CLASSE HOSPITALAR: ESPAÇO DE EDUCAÇÃO ESCOLAR E
PROCESSOS EDUCATIVOS FORMAIS, NÃO FORMAIS E
INFORMAIS
SCHILKE, Ana Lúcia T. Schilke – FME/ FAMATh
[email protected]
AROSA, Armando C.- UFRJ
[email protected]
Eixo Temático: Pedagogia Hospitalar
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente texto trata da necessidade da consolidação de políticas públicas de educação para
crianças e jovens em situação de internação hospitalar ou em atendimento pedagógico
domiciliar, tendo como premissa que essa necessidade se inscreve no movimento pela
garantia do direito de todos à educação e na busca pela construção de conhecimento acerca
dos processos sócio-políticos e sócio-educativos que se desenvolvem em sociedade. Pretende
ainda refletir sobre os aspectos de formalidade, não formalidade e informalidade presentes nas
ações pedagógicas desenvolvidas na denominada Classe Hospitalar, que se inscreve em parte
das políticas educacionais que objetivam promover a inclusão educacional de estudantes
hospitalizados. Observamos que, o brincar, o jogar, o recreio, a merenda, entre outros espaços
– aqui tomados como momentos informais e não formais - são entendidos pelo senso comum
como não aprendizado, e como consequência, aparecem como antagônicos à formalidade.
Porém, estas três perspectivas convivem simultaneamente no espaço escolar convencional ou
hospitalar. Nesse sentido, colocar a ação educacional apenas sob a égide de da informalidade
seria negar o direito de todas as crianças a terem acesso ao saber sistematizado, inclusive as
que se encontram em situação de tratamento médico hospitalar, ambulatorial ou domiciliar.
Deixar esse atendimento educacional na informalidade significa que ele seria realizado sem a
interveniência direta do Estado brasileiro, que, por uma orientação de políticas privatizantes,
deixaria à sociedade civil a incumbência de sua implementação. Não se quer dizer com isso,
que os aspectos informais e não formais devam ser negligenciados. O que se propõe é o
convívio harmônico e intencional no interior da escola – seja no hospital ou não – destes três
aspectos sem que seja desprestigiada ou negada a sua função.
Palavras-chave: Classe Hospitalar. Política Pública. Educação Formal.
15467
Introdução
O presente texto trata da necessidade da consolidação de políticas públicas de
educação para crianças e jovens em situação de internação hospitalar ou em atendimento
pedagógico domiciliar, tendo como premissa que essa necessidade se inscreve no movimento
pela garantia do direito de todos à educação e na busca pela construção de conhecimento
acerca dos processos sócio-políticos e sócio-educativos que se desenvolvem em sociedade.
Pretende ainda refletir sobre os aspectos de formalidade, não formalidade e informalidade
presentes nas ações pedagógicas desenvolvidas na denominada Classe Hospitalar, que se
inscrevem em parte das políticas educacionais que objetivam promover a inclusão
educacional de estudantes hospitalizados.
Esse movimento, de luta política e de reflexão teórica, se realiza na compreensão de
que é necessário articular o particular e o universal, dirigindo o olhar sobre a escola, a
sociedade e as relações que nelas se travam, compreendendo também que as práticas
pedagógicas que se desenvolvem no ambiente hospitalar dialogam com aquelas desenvolvidas
na escola convencional. Nesse sentido, a reflexão sobre as políticas que garantam o acesso à
educação não compreende de forma dicotomizada as práticas pedagógicas realizadas no
hospital e no espaço escolar convencional. Ao contrário, trás novas possibilidades de se
problematizar o formato escolar hegemônico e mostra alternativas para se conceber o
currículo, a avaliação, as práticas gestoras, as formas de mediação pedagógica e a formação
dos profissionais de educação1, portanto, as políticas educacionais como um todo.
Quando se quer produzir uma reflexão acerca da ação pedagógica no espaço
hospitalar, uma primeira questão surge como pano de fundo para as demais: existe uma
Pedagogia Hospitalar? Ou melhor: existe um conjunto de pressupostos que orientam essa
prática educativa que a torna diferente daquela desenvolvida no espaço escolar convencional,
ou na sociedade de modo geral?
1
Esses aspectos são abordados em A escola no hospital: espaço de experiências emancipadoras (AROSA;
SCHILKE, 2007) e Quando a escola é no hospital. (AROSA; SCHILKE, 2008).
15468
Desenvolvimento
A discussão sobre o lugar da pedagogia no mundo contemporâneo tem sido intensa,
não se fará aqui sua restituição, todavia, há elementos que podem ser trazidos no intuito de
ilustrar a posição assumida neste trabalho.
Tarso Bonilha Mazzotti (1998) assinala que, no debate sobre a possibilidade de se
considerar a Pedagogia como uma ciência autônoma, tem-se pensado nela como um conjunto
de enunciados baseado em outras ciências, ou mesmo na filosofia, para dar conta dos
processos educativos. Sua posição, contudo, é a de que a Pedagogia pode ser considerada
como Ciência da Educação, ou seja, como uma ciência do fazer educativo, que não se efetiva
como uma tecnologia, mas como uma reflexão sistemática sobre a técnica particular que é a
educação (MAZZOTTI, 1998).
O autor utiliza o vocábulo Pedagogia, então, para distinguir o conjunto de estudos
sobre a educação, mantendo a diferença entre a reflexão sistemática e a atividade
compreendida pelo termo educação (MAZZOTTI, 1998.), dimensionado-a, pois, como uma
ciência da prática educativa.
José Carlos Libâneo vê a Pedagogia como o campo do conhecimento que se ocupa do
estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se
realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana
(LIBÂNEO, 2000). Para o autor, o "objetivo do pedagógico se configura na relação entre os
elementos da prática educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em
que ocorre” (idem, p. 30). A pedagogia, então, é uma ciência inserida no conjunto das
ciências da educação, diferenciando-se das demais para garantir uma unidade e construir um
sentido às contribuições trazidas pelas outras ciências.
Há, portanto, a concepção de que a pedagogia se ocupa das ações educativas
desenvolvidas no cenário social. Nesse sentido, e tomando o termo de maneira ampla,
Libâneo compreende que onde houver uma ação educativa intencional, haverá uma
pedagogia. Desse modo, é possível pensar numa pedagogia familiar, numa pedagogia
sindical, dos meios de comunicação, etc., e numa pedagogia escolar.
O autor considera que as ações educativas ocorrem por meio de diferentes
manifestações e modalidades: a educação formal, não formal ou informal. A educação
informal se dá de modo disperso na sociedade, sendo o processo que se realiza
espontaneamente a partir das relações estabelecidas entre os seres humanos. Não há, portanto,
15469
uma intencionalidade, nem uma sistematização, correspondendo a ações e influências
exercidas pelo meio natural e pelo ambiente sócio-cultural. Denomina de não formal a
educação que se desenvolve com alguma sistematização e estruturação, mas fora dos marcos
institucionais. É possível dizer que possui algum nível de intencionalidade e sua organização
se aproxima da que caracteriza uma unidade escolar. Ocorre, por exemplo, nas ações
educativas, não escolares, realizadas em organizações religiosas, associações de classes, nos
movimentos sociais, nos meios de comunicação e demais organizações da sociedade civil. Já,
a educação formal é a que se orienta por uma clara intencionalidade pedagógica, por uma
regulamentação própria, ocorrendo em espaço institucionalmente reconhecido.
O processo pedagógico desenvolvido no espaço hospitalar não se identifica nem com a
educação informal, nem com a denominada de não formal, pois seus pressupostos teóricos,
sua organização, intencionalidade e regulamentação ganham cunho de formalidade tanto
quanto o do espaço escolar stricto sensu.
A ação educativa que ocorre em espaço hospitalar é regida por alguns princípios que
ressaltam seu caráter escolar. O documento Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico
Domiciliar: Estratégias e orientações (BRASIL, 2002. p. 9) preceitua que:
O direito à educação se expressa como direito à aprendizagem e à escolarização,
traduzido, fundamental e prioritariamente, pelo acesso à escola de educação básica,
considerada como ensino obrigatório, de acordo com a Constituição Federal
Brasileira. A educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, tendo em vista o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho segundo a Constituição Federal no art. 205.
Ainda neste mesmo documento, afirma-se que:
Cumpre às classes hospitalares e ao atendimento pedagógico domiciliar elaborar
estratégias e orientações para possibilitar o acompanhamento pedagógicoeducacional do processo de desenvolvimento e construção do conhecimento de
crianças, jovens e adultos matriculados ou não nos sistemas de ensino regular, no
âmbito da educação básica e que encontram-se impossibilitados de freqüentar
escola, temporária ou permanentemente e, garantir a manutenção do vínculo com as
escolas por meio de um currículo flexibilizado e/ou adaptado, favorecendo seu
ingresso, retorno ou adequada integração ao seu grupo escolar correspondente, como
parte do direito de atenção integral.
15470
Igualmente, na Resolução nº 2 de 11 de setembro de 2002 do CNE vê-se que :
Art. 13 - Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de saúde,
devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos impossibilitados
de freqüentar as aulas em razão de tratamento de saúde que implique internação
hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência prolongada em domicílio.
§ 1º- As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar
continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem de
alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu retorno e
reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado com crianças,
jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local, facilitando seu
posterior acesso à escola regular.
Não resta, portanto, dúvida acerca do caráter escolar da ação pedagógica desenvolvida
no espaço hospitalar, uma vez que a permanência da criança no hospital não pode representar
a quebra de seu vínculo como a escola, nem a perda de direito à escolarização.
Podemos, então, afirmar que na educação escolar em ambiente hospitalar não existe
informalidade e não formalidade em seus processos educativos? E caso exista como ocorre
este trânsito entre formal, não formal e informal? Quando afirmamos que a escola hospitalar é
formal, consideramos que ela fundamenta-se em aportes legais que sustentam a sua
formalidade sob ponto de vista político-admistrativo. Todavia, mesmo em tradicionais
espaços educativos formais, como a escola convencional, há momentos diversos de
informalidade e não formalidade, tomados tanto sob o prisma administrativo, quanto didáticopedagógico, que convergem para a construção de conhecimentos e valores, podendo
apresentar, portanto, caráter educativo intencional.
Alguns exemplos de informalidade presentes no espaço escolar que contribuem para o
processo educacional dos alunos: o recreio, a merenda, a entrada e as diversas brincadeiras e
jogos2 que ocorrem antes, durante e depois da estadia do aluno em sala de aula.
Como, então, o(a) professor(a) utiliza intencionalmente esta informalidade? Podemos
afirmar que, por considerarem estes momentos não educativos, o(a) docente acaba por
negligenciar suas possibilidades pedagógicas. Para Fortuna (2000, p.151), “muitos educadores
buscam sua identidade na oposição entre brincar e estudar”. Nessa concepção adotada por
alguns profissionais, quem estuda não brinca e o bom professor é aquele que não autoriza o
2
Não iremos delimitar aqui as várias possibilidades dos termos brincar, jogo e lúdico, pois devido a sua
polissemia iríamos fugir da discussão central deste trabalho.
15471
brincar, compreendendo a educação com momento de seriedade, divorciada do prazer e do
lazer. Ainda para Fortuna (2000, p.151), quando o brincar e o lazer aparecem no planejamento
do(a) professor(a), ocorrem separadamente dos momentos de aprendizagem ou são utilizados
como mercadoria de troca para garantir o bom comportamento dos alunos, pois
nos raros momentos em que são propostos, são separados rigidamente das atividades
escolares, como o "canto" dos brinquedos ou o "dia do brinquedo" - e, assim mesmo,
apenas nas escolas infantis, pois nas classes de ensino fundamental estas alternativas
são abominadas, já que os alunos estão ali para "aprender, não para brincar". O
brincar, literalmente acantonado, deste modo não contamina as demais tarefas
escolares, sendo mantido sob controle. Só se brinca na escola se sobrar tempo ou na
hora do recreio, sendo que estes momentos correm, permanentemente, o risco de
serem suprimidos, seja por má conduta, seja por não ter feito o tema ou ainda por
não ter dado tempo. Às vezes, a supressão do recreio se estende à hora da merenda,
e mesmo que esta não seja, a priori, uma atividade lúdica, representa um momento
prazeroso diferenciado das tarefas tipicamente escolares, onde um rasgo de
espontaneidade é possível.
Observamos que, o brincar, o jogar, o recreio e a merenda entre outros espaços - aqui
tomados como momentos informais e não formais - são entendidos como não aprendizado, e,
como consequência, aparecem como antagônicos à formalidade. Estas três perspectivas
convivem simultaneamente no espaço escolar convencional ou hospitalar. O que devemos
ficar atentos é sobre como utilizar a informalidade e a não formalidade sem didatizá-las. Pois
se é possível negligenciar o papel educativo destes dois processos, na mesma medida, é
perigoso colocá-los constantemente sob vigília. Se todo o jogo, brincadeira, conversa entre
alunos(as) e outros espaços/tempos de convívio e relação espontâneos forem direcionados e
tutelados, corre-se o riso de transformá-los em instrumentos a serviço da alienação, pois
retiraria desses momentos o caráter de imprevisibilidade e espontaneidade, que dão “asas” à
imaginação e à criação, fundamentais no processo de construção de conhecimento.
Se no universo escolar tradicional, a informalidade e a não formalidade são,
cotidianamente, banidas, na escola no hospital elas ocupam lugar de relativo destaque. Não
raro, encontramos serviços pedagógicos hospitalares que, para acolher a criança que sofre,
oferecem o lúdico entendendo-o como um “ópio” para suportar os possíveis momentos
difíceis que o(a) aluno(a) poderá viver durante a sua hospitalização. É como se o(a) aluno(a)
fosse retirado da sua realidade para viver momentos de pura fantasia. Essas atividades, tidas
muitas vezes como pedagógicas (strictu senso), minimizam o potencial dos processos
15472
educativos de atuarem como instrumento importante para compreensão da realidade
necessária a sua possível transformação.
Vários são os fatores que favorecem esta dispersão pedagógica. A doença, o ser que
sofre, com certeza são elementos centrais, mas não podemos esquecer que à rotatividade
dos(as) alunos(as), as suas várias faixas etárias, os tempos e espaços de aprendizagem dos
alunos e dos espaços presentes no hospital colaboram para um possível distanciamento
pedagógico. Se podemos afirmar ser tarefa difícil educar na escola regular, na escola no
hospital este cenário complexo (para qual não fomos formados), coloca-nos em xeque. Assim,
em vez de acantonada ou negligenciada, a informalidade e a não formalidade no universo da
ação pedagógica hospitalar pode mascarar as experiências vividas. Como, então, utilizar o
lúdico no hospital evitando uma possível alienação dos(as) nossos(as) alunos(as)?
Compreender o que fundamenta a adoção do formal, do não formal e do informal,
passa, com maior ou menos relevo, pela a concepção de currículo que permeia as práticas
educativas. Ao definir de forma explicita e implícita os conhecimentos que serão
selecionados, organizados, construídos, representados e distribuídos, constitui-se o currículo a
ser desenvolvido em determinada ação pedagógica. Então, focar na formalidade presente nos
conteúdos ou utilizar a informalidade e a não formalidade como estratégia pedagógica pode
representar um possível caminho pedagógico a ser seguido, tanto na escola convencional
quanto na ação educativa no espaço hospitalar.
A questão encontra-se na ênfase dada a cada um destes aspectos. Sendo esta entendida
como uma arena de disputas entre as intenções expressas em um determinado currículo e os
diversos fatores presentes no cotidiano escolar, para Silva (1990, p. 64):
Na melhor tradição racionalista e cognitivista, colocamos toda a ênfase nos aspectos
cognitivos do processo de criação, distribuição e transmissão do conhecimento,
relegando a um desprezado último lugar todas as questões relacionadas com a
fantasia, o desejo, o corpo, a imaginação, o irracional, o prazer. Voltar a atenção
para isso não significa aderir ao hedonismo alienante transmitido pela televisão por
exemplo, mas sim, levar em consideração uma parte importante daquilo que se passa
num espaço coletivo como a escola e a sala. Significa estabelecer uma via de
comunicação que pode romper algumas divisões atualmente existente.
Concordando com Silva, utilizar os aspectos informais e não formais no hospital (e na
escola convencional) significa utilizar o prazer, a imaginação e a irracionalidade como
estratégia que auxiliem os(as) alunos(as) a (re)elaboração da situação vivida. No caso
15473
específico do hospital, isso significaria ajudar os(as) nossos(as) alunos(as) hospitalizados(as)
não a esquecer o que esta acontecendo, mas a tornar possível o entendimento acerca dos
condicionantes e dos determinantes do processo saúde-doença.
O jogo, o brincar, as relações interpessoais presentes no espaço pedagógico hospitalar
são momentos que devem ser utilizados intencionalmente, sempre que possível, conciliando
os objetivos pedagógicos com o desejo dos(as) alunos(as), buscando na informalidade e na
não formalidade novas formas de aquisição de conhecimentos.
Brandão (1994) fala de um tempo em que o espaço educacional não é escolar. Ele é o
lugar da vida e do trabalho: a casa, o templo, a oficina, o barco, o mato, o quintal. “Espaço
que apenas reúne pessoas e tipos de atividade e onde viver o fazer faz o saber” (p. 32). Não se
trata, aqui, de retornar a este tempo, mas de re-institucionalizar a escola, dando-lhe nova
forma e conferindo-lhe novos sentidos.
Trata-se de conceber a escola no hospital, buscando uma ação pedagógica que rompa
com os limites arquitetônicos; que suas práticas sejam realizadas em enfermarias, refeitórios,
corredores, sala de espera, pátio, etc, tronando realizável um trânsito harmônico e necessário
entre o formal, o informal e o não formal. Para isso, é preciso entender a Educação como um
processo que ultrapassa os limites físicos e territoriais, impostos por hierarquizações reveladas
ou veladas, proporcionado um equilíbrio móvel entre as funções pedagógicas, o ensino dos
conceitos historicamente construídos e as funções psicológicas que favorecem à constituição
da subjetividade de sujeitos autônomos e críticos (FORTUNA, 2000).
Assim, a educação no espaço hospitalar é uma educação escolar, porque seus
princípios organizativos, ou seja, sua intencionalidade, suas bases filosóficas e seu rigor
metodológico serão mantidos. O que muda, então? A compreensão sobre o processo
educativo, ou seja, a compreensão do formal, do informal e do não formal como elementos
que se desenvolvem tanto na escola quanto em qualquer outro espaço comprometido como
uma educação intencional e sistêmica.
O que precisa ser reconstruído é o conceito de “escolar”, uma vez que acaba por
antagonizar um modelo que é diferente. O ensino que acontece no hospital, na penitenciária,
nos assentamentos rurais, nas turmas de alfabetização de adultos, acaba sendo uma ação
escolar, que ganha traços especiais em função de não ser desenvolvida num espaço escolar
stricto sensu. Todavia, as práticas pedagógicas ali desenvolvidas são escolares, entendendo-se
15474
por Escola a instituição que produz e distribui uma determinada categoria de saberes; que
produz e reproduz valores, que questiona e perpetua práticas socialmente aceitas.
Apesar da Escola desempenhar este papel de forma sistematizada, este não é o único
espaço onde se desenvolvem ações pedagógicas. A intencionalidade pedagógica é verificada
em outros espaços de atuação do pedagogo/professor, o que, portanto, significa dizer que nem
toda ação pedagógica seja escolar. Na mesma medida, é preciso rever a função da escola
como espaço privilegiado de educação e ensino, bem como ampliar o conceito de ação
pedagógica para além daquelas formatadas por uma intencionalidade rigidamente
estabelecida. A intencionalidade pedagógica é indispensável, mas é preciso criar espaços para
que o caminho e o ponto de chegada sejam traçados a partir do diálogo com a criança ou
adolescente.
Conclusão
O processo de consolidação da classe hospitalar vem ocorrendo num cenário em que
os movimentos sociais lutam em favor dos direitos da criança e se inscreve como parte do
processo de redemocratização do país, expressa na Constituição Federal de 1988, que
dimensiona a educação como um direito de todos, devendo ser efetivado mediante a garantia
de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na
rede regular de ensino (BRASIL, 1988).
É evidente também que algumas práticas se materializam de maneira peculiar,
ganhando contornos próprios, de acordo as demandas e possibilidades do contexto hospitalar
Desse modo, avaliação, formação de professores, entre outros aspectos, passam a ser
desenvolvidos de maneira a atender tais peculiaridades, sem, todavia, abandonar aqueles
princípios que regem a educação escolar, e no caso específico do nosso trabalho a concepção
de que o processo educativo deve ser uma experiência emancipadora.
Sob o ponto de vista pedagógico, é preciso que se promova um intenso debate sobre o
sentido da escola, sua função social, política e ideológica, bem como sobre sua organização
como instituição democrática. Nesse sentido, é necessário também rever as práticas
pedagógicas, para que se interrompa o processo reprodutor de disciplinamento e
doutrinamento e se construa uma escola emancipadora, em que pese todo desgaste que essa
expressão vem sofrendo no jargão da profissão docente.
15475
Desse modo, a filantropia, o caráter missionário, a desresponsabilização do Estado e a
omissão das autoridades precisam ser superadas pela formulação de políticas que definam de
modo claro as diretrizes, a origem dos recursos e as atribuições dos agentes públicos
responsáveis por sua execução. De modo contrário o caráter populista e compensatório
persistirá como tônica de um projeto societário que aprofunda as desigualdades e a injustiça.
A partir das crises das décadas de 1970 e 1980, desencadou-se um processo de
reforma do Estado brasileiro que se processa de modo sistemático, sobretudo, a partir da
segunda metade da década de 1990. Essa reforma tem como elementos principais os preceitos
do neoliberalismo, que defende a concepção de um Estado mínimo3, concepção que se
articula a outras, configurando um quadro a partir do qual se desenvolvem as políticas
educacionais no Brasil. Nesse modo de compreender o Estado, a privatização e a terceira via
(a parceria com o terceiro setor) são estratégias que revelam um projeto de fortalecimento da
concepção de que o mercado deve regular as relações sociais.
Nesse sentido, o Estado não seria mais o responsável pela execução das políticas
sociais, repassando a tarefa para o mercado diretamente, no caso da terceirização, ou para a
chamada sociedade civil sem fins lucrativos, no caso das parcerias com o terceiro setor. Esse
é, pois, um modelo de Estado que se contrapõe ao Estado- de- Bem-Estar.
Nesse sentido, colocar o atendimento escolar em ambiente hospitalar sob a égide de
uma informalidade4 seria negar o direito de todas as crianças a terem acesso ao saber
sistematizado, inclusive as que se encontram em situação de tratamento médico hospitalar,
ambulatorial ou domiciliar. Deixar esse atendimento educacional na informalidade significa
que ele seria realizado sem a interveniência direta do Estado brasileiro, que, por uma
orientação de políticas privatizantes, deixaria à sociedade civil a incumbência de sua
implementação. Não se quer dizer com isso, que os serviços prestados por organizações da
sociedade civil devam ser desprestigiados ou negados. Ao contrário, é necessário, sim, que se
regulamentem as formas de atuação dessas entidades, sua função dentro do sistema
educacional e, sobretudo, as formas de financiamento dessas intervenções, sob pena de
negação do dever do Estado na oferta de ensino obrigatório e na transformação da política
pública como um elemento de mercado, como um serviço.
3
Estado mínimo não se confunde com Estado fraco.
Esses argumentos, porém, não significam negar que a não formalidade e a informalidade, como já defendido
neste espaço, façam parte dos processos diversos que ocorrem no espaço escolar como promotor desse direito,
seja no hospital ou em qualquer outro lugar.
4
15476
Nesse contexto, o que se percebe é a disputa por certo projeto societário que põe em
plano secundário a garantia dos direitos à educação de todas as crianças e jovens,
independetemente de suas condições da saúde. Direito esse que está consignado na Lei nº
8.069 de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) (BRASIL, 1990), na Resolução nº. 41
de 13 de outubro de 1995 (BRASIL, 1995), e na Lei nº 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional) (BRASIL, 1996).
Por fim, a Classe Hospitalar, ou, a Escola no Hospital5, não pode permanecer como se
encontra hoje, garantida em Lei, mas de fato atendendo a um número ínfimo de crianças. É
preciso haver uma intensa mobilização de diversos atores sociais, no sentido de fazer valer a
legislação que prevê o direito de todos à educação. Do ponto de vista político, então, é preciso
empreender movimentos objetivos de cobrança das autoridades constituídas sobre a criação
das condições necessárias para a oferta de educação nos hospitais.
REFERÊNCIAS
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emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007.
AROSA, A. C e SCHILKE A. L. Quando a escola é no hospital. Niterói: Intertexto, 2008.
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edição.
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao_Compilado.htm. Acesso em
10 set. 2011.
_________Lei nº 8.069 de 1990; Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm. Acesso em 17 de mai. 2009.
__________ CONANDA. Resolução nº. 41 de 13 de outubro de 1995. Disponível em
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em 17 de mai. 2009.
_________Lei nº 9.394 de 1996. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm. Acesso em 17 de mai. 2009.
_________ Ministério da Educação. Classe hospitalar e atendimento pedagógico
5
Ver Reflexões sobre a escola no hospital. In. AROSA, A. C e SCHILKE A. L A escola no hospital: espaço de
experiências emancipadoras. Niterói: Intertexto, 2007.
15477
domiciliar : estratégias e orientações. / Secretaria de Educação Especial. – Brasília : MEC ;
SEESP, 2002.
_________ Resolução CNE/CEB Nº 2 de 2001. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Acesso em 17 de maio de 2009.
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FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. (org),
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SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, conhecimento e democracia: as lições e as dúvidas
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