Comportamento suicidário e género.
Prof. Dr. Sergio A. Perez Barrero
Fundador da Secção de Suicidologia da Associação Mundial de Psiquiatria.
Fundador da Rede Mundial de Suicidologia.
Introdução:
O comportamento suicidário abrange um amplo conjunto de manifestações que em
seguida se referem:
• O desejo de morrer pode ser considerado “o portal” do comportamento autodestrutivo, e representa a insatisfação do sujeito relativamente ao seu modo de
vida no momento actual (“o aqui – agora”). Manifesta-se por frases do tipo: “não
vale a pena viver”, “devia era morrer”, “para viver desta maneira é preferível
desaparecer da face da terra” e outras expressões similares.
• A representação suicida é a imagem mental do próprio suicídio, podendo ser
expressa como “imaginar-se enforcado” ou “imaginar o seu funeral após se ter
suicidado”.
• A ideia suicida consistente de acabar com a própria existência. Pode manifestarse das seguintes maneiras:
_Ideia suicida sem nenhum método específico, na qual o sujeito manifesta o
desejo de se matar e, ao ser questionado como o vai fazer, responde: “Não sei
como, mas vou fazê-lo”.
_Ideia suicida com vários métodos inespecíficos na qual o indivíduo expressa o
desejo de se matar e considera várias opções, sem preferência por alguma em
especial, como por exemplo: “Vou suicidar-me de qualquer maneira, com
comprimidos, enforcando-me, atirando-me para debaixo do comboio”.
_Ideia suicida com um método específico, mas sem planificação, na qual o
sujeito deseja suicidar-se, escolheu o método, mas não determinou quando e em
que lugar o fará, bem como as precauções que irá tomar para cumprir o seu
propósito.
_Ideia suicida com um método específico bem planeado, também chamado
plano de suicídio. É bastante grave, pois o paciente deseja suicidar-se, escolheu
um método, o lugar, o momento e tomou todas as precauções para não ser
descoberto e poder alcançar o seu desejo de morrer.
• A ameaça de suicídio. Consiste na insinuação ou afirmação verbal das
intenções suicidas, geralmente expressa diante de pessoas muito ligadas ao
sujeito e que farão o possível para o impedir. Deve ser considerada como um
pedido de ajuda.
• O gesto suicida. Enquanto que a ameaça é verbal, o gesto suicida inclui o acto,
que em geral não leva a lesões de relevância para o sujeito, mas que deve
considerar-se seriamente.
• A tentativa de suicídio, também denominada parasuicídio, tentativa de autoeliminação ou auto-lesão intencional. É o acto pelo qual o indivíduo
deliberadamente provoca dano a si próprio, mas de que não resulta a morte.
• O suicídio frustrado. É o acto suicida que se não tivesse ocorrido circunstâncias
imprevistas, teria levado à morte.
• O suicídio acidental. É o realizado com um método do qual se desconhecia o
seu verdadeiro efeito ou com um método conhecido, mas em que não se pensou
que o desenlace fosse a morte, não desejada pelo sujeito ao realizar o acto.
Também estão incluídos os casos em que não foram previstas as possíveis
complicações, como acontece na população prisional, que se auto-mutila sem a
intenção de morrer, mas em que as complicações derivadas do acto retiram-lhe
a vida (injecção de petróleo na parede abdominal, introdução de arames até ao
estômago ou pela uretra, etc.).
• O suicídio intencional. É qualquer lesão auto-infligida, deliberadamente
realizada pelo sujeito com a finalidade de morrer e cujo resultado é a morte.
Actualmente ainda se discute se é necessário que o indivíduo deseje morrer ou
não, pois neste último caso estaríamos perante um suicídio acidental, em que
não existe o desejo de morrer, ainda que o resultado tenha sido a morte (1).
Estas manifestações do comportamento suicidário têm preferência por um ou outro
sexo, particularidades que serão de seguida abordadas neste trabalho.
Desenvolvimento:
O desejo de morrer é muito frequente na população adolescente de ambos os sexos (2),
embora se manifeste mais nas raparigas por apresentarem perturbações em que tal
queixa é comum, como as depressões, as perturbações de alimentação, etc. O desejo de
morrer é mais frequente na mulher durante a menopausa que no homem durante o
climatério, porque à depressão do chamado Síndrome do Ninho Vazio (“os filhos
crescem e saem de casa”) junta-se outro problema detectável na mulher, mas não no
homem, a Perturbação Dismórfica Corporal.
As ideias suicidas surgem mais precocemente no sexo feminino que no masculino e são
expressas com maior frequência porque a mulher tem maior tendência para comentar
este tipo de pensamentos e mais facilmente recorre a ajuda das fontes de saúde mental
que os homens.
As ameaças de suicídio são mais frequentes nos homens, principalmente na
adolescência, enquanto que o gesto suicida e a tentativa de suicídio predominam no
sexo feminino e surgem em idades mais precoces que no sexo masculino (3).
O suicídio frustrado é mais frequente nos homens, que habitualmente usam os
chamados métodos duros para se suicidarem e além disso são os que mais cometem
suicídio.
O suicídio acidental, ao invés, é mais frequente nas mulheres, que podem utilizar
métodos cuja letalidade desconhecem ou não calculam as complicações que poderão
surgir, como por exemplo as que utilizam as armas de fogo, forma de suicídio muito
frequente nas províncias orientais cubanas e nos curdos iranianos (4).
É uma evidência que o suicídio é mais frequente no homem que na mulher, na
proporção de 3:1 e com tendência a aumentar para 3,9:1 nos próximos anos.
Nos últimos 50 anos, observou-se uma tendência global para o aumento das taxas de
suicídio, devido sobretudo à elevação progressiva das taxas no homem, ao passo que as
taxas na mulher cresceram a um ritmo bem inferior. Enquanto nos homens as taxas
subiram 49% entre 1950 a 1995, nas mulheres aumentaram apenas 33%.
As estatísticas chinesas são uma excepção à regra, pois aqui os suicídios registam taxas
superiores para as mulheres, particularmente nas zonas rurais.
Inversamente, as tentativas de suicídio são, em média, três vezes mais frequentes nas
mulheres (5).
As mesmas manifestações do comportamento suicidário diferem segundo o sexo.
Por exemplo, a ideia suicida planificada é mais frequente nos homens, o que aumenta a
probabilidade de conseguirem suicidar-se relativamente às mulheres.
Tendo em conta que os pensamentos ou ideias suicidas, com uma adequada
estruturação, configuram o plano de suicídio, e que a maioria dos homens são
negligentes a verbalizar os pensamentos dolorosos, isso significa que são bastante
graves para quem apresenta tais ideias, visto que são sinónimo do desejo de se
suicidarem, utilizando um método específico concreto, a determinada hora, por um
motivo concreto, e tomaram as devidas precauções para não serem descobertos (6).
No homem, a ameaça de suicídio tem predomínio verbal e carácter intimidatório franco,
ao passo que na mulher se manifesta menos esta ameaça, o que é enunciado muitas
vezes através de notas suicidas.
A repetição das tentativas de suicídio é mais frequente no sexo feminino, enquanto que
as auto-agressões intencionais sem objectivo de morrer, predominam nos homens,
principalmente na população prisional.
O uso de bebidas alcoólicas, drogas e outras substâncias para cometer suicídio é mais
frequente nos homens que nas mulheres e considera-se que assim seja em virtude do
alcoolismo e toxicodependência predominarem no sexo masculino.
A solteira tem menos risco de auto-destruição que o solteiro, enquanto o homem casado
tem menos perigo de suicídio que a mulher casada. Nos viúvos, o risco de suicídio é
maior durante o primeiro ano de viuvez e nas viúvas é maior no segundo ano de viuvez.
Ter filhos diminui o risco de suicídio na mulher quando comparado com as que não os
têm.
Considera-se que o suicídio é a principal causa de morte prematura nos sujeitos com
esquizofrenia e pelo menos 10% de estes pacientes cometem suicídio, principalmente os
homens, numa proporção de 4:1 relativamente às mulheres.
Alguns estudos mostram que os homens esquizofrénicos se suicidam antes dos 30 anos
e as mulheres antes dos 40, e, ainda que não esteja definido um esquizofrénico suicida
típico, considera-se que se trata normalmente de homens jovens, solteiros,
desempregados e nos primeiros 10 anos de aparecimento da doença.
Entre 67 a 90% dos casos de esquizofrénicos que se matam são homens. Esta grande
taxa de suicídio nos homens, apesar da prevalência comparável da esquizofrenia nos
homens e mulheres, levou inclusive a questionar se a esquizofrenia poderia ser
considerada um factor de risco suicidário nas mulheres (7,8).
A mortalidade por suicídio nos pacientes do sexo masculino é cerca de duas vezes maior
nos homens que nas mulheres deprimidas. Este dado torna-se mais importante se se
tiver em conta que a prevalência da depressão major é cerca de duas vezes mais
frequente nas mulheres que nos homens. O risco de tentativa de suicídio nas
perturbações de humor com consumo de drogas é de 11,9% para o sexo feminino e 14%
para o sexo masculino.
Conclusões:
O comportamento suicidário tem características distintas quando se manifesta nos
homens ou nas mulheres, o que deve ser tido em conta nas acções de prevenção contra o
suicídio.
Bibliografia
1. Perez Barrero S.A. Lo que usted debiera saber sobre... SUICIDIO, Imágenes
Gráfica S.A., México DF. , 1999.
2. Pérez Barrero SA; Sereno Batista A. Conocimientos de un grupo de
adolescentes sobre la conducta suicida. Revista Internacional de Tanatología y
Suicidio Vol 1.N° 2 Junio. 7-10. 2001.
3. Perez Barrero S.A. (2002). La adolescencia y el comportamiento suicida.
Ediciones Bayamo.
4. Groohi B, MacKay R. Annette, Perez Barrero S, Alaghehbandan R. (2005).
Suicide by burns among adolescents in Kurdistan, Iran (in press)
5. Wasserman D (2001). Suicide- an unnecessary death. Edited by Martin Dunitz.
6.
Pérez Barrero, S.: El suicidio, comportamiento y prevención, Ed. Oriente,
Santiago de Cuba, 1996.
7. Correa H.; Perez Barrero (2005).- El suicidio: una muerte evitable (en prensa)
8. Blair-West G W, Cantor C H., Mellsop G W, Eyeson-Annon M L. Lifetimes
suicide risk in major depression: Sex and age determinants. Journal of Affective
Disorders 1999; 55, 171-178
Tradução: Lcdo. Mário Teixeira
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