DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Relatório de
Sustentabilidade:
uma postura empresarial
socialmente responsável
rante uma questão complexa, com múltiplas interpretações e variados âmbitos de abordagem.
Centrando-nos no mundo empresarial, estamos
seguramente a falar de organizações que subordinam a sua actuação aos princípios do desenvolvimento sustentável e que assumem uma postura
institucional de relato, pleno e transparente, dos
impactes ambientais, sociais e económicos, decorrentes das actividades operacionais em que se
encontram envolvidas.
Se o conceito de “desenvolvimento sustentável”, definido(1) como “aquele que permite satisfazer as necessidades das gerações actuais sem
comprometer a possibilidade de as futuras gerações comprometerem as suas” se pode, ao menos empiricamente, considerar razoavelmente
assimilado pela comunidade empresarial portuguesa, já o mesmo não se pode dizer da sua aplicação prática e, muito menos ainda, da consequente elaboração de relatórios de sustentabilidade.
No entanto, a contínua e crescente pressão social tem vindo a forçar que as práticas empresariais socialmente responsáveis se afirmem como
um imperativo cívico irreversível e, por tal razão,
se constituam como uma referência nas respectivas estratégias: de investimento, de operação e
de comunicação. O sumário executivo de um estudo publicado pela Deloitte(2) ,em Dezembro de
2003, concluía precisamente nesse sentido, ao
afirmar: “estamos assim perante um panorama
que parece indicar que a maioria das empresas
portuguesas já estão sensibilizadas para a importância do Desenvolvimento Sustentável, estando claramente a trabalhar no sentido de melhorar o desempenho ambiental e de segurança, e
em muitos casos também o desempenho social,
mas que ainda não encontraram uma forma verdadeiramente eficiente de operacionalizar e integrar este conceito na gestão global do negócio”.
É neste contexto que instrumentos de gestão,
como a utilização do Balanced Scorecard(3) alargada às matérias ambientais/de sustentabilidade,
JAN/MAR 2005
a Environmental Management
Accounting Initiative(4), das Nações Unidas, e as Directrizes da
GRI – Global Reporting Initiative(5)
para a elaboração e assurance de
relatórios de sustentabilidade,
adquirem uma relevância inquestionável. Dada a abrangência de
cada uma destas temáticas, concentramos a presente abordagem
nos relatórios de sustentabilidade, também indiferenciadamente designados por relatórios de
responsabilidade social, dada a
postura empresarial socialmente
responsável que lhes está subjacente.
RUI BEJA
ROC N.º 304
Relatórios de
sustentabilidade:
vantagens, desafios
e tendências globais,
e evolução em Portugal
A GRI, entidade de referência
no que respeita à preparação e
relato de informação sobre sustentabilidade, cujas orientações
têm em vista completar e reforçar
os relatórios financeiros tradicionais, fornecendo informação crítica de carácter financeiro e não financeiro, considera, nas suas directrizes de 2002, que a elaboração e publicação de relatórios de
sustentabilidade apresenta o seguinte tipo de vantagens:
• Manter e fortalecer os níveis
de confiança entre a instituição e os seus stakeholders;
• Interligar funções diversas,
mas complementares, como Finanças, Marketing,
Investigação & Desenvolvimento e Operações;
Membro da Comissão Técnica
do Desenvolvimento
Sustentável da OROC
Membro dos Júris, nacional
e internacional, dos ESRA
“
(...) a contínua e crescente
pressão social
têm vindo a forçar
as práticas empresariais
socialmente
responsáveis
a afirmarem-se
como um imperativo
cívico irreversível (...)
“
e que estamos a falar, quando nos referimos a
D
responsabilidade social? Parecendo de resposta simples e directa estamos, no entanto, pe-
REVI. & EMP. Nº.28
27
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
• Identificar antecipadamente desafios e oportunidades, nos diversos âmbitos de actuação, no relacionamento externo e na
gestão de imagem;
• Avaliar e medir o valor das práticas de sustentabilidade, relativamente à estratégia e
competitividade geral do negócio; e
• Reduzir a volatilidade do valor do investimento e a incerteza ocasionada pela surpresa
da informação incompleta ou desfasada no
tempo.
O grande desafio que se coloca, refere-se à
relativa complexidade e ao custo não negligenciável de todo o processo em causa, levando a
que a sua utilização plena implique uma considerável dimensão empresarial. Consciente destas limitações, a GRI lançou(6), em 16 de Novembro de 2004, no decorrer da Conferência Europeia sobre Responsabilidade Social Empresarial,
o manual “High 5!”, destinado a ajudar as pequenas e médias empresas a entrar no mundo dos
relatórios de sustentabilidade. Este manual contempla um guia prático de implementação passo-a-passo e de aconselhamento na utilização das
directrizes da GRI.
Tendencialmente, os relatórios de sustentabilidade virão a ser integrados no relatório e contas
anual, constituindo uma secção própria e específica do mesmo. Esta prática vem já sendo seguida
por diversas empresas, especialmente nos países
nórdicos, e a sua generalização é considerada extremamente provável, tanto pelos membros do Co28
REVI. & EMP. Nº.28
mité Executivo(7) dos ESRA – European Sustainability Reporting Awards, como por altos funcionários da Direcção Geral para o Emprego e Assuntos
Sociais da Comissão Europeia. Tudo visto, o caminho a percorrer é longo e árduo, mas inevitável e
compensador. Contrariamente a outras matérias,
é nos países do norte da Europa, e não nos Estados Unidos da América, que as práticas de desenvolvimento sustentável, e a publicação de relatórios de sustentabilidade, se encontram mais
desenvolvidas e constituem um exemplo a seguir.
A consciência cívica de que as práticas actuais
tornam insustentável o mundo em que vivemos,
encarregar-se-á de penalizar as empresas socialmente irresponsáveis.
Em Portugal assistiu-se, em 2004, a um importante movimento no sentido da implementação
dos princípios subjacentes à elaboração e publicação de relatórios de sustentabilidade. De entre
as várias iniciativas, é de destacar a constituição
do grupo multistakeholder da GRI para Portugal,
cuja primeira e importante iniciativa foi o lançamento, em 15 de Novembro de 2004, da versão
portuguesa das directrizes 2002 da GRI para elaboração de relatórios de sustentabilidade(8). É
também de realçar que a quantidade de candidaturas aos prémios nacionais e europeus para
relatórios de sustentabilidade, iniciativa levada a
cabo desde 1999 pela Ordem dos Revisores
Oficiais de Contas e integrada nos ESRA, conheceu este ano um aumento significativo, mais do
que duplicando os relatórios apresentados a concurso no ano anterior.
JAN/MAR 2005
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O assurance dos relatórios
de sustentabilidade
A credibilidade dos relatórios de sustentabilidade é essencial para que o respectivo relato
mereça a confiança dos seus utilizadores. Para
tal, os relatórios e o inerente processo de elaboração devem ser verificados por auditores que
cumpram requisitos essenciais como: independência, capacidade de discernimento relativamente aos interesses das partes envolvidas, não
envolvimento nos sistemas internos nem na preparação do relatório de sustentabilidade, competência e experiência profissional para executar
as verificações necessárias (directamente, ou
através da utilização do trabalho efectuado e relatado por peritos em matérias específicas). A estas verificações deve corresponder o assurance
do relatório de sustentabilidade, emitido em conformidade com requisitos técnicos e informativos, adequados. Nas suas directrizes 2002, a
GRI não desenvolve nem prescreve padrões de
prática para a auditoria independente, mas emite
orientações sobre o que deve constar num relatório de auditoria independente(9).
A FEE – Fédération des Experts Comptables Européens/European Federation of Accountants(10), constituiu um grupo técnico para estudo da temática
relativa ao desenvolvimento sustentável e tem
emitido diversos documentos de trabalho sobre o
assurance dos relatórios de sustentabilidade,
nomeadamente: “Benefits of Sustainability Assurance” (Fevereiro de 2003) e “Call for Action –
Assurance for Sustainability” (Junho de 2004).
O IFAC/IAASB – International Federation of Accountants/International Auditing and Assurance Standards Board(11), tendo em conta que existe uma solicitação crescente de relatórios de assurance, nomeada e especificamente no que respeita a relatórios ambientais, sociais e de sustentabilidade, emitiu, no início de 2004, os seguintes documentos:
• “Assurance Framework” onde são definidos
e descritos os elementos e objectivos de
um trabalho de assurance e identificados
os trabalhos aos quais se aplicam as ISAs
(International Standards on Auditing) e as
ISAEs (International Standards on Assurance Engagements);
• “ISAE 3000 (Revised) – Assurance Engagements Other Than Audits or Reviews of Historical Information”, que estabelece princípios básicos e procedimentos essenciais
para os trabalhos de assurance não cobertos
pelas ISAs, aplicável a relatórios que tenham
data igual ou posterior a 1 de Janeiro de 2005.
Os relatórios de sustentabilidade
e os mercados financeiros
Conforme mencionado por Marcel Engel(12), responsável para a Europa, da WBCSD – World Business Council for Sustainable Development, a capaJAN/MAR 2005
cidade empresarial para gerir questões sociais
em evidência na opinião pública, influenciará a
avaliação do valor dos seus negócios. Refere ainda que avaliação do valor das empresas depende
cada vez menos dos seus activos fixos, estimando que cerca de 75% do valor de capitalização de
mercado, de uma empresa típica, se baseia em
activos intangíveis, como a reputação, a marca, a
capacidade de trabalhar com os stakeholders e o
poder de adaptação à mudança das expectativas
sociais.
Neste âmbito, é altamente significativo que os
fundos de investimento ético, embora com um peso relativo ainda incipiente, tenham vindo a ter
um crescimento muito superior aos fundos tradicionais, e que também os índices de sustentabilidade constituídos para acompanhar a performance financeira das empresas lideres, a nível
mundial, nos procedimentos orientados para a
sustentabilidade, venham conhecendo um crescimento igualmente exponencial.
Obviamente, os mercados financeiros, atentos
a estas realidades, encontram nos relatórios de
sustentabilidade, adequadamente credenciados
por relatórios de assurance emitidos por auditores independentes, uma fonte de informação
privilegiada para qualificar, quantificar e priorizar
os investimentos financeiros, assim como para
REVI. & EMP. Nº.28
29
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
providenciar o custo e a cobertura dos respectivos riscos.
of Chartered Certified Accountants (United Kingdom); FSR- Foreningen af Statsautoriseded Revisorer
(Denmark); IRE- Institut des Réviseurs d’Entreprises;
ACCA Ireland- Association of Chartered Certiefied
Accountants; CSOEC- Conseil Supérieur de l’Ordre des
Experts-Comptables (France); DnR- Den norske Revisorforening (Norway); FAR (Sweden); ICJCE- Instituto
de Censores Jurados de Cuentas de España / AECAAsociación Española de Contabilidad y Administración
de Empresas (Spain); IRE- Institut des Réviseurs
d’Éntreprises (Luxembourg); Kammer der Wirtschaftstreuhänder (Austria); KHT- yhdistys-Foreningen CGR
ry (Finland); OROC- Ordem dos Revisores Oficiais de
Contas (Portugal); WPK- Wirtschaftsprüferkammer
(Germany); and Schweizer Treuhand-Kammer (Switzerland). (Belgium); Royal NIVRA- Koninklijk Nederlands Instituut van Registeraccountants (The Netherlands)
Notas
(1)
“Relatório Brundtland”, publicado em 1987 como resultado do trabalho desenvolvido pela “WCED – World
Commission on Environment and Development”, uma
comissão nomeada pelas Nações Unidas e presidida pela ex-primeira ministra norueguesa Gro Harlem
Brundtland.
(2)
“O Desafio do Desenvolvimento Sustentável nas
Empresas Portuguesas”, relatório resultante de estudo elaborado por iniciativa da Deloitte, apadrinhada pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável de Portugal.
(3)
Kaplan, Robert S. e Norton, David P., “Having Trouble with Your Strategy? Then Map It”, Harvard Business Review, September – October 2000
(4)
http://www.un.org/esa/sustdev/sdissues/technology/estema1.htm
(5)
Constituída em finais de 1997 pela CERES (Coallition
for Environmentally Responsible Economics) em associação com o UNEP (United Nations Environment
Programme) – www.globalreporting.org/
(8)
http://www.sustentabilidade-empresarial.org/
(9)
Anexo 4 às Directrizes para Elaboração dos Relatórios de Sustentabilidade
(10) http://www.fee.be/
(6)
(7)
30
http://www.globalreporting.org/news/updates/article.asp?ArticleID=360
Constituído pelos representantes das seguintes organizações profissionais de contabilistas e auditores, de 15 países europeus: ACCA- The Association
(11)
http://www.ifac.org/IAASB/
(12) Conferência
anual do Conselho Empresarial para o
Desenvolvimento Sustentável, Lisboa, 24/11/ 2004
(13)
http://www.eiris.org/pages/PersonalFinance/InvFun.htm
(14)
Dow Jones Sustainability Indexes, Ethibel Sustainability Índex, FTSE4good …
JAN/MAR 2005
REVI. & EMP. Nº.28
Sumário
Download

Relatório de Sustentabilidade