CLASSE HOSPITALAR: ESPAÇO DE EDUCAÇÃO ESCOLAR E PROCESSOS EDUCATIVOS FORMAIS, NÃO FORMAIS E INFORMAIS SCHILKE, Ana Lúcia T. Schilke – FME/ FAMATh [email protected] AROSA, Armando C.- UFRJ [email protected] Eixo Temático: Pedagogia Hospitalar Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente texto trata da necessidade da consolidação de políticas públicas de educação para crianças e jovens em situação de internação hospitalar ou em atendimento pedagógico domiciliar, tendo como premissa que essa necessidade se inscreve no movimento pela garantia do direito de todos à educação e na busca pela construção de conhecimento acerca dos processos sócio-políticos e sócio-educativos que se desenvolvem em sociedade. Pretende ainda refletir sobre os aspectos de formalidade, não formalidade e informalidade presentes nas ações pedagógicas desenvolvidas na denominada Classe Hospitalar, que se inscreve em parte das políticas educacionais que objetivam promover a inclusão educacional de estudantes hospitalizados. Observamos que, o brincar, o jogar, o recreio, a merenda, entre outros espaços – aqui tomados como momentos informais e não formais - são entendidos pelo senso comum como não aprendizado, e como consequência, aparecem como antagônicos à formalidade. Porém, estas três perspectivas convivem simultaneamente no espaço escolar convencional ou hospitalar. Nesse sentido, colocar a ação educacional apenas sob a égide de da informalidade seria negar o direito de todas as crianças a terem acesso ao saber sistematizado, inclusive as que se encontram em situação de tratamento médico hospitalar, ambulatorial ou domiciliar. Deixar esse atendimento educacional na informalidade significa que ele seria realizado sem a interveniência direta do Estado brasileiro, que, por uma orientação de políticas privatizantes, deixaria à sociedade civil a incumbência de sua implementação. Não se quer dizer com isso, que os aspectos informais e não formais devam ser negligenciados. O que se propõe é o convívio harmônico e intencional no interior da escola – seja no hospital ou não – destes três aspectos sem que seja desprestigiada ou negada a sua função. Palavras-chave: Classe Hospitalar. Política Pública. Educação Formal. 15467 Introdução O presente texto trata da necessidade da consolidação de políticas públicas de educação para crianças e jovens em situação de internação hospitalar ou em atendimento pedagógico domiciliar, tendo como premissa que essa necessidade se inscreve no movimento pela garantia do direito de todos à educação e na busca pela construção de conhecimento acerca dos processos sócio-políticos e sócio-educativos que se desenvolvem em sociedade. Pretende ainda refletir sobre os aspectos de formalidade, não formalidade e informalidade presentes nas ações pedagógicas desenvolvidas na denominada Classe Hospitalar, que se inscrevem em parte das políticas educacionais que objetivam promover a inclusão educacional de estudantes hospitalizados. Esse movimento, de luta política e de reflexão teórica, se realiza na compreensão de que é necessário articular o particular e o universal, dirigindo o olhar sobre a escola, a sociedade e as relações que nelas se travam, compreendendo também que as práticas pedagógicas que se desenvolvem no ambiente hospitalar dialogam com aquelas desenvolvidas na escola convencional. Nesse sentido, a reflexão sobre as políticas que garantam o acesso à educação não compreende de forma dicotomizada as práticas pedagógicas realizadas no hospital e no espaço escolar convencional. Ao contrário, trás novas possibilidades de se problematizar o formato escolar hegemônico e mostra alternativas para se conceber o currículo, a avaliação, as práticas gestoras, as formas de mediação pedagógica e a formação dos profissionais de educação1, portanto, as políticas educacionais como um todo. Quando se quer produzir uma reflexão acerca da ação pedagógica no espaço hospitalar, uma primeira questão surge como pano de fundo para as demais: existe uma Pedagogia Hospitalar? Ou melhor: existe um conjunto de pressupostos que orientam essa prática educativa que a torna diferente daquela desenvolvida no espaço escolar convencional, ou na sociedade de modo geral? 1 Esses aspectos são abordados em A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras (AROSA; SCHILKE, 2007) e Quando a escola é no hospital. (AROSA; SCHILKE, 2008). 15468 Desenvolvimento A discussão sobre o lugar da pedagogia no mundo contemporâneo tem sido intensa, não se fará aqui sua restituição, todavia, há elementos que podem ser trazidos no intuito de ilustrar a posição assumida neste trabalho. Tarso Bonilha Mazzotti (1998) assinala que, no debate sobre a possibilidade de se considerar a Pedagogia como uma ciência autônoma, tem-se pensado nela como um conjunto de enunciados baseado em outras ciências, ou mesmo na filosofia, para dar conta dos processos educativos. Sua posição, contudo, é a de que a Pedagogia pode ser considerada como Ciência da Educação, ou seja, como uma ciência do fazer educativo, que não se efetiva como uma tecnologia, mas como uma reflexão sistemática sobre a técnica particular que é a educação (MAZZOTTI, 1998). O autor utiliza o vocábulo Pedagogia, então, para distinguir o conjunto de estudos sobre a educação, mantendo a diferença entre a reflexão sistemática e a atividade compreendida pelo termo educação (MAZZOTTI, 1998.), dimensionado-a, pois, como uma ciência da prática educativa. José Carlos Libâneo vê a Pedagogia como o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana (LIBÂNEO, 2000). Para o autor, o "objetivo do pedagógico se configura na relação entre os elementos da prática educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em que ocorre” (idem, p. 30). A pedagogia, então, é uma ciência inserida no conjunto das ciências da educação, diferenciando-se das demais para garantir uma unidade e construir um sentido às contribuições trazidas pelas outras ciências. Há, portanto, a concepção de que a pedagogia se ocupa das ações educativas desenvolvidas no cenário social. Nesse sentido, e tomando o termo de maneira ampla, Libâneo compreende que onde houver uma ação educativa intencional, haverá uma pedagogia. Desse modo, é possível pensar numa pedagogia familiar, numa pedagogia sindical, dos meios de comunicação, etc., e numa pedagogia escolar. O autor considera que as ações educativas ocorrem por meio de diferentes manifestações e modalidades: a educação formal, não formal ou informal. A educação informal se dá de modo disperso na sociedade, sendo o processo que se realiza espontaneamente a partir das relações estabelecidas entre os seres humanos. Não há, portanto, 15469 uma intencionalidade, nem uma sistematização, correspondendo a ações e influências exercidas pelo meio natural e pelo ambiente sócio-cultural. Denomina de não formal a educação que se desenvolve com alguma sistematização e estruturação, mas fora dos marcos institucionais. É possível dizer que possui algum nível de intencionalidade e sua organização se aproxima da que caracteriza uma unidade escolar. Ocorre, por exemplo, nas ações educativas, não escolares, realizadas em organizações religiosas, associações de classes, nos movimentos sociais, nos meios de comunicação e demais organizações da sociedade civil. Já, a educação formal é a que se orienta por uma clara intencionalidade pedagógica, por uma regulamentação própria, ocorrendo em espaço institucionalmente reconhecido. O processo pedagógico desenvolvido no espaço hospitalar não se identifica nem com a educação informal, nem com a denominada de não formal, pois seus pressupostos teóricos, sua organização, intencionalidade e regulamentação ganham cunho de formalidade tanto quanto o do espaço escolar stricto sensu. A ação educativa que ocorre em espaço hospitalar é regida por alguns princípios que ressaltam seu caráter escolar. O documento Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: Estratégias e orientações (BRASIL, 2002. p. 9) preceitua que: O direito à educação se expressa como direito à aprendizagem e à escolarização, traduzido, fundamental e prioritariamente, pelo acesso à escola de educação básica, considerada como ensino obrigatório, de acordo com a Constituição Federal Brasileira. A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, tendo em vista o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho segundo a Constituição Federal no art. 205. Ainda neste mesmo documento, afirma-se que: Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógicoeducacional do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento de crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de freqüentar escola, temporária ou permanentemente e, garantir a manutenção do vínculo com as escolas por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como parte do direito de atenção integral. 15470 Igualmente, na Resolução nº 2 de 11 de setembro de 2002 do CNE vê-se que : Art. 13 - Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio. § 1º- As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu posterior acesso à escola regular. Não resta, portanto, dúvida acerca do caráter escolar da ação pedagógica desenvolvida no espaço hospitalar, uma vez que a permanência da criança no hospital não pode representar a quebra de seu vínculo como a escola, nem a perda de direito à escolarização. Podemos, então, afirmar que na educação escolar em ambiente hospitalar não existe informalidade e não formalidade em seus processos educativos? E caso exista como ocorre este trânsito entre formal, não formal e informal? Quando afirmamos que a escola hospitalar é formal, consideramos que ela fundamenta-se em aportes legais que sustentam a sua formalidade sob ponto de vista político-admistrativo. Todavia, mesmo em tradicionais espaços educativos formais, como a escola convencional, há momentos diversos de informalidade e não formalidade, tomados tanto sob o prisma administrativo, quanto didáticopedagógico, que convergem para a construção de conhecimentos e valores, podendo apresentar, portanto, caráter educativo intencional. Alguns exemplos de informalidade presentes no espaço escolar que contribuem para o processo educacional dos alunos: o recreio, a merenda, a entrada e as diversas brincadeiras e jogos2 que ocorrem antes, durante e depois da estadia do aluno em sala de aula. Como, então, o(a) professor(a) utiliza intencionalmente esta informalidade? Podemos afirmar que, por considerarem estes momentos não educativos, o(a) docente acaba por negligenciar suas possibilidades pedagógicas. Para Fortuna (2000, p.151), “muitos educadores buscam sua identidade na oposição entre brincar e estudar”. Nessa concepção adotada por alguns profissionais, quem estuda não brinca e o bom professor é aquele que não autoriza o 2 Não iremos delimitar aqui as várias possibilidades dos termos brincar, jogo e lúdico, pois devido a sua polissemia iríamos fugir da discussão central deste trabalho. 15471 brincar, compreendendo a educação com momento de seriedade, divorciada do prazer e do lazer. Ainda para Fortuna (2000, p.151), quando o brincar e o lazer aparecem no planejamento do(a) professor(a), ocorrem separadamente dos momentos de aprendizagem ou são utilizados como mercadoria de troca para garantir o bom comportamento dos alunos, pois nos raros momentos em que são propostos, são separados rigidamente das atividades escolares, como o "canto" dos brinquedos ou o "dia do brinquedo" - e, assim mesmo, apenas nas escolas infantis, pois nas classes de ensino fundamental estas alternativas são abominadas, já que os alunos estão ali para "aprender, não para brincar". O brincar, literalmente acantonado, deste modo não contamina as demais tarefas escolares, sendo mantido sob controle. Só se brinca na escola se sobrar tempo ou na hora do recreio, sendo que estes momentos correm, permanentemente, o risco de serem suprimidos, seja por má conduta, seja por não ter feito o tema ou ainda por não ter dado tempo. Às vezes, a supressão do recreio se estende à hora da merenda, e mesmo que esta não seja, a priori, uma atividade lúdica, representa um momento prazeroso diferenciado das tarefas tipicamente escolares, onde um rasgo de espontaneidade é possível. Observamos que, o brincar, o jogar, o recreio e a merenda entre outros espaços - aqui tomados como momentos informais e não formais - são entendidos como não aprendizado, e, como consequência, aparecem como antagônicos à formalidade. Estas três perspectivas convivem simultaneamente no espaço escolar convencional ou hospitalar. O que devemos ficar atentos é sobre como utilizar a informalidade e a não formalidade sem didatizá-las. Pois se é possível negligenciar o papel educativo destes dois processos, na mesma medida, é perigoso colocá-los constantemente sob vigília. Se todo o jogo, brincadeira, conversa entre alunos(as) e outros espaços/tempos de convívio e relação espontâneos forem direcionados e tutelados, corre-se o riso de transformá-los em instrumentos a serviço da alienação, pois retiraria desses momentos o caráter de imprevisibilidade e espontaneidade, que dão “asas” à imaginação e à criação, fundamentais no processo de construção de conhecimento. Se no universo escolar tradicional, a informalidade e a não formalidade são, cotidianamente, banidas, na escola no hospital elas ocupam lugar de relativo destaque. Não raro, encontramos serviços pedagógicos hospitalares que, para acolher a criança que sofre, oferecem o lúdico entendendo-o como um “ópio” para suportar os possíveis momentos difíceis que o(a) aluno(a) poderá viver durante a sua hospitalização. É como se o(a) aluno(a) fosse retirado da sua realidade para viver momentos de pura fantasia. Essas atividades, tidas muitas vezes como pedagógicas (strictu senso), minimizam o potencial dos processos 15472 educativos de atuarem como instrumento importante para compreensão da realidade necessária a sua possível transformação. Vários são os fatores que favorecem esta dispersão pedagógica. A doença, o ser que sofre, com certeza são elementos centrais, mas não podemos esquecer que à rotatividade dos(as) alunos(as), as suas várias faixas etárias, os tempos e espaços de aprendizagem dos alunos e dos espaços presentes no hospital colaboram para um possível distanciamento pedagógico. Se podemos afirmar ser tarefa difícil educar na escola regular, na escola no hospital este cenário complexo (para qual não fomos formados), coloca-nos em xeque. Assim, em vez de acantonada ou negligenciada, a informalidade e a não formalidade no universo da ação pedagógica hospitalar pode mascarar as experiências vividas. Como, então, utilizar o lúdico no hospital evitando uma possível alienação dos(as) nossos(as) alunos(as)? Compreender o que fundamenta a adoção do formal, do não formal e do informal, passa, com maior ou menos relevo, pela a concepção de currículo que permeia as práticas educativas. Ao definir de forma explicita e implícita os conhecimentos que serão selecionados, organizados, construídos, representados e distribuídos, constitui-se o currículo a ser desenvolvido em determinada ação pedagógica. Então, focar na formalidade presente nos conteúdos ou utilizar a informalidade e a não formalidade como estratégia pedagógica pode representar um possível caminho pedagógico a ser seguido, tanto na escola convencional quanto na ação educativa no espaço hospitalar. A questão encontra-se na ênfase dada a cada um destes aspectos. Sendo esta entendida como uma arena de disputas entre as intenções expressas em um determinado currículo e os diversos fatores presentes no cotidiano escolar, para Silva (1990, p. 64): Na melhor tradição racionalista e cognitivista, colocamos toda a ênfase nos aspectos cognitivos do processo de criação, distribuição e transmissão do conhecimento, relegando a um desprezado último lugar todas as questões relacionadas com a fantasia, o desejo, o corpo, a imaginação, o irracional, o prazer. Voltar a atenção para isso não significa aderir ao hedonismo alienante transmitido pela televisão por exemplo, mas sim, levar em consideração uma parte importante daquilo que se passa num espaço coletivo como a escola e a sala. Significa estabelecer uma via de comunicação que pode romper algumas divisões atualmente existente. Concordando com Silva, utilizar os aspectos informais e não formais no hospital (e na escola convencional) significa utilizar o prazer, a imaginação e a irracionalidade como estratégia que auxiliem os(as) alunos(as) a (re)elaboração da situação vivida. No caso 15473 específico do hospital, isso significaria ajudar os(as) nossos(as) alunos(as) hospitalizados(as) não a esquecer o que esta acontecendo, mas a tornar possível o entendimento acerca dos condicionantes e dos determinantes do processo saúde-doença. O jogo, o brincar, as relações interpessoais presentes no espaço pedagógico hospitalar são momentos que devem ser utilizados intencionalmente, sempre que possível, conciliando os objetivos pedagógicos com o desejo dos(as) alunos(as), buscando na informalidade e na não formalidade novas formas de aquisição de conhecimentos. Brandão (1994) fala de um tempo em que o espaço educacional não é escolar. Ele é o lugar da vida e do trabalho: a casa, o templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal. “Espaço que apenas reúne pessoas e tipos de atividade e onde viver o fazer faz o saber” (p. 32). Não se trata, aqui, de retornar a este tempo, mas de re-institucionalizar a escola, dando-lhe nova forma e conferindo-lhe novos sentidos. Trata-se de conceber a escola no hospital, buscando uma ação pedagógica que rompa com os limites arquitetônicos; que suas práticas sejam realizadas em enfermarias, refeitórios, corredores, sala de espera, pátio, etc, tronando realizável um trânsito harmônico e necessário entre o formal, o informal e o não formal. Para isso, é preciso entender a Educação como um processo que ultrapassa os limites físicos e territoriais, impostos por hierarquizações reveladas ou veladas, proporcionado um equilíbrio móvel entre as funções pedagógicas, o ensino dos conceitos historicamente construídos e as funções psicológicas que favorecem à constituição da subjetividade de sujeitos autônomos e críticos (FORTUNA, 2000). Assim, a educação no espaço hospitalar é uma educação escolar, porque seus princípios organizativos, ou seja, sua intencionalidade, suas bases filosóficas e seu rigor metodológico serão mantidos. O que muda, então? A compreensão sobre o processo educativo, ou seja, a compreensão do formal, do informal e do não formal como elementos que se desenvolvem tanto na escola quanto em qualquer outro espaço comprometido como uma educação intencional e sistêmica. O que precisa ser reconstruído é o conceito de “escolar”, uma vez que acaba por antagonizar um modelo que é diferente. O ensino que acontece no hospital, na penitenciária, nos assentamentos rurais, nas turmas de alfabetização de adultos, acaba sendo uma ação escolar, que ganha traços especiais em função de não ser desenvolvida num espaço escolar stricto sensu. Todavia, as práticas pedagógicas ali desenvolvidas são escolares, entendendo-se 15474 por Escola a instituição que produz e distribui uma determinada categoria de saberes; que produz e reproduz valores, que questiona e perpetua práticas socialmente aceitas. Apesar da Escola desempenhar este papel de forma sistematizada, este não é o único espaço onde se desenvolvem ações pedagógicas. A intencionalidade pedagógica é verificada em outros espaços de atuação do pedagogo/professor, o que, portanto, significa dizer que nem toda ação pedagógica seja escolar. Na mesma medida, é preciso rever a função da escola como espaço privilegiado de educação e ensino, bem como ampliar o conceito de ação pedagógica para além daquelas formatadas por uma intencionalidade rigidamente estabelecida. A intencionalidade pedagógica é indispensável, mas é preciso criar espaços para que o caminho e o ponto de chegada sejam traçados a partir do diálogo com a criança ou adolescente. Conclusão O processo de consolidação da classe hospitalar vem ocorrendo num cenário em que os movimentos sociais lutam em favor dos direitos da criança e se inscreve como parte do processo de redemocratização do país, expressa na Constituição Federal de 1988, que dimensiona a educação como um direito de todos, devendo ser efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988). É evidente também que algumas práticas se materializam de maneira peculiar, ganhando contornos próprios, de acordo as demandas e possibilidades do contexto hospitalar Desse modo, avaliação, formação de professores, entre outros aspectos, passam a ser desenvolvidos de maneira a atender tais peculiaridades, sem, todavia, abandonar aqueles princípios que regem a educação escolar, e no caso específico do nosso trabalho a concepção de que o processo educativo deve ser uma experiência emancipadora. Sob o ponto de vista pedagógico, é preciso que se promova um intenso debate sobre o sentido da escola, sua função social, política e ideológica, bem como sobre sua organização como instituição democrática. Nesse sentido, é necessário também rever as práticas pedagógicas, para que se interrompa o processo reprodutor de disciplinamento e doutrinamento e se construa uma escola emancipadora, em que pese todo desgaste que essa expressão vem sofrendo no jargão da profissão docente. 15475 Desse modo, a filantropia, o caráter missionário, a desresponsabilização do Estado e a omissão das autoridades precisam ser superadas pela formulação de políticas que definam de modo claro as diretrizes, a origem dos recursos e as atribuições dos agentes públicos responsáveis por sua execução. De modo contrário o caráter populista e compensatório persistirá como tônica de um projeto societário que aprofunda as desigualdades e a injustiça. A partir das crises das décadas de 1970 e 1980, desencadou-se um processo de reforma do Estado brasileiro que se processa de modo sistemático, sobretudo, a partir da segunda metade da década de 1990. Essa reforma tem como elementos principais os preceitos do neoliberalismo, que defende a concepção de um Estado mínimo3, concepção que se articula a outras, configurando um quadro a partir do qual se desenvolvem as políticas educacionais no Brasil. Nesse modo de compreender o Estado, a privatização e a terceira via (a parceria com o terceiro setor) são estratégias que revelam um projeto de fortalecimento da concepção de que o mercado deve regular as relações sociais. Nesse sentido, o Estado não seria mais o responsável pela execução das políticas sociais, repassando a tarefa para o mercado diretamente, no caso da terceirização, ou para a chamada sociedade civil sem fins lucrativos, no caso das parcerias com o terceiro setor. Esse é, pois, um modelo de Estado que se contrapõe ao Estado- de- Bem-Estar. Nesse sentido, colocar o atendimento escolar em ambiente hospitalar sob a égide de uma informalidade4 seria negar o direito de todas as crianças a terem acesso ao saber sistematizado, inclusive as que se encontram em situação de tratamento médico hospitalar, ambulatorial ou domiciliar. Deixar esse atendimento educacional na informalidade significa que ele seria realizado sem a interveniência direta do Estado brasileiro, que, por uma orientação de políticas privatizantes, deixaria à sociedade civil a incumbência de sua implementação. Não se quer dizer com isso, que os serviços prestados por organizações da sociedade civil devam ser desprestigiados ou negados. Ao contrário, é necessário, sim, que se regulamentem as formas de atuação dessas entidades, sua função dentro do sistema educacional e, sobretudo, as formas de financiamento dessas intervenções, sob pena de negação do dever do Estado na oferta de ensino obrigatório e na transformação da política pública como um elemento de mercado, como um serviço. 3 Estado mínimo não se confunde com Estado fraco. Esses argumentos, porém, não significam negar que a não formalidade e a informalidade, como já defendido neste espaço, façam parte dos processos diversos que ocorrem no espaço escolar como promotor desse direito, seja no hospital ou em qualquer outro lugar. 4 15476 Nesse contexto, o que se percebe é a disputa por certo projeto societário que põe em plano secundário a garantia dos direitos à educação de todas as crianças e jovens, independetemente de suas condições da saúde. Direito esse que está consignado na Lei nº 8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) (BRASIL, 1990), na Resolução nº. 41 de 13 de outubro de 1995 (BRASIL, 1995), e na Lei nº 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) (BRASIL, 1996). Por fim, a Classe Hospitalar, ou, a Escola no Hospital5, não pode permanecer como se encontra hoje, garantida em Lei, mas de fato atendendo a um número ínfimo de crianças. É preciso haver uma intensa mobilização de diversos atores sociais, no sentido de fazer valer a legislação que prevê o direito de todos à educação. Do ponto de vista político, então, é preciso empreender movimentos objetivos de cobrança das autoridades constituídas sobre a criação das condições necessárias para a oferta de educação nos hospitais. REFERÊNCIAS AROSA, A. C e SCHILKE A. L. A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007. AROSA, A. C e SCHILKE A. L. Quando a escola é no hospital. Niterói: Intertexto, 2008. 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