas proteolíticas, as quais podem causar progressiva degradação do colágeno estromal corneano (“Melting”), com o risco de perfuração (ALVES & ANDRADE, 2000; CAMPOS et al., 2003; VYGANTAS & WHITLEY, 2003; COUTURE et al., 2006; PRADO et al., 2006; VANORE et al., 2007; VONGSAKUL et al., 2009). A úlcera de córnea é diagnosticada por meio da coloração com fluoresceína sódica 2%, a qual interage com o estroma corneano, resultando na coloração verde brilhante da área acometida (VYGANTAS & WHITLEY, 2003; SAMPAIO, 2007). _______________________ 1 Médico Veterinário Residente em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG); 2 MV, MSc, DSc - Professora Adjunta – Departamento de Medicina Veterinária – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG); 3 MV, Mestranda em Ciências Veterinárias – Universidade Federal de Lavras - UFLA, Lavras (MG); Fernando Yoiti Kitamura Kawamoto1 – Av. Trevo de Santa Maria, 538 – Parque Guarani, São Paulo (SP) – CEP 08235-560 / [email protected] As úlceras em “melting” não são um grupo específico, mas um componente complicante de úlceras corneanas, e podem ocorrer mais frequentemente em raças braquicefálicas (SAMPAIO, 2007). Caracterizam-se pela progressiva dissolução do estroma corneano causada por várias enzimas proteolíticas que atuam sobre o colágeno, proteoglicanos e outros componentes da matriz celular (CAMPOS et al., 2003; VANORE et al., 2007). Durante a cicatrização corneana normal, proteases e colagenases são produzidas, o que auxilia na remoção das células desvitalizadas e detritos da córnea. Células epiteliais corneanas, fibroblastos, leucócitos polimorfonucleares, algumas bactérias e, possivelmente, alguns fungos produzem proteases e colagenases. Pseudomonas sp provavelmente produz mais proteases do que colagenases, no entanto. Em algumas úlceras corneanas, estas enzimas contribuem para a decomposição e rápido derretimento (“melting”) do estroma corneano (SAMPAIO, 2007). Clinicamente, essas úlceras se manifestam como uma ulceração irregular, com abaulamento e edema da córnea, com secreção mucoide (CAMPOS et al., 2003; VANORE et al., 2007). Os animais apresentam dor ocular, epífora, blafaroespasmo e fotofobia. Além do mais, hiperemia conjuntival e miose podem ser resultados da uveíte causada pela irritação do ramo oftálmico do nervo trigêmio (CAMPOS et al., 2003; VYGANTAS & WHITLEY, 2003). O tratamento das ceratites ulcerativas tem como objetivo eliminar a causa primária, reduzir a inflamação, controlar a infecção, criar um ambiente ideal para a reparação da lesão, prevenir a progressão da lesão e, caso necessário, tratamento cirúrgico para evitar a perfuração da córnea (CAMPOS et al., 2003; VYGANTAS & WHITLEY, 2003; VANORE et al., 2007; KIM et al., 2009; VONGSAKUL et al., 2009). Ceratites ulcerativas agudas com “melting” progressivo requerem vigorosa terapia tópica. O manejo bem sucedido das úlceras em “melting” depende do controle da infecção e redução do impacto da colagenase e outras proteases na córnea (SAMPAIO, 2007). O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um cão com úlcera em “Melting”, submetido a tratamento clínico. Um cão, sem padrão racial definido, com um ano de idade, foi atendido no Hospital Veterinário com o relato do proprietário de aparecimento de vermelhidão no olho esquerdo, há aproximadamente duas semanas, a qual progrediu e passou a acometer o interior do olho. Não havia histórico prévio à lesão. Havia acúmulo de secreção purulenta e prurido local. O proprietário também relatou apatia e oligorexia. Ao exame físico, o animal apresentava os parâmetros vitais dentro da normalidade para a espécie. Ao exame oftálmico, observou-se blefaroespasmo, hiperemia conjuntival discreta, fotofobia, epífora, edema corneano difuso e irregularidade da superfície da córnea do olho afetado. O teste de produção lacrimal de Schirmer evidenciou produção lacrimal normal. A coloração pela fluoresceína sódica 2% mostrou a presença de uma úlcera estromal profunda progressiva no olho esquerdo. O exame de fundo de olho não foi possível devido à opacidade corneana. No hemograma havia a presença de discreta leucocitose e o exame bioquímico mostrou-se dentro dos valores de referência para a espécie. Não havia qualquer tipo de alteração no olho direito. De acordo com os achados do exame oftálmico e o aspecto da úlcera, concluiu-se que a mesma já apresentava sinais de “melting”, com dissolução moderada do estroma corneano. Instituiu-se medicação oftálmica tópica para o olho afetado com colírio de ciprofloxacina e sulfato de condroitina A a cada duas horas, pomada oftálmica duas vezes ao dia e lubrificante ocular a cada quatro horas, até novas recomendações. Foram realizados retornos periódicos, onde foi possível observar a progressão da cicatrização corneana. A ceratite ulcerativa com “melting” apresenta evolução rápida e progressiva quando não tratada corretamente, principalmente pela ação de colagenases e proteases (CAMPOS et al., 2003; COUTURE et al., 2006; VANORE et al., 2007; BRITO et al., 2010). Essas enzimas podem ser endógenas, quando são produzidas pelas células da córnea, ou exógenas, as quais são secretadas por organismos infecciosos. Recomenda-se a coleta de material e realização de cultura/antibiograma para determinação do agente infeccioso envolvido e seu tratamento específico (VANORE et al., 2007), mas, devido a cronicidade e progressão da úlcera no caso relatado, preferiu-se iniciar o tratamento utilizando a ciprofloxacina, um antibiótico de amplo espectro de ação, bactericida, com ação comprovada contra diversos agentes gram-positivos (p. ex.: Staphylococcus aureus, S. epidermidis e S. pneumoniae), e gram-negativos (p. ex.: P. aeruginosa e Serratia marcescens) (SAMPAIO, 2007). A cicatrização da córnea é resultante do estabelecimento de um equilíbrio entre a síntese protéica e a proteólise, para que não ocorra fibrose e nem destruição tecidual excessiva. Portanto, o 2 sucesso terapêutico requer o controle da infecção e bloqueio da atividade lítica das enzimas. Diversas substâncias anticolagenases têm sido utilizadas no intuito de reduzir a progressão das úlceras estromais, acelerar a cicatrização epitelial e minimizar cicatrizes na córnea, principalmente nos casos de úlcera em “Melting” (CAMPOS et al., 2003; COUTURE et al., 2006; VANORE et al., 2007; BRITO et al., 2010). Os inibidores tópicos de colagenase mais utilizados são EDTA dissódico e acetilcisteína em metilcelulose (SAMPAIO, 2007). Entretanto, no caso apresentado, como houve resposta satisfatória ao tratamento instituído, optou-se pela não utilização de agentes anticolagenase. Caso o tratamento clínico instituído não seja efetivo, diversas opções cirúrgicas são descritas na literatura como recobrimento com terceira pálpebra, recobrimento ou enxerto conjuntival (livre ou pediculado), transplante de córnea (SAMPAIO, 2007), uso de adesivos de cianoacrilato (WATTÉ et al.,2004; SAMPAIO, 2007) e diversos tipos de materias para enxertia (VANORE et al., 2007; VONGSAKUL et al., 2009), como enxertos corneanos (utilizando tanto tecido corneano fresco quanto criopreservado), e enxertos de membranas biológicas preservadas em glicerina (cápsula renal, peritônio homólogo, pericárdio equino, e periósteo autólogo). Esses enxertos fornecem suporte e preenchem o defeito, e são frequentemente recobertos com um enxerto conjuntival (SAMPAIO, 2007). O diagnóstico precoce e o estabelecimento de um tratamento efetivo, seja ele clínico e/ou cirúrgico, são fundamentais para impedir a progressão da úlcera em “Melting”, cessando a dissolução estromal, e permitir a recuperação corneana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. KIM, J.K.; WON, H.; JEONG, S. A retrospective study of ulcerative keratitis in 32 dogs. Intern. J. Appl. Res. Vet. Med., v. 7, p. 27-31, 2009. 2. VONGSAKUL, S.; TUNTIVANICH, P.; SIRIVAIDYAPONG, S.; KALPRAVIDH, M. Canine amniotic membrane transplantation for ocular surface reconstruction of created deep corneal ulcers in dogs. Thai J. Vet. Med., v. 39, p. 135-144, 2009. 3. WATTÉ, C.M.; ELKS, R.; MOORE, D.L.; MCLELLAN, G.J. Clinical experience with butyl2-cyanoacrylate adhesive in the management of canine and feline corneal disease. Veterinary Ophthalmology, v. 7, p. 319–326, 2004. 4. BRUNELLI, A.T.J.; VICENTI, F.A.M.; ORIÁ, A.; CAMPOS, C.F.; DORIA NETO, F.A.; LAUS, J.L. Excision of sclerocorneal limbus in dogs and resulting clinical events. Study of an experimental model. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v. 58, p. 52-58, 2006. 5. PRADO, M.R.; BRITO, E.H.S.; GIRÃO, M.D.; SIDRIM, J.J.C.; ROCHA, M.F.G. Identification and antimicrobial susceptibility of bacteria isolated from corneal ulcers of dogs. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v. 58, p. 1024-1029, 2006. 6. VYGANTAS, K.R.; WHITLEY, R.D. Management of deep corneal ulcers. Compendium, v. 25, p. 196-205, 2003. 7. CAMPOS, C.F.; JORGE, A.T.; TALIERI, I.C.; VICENTI, F.A.M.; TOLEDO-PIZA, E.; LAUS, J.L. Ocular alkali lesions in dogs. Acetylcysteine and blood serum effects. Brazilian Journ al of Veterinary Research and Animal Science, v. 40, p. 36-44, 2003. 8. VANORE, M.; CHAHORY, S.; PAYEN, G.; CLERC, B. Surgical repair of deep melting ulcers with porcine small intestinal submucosa (SIS) graft in dogs and cats. Veterinary Ophthalmology, v. 10, p. 93–99, 2007. 9. COUTURE, S.; DOUCET, M.; MOREAU, M.; CARRIER, M. Topical effect of various agents on gelatinase activity in the tear film of normal dogs. Veterinary Ophthalmology, v. 9, p. 157– 164, 2006. 10. BRITO, F.L.C.; CUNHA, O.; LAUS, J.L. Limbal autograft transplantation in a dog with alkali-induced ulceration. Ciência Rural, Santa Maria, v. 40, p. 1840-1843, 2010. 11. ALVES, M.R.; ANDRADE, B.B.A. Úlcera de córnea bacteriana. Arq. Bras. Oftalmol., v. 63, p. 495-498, 2000. 12. SAMPAIO, G.R. Oftalmologia: doenças corneanas em pequenos animais. Lavras: UFLA/FAEPE, 2007. 136 p. 3