Da qualidade à responsabilidade na educação superior Helenara Braga Avancini1 Resumo: O presente trabalho busca fazer uma ponderação acerca do problema do registro de frequência dos alunos feitos pelos professores, a fim de analisar a qualidade e a responsabilidade na educação superior. Abstract: This work is about student attendance to classes. In particular, the issue of verifying and recording this attendence by the teacher is discussed and its upmost importance to analyze the quality and responsibility of higher education highlighted. É voz uníssona, no Brasil, que o desenvolvimento do país está atrelado à noção de educação dos futuros cidadãos, pois através da qualidade do ensino os alunos apresentarão maior senso crítico dos fatos sociais, o que sem dúvida constitui uma evolução pessoal e social. A qualidade e responsabilidade que envolve o processo educacional e seus atores estão disciplinados no ordenamento jurídico brasileiro, a iniciar pela Constituição Federal que dá os contornos basilares e principio lógicos que devem orientar a educação no Brasil. Dentre os princípios constitucionais consagrados tem-se a garantia de que o acesso à educação e a permanência dos alunos nas instituições de ensino seja igualitária, não olvidando, a Constituição Federal, de destacar a importância da frequência dos alunos nas salas de aula. A respeito do tema, o parágrafo 3º do artigo 208 da Constituição Federal dispõe que “cabe ao Poder Público zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela 1 Advogada, Agente de propriedade industrial, Professora e Coordenadora do Curso de Direito da FACOS-CNEC e professora convidada dos cursos de especialização do IDC, UNISINOS e FAAP. Especialista em Direito Autoral pela Universidad de Los Andes, Mestre em Direito pela UNISINOS, Doutor em Direito pela PUCRS. Membro da ABDA e APDI. Membro do Grupo de Pesquisa sobre Propriedade Intelectual (UFS e UFRJ), do Grupo Prismas do Direito CivilConstitucional e da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS. [email protected] 96 frequência à escola”. Deve-se observar que esta norma jurídica é repetida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu artigo 5º. Destes enunciados podem-se tirar algumas conclusões. A primeira delas diz respeito à abrangência da norma jurídica que afeta não apenas instituições de ensino púbica, mas também privadas, abarcando todos os níveis, deste as básicas até às de ensino superior. A segunda refere-se à obrigatoriedade de registro da frequência dos alunos em sala de aula, não se tratando de faculdade, de opção conferida pelo Estado às Instituições de Ensino, mas de verdadeira obrigação legal. A terceira relaciona-se à responsabilidade deste registro constante no diário de presenças, cujo controle deve ser feito não só pelos Diretores, Coordenadores, Professores das disciplinas, mas também pelos pais ou responsáveis. Vale lembrar que os próprios alunos, quando maiores de idade, são responsáveis pelo zelo de sua frequência escolar, e, quando menores, esta responsabilidade é conjunta com as pessoas que lhes assistem ou os representam legalmente. E responsável pelo zelo da frequência escolar, no ensino superior, significa dizer que o aluno deve estar presente nas aulas ministradas não só para assisti-las como também para responder a chamada realizada pelo educador e assumir as consequências decorrentes das faltas injustificadas, qual seja, a reprovação na disciplina. Trata-se, assim, de atividade cuja responsabilidade envolve três participes: o Estado, o Professor e o Aluno. É evidente que o problema da frequência pode ser analisado sob dois aspectos diversos, mas que atingem diretamente a questão da qualidade e responsabilidade do ensino, quais sejam: a infrequência do aluno e do professor. 97 O zelo pela freqüência escolar, conforme foi mencionado alhures, não é só dos professores, mas também do aluno que, para tanto, são considerados responsáveis, nos termos da lei. Esta responsabilidade decorre das disposições previstas na Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que identifica que a qualidade do ensino está atrelada a efetiva frequência e participação dos alunos em aula. Cabe destacar que no tocante à presença mínima obrigatória para que os alunos obtenham a aprovação numa disciplina, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não estabelece na norma jurídica explicitação desta quantidade ou percentagem de horas exigidas, apenas dispõe que o ano letivo deve ter duzentos dias. Assim dispõe o artigo 47 “na educação superior, o ano letivo regular, independente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.(…) § 3º É obrigatória a freqüência de alunos e professores, salvo nos programas de educação à distância”. O que existe é um projeto de Lei, já aprovado pelo Senado Federal que reproduz a regra conferida pelo Conselho Federal de Educação, através da Resolução nº 4/1986, que por sua vez, reproduz a regra prevista para o ensino básico. Assim, a percentagem exigida para a aprovação em cada disciplina é de uma frequência mínima de 75%. Valendo-se do disposto nas regras do ensino básico pode-se afirmar que as instituições de ensino superior devem informar aos responsáveis ou alunos maiores dados sobre a sua frequência, nos termos do artigo 12, VII da Lei de Diretrizes e Bases. Por óbvio, estas informações quando solicitadas através de mandado judicial devem ser prestadas, sob pena de crime de desobediência, ficando o Representante da Instituição de Ensino Superior responsável pelo fiel 98 cumprimento da ordem judicial, bem como o professor fica responsável pela inserção fidedigna do que fora registrado no diário de frequência, sob pena de crime de falsidade, independente das responsabilidades civis e administrativas. Por isto, o registro e controle das atividades que são realizadas durante o período letivo (dias letivos e horas-aula) são fundamentais para as Instituições de Ensino Superior. Tanto é assim que o próprio artigo 12, III da Lei de Diretrizes e Bases obriga que as instituições assegurem o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidos. O registro da frequência deve ser realizado em todas as atividades que envolvem o período letivo, eis que a “chamada” constitui um importante documento da vida acadêmica do aluno, sendo responsabilidade da Instituição de Ensino Superior a guarda e segurança dos mesmos, além das demais documentações que fazem parte do histórico do aluno. Não é por acaso que um dos critérios utilizados pelo MEC para a autorização de funcionamento e reconhecimento de cursos esteja atrelado à existência de espaço físico na Instituição de Ensino que tenha serviço de secretaria e arquivo das documentações e que este espaço disponha de mecanismos de proteção contra o fogo e segurança. O registro de presença dos alunos é feito diretamente pelo professor no diário de frequência de maneira manual ou digital, e o seu preenchimento deve ser realizado de acordo com as normatizações impostas pela Instituição de Ensino Superior. A responsabilidade pelo preenchimento correto e fidedigno é do professor, devendo existir uma uniformização quanto a forma de seu preenchimento e o momento oportuno para realizá-lo devendo o aluno se submeter a estas regras. Lembre-se que o registro das presenças constitui documento da vida acadêmica do aluno e que pode ser solicitada, além do MEC, por autoridade 99 judicial, razão pela qual o registro correto da frequência pelo professor o exime de eventuais responsabilidades civis, penais e administrativas. Por ser um documento que contém informações importantes para a vida acadêmica é recomendável que o mesmo não saia da instituição de ensino. Se a aula tiver dois períodos, duas chamadas devem ser feitas, de acordo com as regras impostas pelo representante da Instituição de Nível Superior. Quem define o momento da realização da chamada é o professor que comunicará aos alunos suas regras no início de cada semestre letivo. De preferência, a chamada deve ser realizada no início e no final das atividades, possibilitando, ainda, ao professor registrar, neste ínterim, a ausência de alguns alunos que se ausentam logo após a chamada e, eventualmente, regressam no final da aula pra tentar registrar a sua presença. Desta forma, recomenda-se que a chamada deva ser realizada a cada início e final de aula, sendo registrada a presença ou a falta imediatamente. Se o aluno não estiver presente no exato momento, sem justificativa plausível, não deve ter sua falta abonada, tendo em vista que a responsabilidade pelo registro é exclusiva do professor, se ele “abonar” a falta estará prestando informação incorreta, pois, como dito a pouco, a presença deve ser registrada no ato e não depois. Como a frequência mínima exigida para aprovação é de 75%, se o aluno faltar mais que 25% estará reprovado por faltas. Somente nos casos previstos em lei pode o aluno ter suas faltas abonadas, tais como o caso de licençamaternidade, serviço militar e doenças infectocontagiosas. A respeito do que se convém chamar de faltas justificadas vale à pena ler a seguinte decisão: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO MÉDIO. REPROVAÇÃO POR FALTAS. IMPOSSIBILIDADE DE FREQÜENTAR AULAS DE RECUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 100 1) Hipótese em que a UFRJ proibiu a impetrante de assistir às aulas de recuperação, bem como de realizar as respectivas avaliações, ao fundamento de que a mesma não teria observado a freqüência mínima exigida para aprovação. 2) No que diz respeito à freqüência mínima exigida para que o aluno seja aprovado nos níveis fundamental e médio, o art. 24, VI, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece que "o controle de freqüência fica a cargo da escola, conforme o disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a freqüência mínima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovação". 3) A Portaria nº 002/2005, que dispõe sobre as normas de avaliação de aproveitamento da série inicial, ensino fundamental e médio, também regulamenta a matéria, dispondo, em seu artigo 12, que "será indicado para o período de Recuperação Anual, em qualquer disciplina, o aluno com freqüência anual total igual ou superior a 75% e Média Anual igual ou superior a 3,0 (três inteiros) ou Conceito Anual igual ou superior a O". 4) No presente caso, o boletim escolar inserto aos autos constitui prova de que a impetrante não alcançou a pontuação necessária para que fosse aprovada nas disciplinas física e química oferecidas pela instituição de ensino, além de não ter comparecido a 36, 75% (trinta e seis vírgula setenta e cinco por cento) do total de aulas ministradas. Logo, não há que se falar em direito líquido e certo à freqüência em processo de recuperação. 5) Quanto à alegação da impetrante de que suas faltas foram justificadas, e de que a Universidade não teria computado as aulas por ela assistidas à tarde, melhor sorte não lhe assiste, porquanto não há prova disto nos autos. Note-se que ela faltou às aulas porque estava freqüentando Escola de Teatro, portanto, no seu exclusivo interesse. Isto, evidentemente, não constitui justificativa para as suas faltas. 6) Apelação improvida” O controle da frequência do aluno é de responsabilidade conjunta da Instituição de Ensino Superior, do Professor e do próprio aluno ou responsável, mas o registro da presença ou falta é exclusiva do professor. Vale dizer que o aspecto legal é irrefutáveis dadas as responsabilidades e suas consequências, porém não é possível obrigar o aluno a assistir as aulas, mas é dever e obrigação do professor registrar a sua falta. Por este motivo tanto a Lei de Diretrizes e Bases, quanto a lei dos SINAES permitem que as Instituições de Ensino Superior regulem a forma como deve ser feito o registro de frequência pelos professores. A ausência do aluno na chamada ou atraso em aula são interpretados como falta, pela simples razão de que naquele exato momento o aluno não estava 101 presente, não podendo o professor dar efeito retroativo por ato gracioso, somente pode abonar nos casos previstos em lei e após determinação do responsável da instituição de ensino superior. No caso de infrequência dos professores e a sua responsabilidade, a instituição de ensino superior deve se valer de dois órgãos. O primeiro é a Ouvidoria, onde os alunos poderão denunciar estes problemas, bem como através das avaliações realizadas pela Comissão Própria de Avaliação, onde o estudante será questionado sobre a frequência do professor em aula. Com base nestes instrumentos, a Instituição de Ensino Superior pode tomar as medidas cabíveis para coibir estas práticas, lembrando que ao contrário do que ocorre com o aluno, o professor é obrigado a cumprir com as tarefas e carga horária que está sujeito nos termos do contrato de trabalho firmado ou do concurso público realizado. A frequência também é exigida ao professor que deve ter assiduidade em suas atividades docentes de ensino, pesquisa, extensão e administração, somente justificando-se sua falta se esta for justificada nos termos da lei. Em decorrência do contrato de trabalho ou cargo público de professor, estes devem saber que a responsabilidade e fidedignidade da informação constante no diário de classe é exclusivo dele, respondendo penal, civil e administrativamente pela inserção de dado inverídico, além das consequências trabalhistas que lhes podem ser impostas. A responsabilidade pela informação relativa aos documentos da vida acadêmica exige esta postura do Dirigente da Instituição do Ensino Superior. Tanto é verdade que a própria lei dos SINAES dispõe no artigo 12 que “os responsáveis pela prestação de informações falsas ou pelo preenchimento de formulários e relatórios de avaliação que impliquem omissão ou distorção de dados a serem fornecidos ao SINAES responderão civil, penal e administrativamente por essas condutas”. 102 No Brasil, é comum não se conseguir obter sucesso na permanência dos alunos em sala de aula, bem como, situações eventuais aonde os próprios professores não ministram a totalidade de suas horas-aula trazem problemas para as Instituições de Ensino Superior. Face aos problemas, muitas vezes,os dirigentes destas Instituições de Ensino Superior procuram buscaralternativas e, por vezes, exercem uma espécie de pressão moral para obrigar que o registro de frequência seja fidedigno aos atos praticados pelos alunos. Conforme cita Vicente Martins “No tirante à pressão moral, o que nos leva a evocar aqui uma questão de ordem ética, a verdade é que maioria dos docentes, em sala de aula, busca oferecer boas condições de ensino aos nossos alunos, de ofertar à comunidade um ensino de qualidade, um ensino voltado à aprendizagem do aluno, esforço traduzido, eticamente, como um caráter imperativo, na relação interpessoal professor-aluno que se impõe à consciência de cada profissional de educação escolar, (…).”( MARTINS,1999) A atividade de docência e de aprendizagem são nobres, mas desgastantes. Ao contrário do que se possa conceber, ter mais cultura, ter mais educação implica ter mais responsabilidade pessoal e social. Ao invés de se obter vantagens e facilidades, a pessoa que chega ao nível superior recebe um ónus de ser mais atento, de ser exemplar em seus atos, de ser mais tolerante e responsável, pois ele deve refletir e disseminar na sociedade aquilo que apreendeu durante a sua vida acadêmica. O acesso à educação brasileira ao ensino superior ainda é limitado. Os alunos que frequentam um curso de nível superior estão fazendo parte de uma elite intelectual que tem como primeira obrigação perceber tempo e qualidade andam juntas na formação acadêmica. Não há sucesso acadêmico e profissional sem dedicação e participação direta dos alunos nas atividades de aula, e, formação de qualidade é o desejo de alunos, professores e dirigentes de Instituições de Ensino Superior. Para tanto, 103 estes devem agir com responsabilidade e diligência, pois a qualidade do ensino somente é alcançada com o esforço, dedicação, empenho e superação. REFERÊNCIAS MARTINS, Vicente. Como lidar com a baixa freqüência escolar. Pedagogia em Foco, ago. 2006. Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/filos28.htm>. Acesso em: 12.04.2011). TRF2 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA: AMS 67245 RJ 2005.51.01.490294-8. Relator(a): Desembargador Federal ANTONIO CRUZ NETTO. Julgamento: 19/09/2007. Órgão Julgador: QUINTA TURMA ESPECIALIZADA. Publicação: DJU - Data::25/09/2007 - Página::464/465 104