1 INTRODUÇÃO Uma vez estando estabelecidos os conceitos de oclusão normal, a etapa subseqüente do processo de aprendizado passa a ser o estudo das variações desse padrão. Vale a pena relembrarmos a definição mais completa e exata de oclusão normal a que se refere Strang (1950): “é um complexo estrutural composto fundamentalmente por dentes e ossos basais, caracterizado pela relação normal dos chamados planos inclinados dos dentes, que estão individual e coletivamente localizados em harmonia arquitetônica com seus respectivos ossos basais e com a anatomia craniana, exibem corretos contatos interproximais e inclinações axiais e possuem, associados a eles, crescimento, desenvolvimento e localização normais dos tecidos adjacentes”. As maloclusões Por definição, toda variação da oclusão normal é denominada de maloclusão. Este conceito, apesar de correto, faz com que praticamente a totalidade dos casos se enquadrem na classe das maloclusões, uma vez que a oclusão normal, assim como definida por Strang, é uma situação inatingível na prática. Assim, é preferível se referir à maloclusão como sendo toda oclusão que difere daquela excelente para determinado paciente. Há inúmeras formas e intensidades pelas quais uma oclusão pode variar da oclusão dentária normal. No início do século, quando a Ortodontia passou a 2 ser entendida como Ciência em função dos avanços alcançados no seu estudo e, principalmente, pela introdução do conceito de oclusão normal, fez-se necessário uma nomenclatura que permitisse o intercâmbio científico entre os profissionais. Mais do que isso, era preciso agrupar o maior número de casos em um menor número de grupos possível, para que se estabelecesse uma conduta terapêutica sistemática. Nesse contesto Angle (1907) criou sua classificação, que agrupa as maloclusões em três grandes grupos, e é a classificação até hoje mais utilizada na Ortodontia. Objetivos da classificação: Juntar um grande número de casos em um pequeno número de grupos, cada grupo com características específicas. Orientar o plano de tratamento. Facilitar o entendimento da etiologia, prognóstico e prevenção das maloclusões. Facilitar a comunicação Tanto quanto possível, uma classificação deve concentrar as seguintes qualidades: deve ser completa, simples, precisa, prática e lógica. Nenhuma classificação (das maloclusões) conhecida encerra todas essas características. Porém, a classificação de Angle, publicada em 1899 (ANGLE, E. H; Classification of malocclusion. Dental Cosmos, 41: 248-64, 1899) é a mais utilizada até hoje por ser simples, prática, lógica e didática. 3 Princípios básicos da Classificação de Angle A classificação de Angle baseia-se em três princípios básicos, segundo Strang (1950): 1. Existe uma posição normal no sentido ântero-posterior para o corpo da mandíbula com seu arco dentário em relação à anatomia craniana. 2. O arco dentário superior, estando localizado sob uma base fixa, é mais ou menos estável em relação à anatomia craniana, e os primeiros molares permanentes neste arco podem ser usados como dentes chaves para analisar o relacionamento com o arco dentário mandibular e com o corpo da mandíbula sobre o qual está localizado. 3. Se há modificações nas posições dos molares superiores em suas relações com a anatomia craniana, estas podem ser detectadas pelas posições axiais dos dentes superiores, especialmente os caninos. Ao seguir esses princípios, Angle (1907) afirmou: “Todos os casos de maloclusões inserem-se, naturalmente, em um número muito pequeno e facilmente reconhecido de grupos, ou três grandes classes, com suas divisões e subdivisões. Quando assim classificados, a extensão de variação do normal em cada caso é facilmente compreendida, e a necessidade de tratamento se faz manifestada”. 4 A classificação propriamente dita: Assim, passemos agora à identificação dos três grandes grupos a que Angle se refere. CLASSE I CLASSE II Divisão 1 Subdivisões Divisão 2 CLASSE III Subdivisões CLASSE I A mandíbula e o arco dentário inferior estão em uma posição normal em relação à base craniana, com os primeiros molares em chave de oclusão em ambos os lados da arcada. A maloclusão é essencialmente restrita a má posição dentária e, geralmente, a função muscular é normal. Assim, é comum na região anterior, a presença de apinhamentos, mordida aberta ou sobremordida exagerada. Uma situação comumente observada é a protrusão dos dentes anteriores superiores e inferiores, com todo o segmento posterior bem relacionado. Esse tipo de maloclusão é denominada de biprotrusão, e insere-se na classe I de Angle (caso os molares estejam em chave de oclusão). 5 Apesar de serem os casos de maloclusão com maior incidência, não são os mais tratados, pois geralmente a estética não é tão comprometida. As figuras abaixo ilustram um caso típico de Classe I com apinhamento na região anterior por falta de espaço no arco. Notar que a estética facial não é comprometida pela maloclusão. CLASSE II A mandíbula e o arco dentário inferior estão posicionados distalmente em relação ao arco dentário superior e à anatomia craniana. A cúspide mésiovestibular do primeiro molar superior oclui anteriormente ao sulco mésiovestibular do primeiro molar inferior. Há duas divisões na Classe II: 6 Divisão 1 A relação molar é aquela descrita acima, e os incisivos superiores encontram-se projetados vestibularmente. Assim, é comum haver sobremordida exagerada e overjet acentuado. A função muscular geralmente é anormal. Com a presença de overjet acentuado, o lábio inferior repousa encostado à face lingual dos incisivos superiores, agravando e mantendo a desarmonia. Em geral este paciente é um respirador bucal, e o arco superior normalmente é atrésico. A relação de disto-oclusão dos molares pode estar presente em apenas um dos lados da arcada, caracterizando a subdivisão direita ou esquerda, dependendo do lado onde ocorre a relação de Classe II. Divisão 2 A relação molar é de Classe II, e os incisivos centrais superiores têm inclinação axial vertical e os laterais possuem inclinação axial normal ou vestibular. A sobremordida é bastante exagerada, como ilustra o caso abaixo: 7 Apesar de a função muscular ser geralmente normal, essa é uma oclusão bastante traumática tanto para os incisivos quanto para as estruturas da articulação temporomandibular, já que o côndilo da mandíbula pode ser deslocado para posterior em função da inclinação dos incisivos superiores para lingual. A relação de disto-oclusão dos molares também pode estar presente em apenas um dos lados da arcada, caracterizando as subdivisões. As figuras abaixo mostram um caso de Classe II divisão 2 subdivisão direita: 8 CLASSE III A mandíbula e o arco dentário inferior estão posicionados mesialmente em relação à maxila e à anatomia craniana. A cúspide mésio-vestibular do primeiro molar superior oclui distalmente ao sulco mésio-vestibular do primeiro molar inferior. Os arcos dentais podem apresentar compensações como a inclinação lingual dos dentes anteriores inferiores e a projeção dos anteriores superiores, na tentativa de estabelecer contato anterior, como mostra a figura abaixo: Porém, nos casos mais severos não é rara a presença de mordidas cruzadas anteriores: Na Classe III também podem estar presente as subdivisões direita ou esquerda. 9 CLASSIFICAÇÃO DE LISCHER Podemos perceber, então, que a classificação de Angle é prática, simples, lógica, didática e um ótimo meio de comunicação entre os profissionais. Porém, não é completa, uma vez que não fornece as más posições individuais dos dentes. Assim, é importante o conhecimento da classificação de Lischer, que considera as posições individuais dos dentes, e serve, então, para complementar a classificação de Angle. Na classificação de Lischer, acrescenta-se o sufixo “versão” à posição que o dente ocupa na arcada. Assim, temos a seguir as posições que o dente pode assumir, desviando-se do normal: mesioversão – mesial à posição normal distoversão – distal à posição normal linguoversão – lingual à posição normal labioversão ou bucoversão – na direção do lábio ou da bochecha infraversão – abaixo da linha de oclusão supraversão – acima da linha de oclusão axiversão – inclinação axial incorreta torciversão – girada em seu longo eixo tranvsversão – ordem errada no arco Dente 44 em labioversão Dente 12 em linguoversão 10 Caninos superiores em infraversão Incisivos em giroversão A classificação de Lischer ainda faz menção às malformações dos maxilares, introduzindo os termos macrognatia e micrognatia, e às malformações dos arcos dentários, introduzindo os termos neutro-oclusão (referente a Classe I de Angle), disto-oclusão (referente a Classe II de Angle) e mesio-oclusão (referente a Classe III de Angle). Desvantagens da classificação de Angle Além de não fazer referência às má-posições dentárias individuais, outras desvantagens da classificação de Angle são: não classifica a severidade das maloclusões não classifica a complexidade do tratamento admite os primeiros molares superiores ocupando uma posição fixa e definida, quando atualmente sabe-se que esses dentes podem ocupar várias posições e as anomalias podem ocorrer tanto na maxila quanto na mandíbula é falha para estudos epidemiológicos 11 Outra desvantagem dessa classificação é que não são incluídas as discrepâncias verticais e transversais, uma vez que é uma análise bidimensional de uma estrutura tridimensional. Assim, deve-se ter em mente que situações como a mordida aberta ou a sobremordida exagerada (discrepâncias verticais) e as mordidas cruzadas bucais ou linguais (discrepâncias transversais) podem estar presentes nas três classes de Angle. Discrepâncias Verticais: Sobremordida Exagerada Mordida Aberta Discrepâncias Transversais: Mordida Cruzada Posterior Mordida Cruzada Anterior 12 Conclusão A classificação de Angle é universalmente utilizada na terminologia das maloclusões, pois cumpre o papel de se agregar em um pequeno número de grupos, um grande número de casos, além de ser simples, prática e extremamente didática. Apesar de não ser completa, como nenhuma outra classificação o é, tornou-se a classificação mais aceita no meio ortodôntico. 13 BIBLIOGRAFIA 1 - ANGLE, E. H. 2 - ANGLE, E. H. 3 - ARAUJO, M. G. M. Classification of Malocclusion. Dental Cosmos, 41(1/6), 248-64, 1899. Treatment of malocclusion of teeth. 7. ed. Philadelphia, S. S. White. 1907. p.44 Ortodontia para Clínicos. 4a ed. São Paulo, Santos. 1988. p.99 4 - KATS, M. I. ; SINKFORD, J. C. The 100-year dilemma: what is a normal ; SANDERS JR. , C. F. occlusion, and how is malocclusion classified ? Quintess. Internat. 21(5) 407-14, 1990. 5 - MOYERS, R. E. 6 - STRANG, R. H. W. Classificação e terminologia da má oclusão. In: Ortodontia. 4a ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 1991. p.156. Tratado de ortodontia. Buenos Aires, Bibliografia Argentina, 1957. p.66. Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic Disciplina de Ortodontia 09 de Fevereiro de 2.009 Prof. HÉLIO ALMEIDA DE MORAES. 3º Ano - 5º Período - 2.009