0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE GOIÁS UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE JUSSARA LICENCIATURA EM LETRAS - PORTUGUÊS/INGLÊS E RESPECTIVAS LITERATURAS ADRIELLE REGINA MACHADO CHAPEUZINHO VERMELHO: A INTERTEXTUALIDADE E A (RE) CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS RELEITURAS DO CLÁSSICO INFANTIL JUSSARA-GO 2012 1 Adrielle Regina Machado CHAPEUZINHO VERMELHO: A INTERTEXTUALIDADE E A (RE) CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NAS RELEITURAS DO CLÁSSICO INFANTIL Monografia apresentada ao Departamento de Letras da Universidade Estadual de Goiás - UEG, Unidade Universitária de Jussara – GO, em cumprimento à exigência para obtenção do título de Graduada em Letras Português/Inglês e respectivas literaturas, sob orientação da professora Esp. Anyellen Mendanha Leite. JUSSARA-GO 2012 2 Dedico este trabalho, primeiramente a Deus, que esteve comigo nos momento felizes e tristes de minha vida e nunca me deixou sozinha, nas horas que mais precisei Dele. Dedico a minha mãe Maria Aparecida, que mesmo longe esteve comigo e me ajudou muito. 3 AGRADECIMENTOS A Deus por me acalentar nos momentos de solidão, ter me dado forças e iluminando meu caminho para que pudesse concluir mais uma etapa da minha vida. Deus foi e sempre será a razão da minha existência e da minha trajetória em busca dos meus objetivos. A minha mãe Maria Aparecida, por ser tão dedicada e amiga, por ser a pessoa que mais me apóia e acredita na minha capacidade, meu agradecimento pelas horas em que ficou ao meu lado não me deixando desistir e me mostrando que sou capaz de chegar onde desejo, sem dúvida foi quem me deu o maior incentivo para conseguir concluir esse trabalho, mesmo estando tão longe, nunca mediu esforços para me ajudar. A minha avó Isoldina, por estar sempre torcendo e rezando para que meus objetivos sejam alcançados. Aos meus irmãos pelo carinho e atenção que sempre tiveram comigo, em especial ao meu irmão Hamilton a quem considero como um pai, por ter sido tão dedicado em minha criação, sempre me apoiando em todos os momentos, enfim por todos os conselhos e pela confiança em mim depositada meu imenso agradecimento. Aos amigos que fiz durante o curso, pela verdadeira amizade que construímos em particular aqueles que estavam sempre ao meu lado (Raymara de Macedo Arruda e Leidiane Ferreira) por todos os momentos que passamos durante esses cinco anos, meu especial agradecimento. Sem vocês essa trajetória não seria tão prazerosa. A minha orientadora e professora Anyellen Mendanha Leite, pelo ensinamento e dedicação no auxilio à concretização dessa monografia; agradeço a Deus por ter colocado você no meu caminho, e ter aceitado e ter me escolhido para orientar. Muito obrigada. A todos os professores do curso de Letras, pela paciência, dedicação e ensinamentos disponibilizados nas aulas, cada um de forma especial contribuiu para a conclusão desse trabalho e consequentemente para minha formação profissional. Por fim, gostaria de agradecer aos meus amigos e familiares, pelo carinho e pela compreensão nos momentos em que a dedicação aos estudos foi exclusiva, a todos que contribuíram direta ou indiretamente para que esse trabalho fosse realizado, meu eterno AGRADECIMENTO. 4 Ainda acabo fazendo livros aonde nossas crianças possam morar (Monteiro Lobato) 5 RESUMO Esta pesquisa tem a finalidade de demonstrar como a intertextualidade será importante no fator da coerência textual, também identificará os principais pontos específicos da mesma entre as obras infantis, fazendo uma análise das histórias: Chapeuzinho Vermelho, dos irmãos Grimm, o clássico infantil; Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais, de Rubem Alves; e Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou, de Maurício Veneza. Esta monografia irá expor que uma história pode ter relação com outras, retomando a essência dos personagens e da história. A isso denomina-se intertextualidade e esse será o foco do trabalho. Para tanto, se dividirá em dois capítulos que, respectivamente, abordarão os fundamentos teóricos da Linguística Textual, a literatura na contemporaneidade e as credenciais dos autores em questão e, por fim, será feita a análise das histórias mencionadas. Será destacada a importância deste recurso no mundo da literatura infanto-juvenil e na construção de novos sentidos para o público. PALAVRAS-CHAVE: Coerência. Intertextualidade. Literatura Infantil. Sentidos. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 07 CAPÍTULO 01 TEXTO E INTERTEXTUALIDADE 09 1.1 Consideração acerca da Linguística Textual 09 1.2 A intertextualidade como fator de coerência 13 1.2.1 Intertextualidade: Conceito e classificações 16 CAPÍTULO 2 AS RELAÇÕES INFANTO-JUVENIL INTERTEXTUAIS NA LITERATURA 20 2.1 Breves considerações sobre a Literatura Infantil 20 2.2 Irmãos Grimm, Rubem Alves e Mauricio Veneza: a remodelagem de Chapeuzinho Vermelho 2.3 Texto, leitor e intertextualidade: a busca de significados na literatura infanto-juvenil 2.3.1 Análise da relação intertextual entre Chapeuzinho Vermelho e Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais 2.3.2 Análise da relação intertextual entre Chapeuzinho Vermelho e Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou CONSIDERAÇÕES FINAIS 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38 ANEXOS 40 26 27 33 37 7 INTRODUÇÃO A Literatura Infantil está cada vez mais tendo seu espaço. Buscando primeiramente , uma visão mais ampla da literatura para o mundo das crianças. Hoje a literatura infantil e juvenil explora o contexto contemporâneo, baseando-se no enredo e nos personagens tradicionais. Através disso, produzem-se novos sentidos, contudo estes só podem ser alcançados pela relação que se estabelece com o outro texto, antes criado. Partindo dessa premissa, o objetivo deste trabalho é destacar a importância de um recurso linguístico na literatura infanto-juvenil, que muitas vezes (re)cria histórias, tendo como referência clássicos infantis; esse recurso é a intertextualidade. Essa pesquisa tem a finalidade de demonstrar de que modo ela contribui para a coerência textual, identificando seus pontos específicos através da análise das histórias: Chapeuzinho Vermelho, dos irmãos Grimm, o clássico infantil; Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais, de Rubem Alves e Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou, de Maurício Veneza. O intuito é mostrar a relação das referidas histórias e seus personagens, visto que a intertextualidade acontece pelo estabelecimento da relação de sentidos de um texto criado a partir de outro já existente. A fundamentação será pautada nas concepções da Linguística Textual, elucidando seus principais conceitos no que se refere à abordagem do texto e da textualidade. A metodologia utilizada será a análise comparativa entre o clássico Chapeuzinho Vermelho e duas de suas releituras da atualidade, usando os respectivos autores Irmãos Grimm, Rubem Alves e Maurício Veneza. O escopo é mostrar que o conhecimento de mundo, isto é, o conhecimento de textos prévios aos que são criados na contemporaneidade, é essencial para a produção e/ou transformação de sentidos discursivos/textuais. O texto para que alcance seu receptor deve compor-se por alguns elementos, que construirão a coesão, que é a organização interna; e a coerência que se trata da relação do todo. O objetivo geral consistirá em demonstrar como a intertextualidade faz-se necessária como fator de coerência textual, possibilitando o entendimento de um texto dado. Para que se alcance isso, também desenvolve-se a explicitação dos conceitos de Linguística Textual, quanto à abordagem do texto, a compreensão do que é coerência textual e os fatores que influem sobre a mesma, a demonstração de como as relações intertextuais colaboram para construir ou reconstruir os sentidos do texto, a identificação dos pontos de intertextualidade entre obras infantis e também levar ao reconhecimento da semelhança e as diferenças da relação intertextual que existe entre os textos usados como corpus de análise. 8 O primeiro capítulo volta-se para a abordagem teórica, em que se fala sobre o surgimento da Linguística Textual, bem como de seus princípios básicos; além disso, como é o objetivo será explicado como a intertextualidade colabora para o desenvolvimento de um dos princípios desse campo: a coerência. Os conceitos basilares da Linguística Textual apontam dois fatores de garantia e manutenção da textualidade: coesão e coerência. A primeira está relacionada a micro estrutura do texto, isto é, dos elementos da própria língua; já a coerência é a ligação de vários elementos formativos de um texto, não se limitando somente ao que é linguístico. Coesão e coerência são peças importantes para a compreensão de um texto; a primeira é a ligação entre as palavras, as frases e as orações, para que haja uma sequência no texto; já a segunda, faz a relação lógica entre as ideias do texto, levando ao leitor a essência da leitura. Para definir, a coesão é o sentido da frase e a coerência é o sentido do texto. Nessa perspectiva é que no segundo capítulo explora-se questões pertinentes à Literatura Infantil e Juvenil na contemporaneidade, porque hoje há muitos clássicos infantis sobre os quais se criaram novas histórias. A princípio, no primeiro tópico, discorre-se sobre essa literatura, bem como a sua situação no Brasil. No segundo tópico, a abordagem se dá a partir dos dois autores que promoveram releituras que são corpus de análise, no caso Rubem Alves e Maurício Veneza. As respectivas obras são: Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais e Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou. Por fim, chega-se à análise sugerida e, nesse ponto, mostram-se como os fatores citados no primeiro capítulo, tais como conhecimento de mundo e compartilhado, bem como os tipos de intertextualidade explorados, encontram-se nos textos em questão e como colaboram para produzir sentidos ou até mesmo reconstruí-los. Esse é o objetivo maior, ou seja, mostrar a intertextualidade e como se pode construir sentidos novos a partir desse recurso associado a um contexto determinado. 9 CAPÍTULO 1 TEXTO E INTERTEXTUALIDADE Este capítulo destina-se a abordar a teoria da Linguística Textual, bem como os principais conceitos desta de modo a ressaltar aqueles que fazem-se necessários para a abordagem aqui realizada, isto é, a intertextual. 1.1 Considerações acerca da Linguística Textual A Linguística Textual, surge para invertigar e tomar como objeto de estudo: o texto. Até o momento do seu surgimento o que prevalecia era o foco das correntes estruturalistas, que observavam apenas os aspectos de forma e estrutura do texto. A nova vertente vai além dessa abordagem, dando prioridade para o processo comunicativo e os envolvidos neste, ou seja, o modo como a comunicação se processa entre autor leitor e texto, levando em consideração o contexto ou situação comunicativa. São esses fatores que constituem a textualidade. Segundo Isenberg a relação existente entre os elementos do texto se deve a intenção do falante, ao seu plano textual prévio, que se manifesta por meio de intruções ao ouvinte para que realize operações cognitivas destinadas a compreender o texto em sua integridade, isto é, o seu conteúdo e o seu plano global; ou seja, o ouvinte não se limita a “entender” o texto no sentido de captar seu conteúdo referencial, mas atua no sentido de reconstruir os propósitos do falante ao estruturá-lo, isto é, descobrir “para quê” do texto (KOCH, 1997, p.16). Isenberg (1997) fala que o texto deve ser bem elaborado, para que o leitor possa chegar a essência do texto, porém um texto escrito de qualquer forma pode prejudicar tanto a composição estrutural, como a do sentido de texto, fica mais difícil o leitor entender o que o autor quer transmitir. Esse campo de estudo passou por três momentos básicos, os quais perpassaram da teoria da frase à teoria do texto. Não havendo consentimentos entre os autores de que houve uma certa cronologia na passagem de um momento à outro. Desses três momentos 10 predominantes, o primeiro foi a análise transfrástica, que analisa-se a partir da frase até chegar ao texto e que tem como objetivo percorrer os fenômenos sintático-semânticos e também analisa o procedimento das regularidades de transcrever os limites do enunciado. Nesse primeiro momento pode-se perceber que a Linguística Textual não é uma soma das frases, mas pode-se estender uma frase para se tornar um texto. Exatamente por estarem preocupados com as relações que se estabelecem entre as frases e os períodos, de forma que construa uma unidade de sentido, os estudiosos perceberam a existência de fenômenos que não conseguiram ser explicados pelas teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas: o fenômeno da co-referenciação, por exemplo, ultrapassa a fronteira da frase só pode ser melhor compeendido no interior do texto (MUSSALIM; BENTES, 2008, p. 247). E a fase transfrástica abriu um espaço em que surgiu o segundo momento que é o das gramáticas textuais que compreendem o texto e derivam de uma competência do falante, que vai além da sequência de enunciado. E seu maior objetivo é fazer a descrição de uma gramática levando em consideração as infinitas regras e transportando as mesmas a todos os usuário da língua, com escopo de dar significação aos textos elaborados, em que portanto, trabalha-se os aspectos da coesão e da coerência, apesar de não ser suficiente para a construção do texto. Sendo o texto muito mais que uma simples sequência de enunciados, a sua compreensão e a sua produção derivam de uma competência específica do falante – a competência textual – que se distingue da competência frasal ou linguística em sentido estrito [como a descreve, por exemplo, Chomsky ( 1965)].Todo falante de uma língua tem a capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomerado incoerente de enunciados, e esta competência é, também, especificamente linguítica – em sentido amplo (FÁVERO; KOCH, 2002, p. 14). Já no terceiro momento, construiu-se a teoria do texto que preocupa-se em constituir o funcionamento, a produção e a compreensão dos textos, explorando o contexto pragmático que é o ponto de partida no ato de comunicação com suas implicações psicológicas, sociais e ideológicas inseridos numa situação comunicativa. É nesse terceiro momento que pode-se ver a evolução do texto, ele deixa claramente de ser um processo e passa a ser um produto. Adquire particular importância o tratamento dos textos no seu contexto pragmático, isto é, o âmbito da investigação se estende do texto ao contexto, esse último entendo, de modo geral, como o conjunto de condições esternas da produção, recepção e interpretação do texto (MUSSALIM; BENTES, 2008, p. 251) 11 A Linguística Textual aborda o texto sob três aspectos. Considera-se que a produção textual é uma atividade verbal, que produz a linguagem do texto onde não é descrição do mundo, mas ação, ou seja, não se produz um texto simplesmente por produzir. Isso decorre do fato de ser uma atividade verbal consciente, que tem um propósito intencional, que tem objetivo a ser alcançado. Além disso, é a atividade interacional que tem relação dialógica, há diálogo constante. Devido ao entendimento de que seja necessário relacionar o texto com o seu exterior para então construir sentido. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede a alguém, como pelo fatode que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é um espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra se apóia sobfre meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor (MUSSALIM; BENTES, 2008 p. 255). As autoras mostram que não existe escrever texto, só para o autor e sim para todos os tipos de leitores. O texto não é criado isolado do mundo, pois sempre haverá um diálogo estabelecido com outros textos e com o contexto. O texto, ainda que implicitamente, incorpora diferentes perspectivas a respeito de uma mesma questão, o que se tem é uma interrelação entre textos que tratam do mesmo assunto ou de assuntos que tratam do mesmo texto, eventualmente, com abordagens diferentes. O texto tem como intenções produzir textos, porque se pretende ter informação, diversão, explicação, convencimento, discordância, ordenação, dentre outras finalidades, ou seja, o texto é uma unidade de significado, produzido sempre com uma determinada intenção, de passar aos leitores o que queremos dizer. Assim como a frase não é uma simples continuação de palavras, o texto também não é uma simples geração de frases, mas um todo organizado capaz de estabelecer contato com interlocutores e influindo sobre eles. Falar em texto consiste em uma tarefa bastante complexa, pois, desde os bancos escolares, ouvimos falar de texto e com ele trabalhamos. Este fato, de certa maneira, naturaliza esta noção e ela passa a fazer parte do senso comum – todos sabem o que é texto: sabemos, desde sempre, que texto é verbal, que deve apresentar-se de forma escrita, que esta forma deve apresentar clareza, e precisa ter começo, meio e fim (ORLANDI e LAGAZZI-RODRIGUES, 2006, p. 35). Mas sabe-se que a concepção trazida pela Linguística Textual quebrou esse paradigma meramente estrutural e buscou colocar o texto em sua prática, como um instrumento valioso de construção de sentido. 12 Dentre os princípios da Linguística Textual tem-se a coesão e a coerência. A coerência textual acontece quando se atinge o sentido do texto e também resultante da adequação do que se diz ao contexto extra-verbal, ou seja, aquilo o que o texto faz referência, que precisa ser conhecido pelo receptor. E a coesão são as técnicas para dar sequência ao texto, para que se tenha sentido, evitando repetições de palavras, seria uma conexão entre as palavras de um texto. Ao contrário da coerência, a que é subjacente, a coesão é explicitamente revelada através de marcas lingüísticas, índices formais na estrutura da sequênia linguística e superficial do texto, o que lhe dá caráter linear, uma vez que se manifesta na organização sequêncial do texto (KOCH e TRAVAGILA, 1993, p. 47). Segundo Koch e Travaglia (2009), a coerência e a coesão estão ligadas a uma sequência linguística, onde as mesmas precisam ter um caráter próprio de entender um texto. A coesão não é uma condição necessária e suficiente para constituir um texto. O texto para que alcance seu receptor deve compor-se por alguns elementos, que construirão a coesão, que é a organização interna e a sua coerência é a relação do todo. Segundo Marchuschi (apud KOCH, 1997, p. 35) “os fatores de coesão são aqueles que dão conta da sequenciação superficial do texto, isto é, os mecanismos formais de uma língua que permitem estabelecer, entre os elementos linguísticos do texto, relação de sentido”. Marcuschi (1997) expõe que coesão é uma sequência de texto, que dentro dos elementos linguísticos pode haver uma relação de sentido. Mas como foi dito, a coesão por si só pode não produzir sentido lógico, mas que a mesma pode ter ligação de um texto a outro. As conceituações em torno da coesão não serão muito estendida aqui, pois o foco da pesquisa é a coerência textual, visto que analisa um de seus mecanismos de constituição. A coerência textual é uma ligação entre as ideias de um texto, pois elas vêm para completar e não para contradizer o resultado do mesmo. A coerência de um texto insere fatores de informação para que o autor e o leitor possam entender o sentido do texto, portanto, os segmentos textuais sempre têm que vir seguido de pressuposição, para dar sentido ao segmento seguinte. A coerência se constrói através da responsabilidade que se tem em dar sentido ao texto, um texto para que seja coerente precisa ser compatível com o conhecimento de mundo do leitor. A coerência é importante, pois com ela alcança-se a ideia de que o texto não existe em si próprio, mas constrói-se em relação ao emissor-receptor-mundo. Se, porém, é verdade que a coerência não está no texto, é verdade também que ela deve ser construída a partir dele, levando-se pois, em conta os recursos coesivos presentes na superfície textual, que 13 funcionam como pistas ou chaves para orientar o interlocutor na construção de sentido. Para que se estabeleçam as relações adequadas entre tais elementos e o conhecimento de mundo (enciclopédico), o conhecimento socioculturalmente partilhado entre os interlocutores e as práticas sociais postas em ação no curso da interação, torna-se necessário, na grande maioria dos casos, proceder a um cálculo, recorrendo-se a estratégias interpretativas, como as inferências, bem como a estratégias de negociação do sentido (KOCH, 1997, p. 41). Segundo Koch (1997), a coerência não está totalmente inserida no texto, mas é através dela que consegue-se perceber a essência do texto. Paralelamente à habilidade de reconhecer a coesão e a coerência textual o leitor precisa ter um conhecimento cultural ou conhecimento de mundo, sua leitura dependerá sempre de sua posição crítica do leitor, isso quer dizer que um leitor que irá interpretar o texto conforme sua leitura de mundo também. Dentre os fatores que colaboram para o estabelecimento da coerência, tem-se a Intertextualidade, que pode ser definida como um diálogo entre dois textos semelhantes e ocorre sempre a partir da manifestação de outra pessoa, quando se torna um auxílio para a construção da exposição de outro sujeito. Cabe ressaltar que este não é o único fator que colabora para a coerência textual, porém somente ele será abordado aqui, pois é base desta pesquisa e será o foco desenvolvido no próximo tópico. 1.2 A intertextualidade como fator de coerência Dentre os fatores que colaboram para o estabelecimento da coerência, tem-se a Intertextualidade. A intertextualidade pode ser vista como uma “conversa” entre dois textos parecidos e ocorre sempre a partir da manifestação de outra pessoa, quando vira um subsídio para a construção da exibição de outro sujeito. A intertextualidade pode-se dizer que é uma criação de um texto a partir de outro já existente. Val (apud Gouvêa, 1999, p. 58) define texto escrito ou falado como “unidade linguística comunicativa básica” em que os falantes utilizam palavras para se comunicar, a autora ressalta também que para um texto ser bem compreendido pelos seus leitores ele precisa abordar três aspectos fundamentais: o pragmático, que desempenha o papel informacional e comunicativo; o semântico-conceitual, que depende da sua coerência; e o formal que está sujeito à coesão. Então a autora foca na interpretação do texto para que haja uma boa leitura e entendimento do leitor, assim um texto bem elaborado é fácil de interpretar e captar o foco 14 principal do autor, portanto, para um bom texto, precisa-se que tenha a participação da coerência e da coesão. Esses elementos servem como pistas para ativação dos conhecimentos armazenados na memória, constituem o ponto de partida para a elaboração de inferência, ajudam a captar a orientação argumentativa dos enunciados que compõem o texto, etc (TRAVAGLIA ; KOCH, 2009, p.71). Observa-se que para elaborar bem um texto precisa-se dos elementos principais para que o componha, pois nota-se que quando o leitor interpreta um texto buscando sua coerência, ele retoma aquilo que já conhece. Segundo Fávero e Koch (2002) o texto é conceituado a partir de duas acepções: em sentido lato e em sentido stricto: Texto, em sentido lato, designa toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano (quer se trate de um poema, quer de uma música, uma pintura, um filme, uma escultura, etc), isto é, qualquer tipo de comunicação realizado através de um sistema de signos. Em se tratando da linguagem verbal temos o discurso, atividade comunicativa de um falante, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (...) e o evento de sua enunciação. O discurso é manifestado, linguisticamente, por meio de textos (em sentido estrito) (FÁVERO; KOCK, 2002, p. 25). As autoras mostram a diferença dos sentidos lato e do stricto, que reside no fato de o sentido lato mostrar toda e qualquer manifestação desde as pinturas, filmes, músicas à poemas, em que se aborda a capacidade comunicativa do ser humano. Já o sentido stricto refere à abordagem discursiva, a intenção que sustenta cada um. A intertextualidade envolve em diversas áreas do conhecimento, o conhecimento de mundo e o compartilhado. O conhecimento de mundo é adquirido com o tempo, com as informações passadas de uma pessoa a outra, com a vivência de cada pessoa, por isso faz-se presente para compreender a coerência de um texto, precisa-se de um conhecimento prévio do mundo. O conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerência: se o texto falar de coisas que absolutamente não conhecemos, será difícil calcularmos a seu sentido e ele nos parecerá destituídos de coerência. É o que aconteceria a muitos de nós se nos defrontássemos com um tratado física quântica! (TRAVAGLIA; KOCH, 2009, p. 72) Segundo os autores o conhecimento de mundo é importantíssimo, pois é através desse conhecimento que se pode entender melhor a coerência de um texto. E é através desse que se tem uma visão mais ampla dos textos e que facilita a compreensão, levando também o 15 leitor/ouvinte a perceber a intertextualidade existente entre alguns textos. Existem alguns tipos de modelos de conhecimento de mundo como: frame- um conhecimento que todos os seres humanos diz sem uma sequência de ordem; esquema- sequência ordenada que seguem uma orientação temporal ou casual; plano- sequência de atividades que prevemos acontecer no transcorrer de determinada situação. Através do conhecimento de mundo, pode-se ter o conhecimento compartilhado, onde cada pessoa armazena na memória as experiências vividas. Não é possível dois seres humanos armazenar um mesmo conhecimento de mundo, cada indivíduo tem seu próprio conhecimento e armazena de uma forma diferente. É impossível que duas pessoas partilhem exatamente o mesmo conhecimento de mundo. É preciso, no entanto, que produtor e receptor de um texto possuam, ao menos, uma boa parcela de conhecimentos comuns. Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de explicitude do texto, pois o receptor será capaz de suprir as lacunas, por exemplo, através de inferências (TRAVAGLIA; KOCH, 2009, p. 77). Então, diz-se que as pessoas em si têm seus próprios conhecimentos, que cada indivíduo é capaz de explicitar suas ideias, para que haja uma compreensão mútua é preciso haver uma socialização entre as mesmas, ou seja, há um saber e, portanto, um conhecimento que é partilhado pelos falantes/usuários da língua. Para que um texto seja coerente, é preciso haver um equilíbrio entre informação dada e informação nova. Se um texto contivesse apenas informação nova, seria ininteligível, pois faltariam ao receptor as bases (“âncoras”) a partir das quais ele poderia proceder ao processamento cognitivo do texto (TRAVAGLIA; KOCH, 2009, p. 77). Os autores ressaltam que se cada indivíduo tivesse um mesmo conhecimento, não teria sentido em construir novos textos, faltaria informações para concluir o entendimento do texto, entretanto é por isso que os autores focam no conhecimento compartilhado, dessa forma os textos ficam mais explicativos e mais acessíveis à interpretação. O conhecimento de mundo e o conhecimento compartilhado ajudam na identificação da intertextualidade presente em um texto. A leitura do texto de Rubem Alves, por exemplo, que é objeto dessa pesquisa, intitulado como Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais, permite a associação com o conto tradicional Chapeuzinho Vermelho, devido ao conhecimento de mundo que as pessoas possuem, pois os contos infantis são clássicos ouvidos por todas as crianças, passados de geração para geração; então quando se lê já é possível perceber a relação de intertextualidade que se estabelece. 16 Importante, contudo, é frisar, como o faz Bauman (2004: 6), que toda e qualquer retextualização de um texto prévio implica uma mudança de clave, uma alteração em sua força ilocucionária e em seu efeito perlocucionário ─ ou seja, no que ele vale (counts as) e no que ele faz (KOCH; BENTES e CAVALCANTE, 2007, p.17). Por esse fato que a partir do momento em que se começa a processar a interpretação usa-se o conhecimento compartilhado, porque o texto de Rubem Alves traz uma nova versão para a história, versão que depende de conhecimentos do mundo moderno, como será analisado na segunda etapa desse trabalho. Diante do exposto, ressalta-se que os dois tipos de conhecimento citados são instrumentos na compreensão de uma relação intertextual, pois é necessário que o falante tenha conhecimento do texto prévio e do assunto pertinente a este para que consiga estabelecer sentido ou reconstruí-los na medida em que a retomada do texto nem sempre ocorrerá de forma neutra. Quando não houver essa neutralidade fala-se de paródia, uma intertextualidade que realiza-se de forma crítica, relendo, recriando o que já fora colocado, o tradicional. Portanto, tendo um conhecimento de mundo amplo, esse entendimento será facilitado. 1.2.1 Intertextualidade: Conceito e classificações A intertextualidade mostra que é possível criar um novo texto a partir de outro já existente, de forma que os textos conversam entre si, é comum encontrar referências de um texto dentro do outro. Para entender melhor a estrutura e a função da intertextualidade pode-se separar a palavra por parte como “inter” é de origem latina e refere-se a noção de dentro, ou seja, o que está dentro do texto, e “textualidade” tem a noção de conteúdo, palavras, que juntando as duas forma-se a intertextualidade que através do mesmo pode surgir outro texto. O conceito da intertextualidade exposto por Kristeva (apud Gouvêa 1974, p.59), diz que “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto”. A Intertextualidade acontece sob diferentes tipos. Dentre estes, em Koch (2007), destacam-se alguns: a intertextualidade temática é encontrada nos textos científicos relativos a uma mesma área de conhecimento e uma mesma linha de pensamento; e pode-se encontrar essa em matéria de jornais e da mídia em geral que são veiculadas no mesmo dia. 17 Durante um certo período em que dado assunto é considerado focal; entre as diversas matérias de um mesmo jornal que tratam desse assunto; entre as revistas semanais e as matérias jornalísticas da semana; entre textos literários de uma mesma escola ou de um mesmo gênero (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p.18). O foco principal da intertextualidade temática são os textos científicos desenvolvidos em uma mesma ideia, em um mesmo conhecimento do assunto, como o próprio nome leva a pensar ‘tema’, textos que retomam o mesmo tema trabalham com esse recurso. A intertextualidade estilística ocorre quando o produtor do texto, de acordo com finalidades diferentes, ou reproduz, imita ou parodia certos textos: [...] a possibilidade de existência de uma intertextualidade apenas de forma, como por vezes se costuma postular, já que defendemos a posição de que toda forma necessariamente emoldura, enforma determinado conteúdo, de determinada maneira. A intertextualidade estilística ocorre, por exemplo, quando o produtor do texto, com objetivos variados, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades linguísticas: são comuns os textos que reproduzem a linguagem bíblica, um jargão profissional, um dialeto, o estilo de um determinado gênero, autor ou segmento da sociedade (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p. 19). Nota-se um foco no tipo de linguagem, no estilo do gênero usado e no objetivo existente. Assim quando o estilo, isto é, a maneira de se escrever, a abordagem das características de determinado tipo de texto se fazem presente em outro, tem-se uma intertextualidade de forma ou estilística. Nessa perspectiva a intertextualidade estilística é muito presente na Bíblia, pois textos do antigo testamento são retomados no novo testamento através desse recurso. A intertextualidade explícita, por sua vez, corresponde às citações, alusões, traduções ou em discursos narrados, pois ela precisa desses itens por ter natureza explícita, ou seja, mostrar claramente qual a raiz de certas informações para se compor uma referência, por exemplo. No próprio texto, é feita a menção à fonte do intertexto, isto é, quando um texto ou um fragmento é citado, é atribuído a outro enunciador; ou seja, quando é reportado como tendo sido dito por outro ou por outros generalizados (“Como diz o povo...”, “segundo os antigos...”) (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p. 28). A intertextualidade explicita é um seguimento, um parceiro para continuação onde possa encadear as ideias. É quando escreve um texto e menciona o autor do texto analisado, e para se construir um resumo, uma resenha ou mesmo uma citação a intertextualidade explicita mostra claramente o texto que foi abordado para realização destes acontecimentos. 18 Assim, como em uma monografia ou artigo científico acontece, pois nesse tipo de trabalho pode-se verificar seu produtor, utiliza-se desse recurso ao fazer citações encaixando no seu texto as ideias de outro autor. Como se afirma Gouveia: Então, a partir dela, da citação, não há mais quaisquer segredos guardados entre o ontem e o agora, ou entre o hoje e o hoje, entre o autor de um novo tempo e os autores de tempos outros, ou de tempos mesmo que, num diálogo sem cerimônia, prosseguem contando juntos uma estória, amparando uma voz a outro (GOUVÊA, 2007, p.62) E há ainda a intertextualidade implícita, que ocorre sem citação expressa do texto original, porque o autor acha que já faça parte do conhecimento textual, bem como do conhecimento de mundo do leitor, por isso é tarefa do interlocutor reaver na recordação a origem para ajudar na edificação de sentido do texto. Quando a fonte não é mencionada de maneira clara, o produtor de texto acredita que o leitor seja competente para identificar o intertexto, caso isso não aconteça, a interpretação ficará incompleta ou prejudicada. A intertextualidade implícita destaca dois tipos de intertextualidade a subversão e a captação. A captação, é compreender o texto e conseguir perceber que um retoma outro para fazer uma captação do sentido e das ideias. A subversão, como o próprio nome sugere, trata de reverter um sentido, de não ficar subordinado a algo que fora estabelecido em outro tempo, outro texto; a intenção é alterar a ordem estabelecida. E isso será um dos tópicos abordados nesta monografia, como na comparação das três obras do Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais e Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou, com associação ao conto tradicional Chapeuzinho Vermelho. Reconhecer a presença do intertexto, pela ativação do texto-fonte em sua memória discursiva, visto que, se tal não ocorre, estará prejudicada a construção do sentido, mais particularmente, é claro, no caso da subversão. Também nos casos de captação, a reativação do texto primeiro se afigura de relevância; contudo, por se tratar de uma paráfrase, mais ou menos fiel, do sentido original, quanto mais próximo o segundo texto for texto-fonte, menos é exigida a recuperação deste para que possa compreender o texto atual (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p.31). A intertextualidade implícita, segundo as autoras, ocorre na presença do intertexto, um texto preexistente na forma verbal ou não-verbal, para que haja uma comparação dando ideia para um novo surgimento de outro texto, não somente para copiar e sim para entender o sentido que o autor quis passar ao leitor, dando a possibilidade de construir outro texto seguindo a mesma ideia do original ou transformando-o. 19 Como já foi dito, a coerência é um fator de grande importância para a constituição do texto ao leitor, nessa perspectiva o conhecimento de mundo favorece a competência interpretativa do leitor que será hábil em estabelecer uma relação de intertextualidade que se faça presente nos textos que lhe forem expostos, bem como a capacidade de produzir outros textos, com a leitura e com seus conhecimentos abstraídos ao longo da vida. Retomar textos e conhecimentos já estabelecidos é inevitável, pois os textos são escritos através de leitura, de citações, conhecimento que se tem ao longo da vida, desse modo a intertextualidade, seja de modo evidente ou de modo mais discreto constituirá esse objeto. 20 CAPÍTULO 2 AS RELAÇÕES INTERTEXTUAIS NA LITERATURA INFANTOJUVENIL O presente capítulo tem como objetivo traçar breves considerações sobre aspectos da Literatura Infantil e Juvenil, abordando sucintamente sua constituição, bem como sua atuação na contemporaneidade. Para então, proceder-ser à análise do corpus a fim de identificar os pontos da relação intertextual presente entre o conto tradicional de Chapeuzinho Vermelho, dos Irmãos Grimm, e as releituras de Rubem Alves, Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais, e de Maurício Veneza, Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou. 2.1 Breves considerações sobre a Literatura Infantil A Literatura Infantil começou a delinear-se no início do século XVIII, quando a criança passou a ser conhecida como um ser diferente do adulto, com suas próprias necessidades e suas características para distanciarem-se das pessoas mais velhas, pois as crianças recebiam uma educação especial e diferenciada para preparar-se até chegar a vida adulta. Nessa época existiam dois tipos de crianças, uma que tinha acesso a nobreza e lia os grandes clássicos, e outra que era menos favorecida, lia ou ouvia histórias de cavalaria ou aventuras. O francês Charles Perrault iniciou com a literatura infantil com os registros escritos, em que fez coleta de contos e lendas da Idade Média e começou a fazer as suas adaptações para o público infantil com os contos (Cinderela e Chapeuzinho Vermelho). Perrault era um burguês, culto e não se importava com as críticas populares que eram feitas, ele apenas as ironizava. Em alguns momentos seus contos eram marcados por sarcasmo em relação ao popular. Porém, ao mesmo tempo, eram marcados por preocupar-se em fazer uma arte moralizante, através da literatura pedagógica. A literatura Infantil tem como parâmetro contos consagrados pelo público mirim de diferentes épocas que, por terem vencido tantos testes de recepção, 21 fornecem aos pósteros referências a respeito da constituição da tônica literária do texto destinado à criança (CADEMARTORI, 2006, p.33) Já os Irmãos Grimm, em 1812, publicaram sua primeira obra em comum, em seguida, em dezembro do mesmo ano, eles publicaram Contos de criança e do Lar, com triagem de 900 exemplares. Já em 1815 deram continuidade a segunda publicação dos Contos da Criança e do Lar, e a partir daí a parceria continuou com várias outras obras. Na tradição oral, as histórias compiladas não eram destinadas ao público infantil e sim aos adultos, os irmãos Grimm que as dedicaram às crianças por sua temática mágica e maravilhosa, foi assim que fundaram os dois universos: o popular e o infantil. O sentido mais humanitário dos contos foi trazido através do Romantismo, nos contos de Perrault há presença de violência, que em decorrência do humanismo perde lugar, destacando o sentido do maravilhoso da vida, de uma forma suave, perpassam pelas histórias duas temáticas em especial: o amor ao próximo e a solidariedade é o que predominam a esperança e a confiança na vida. Nesse relato é possível observar a diferença nos finais das histórias do Chapeuzinho Vermelho do Perrault, que termina com o lobo devorando a menina e a avó, e na obra dos Irmãos Grimm, onde o caçador abre a barriga do lobo, deixando que as duas fiquem vivas e felizes enquanto o lobo morria com a barriga cheia de pedras que o caçador e a menina ali colocaram. Segundo Cademartori “O trabalho de Perrault é o de um adaptador. Parte de um tema popular, trabalha sobre ele e acresce-o de detalhes que respondem ao gosto da classe à qual pretende endereçar seus contos: a burguesia” (2006, p.36). Perrault com seus vários anos de existência, seus contos não era somente direcionado ao público infantil, mas também aos adultos e a dezenas de estudiosos das mais diversas áreas, pois seus contos alimentavam a imaginação e os sonhos fantásticos dos mesmos. Já em outro século os Irmãos Grimm também fizeram coletas de outros contos na Alemanha (João e Maria e Rapunzel), junto a ele houve vários outros autores que fizeram coletas de contos, uns italianos, ingleses, americanos e escocês, que constituiram-se os padrões da literatura infantil. No Brasil, voltando-se para a contemporaneidade, Monteiro Lobato foi o divisor da Literatura Infantil e Juvenil brasileira do passado e dos dias atuais, fazendo com que os detalhes e a essência do passado se permanecessem no presente, porém, foi ele que encontrou o caminho para criar o que faltava para a literatura infantil abrir as portas para as novas ideias e novas formas que a mesma no presente necessitava e exigia. “Leitor voraz, preocupava-se igualmente com a renovação da Literatura Brasileira, no sentido de seu encontro com o 22 autêntico da realidade brasílica e com a linguagem brasileira, liberta do magistério lusitano” (COELHO, 2010, p.247 e 248). Lobato tanto estudou, como leu diversas obras, foi a partir desse momento que ele se definiu muito mais habilidoso do que talentoso, e com seu projeto de transformar a literatura infantil do passado para o presente, começou a englobar obras originais, fazendo adaptações e traduções, às foram iniciadas pela obra “Lucia ou a Menina do Narizinho Arrebitado”, que foi um salto para sua editora fundada por ele próprio. O sucesso desta obra foi tanto que ele decidiu publicar mais exemplares, que foram adquiridos pelo governo paulista e distribuídos nas escolas públicas, onde as crianças podiam sentir o gosto da leitura e se identificar com os personagens da estória. Seu sucesso irrestrito entre os pequenos leitores decorreu, sem dúvida, de um fator decisivo: eles se sentiam identificados com as situações narradas; sentiam-se á vontade dentro de uma situação familiar e afetiva, que era subitamente penetrada pelo maravilhoso ou pelo mágico, com a mais absoluta naturalidade (COELHO, 2010, p.249-250). Foi a partir do surgimento de Monteiro Lobato com suas propostas de inovação de uma Literatura Infantil, que as crianças passaram a ter vontade e voz, mesmo vinda de uma boneca de pano: Emília, uma personagem que Lobato criou em sua obra “O sítio do pica pau amarelo”, as crianças ao ler essa obra e visualizar as ilustrações feitas pelo autor Monteiro Lobato, se identificavam com a personagem. O autor apresentava características que não eram exploradas no mundo literário das crianças. Essas mudanças foram, de maneira histórica e diálogica, sendo capazes de trazer para a chamada literatura infantil a diversidade de valor do mundo contemporâneo, o questionamento do papel do homem frente a um universo que se transforma a cada dia. Além disso, trouxe também as vozes de diferente contextos sociais e culturais presentes na formação do povo brasileiro, sua diversidade e dificuldades de sobrevivência e, o mais importante, trouxe as vozes e sentimentos da criança para as páginas dos livros, para as ilustrações e para as diferentes linguagens que as fazem presentes na produção artística para crianças (FILHO, 2011,p.718). Monteiro Lobato objetiva levar as crianças ao conhecimento dos seus personagens heróicos como reais ou fictícios, seus mitos e suas conquistas, cabendo também ao leitor descobrir os valores e os não valores presentes nas obras. Lobato também trabalhou como tradutor, foi através de suas traduções que seus leitores puderam ter acesso as obras e evidenciar seu trabalho, esse era um trabalho considerado por Lobato como fascinante, ele tinha prazer em traduzi-las, para o público infantil e juvenil delirarem e imaginarem como o mundo de fantasias eram maravilhoso. 23 Monteiro Lobato com seus estudos promove uma renovação para a Literatura, estabelecendo as bases de um projeto estético, que é destinado ao público jovem e às crianças do Brasil. Na década de 70, no Brasil foi inaugurado um período fértil na Literatura Infantil e Juvenil, com um projeto criativo e ousado, as obras eram agrupadas em tendência temáticoestilísticas, para que houvesse uma construção da história do gênero que refletisse o momento histórico social brasileiro. Nessa época havia também vários outros autores que publicavam o sucesso das obras para o público infantil e juvenil, como: Ruth Rocha, Ana Maria Machado, João Carlos Marinho entre outros, que continuavam reatando as tradições lobatianas, que contemplavam a critica social, o humor, o suspense e a aventura da linguagem. A renovação da literatura infantil brasileira, que ocorre especialmente nos anos 1970, na trilha de Lobato, vai se consolidando, nas décadas seguintes, com um projeto estético que valoriza o diálogo entre texto, ilustrações e aspectos gráficos, num processo de co-autoria. As narrativas se caracterizam pela presença do humor e da irreverência, da aventura, do suspense e da temática do cotidiano (TURCHI, 2008, p.02). A Literatura Infantil a cada dia que se passa aprimora-se ainda mais, pois surgem novos textos com novas histórias. Para cativar as crianças os autores usam diversos recursos para levar a imaginação ao mundo da fantasia, os mesmos usam textos criados através de outros textos, e também usam somente ilustrações para que as crianças ao invés de ler, contar a história que imagina estar relatada nas ilustrações. A literatura que ora emerge possui traços inovadores como a intertextualidade (o diálogo com outros textos), a ilustração (é tão autosuficiente que chega a ser texto-imagem), os temas diversificados e atuais, a supra-realidade etc. o que importa é cativar o leitor, apelando para diferentes recursos visuais e temáticos (MORELLI, 2004, p.176 e 177). A Literatura Infantil na contemporaneidade trouxe uma realidade muito próxima ao nosso conhecimento de mundo, ela deixou de ser uma fantasia imaginária e passou a fazer parte da atualidade no que se refere às temáticas abordadas. E foi a partir daí que surgiram novas releituras, os autores foram tendo acesso a novas tecnologias, começou traçando uma história instigando a imaginação das crianças com o mundo encantado, que tudo era belo e com as novas releituras passou a fazer parte da atualidade, abordando elementos conhecidos e vivenciados pelas crianças e adolescentes de hoje. 24 2.2 Irmãos Grimm, Rubem Alves e Mauricio Veneza: a remodelagem de Chapeuzinho Vermelho Essa etapa do trabalho propõe mencionar os autores e as respectivas obras tomadas como objeto de estudo desta pesquisa, na perspectiva de fazer somente uma breve exposição acerca daqueles, bem como um resumo destas, pois a análise aprofundada se dará em sequência. Sabe-se que os Irmãos Grimm, tiveram uma participação muito importante na Literatura Infantil, contribuindo com contos, fábulas, lendas e também para a língua alemã com dicionário e que desenvolveram um estudo mais enriquecedor da língua e do folclore popular local. Foi deles o legado da tradicional história da Chapeuzinho Vermelho, aqui tomada como ponto de partida para o estabelecimento de relações intertextuais posteriormente. Narrativa bastante conhecida, Chapeuzinho Vermelho de Irmãos Grimm conta a história de uma menina de quem todos gostavam e que fora presenteada por sua avó com um chapéu de veludo vermelho, decorrendo daí seu nome. A menina atende ao pedido da mãe de levar um cesta com guloseimas a sua avó, que estava doente e morava no meio da floresta; levando também as recomendações de não sair da estrada para não ter nenhum imprevisto. No meio da caminhada ela encontra o lobo, que a dispersa e manipula para saber de suas intenções, até que ela diz aonde iria e ele com toda sua maldade, corre e se antecipa à casa da vovó. Enquanto isso, no caminho da floresta a menina apanha algumas flores para ela, atitude influenciada pelo lobo para que houvesse tempo dele entrar na casa, devorar a velhinha, vestir suas roupas para disfarçar-se de vovó e aguardar sua próxima vítima: Chapeuzinho. Quando ela chega, acha estranho a porta estar aberta, mas entra e chama pela avó, que já havia sido devorada. O lobo, disfarçando a voz, conduz a menina até ao quarto, que acha a avó muito diferente e lhe faz algumas perguntas relacionadas a sua aparência. Ao responder uma delas o lobo salta e devora a garota, caindo em um sono profundo logo depois. Eis que surge o caçador que, passando por ali, ouve um ronco, entra na casa e vê o lobo dormindo, a figura já era procurada pelo caçador. Suspeitando do acontecido, ele corta a barriga do lobo, retira vovó e Chapeuzinho Vermelho e coloca pedras na barriga dele. Dessa forma, ao final da história, quando ele acorda, se levanta, cai e morre, havendo um final feliz para Chapeuzinho Vermelho, a avó e o caçador. (Ver anexo A) 25 Rubem Alves, também contribuiu para a Literatura Infantil, pegando as histórias do passado e reescrevendo para os dias atuais. E é uma dessas releituras que este trabalho analisará, observando a nova roupagem que o tradicional conto ganhou. Em Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais, Rubem Alves conta a história de uma jovem que se chamava Rúbia, que tinha seus cabelos tingidos de ruivos e ambicionava encontrar um homem rico. A jovem morava com a mãe em uma mansão num condomínio de luxo. Um dia a mãe pede que ela leve uma cesta básica a sua avó, que morava na Rocinha, dirigindo o BMW; a menina logo se predispôs, pois queria muito dirigir o carro da mãe, esta por sua vez lhe disse para tomar muito cuidado com seqüestradores, afinal andar de BMW à noite na rocinha era muito perigoso. Um imprevisto acontece: o pneu furou. Nesse momento da narrativa, aparece um homem elegante, dirigindo uma Mercedes, oferecendo ajuda e apresentando-se como Crescêncio Lobo. A garota aceita o auxílio e sente-se atraída por aquela figura, que além de gentil, parecia ser rico. Ao terminar de trocar o pneu, ele se dispôs a segui-la para proteger de qualquer mal; assim os dois vão em direção à casa da avó. Ao chegar lá, Crescêncio Lobo encanta-se com a beleza da avó de Rúbia e os dois se envolvem em conversa. A jovem Rúbia percebe e fica com muita raiva, o que resulta num ataque histérico; a avó e Crescêncio Lobo tentam acalmá-la, sem sucesso. Policiais que passavam por perto ouvem a gritaria e entram na casa da vovó para averiguar, achando se tratar de algo grave; mas logo percebem que a jovem precisava de um tratamento psiquiatra e convencem-na de acompanhá-los até o hospital. Rúbia não resistiu, pois encanta-se com o charmoso policial que a ajudou. A partir daquela noite a avó e Crescéncio Lobo iniciam uma relação amorosa e ele paga uma plástica para a vovó para que ficasse novinha. Enquanto Rúbia começa uma feliz relação com o policial, que tinha mestrado em psicologia da adolescência. (Ver anexo B) Rubem Alves demonstra que ele produziu uma escrita, procurando retratar o contexto social da criança do século XX, onde ter um carro importado é sinônimo de status, caminhar pelo bosque já não traz tantos perigos como ir à favela visitar a avó. O caçador passa a ser substituído por um policial que protege a mocinha e os rapazes mais jovens, astutos e ferozes, como o lobo, se relaciona muito bem com as avós modernas (LIMA, 2008, p.77). A partir dessa síntese, nota-se algumas mudanças de características e comportamentos das personagens, bem como da realidade vivida em relação à primeira história (de Irmãos Grimm), isso ocorre porque é uma releitura, criada em um contexto diferente, sendo que o autor procurou explorar bem essa situação. Já Maurício Veneza, um desenhista contemporâneo nascido em Niterói, tem maior espaço no mundo das ilustrações. Começou como escritor de livros Infanto-Juvenis em 1987 e 26 faz parte da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Ele não escreve somente, mas também ilustra, fazendo com que as crianças que tenham acesso a seus livros, observem as imagens e consigam traçar a história que ali está apenas através das figuras. Esse é o protótipo da história aqui investigada, ou seja, uma narrativa criada apenas por imagens, explorando, pois, a linguagem não-verbal; intitulada Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou. Na narrativa observa-se uma menina usando um capuz vermelho e carregando uma cesta no caminho da floresta, com destino à casa da a avó. A menina segue feliz, mas não percebe que esta sendo seguida pelo lobo mau. Assim, quando chega à casa da vovozinha, bate na porta e chama por ela, que recebe a neta querida toda sorridente; então as duas entram para deliciar as guloseimas da cesta. Enquanto isso, o lobo que estava atrás da árvore escutando a conversa das duas, entra por adentro e depara-se com a senhora e a neta sentadas na mesa conversando e comendo o bolo, ambas ficam assustadas, pois além da entrada abrupta, ele leva a mão dentro de sua capanga, fato que deixa os leitores apreensivos. Porém há uma surpresa: o lobo demonstra querer sentar-se à mesa para participar do lanche, oferecendo um refrigerante que havia guardado. E esse é o desfecho feliz, isto é, o lobo se junta a elas e serve o refrigerante que tinha levado, e todos deliciam o bolo. (Ver anexo C) Traçadas as sínteses das histórias e seus respectivos autores e observando as peculiaridades atribuídas às personagens em cada história, que delineia-se uma nova roupagem para o conto tradicional, a partir desse ponto do trabalho é feita a análise metodológica das mesmas em busca da identificação das intertextualidades presentes nelas, bem como da construção e reconstrução de sentidos provocados. 2.3 A relação entre texto, leitor e intertextualidade: a busca de significados na Literatura Infanto-Juvenil Como já fora explicitado no primeiro capítulo desta pesquisa, texto é uma unidade organizadora que transmiti ideias, conceitos e informações de modo geral e não um amontoado de palavras, é antes um conjunto de palavras, de frases escritas que podem ser lidas e entendidas pelos leitores, além disso ressalta-se que também sempre haverá um diálogo de um texto com um contexto. 27 Texto é o produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significado e acabado, qualquer que seja sua extensão. É uma sequência verbal constituída por um conjunto de relação que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Esse conjunto de relação tem sido chamado de textualidade. Dessa forma, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global, quando possui textualidade (CHAMLIN, 2011, p.271). O leitor faz-se como o receptor da mensagem expressa no texto e concretiza uma significação atual do sentido do texto que leu. Quando se lê algo, busca-se ter conhecimento de mundo para se interagir com o assunto lido e para processar sua compreensão. Sabe-se que a intertextualidade é uma criação de um texto a partir de outro já existente, que também pode ser definida como um diálogo entre dois textos semelhantes e ocorre sempre a partir da manifestação de outra pessoa, quando se torna um auxílio para a construção da exposição de outro sujeito. A relação entre esses três conceitos, isto é, texto, leitor e intertextualidade que se tem um emaranhado de sentido, cada um com sua definição e dependendo um do outro para que possa ser transformado em um conjunto de ideias que produzam o sentido almejado. Para observar como isso se processa na prática seguem as análises dessa relação, baseadas nas histórias anteriormente citadas. 2.3.1 Análise da relação intertextual entre Chapeuzinho Vermelho e Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais Na análise das obras de Chapeuzinho Vermelho dos irmãos Grimm e Chapeuzinho Vermelho para os dias atuais de Rubem Alves, podem-se encontrar vários tipos de intertextualidade. A primeira é que os dois contos iniciam-se com Era uma vez, como se observa em: “Era uma vez, uma menina tão doce e meiga que todos gostavam dela. A avó, então, a adorava, e não sabia mais que presente dar a criança para agradá-la. Um dia ela presenteou-a com um chapeuzinho de veludo vermelho (Grimm). Também em: “Era uma vez uma jovem adolescente a quem todos conheciam pelo apelido de Rúbia. Rúbia é uma palavra derivada do latim, rubeus, que quer dizer vermelho, ruivo. Rúbia era ruiva. Ruiva porque tingira seu cabelo castanho que ela considerava vulgar” (ALVES, 2004, p.9). 28 Essa expressão é típica dos contos de fada infantis, apesar de um deles pertencerem a contemporaneidade preservou o estilo. Nesse caso observa-se a intertextualidade estilística pois: A intertextualidade estilística acorre, por exemplo, quando o produtor do texto, com objetivos variados, repete, imita, parodia certos estilos ou variedades lingüísticas: são comuns os textos que reproduzem a linguagem bíblica, um jargão profissional, um dialeto, o estilo de um determinado gênero, autor ou segmento da sociedade (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p.19). No início da história dos Irmãos Grimm, fala-se, pois, sobre uma menina que ganhou um capuz vermelho da avó e passou a ser reconhecida como Chapeuzinho Vermelho, já no conto de Rubem Alves apresenta-se uma jovem moça, que era conhecida pelo apelido de Rúbia, pois tinha seus cabelos ruivos, e assim achava que iria chamar atenção dos homens. Nota-se uma grande diferença entre as personagens em questão, pois em uma há uma criança que não tem sagacidade alguma, diferentemente da outra, Rúbia, uma adolescente que apresenta malícia e atitudes voltadas para a conquista, motivo por ter pintado o cabelo; o que condiz com a realidade de hoje, pois esse comportamento (tingir o cabelo) é comum entre as jovens na atualidade. Há uma intertextualidade implícita, pois não se remete diretamente com a Chapeuzinho Vermelho, porém a jovem ao pintar o cabelo é comparada com a menina da história do Chapeuzinho Vermelho. Nessa mesma perspectiva intertextual, na primeira história a mãe pede a filha para levar uma cesta de doces para a avó, alegando que esta estava muito doente; outra característica é o fato dela morar na floresta. Já na segunda, o objeto a ser entregue muda – a mãe pede à filha que leve uma cesta básica para a avó –, bem como o lugar em que a avó reside – ela morava na rocinha. Rúbia morava com sua mãe numa linda mansão no condomínio "Omegaville". Pois numa noite, por volta das 10 horas, sua mãe lhe disse: "Rubinha querida, quero que você me faça um favor..." Rúbia pensou: "Lá vem a mãe de novo...". E gritou: "De jeito nenhum. Estou vendo televisão...". "Mas eu ia até deixar você dirigir o meu BMW...", disse a mãe. Rúbia se levantou de um pulo. Para guiar o BMW ela era capaz de fazer qualquer coisa. "Que é que você quer que eu faça, mãezinha querida?", ela disse. "Quero que você vá levar uma cesta básica para sua vovozinha, lá na Rocinha. Você sabe: andar de BMW, depois das 10 da noite, na Rocinha é perigoso. Os seqüestradores estão à espreita..." (ALVES, 2004, p.9) Vê-se que na releitura, o autor procura usar elementos da cultura contemporânea, pois explora um espaço real (a favela), hábitos comuns de crianças e adolescentes (a menina 29 assistia televisão), ostenta o poder aquisitivo através do carro que a mãe possuía (BMW), além da não prontidão demonstrada pela menina, ou seja, a obediência àquilo que a mãe diz não ocorre tão imediatamente como em tempos antigos. Dessa forma, tem-se uma versão mais despojada, que usa a fama da obra original. Ao trazer o conto “Chapeuzinho Vermelho” para os dias atuais, Rubem Alves procurou atrair a narrativa e discorrer a trama de uma maneira mais lúdica, captando as estruturas fundamentais e transfigurando as personagens estilizando-as para a sociedade moderna. A transfiguração, essencialmente, passou por uma recriação moldada dentro dos valores e posturas do século XX (LIMA, 2008, p. 79). No conto tradicional, relata-se que a menina Chapeuzinho Vermelho vai levar cesta de doces para a vovozinha pela floresta e que de repente o lobo mau aparece, distrai-a mostrando as flores da floresta e convence-a de colher aquelas para levar a avó. Já em Rubem Alves a aparição do personagem que carrega, a priori, a mesma conotação, é feita de modo diferente, pois a jovem Rúbia dirigia a BMW da mãe em direção a casa da avó e o pneu do carro fura, momento este em que aparece Crescêncio Lobo: Com a cesta básica no BMW, Rúbia foi para a casa da vovozinha, na Rocinha. Foi quando o inesperado aconteceu. Um pneu furou. Até mesmo pneus de BMWs furam. Rúbia se sentiu perdida. Com medo, não. Ela não tinha medo. O problema era sujar as mãos para trocar o pneu. Foi quando uma Mercedes se aproximou, dirigida por um senhor elegante que usava óculos escuros. Há pessoas que usam óculos escuros mesmo de noite. A Mercedes parou e o homem de óculos escuros saiu. “Precisando de ajuda, boneca?”, ele perguntou. “Claro”, ela respondeu. “Preciso que me ajudem a trocar o pneu furado.” “Pois vou ajudar você”, disse o homem. “Você precisa de proteção. Este lugar é muito perigoso. A propósito, deixe que me apresente. Meu nome é Crescêncio Lobo, às suas ordens.” Aí ele se pôs a trocar o pneu, cantarolando baixinho uma canção que sua mãe lhe cantara: “Hoje estou contente, vai haver festança, tenho um bom petisco para encher a minha pança...” (ALVES, 2004, p.9 e 11). Aqui é interessante ressaltar o clima de mistério criado pela descrição que se faz do homem, bem como a reação da garota, pois quando a jovem viu o referido senhor, bem vestido e de óculos escuros, dirigindo uma mercedes, ficou eufórica e interessada, pois como já fora dito anteriormente sua intenção era chamar a atenção dos homens. Outro fato a se destacar nesse mesmo ponto da história é a música que Crescêncio Lobo canta enquanto ajuda a mocinha: “Hoje estou contente, vai haver festança, tenho um bom petisco para encher a minha pança...” (ALVES 2004, p.11). Ela remete imediatamente à sabedoria popular que assim como consagrou uma música cantada pela menina enquanto 30 caminhava, também criou uma para o lobo. Nesse caso a intertextualidade estilística novamente se faz presente, pois se conservou a forma. No decorrer dessa complicação da narrativa, no primeiro caso o lobo corria para casa da vovozinha, enquanto a menina se distraia, com a intenção de devorar tanto a velhinha, como a menina: O lobo correu direto para a casa da avó de Chapeuzinho e bateu à porta “Quem é?” “Chapeuzinho Vermelho. Trouxe uns bolinhos e vinho. Abra a porta;” “É só levantar o ferrolho”, gritou a avó. “Estou fraca demais para sair da cama.” O lobo levantou o ferrolho e a porta se escancarou. Sem dizer uma palavra, foi direto até a cama da avó e a devorou inteirinha. Depois, vestiu as roupas dela, enfiou sua touca na cabeça, deitou-se na cama e puxou as cortinas. (TATAR, 2004, p. 31)1. Ao passo que, no segundo, a personagem em questão, Crescêncio Lobo, depois de trocar o pneu, se dispõe a escoltar a menina até a casa da avó, afirmando que aquela área era perigosa: “ “Pronto”, ele disse. “Para onde você está indo, boneca?” “Vou levar uma cesta básica para a minha avó.” “Pois eu vou segui-la para protegê-la...” E assim, Rúbia, sorridente e sonhadora, se dirigiu para a casa de sua avó, escoltada por Crescêncio Lobo.” (ALVES, 2004). Na obra dos irmãos Grimm, o lobo distrai a menina na floresta dizendo a ela que colhesse flores para a vovozinha, enquanto ele iria devorar a mesma. No entanto, na obra de Rubem Alves, Crescêncio Lobo age como bom samaritano, ajudando a jovem. Assim, observa-se que há a distinção entre um lobo mau e um lobo bom. No conto tradicional, a menina chega à casa da avó e acha tudo muito curioso e ao entrar se depara com algo estranho na cama dela, fato este que gera o desfecho conhecido, ou seja, o Lobo já havia devorado a avó e esperava pela menina; no conto de Rubem Alves, Rúbia chega à casa da avó acompanhada por Crescêncio Lobo. Além disso, ele se depara com uma linda mulher desconstruindo a previsibilidade para o leitor que é levado a imaginar, pela relação intertextual, que iria encontrar uma velhinha assim como no conto tradicional, mas foi surpreendido por uma mulher linda, com a qual o Lobo se encanta: “Ao chegar à casa da avó, Crescêncio Lobo se surpreendeu. Pensou que ia encontrar uma velhinha, parecida com a avó de Chapeuzinho Vermelho. Que nada! Era uma linda mulher, uma senhora elegante, fina, de voz suave, inteligente” (ALVEZ, 2004, p.11). Quando faz-se a alusão direta ao nome de Chapeuzinho: 1 Verificar anexo A. 31 A Intertextualidade será explícita quando, no próprio texto, é feita menção à fonte do intertexto, isto é, quando um texto ou um fragmento é citado, é atribuído a outro enunciador; ou seja, quando é reportado como tendo sido dito por outro ou por outros generalizados. (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p.28). Nesse momento da narrativa, a jovem Rúbia percebe o encantamento mútuo entre Lobo e sua avó, fica furiosa, por achar que tinha perdido aquele homem, e apresenta uma crise nervosa de ciúmes: “Rúbia percebeu o que estava rolando, e foi ficando com raiva, vermelha, até que teve um ataque histérico. [...] Começou a gritar, e, por mais que os dois se esforçassem, não conseguiam acalmá-la” (ALVES, 2004, p.11). Percebe-se que, diferentemente do texto original, as personagens lobo e avó estão unidas aqui, isto é, há uma desordem dos papéis antigos, inclusive, o final feliz se faz com uma relação amorosa maravilhosa entre os dois. Na continuidade da história contemporânea, um policial escuta os gritos da jovem, entra na casa da mulher para “salvar” a mocinha. E no conto dos Grimm, um caçador ao ouvir roncos altos, entra na casa da vovozinha para ver o que estava acontecendo e nota que se tratava do lobo mau que tanto procurava, bem como intui as maldades deste: Sacou sua espingarda e já estava fazendo pontaria quando atinou que o lobo devia ter comido a avó e que, assim, ele ainda poderia salvá-la. Em vez de atirar pegou uma tesoura e começou a abrir a barriga do lobo adormecido. Depois de algumas tesouradas, avistou um gorro vermelho. Mais algumas, e a menina pulou fora, gritando: “Ah, eu estava tão apavorada! Como estava escuro na barriga do lobo.” Embora mal pudesse respirar, a idosa vovó também conseguiu sair da barriga. Mais que depressa Chapeuzinho Vermelho catou umas pedras grandes e encheu a barriga do lobo com elas. Quando acordou, o lobo tentou sair correndo, mas as pedras eram tão pesadas que suas pernas bambearam e ele caiu morto (TATAR, 20042, p. 35). Nas obras analisadas tem dois tipos de heróis, em Grimm é um caçador, pois ele está na floresta para proteger as pessoas dos ataques dos animais e nessa obra o caçador protege a menina do lobo mau. E já na outra obra de Rubem Alves é um policial, os policias protegem as pessoas da cidade, das maldades dos outros seres humanos de má índole. Retomando a narração da releitura, para acalmar Rúbia, o policial compreende a situação, tenta controlar a histeria da jovem e convence a adolescente a ir a uma clínica: “convenceram Rúbia a acompanhá-los até um hospital para ser medicada. Rúbia não resistiu porque ela já estava encantada com a força e o charme do policial que a tomava pela mão. Afinal, aquele policial era lindo e forte!” (ALVES, 2004, p.13) 2 Verificar anexo A. 32 Na obra de Rubens Alves, a jovem Rúbia tem um comportamento das jovens de hoje, pois elas acham que nunca vão encontrar uma pessoa para estar ao seu lado. E a jovem Rúbia ao ver o amor da avó e Crescêncio Lobo começa a dar ataques histéricos, pois pensa que jamais iria encontrar outro homem, isso é algumas jovens comportam-se dessa maneira, se elas se encantam com um rapaz e ele se envolve com outra, elas se desesperam, por pensar que não terá outro para fazê-las felizes. Ao analisar a reescrita do conto “Chapeuzinho Vermelho para o tempo atual” percebe-se que o narrador procurou enfatizar a aventura vivida pela menina dentro de um lastro vivenciado em um realismo cotidiano, cuja matéria literária foi orientada a filtrar a realidade social atual fundindo-se entre a realidade e o imaginário e possibilitando a entrada de uma terceira realidade vivenciada dentro de uma situação centrada no cotidiano comum (LIMA, 2008, p.77). O final feliz, em Rubem Alves, se concretiza com Crescêncio Lobo e a avó de Rúbia tendo uma relação amorosa bem sucedida, em que Crescêncio Lobo presenteia a amada com uma cirurgia para remover as poucas rugas que ela tinha para ficar com a aparência mais jovem. Dessa maneira, ressalta a atualidade, pois hoje tudo é voltado para cirurgias plásticas, as pessoas arrumam o corpo por completo através das cirurgias existentes por obsessão à beleza. Já a jovem se apaixona pelo policial que a salvou: “foi o início de uma feliz relação com o policial do 5º DP, que tinha mestrado em psicologia da adolescência...”. No conto clássico, o final afortunado se faz com a morte do lobo e a conscientização de Chapeuzinho Vermelho para não sair do caminho recomendado pela mãe. Fazendo análise geral, todo texto caminha por uma intertextualidade implícita, pois leva o leitor ativar os seus conhecimentos de mundo, a partir dos quais é possível compreender a (re) construção de sentidos, ocasionada pela relação com texto conhecido como Chapezinho Vermelho, como já foi dito no capítulo teórico esse tipo de intertextualidade pode ser por captação ou subversão. Reconhecer a presença do intertexto, pela ativação do texto-fonte em sua memória discursiva, visto que, se tal não ocorre, estará prejudicada a construção do sentido, mais particularmente, é claro, no caso da subversão. Também nos casos de captação, a reativação do texto primeiro se afigura de relevância; contudo, por se tratar de uma paráfrase, mais ou menos fiel, do sentido original, quanto mais próximo o segundo texto for texto-fonte, menos é exigida a recuperação deste para que possa compreender o texto atual (KOCH, BENTES, CAVALCANTE, 2007, p.31). 33 Sendo assim, Rubem Alves, subverte a história original, pois a visão que se tem dos personagens dos Irmãos Grimm é alterada, ou seja, toma o texto para recriá-lo, segundo intenções específicas, que no caso dele é a atualidade. 2.3.2 Análise da relação intertextual entre Chapeuzinho Vermelho e Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou. Considerando a obra de Maurício Veneza, tem-se: Figura 1 – Fonte: (VENEZA, 1999, p.02) Nessa primeira imagem, a análise é feita pelas características dos personagens, na forma de se vestir, o espaço onde acontece a perseguição da menina, e o lobo com a cara de malandro. Na obra dos Irmãos Grimm, a menina também caminha pela floresta com uma cesta, e é justamente nesse espaço que ela encontra o lobo que traz a complicação da normativa. Segundo Domingues “a intertextualidade significa a passagem de um sistema de signos a outro, ou a presença de vários textos literários num texto, que com eles entra em diálogo retomando-os ou contestando-os” (apud LIMA, 2008, p.44) Nesse ponto, verifica-se uma intertextualidade explícita, devido à leitura das imagens, que remete claramente ao conto de Grimm, que segundo Koch (2007) esse tipo de relação intertextual acontece quando se retoma claramente o texto anterior. 34 Figura 2– Fonte: (VENEZA, 1999, p.03) Já nessa segunda imagem, muda o sentido da história tradicional, pois na obra dos irmãos Grimm o lobo chega primeiro na casa da vovozinha, devora-a e fica a espera de Chapeuzinho Vermelho. Enquanto aqui mostra-se que a Chapeuzinho Vermelho chega na casa da vovozinha primeiro que o lobo, e ele fica atrás da árvore só olhando o movimento das referidas personagens. Figura 3 – Fonte: (VENEZA, 1999, p.04) Aqui, o lobo entra na casa da vovozinha sem ser convidado e elas se assustam com a entrada súbita do lobo mau, ficam com medo, o que é mostrado na fisionomia das personagens, que estavam tomando um lanche quando de repente chega o lobo e as assusta. Nesse ponto da narrativa a interpretação que se tem da figura do lobo é a mesma que reside no conto tradicional, isto é, alguém que oferece perigo. 35 Figura 4 – Fonte: (VENEZA, 1999, p.06) A outra imagem é considerada uma intertextualidade implícita, pois o lobo ao colocar a mão na capanga, as personagens se assustam ainda mais, achando que o lobo iria fazer algo perigoso com elas, essa imagem muda o sentido da obra tradicional, em que o lobo se esconde e arma situações para conseguir seus objetivos, cada qual por sua vez; enquanto nesta ele amedontra as duas simultaneamente. Portanto, justifica-se a presença da intertextualidade implícita de subversão, pois a história é transformada. As obras literárias apresentadas nos meados do século XX passaram a questionar as representações apresentadas nos contos, procurando transformar, mostrar ou denunciar os caminhos ou os comportamentos a serem assumidos ou evitados. O valor literário de uma obra passou a resultar de uma visão de mundo indagadora, aberta [...] (LIMA, 2008, p.77) Nessa última, também há transformação de sentido da obra tradicional, pois nesta o lobo devora a vovozinha e a chapeuzinho vermelho, já nessa imagem mostra outra história totalmente diferente, pois o lobo quer é compartilhar o lanche com ela, levando um refrigerante para participar daquele banquete e sem intenção de devorá-las. Enfim, como coloca Lima (2008): A superposição de um texto sobre o outro pode provocar certa atualização ou modernização do primeiro texto-base. Cada texto constitui uma proposta de significação que não está inteiramente construída. A significação se dá no jogo de olhares entre o texto e seu leitor (LIMA, 2008, p. 47) 36 Figura 4 – Fonte: (VENEZA, 1999, p.07) De modo geral, a obra de Maurício Veneza faz uma mistura da obra tradicional com a história que o lobo contou em forma da história não-verbal, isto é, contada por imagens. Por fim, aponta-se que a partir do título há intertextualidade explícita, pois refere-se diretamente ao título do conto tradicional; e no decorrer da narrativa há implicitude de modo a subverter o sentido original do conto. 37 CONCLUSÃO Para a realização desta pesquisa, expôs-se os conceitos próprios da área da Linguística Textual, abordando igualmente breves colocações a respeito da Literatura Infantil e Juvenil. Por fim, fez-se a análise do estabelecimento da relação intertextual entre as obras aqui analisadas. A intertextualidade foi o ponto chave do trabalho e é importante falar dessa temática porque é através dela que se consegue designar outros textos, outras histórias, em textos contemporâneos. Além disso, através da intertextualidade pode-se estabelecer a relação entre os textos, buscando elucidar qual a intenção desta na retomada de um texto base. Essa pesquisa foi de suma importância, pois através dela, pode-se mostrar algumas releituras de autores atuais, como foi analisado neste trabalho duas versões de Chapeuzinho Vermelho de Rubem Alves e Maurício Veneza. Ao apontar como a relação intertextual se estabeleceu, observou-se que ter um conhecimento de mundo é muito importante para entender melhor como o sentido ou novo sentido se processa, pois através do conhecimento de mundo adquirido ao longo da vida fica mais fácil entender de qual obra e qual autor se fala. Diante dessa análise, pode-se notar como as obras são parecidas, até mesmo os personagens, mas cada autor escolhe o seu final, nenhum dos finais nas obras analisadas foram iguais, no entanto, tinha algumas partes que lembravam a obra tradicional, isto é, o conto dos Irmãos Grimm. As obras literárias contemporâneas não seguiram padrões rígidos nas reescritas. Para tanto, houve apagamento de alguns fatos para o estabelecimento de outros. E é isso que se verifica na literatura infantil a partir do século XX com a escrita de obras nas quais as personagens, rompe com o modelo outrora criado. O conto moderno oferece uma fantasia mais sedutora para a criança de hoje. As personagens vêm passando por mudanças nas suas reescritas, buscando acrescentar sentimentos mais imediatos dos dias atuais. As transformações sucedidas provocam um novo exemplo imposto pela criança da sociedade atual a respeito de seus próprios anseios. Nessa perspectiva, a intertextualidade, que é uma forma de recriar um texto a partir de outro já existente, colabora para que haja uma construção de sentidos e, ao mesmo tempo, uma reconstrução destes, cooperando para o estabelecimento da coerência textual. Independente do grau de intertextualidade existente, esta é sim fator importante para se chegar à compreensão e intencionalidade do texto. 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil. Gostosuras e Bobices. São Paulo, Scipione: 1994. ALVES, Rubem. Caindo na real: Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o tempo atual.Campinas: Papirus, 2004. BARBOSA, Ângela Márcia Damasceno Teixeira. Antigos contos, novas histórias na literatura infantil brasileira. CADEMARTORI, Ligia. O que é literatura infantil? Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2006. COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens indoeuropeias ao Brasil contemporâneo. Nelly Novaes Coelho – Barueri, 5ª ed. SP: Manole, 2010. COSTA, Maria Iranilde Almeida. O que há de novo na velha história? O atual e o contemporâneo nas releituras de Chapeuzinho Vermelho. Revista Garrafa 24 ISSN 18092586. Maio- agosto- 2011. CHAMLIN, Regina. Um papo de aranha sobre textos e leituras: a escola brasileira ensina a ‘língua da intertextualidade’? In: A Literatura infantil e juvenil hoje: múltiplos olhares, diversas leituras. José Nicolau Gregorin Filho, Patrícia Kátia da Costa Pina, Regina Silva Michelli (org.) - Rio de Janeiro: Dialogarts, 2011. CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: Teoria e Prática. 7ed. São Paulo: Ática, 1988. FÁVERO, Leonor Lopes. KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística Textual: Introdução – 6ª ed. – São Paulo: Cortez, 2002. FILHO, José Nicolau Gregorin.Literatura Infantil: um percurso em busca da expressão artística .In: A Literatura infantil e juvenil hoje: múltiplos olhares, diversas leituras. José Nicolau Gregorin Filho, Patrícia Kátia da Costa Pina, Regina Silva Michelli (org.) – Rio de Janeiro: Dialogarts, 2011. GOUVÊA, Maria Aparecida Rocha. O princípio da intertextualidade como fator de textualidade. Caderno Uni9FOA – Ano II – nª 4, agosto, 2007.p.57-63 KOCH, Ingedore V. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997. KOCH, Ingedore G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2005. KOCH, Ingedore G. Villaça. Intertextualidade: diálogo possíveis. / Ingedore G. Villaça Koch, Anna Christina Bentes, Mônica Magalhães Cavalcante. São Paulo: Cortez, 2007. KOCH, Ingedore V. ; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. – 17 ed. – São Paulo: Contexto, 2009. 39 LIMA, Maria Cristina Gomes Barbosa de.Chapeuzinho Vermelho: a reescrita de Braguinha e Rubem Alves Lima. [manuscrito] / Maria Cristina Gomes Barbosa de Lima. –Juiz de Fora: Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, 2008. 108 f. MORELLI,Sonia Maria Dornellas; BARRETO, Simone Léa Marques; GONSALVES,Regina Marta Fonseca;SILVA, Carmem Sidinéia da. Literatura infanto-juvenil: novos tempos.Akrópolis, Umuarama, v.12,nº.3,jul./set., 2004. (p.176-178). MUSSALIN, Fernanda. BENTES, Ana Christina. Introdução à linguística: domínios e fronteiras. Volume 1. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2008. ORLANDI, E. Pucenelli.LAGAZZI-RODRIGUES,S.(orgs.) Introdução às Ciências da Linguagem – Discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006, p.11-31. TATAR, Maria. Contos de fada: edição comentada e ilustrada. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 30-35 TURCHI, Maria Zaira (UFG). Tendências atuais da literatura infantil brasileira. XI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interações, Convergências – 13 a 17 de julho de 2008/USP – São Paulo, Brasil. (p. 01 – 06) VENEZA, Maurício. Chapeuzinho Vermelho do jeito que o lobo contou. Editora Compor, 1999. 40 ANEXOS 41 ANEXO A - Chapeuzinho Vermelho (Irmãos Grimm)3 Era uma vez uma menininha encantadora. Todos que batiam os olhos nela a adoravam. E, entre todos, quem mais a amava era sua avó, que estava sempre lhe dando presentes. Certa ocasião ganhou dela um pequeno capuz de veludo vermelho. Assentava-lhe tão bem que a menina queria usá-lo o tempo todo, e por isso passou a ser chamada Chapeuzinho Vermelho. Um dia, a mãe da menina lhe disse: “Chapeuzinho Vermelho, aqui estão alguns bolinhos e uma garrafa de vinho. Leve-os para sua avó. Ela está doente, sentindo-se fraquinha, e estas coisas vão revigorá-la. Trate de sair agora mesmo, antes que o sol fique quente demais, e quando estiver na floresta olhe para frente como uma boa menina e não se desvie do caminho. Senão, pode cair e quebrar a garrafa, e não sobrará nada para a avó. E quando entrar, não se esqueça de dizer bom-dia e não fique bisbilhotando pelos cantos da casa.” “Farei tudo que está dizendo”, Chapeuzinho Vermelho prometeu à mãe. Sua avó mora lá no meio da mata, a mais ou menos uma hora de caminhada da aldeia. Mal pisara na floresta, Chapeuzinho Vermelho topou com o lobo. Como não tinha a menor idéia do animal malvado que ele era, não teve um pingo de medo. “Bom dia, Chapeuzinho Vermelho”, disse o lobo. “Bom dia, senhor Lobo”, ela respondeu. “Aonde está indo tão cedo de manhã, Chapeuzinho Vermelho?” “À casa da vovó.” “O que é isso debaixo do seu avental?” “Uns bolinhos e uma garrafa de vinho. Assamos ontem e a vovó, que está doente e fraquinha, precisa de alguma coisa para animá-la”, ela respondeu. “Onde fica a casa da sua vovó, Chapeuzinho?” “Fica a um bom quarto de hora de caminhada mata adentro, bem debaixo dos três carvalhos grandes. O senhor deve saber onde é pelas aveleiras que crescem em volta”, disse Chapeuzinho Vermelho. O lobo pensou com seus botões: “Esta coisinha nova e tenra vai dar um petisco e tanto! Vai ser ainda mais suculenta que a velha. Se tu fores realmente matreiro, vais papar as duas”. O lobo caminhou ao lado de Chapeuzinho Vermelho por algum tempo. 3 FONTE: TATAR, Maria. Contos de fada: edição comentada e ilustrada. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 30-35 42 Depois disse: “Chapeuzinho, notou que há lindas flores por toda parte? Por que não pára e olha um pouco para elas? Acho que nem ouviu como os passarinhos estão cantando lindamente. Está se comportando como se estivesse indo para a escola, quando é tudo tão divertido aqui no bosque”. Chapeuzinho Vermelho abriu bem os olhos e notou como os raios de sol dançavam nas árvores. Viu flores bonitas por todos os cantos e pensou: “Se eu levar um buquê fresquinho, a vovó ficará radiante. Ainda é cedo, tenho tempo de sobra para chegar lá, com certeza.” Chapeuzinho Vermelho deixou a trilha e correu para dentro do bosque à procura de flores. Mal colhia uma aqui, avistava outra ainda mais bonita acolá, e ia atrás dela. Assim, foi se embrenhando cada vez mais na mata. O lobo correu direto para a casa da avó de Chapeuzinho e bateu à porta “Quem é?” “Chapeuzinho Vermelho. Trouxe uns bolinhos e vinho. Abra a porta;” “É só levantar o ferrolho”, gritou a avó. “Estou fraca demais para sair da cama.” O lobo levantou o ferrolho e a porta se escancarou. Sem dizer uma palavra, foi direto até a cama da avó e a devorou inteirinha. Depois, vestiu as roupas dela, enfiou sua touca na cabeça, deitou-se na cama e puxou as cortinas. Enquanto isso Chapeuzinho Vermelho corria de um lado para outro à caça de flores. Quando tinha tantas nos braços que não podia carregar mais, lembrou-se de repente de sua avó e voltou para a trilha que levava à casa dela. Ficou surpresa ao encontrar a porta aberta e, ao entrar na casa, teve uma sensação tão estranha que pensou: “Puxa! Sempre me sinto tão alegre quando estou na casa da vovó, mas hoje estou me sentindo muito aflita”. Chapeuzinho Vermelho gritou um olá, mas não houve resposta. Foi então até a cama e abriu as cortinas. Lá estava sua avó, deitada, com a touca puxada para cima do rosto. Parecia muito esquisita. “Ó avó, que orelhas grandes você tem!” “É para melhor te escutar!” “Ó avó, que olhos grandes você tem!” “É para melhor te enxergar!” “Ó avó, que mãos grandes você tem!” “É para melhor te agarrar!” “Ó avó, que boca grande, assustadora, você tem!” “É para melhor te comer!” 43 Assim que pronunciou estas últimas palavras, o lobo saltou fora da cama e devorou a coitada da Chapeuzinho Vermelho. Saciado o seu apetite, o lobo deitou-se de costas na cama. Adormeceu e começou a roncar muito alto. Um caçador que por acaso ia passando junto a casa pensou: “Como essa velha está roncando alto! Melhor ir ver se há algum problema.” Entrou na casa e, ao chegar junto à cama, percebeu que havia um lobo deitado nela. “Finalmente te encontrei, seu velhaco”, disse. “Faz muito tempo que ando à Nsua procura.” Sacou sua espingarda e já estava fazendo pontaria quando atinou que o lobo devia ter comido a avó e que, assim, ele ainda poderia salvá-la. Em vez de atirar, pegou uma tesoura e começou a abrir a barriga do lobo adormecido. Depois de algumas tesouradas, avistou um gorro vermelho. Mais algumas, e a menina pulou fora, gritando: “Ah, eu estava tão apavorada! Como estava escuro na barriga do lobo.” Embora mal pudesse respirar, a idosa vovó também conseguiu sair da barriga. Mais que depressa Chapeuzinho Vermelho catou umas pedras grandes e encheu a barriga do lobo com elas. Quando acordou, o lobo tentou sair correndo, mas as pedras eram tão pesadas que suas pernas bambearam e ele caiu morto. Chapeuzinho Vermelho, sua avó e o caçador ficaram radiantes. O caçador esfolou o lobo e levou a pele para casa. A avó comeu os bolinhos, tomou o vinho que a neta lhe levara, e recuperou a saúde. Chapeuzinho Vermelho disse consigo: “Nunca se desvie do caminho e nunca entre na mata quando sua mãe proibir.” 44 ANEXO B 45 46 47 48 49 ANEXO C 50