UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO - PRG
UNIDADE DE ASSESSORIA DIDÁTICO EDUCACIONAL – UADE
CURSO DE FILOSOFIA
Dossiê Reflexivo de
Introdução à Educação Superior
Brasília – DF
Novembro de 2011
2
Sumário
Introdução
4
Capítulo I: Origem e propósitos da disciplina
6
1. Breve histórico
6
2. Acolher e incluir: os objetivos da disciplina
12
Capítulo II: Estrutura e conteúdos
18
1. O perfil dos ingressantes
19
2. A universidade enquanto comunidade comunicativa
19
3. O trabalho docente
20
4. A acolhida
24
5. Perspectiva epistemológica
24
6. Intervenções/ressignificações das práticas pedagógicas
26
Excurso: Um exemplo de registro docente
29
Capítulo III: Discurso institucional
36
Introdução
36
1. A IES como resposta aos desafios atuais da educação su-
36
perior
2. IES face à missão e à visão da UCB
39
3. IES como concretização dos princípios estruturantes da
41
UCB
4. Foco na aprendizagem
47
3
Capítulo IV: Dinâmica de acompanhamento
52
Capítulo V: Atividades extraclasses
56
1. Acolhida aos calouros de Introdução à Educação Superior
57
2. Encontros temáticos
57
3. Aula virtual
58
4. Projeto Biblioteca sem Fronteiras
58
5. Aulas culturais
58
6. Conhecimento do curso e da universidade
59
7. Eventos acadêmicos – semanas de curso
59
8. Pesquisas
59
9. Plataforma Moodle
60
(In)conclusão
61
Bibliografia geral
63
Anexo: Mapa conceitual da disciplina
65
4
Introdução
Prof. Dr. Gilmário Guerreiro da Costa1
Prof. Dr. Paulo Afonso de Araújo Quermes2
Para Ricardo Spíndola, com apreço
O presente trabalho intenta apresentar as diretrizes principais da disciplina Introdução à Educação Superior. Dado o caráter inovador de que se reveste a experiência, bem como a quantidade de turmas e estudantes envolvidos – haja vista tratar-se de disciplina obrigatória para todos os alunos de primeiro semestre dos cursos de graduação da Universidade Católica de Brasília
–, julgamos necessário um primeiro exercício de sistematização dos seus conceitos e atividades, com vistas a fornecer as informações mais importantes para a comunidade acadêmica.
A análise do contexto atual da educação superior brasileira apresenta
não poucas dificuldades. Mas também momento propício a se assumir uma
opção política: propugnar pelos meios de aprimoramento da formação básica
dos nossos cursos de graduação, assim garantindo a efetiva posse, pelos nossos estudantes, de ensino de qualidade, que não lhes ludibrie com um simulacro de inclusão. A disciplina de IES pretende ser um meio estratégico possível
nessa luta. Está longe, evidentemente, de ser a panaceia para as muitas dificuldades encontradas. Mas traz consigo o interesse em abrir-se a um debate e
engajamento a envolver o conjunto da universidade.
Trata-se de uma estrutura movida por intensa rede dialógica, sem a qual
diminui a possibilidade de adesão e, em consequência, de êxito. Ao incentivar
a colaboração efetiva de todo o grupo de professores envolvidos com o projeto,
e o comportamento ativo dos estudantes em sala, o trabalho resiste às práticas
sociais assentes na alienação e coisificação do outro. Na dialética que Paul
Ricoeur, a seu modo, chamou de ipseidade e alteridade, estrutura-se a organi-
1
Professor do Curso de Filosofia da UCB e coordenador da disciplina Introdução à Educação
Superior (IES).
2
Diretor do Curso de Filosofia da UCB
5
zação das nossas atividades docentes, ou seja, a defesa de que o respeito e
escuta do outro constrói as sendas mais consistentes para o reencontro de nós
mesmos, num autoconhecimento sempre provisório. Na prática de sala de aula,
demanda tomar a sério o conhecimento dos nossos estudantes e do seu contexto. Ganha relevo o interesse pelo saber que eles trazem consigo enquanto
base necessária ao planejamento pedagógico. Por outro lado, implica o resgate
da autoridade do professor, que se tem esmaecido nas últimas décadas em
nosso país. Na aposta no diálogo, IES investe, ao mesmo tempo, na afirmação
e cuidado com a complexidade dos sujeitos, tanto no que tange aos seus alunos, quanto dos seus mestres.
O primeiro capítulo deste dossiê apresenta breve histórico de formação
da disciplina e seus objetivos. No segundo leem-se esclarecimentos acerca da
sua estrutura e inter-relação entre os principais conteúdos. A seguir, faz-se análise do liame entre o discurso institucional da UCB e sua experiência no interior do projeto da disciplina. No quarto capítulo expõem-se o teor e o fundamento do trabalho de acompanhamento. Esta metodologia consiste numa
construção dialógica mediante a escrita de registros pelos professores da disciplina, os quais são lidos e comentados por outro professor, seu acompanhador. Por essa via dialógica se oferece espaço para a reflexão acerca da prática
docente. O último capítulo ocupa-se da apresentação e análise de algumas
atividades extraclasses recorrentes na dinâmica das nossas aulas.
Agradecimentos a colaboração de todos os envolvidos no processo, sobretudo aos nossos estudantes, pela confiança, e aos professores da disciplina, a quem dedicamos este trabalho.
Desejamos a todos boa leitura!
6
Capítulo I: Origem e propósitos da disciplina
Prof. Dr. Gilmário Guerreiro da Costa
“O estudante será, essencialmente,
professor e aluno ao mesmo tempo”
Walter Benjamin, “A vida dos estudantes”
1. Breve histórico
A disciplina Introdução à Educação Superior (IES), cujos trabalhos iniciaram-se em fevereiro de 2010, compõe uma importante estratégia de cuidado
com a melhoria da formação básica dos estudantes da Universidade Católica
de Brasília. Propõe-se a conhecer o aluno, seu contexto e suas entrelinhas.
Objetiva com isso auxiliá-lo a assenhorear-se de sua própria história, a perseguir a luta pela emancipação intelectual.
A passagem do ensino médio ao superior é assaz complexa e desafiadora. Tomando em consideração semelhante processo, ao qual pertence a
maior parte dos ingressantes da UCB (os portadores de diploma de ensino superior compõem a minoria), IES intenta prover os meios para uma transição
consistente, em que alguns dos saberes necessários ao aprendizado em nível
superior sejam devidamente assimilados.
Em que pese haver substituído Leitura e Produção de Texto e Metodologia Científica, configura-se com identidade própria. É o estudante quem se torna, agora, em texto, o que implica tomar-se a sua história de vida enquanto
estrutura de planejamento e sua revisão constante. Uma análise atenta da educação brasileira revela espécie de eclipse desse sujeito estudante. Nossa
educação ocupou-se ao longo de sua trajetória histórica de assuntos os mais
diversos, alguns deles de indiscutível importância, mas lhe escapou a necessária reflexão acerca da espessura existencial, histórica e social do seu corpo
7
discente3. Buscando enfrentar semelhante insuficiência pedagógica, IES temse empenhado numa operação que se desdobra dialeticamente a partir de planos diversos:
a. A prática regular do registro escrito – processo sistemático de formação
e aprendizado. Em todas as aulas, os alunos escrevem um texto que
consiste numa reflexão acerca da sua experiência, do seu aprendizado e
da consciência do (ainda) não sabido. Tais registros são espécie de
bússola a guiar a retomada e reconstrução do planejamento das aulas
seguintes;
b. Apresentação que o sujeito faz de si, o qual inicia o processo de tomada
de consciência de si no movimento de ex-pôr-se perante os outros. Essa
mediação da alteridade terá o condão de devolver-lhe em elementos diversos a confirmação do que ele intuía ser, de aspectos que desconhecia, e de outras múltiplas possibilidades de ser.
c. O texto do sujeito não é algo que se acolhe como verdade absoluta. A
noção de acolhimento liga-se a interesse e cuidado. E justamente porque se interessa, a certa altura haverá a necessidade de problematização desse texto.
d. Com o memorial que será entregue no final do semestre espera-se a urdidura fina e consciente desse percurso exposição-problematizaçãosíntese.
e. Nesse sentido, as aulas têm sido necessário exercício de co-autoria, enfrentando um dilema de considerável importância na prática pedagógica:
encontrar um ponto de equilíbrio entre o autoritarismo (quando o professor arroga-se o centro inarredável do saber) e o espontaneísmo (não
menos autoritário que o autoritarismo, consistindo no laissez-faire pedagógico quando todos fazem o que desejam).
3
Essa noção de corpo mereceria uma investigação à parte, que não temos condições de
desdobrar aqui. De qualquer modo, parece-nos necessário tomar a sério essa figura: quando
falamos desse corpo, o que pretendemos significar? O orgânico, vivo, marcado por cicatrizes
da memória, pela irredutibilidade ao que Étienne de La Boétie chamava de “o nome de Um” (LA
BOÉTIE, 2001, p. 21) – nesse sentido, uma resistência à formulação fascista do problema? Ou
ao invés, sublinha-se precisamente o caráter unificado, mecanicista, sujeito a leis padronizadas
de funcionamento desse corpo? Talvez revele algum interesse indagar pelos sentidos que a
nossa história concedeu ao termo “corpo” quando se referia a “corpo discente”. Parte
considerável desse ocultamento do sujeito talvez encontre aí algumas pistas para a sua
explicação.
8
f. Mas não são apenas os estudantes que se ocupam dessa prática. Também os professores escrevem sobre a reflexão constante a que submetem a aula, e o texto daí resultante é enviado a outros professores que
os acompanham. O interlocutor lê o registro e acerca deles escreve sobre sua compreensão, encetando um diálogo permanente.
Toda essa experiência investe no diálogo e na paciência democrática.
Numa aula democrática, como bem o sabemos, as regras do jogo são claras.
Também se evidenciam os pólos de autoridade. Em termos freireanos, o professor ensina e enquanto ensina, aprende; o aluno, por seu turno, aprende e
enquanto aprende, ensina. (FREIRE, 1996, p. 23).
Os conteúdos referentes à ciência e à produção textual receberam nova
destinação, cujo acento recai no esforço pela conquista de um conhecimento
autônomo por parte dos estudantes. Leitura e escrita ocupam um espaço de
problematização recorrente, movimento entrelaçado com a leitura de mundo
que o estudante desde sempre faz. Também a práxis científica comparece em
sala mediante o devido zelo crítico. Submete-se à indagação de cunho histórico, sociológico e filosófico, com que se pretende confrontar os riscos de reificação e velamento ideológico, os quais, ao apagar os rastros do processo do conhecer científico, concedem aquela aura de solidez e naturalidade que, embora
seja confortável, serve sub-repticiamente a instâncias diversas de dominação.
Contra semelhante enfeitiçamento do conhecimento científico, a nova disciplina
tem se empenhado por ensejar a reflexão crítica e autônoma dos estudantes,
revisitando a ciência enquanto produto humano, demasiado humano. A ciência
marcada pelo seu caráter de ser provisório (WEBER, 1972, P. 28-9).
Importa salientar que, a par com o interesse pedagógico, a experiência
em curso também revela um objetivo de cunho administrativo: diminuir a incidência da evasão na UCB. Convidando os alunos para a aula, os professores
buscam diminuir o hiato que amiúde se estabelece entre a vida cotidiana e a
universitária, matriz da estranheza que se abate sobre os calouros, desfalecendo a muitos. Semelhante acolhida pode significar um passo decisivo para a
incorporação da vida universitária ao tecido da vida em seus diversos níveis e
realidades.
9
Por fim, o empenho intenso exigido de todos os envolvidos com a nova
disciplina aspira a construir o tempo e o espaço da sedimentação de um belo
sonho: que nossos estudantes sejam também, enquanto estudantes, professores e pesquisadores.
Neste contexto reveste-se de importância histórica para a memória da
disciplina o primeiro e-mail enviado pelo Pró-reitor de Graduação à época, o
Prof. Dr. Ricardo Spíndola. Decidimo-nos reproduzi-lo logo abaixo motivados
também pela clareza com que desenvolve os princípios basilares e intuição
original da disciplina:
“Amigas e amigos de caminhada,
Na segunda-feira fizemos uma outra reunião do nosso grupo. Conforme ficou acertado na reunião, vou tentar relatar os pontos de destaque da nossa
conversa. Vou relatar em forma de pontos e deixar fora do relato a conversa
que fizemos sobre a questão da concepção democrática de educação e movimento pendular entre o espontaneísmo e o autoritarismo (sobre o assunto acho
que vale continuar a conversa presencialmente). Vamos aos pontos da reunião:
1. Uma primeira questão discutida: é o momento de dosar a nossa ansiedade para o primeiro contato com os estudantes. Estamos, para lembrar
um livro do Paulo Freire, entre o medo e a ousadia. Os dois são bem
vindos quando na dose certa. Precisamos lembrar, em especial nos primeiros contatos, que os nossos estudantes na verdade não são calouros
de escola. Eles possuem pelo menos 11 anos de escolaridade. Nesse
período todo de escola eles se acostumaram com professores que fazem perguntas e não com professores que também se fazem perguntas
(que é nosso desejo – uma estratégia através da rotina e dos registros
de encontro problematizador constante entre o planejado e o acontecido.
2. Nas primeiras aulas vamos cuidar de questões básicas: (1) Apresentação cuidadosa dos grupos (o Gentil está organizando algumas sugestões e deve enviar ao grupo). (2) Apresentar a disciplina como uma ati-
10
tude de respeito à inteligência e à oportunidade de estar na Educação
Superior (O Carlos enviou uma proposta de apresentação que pode ser
adaptada por vocês). (3) Apresentar a Universidade.
3. Na próxima semana todas as turmas irão receber as redações do vestibular (lembrando de uma ponderação que o texto foi produzido sob
pressão, tempo determinado, etc.) e uma avaliação diagnóstica que será
a mesma para todos. A avaliação será, no primeiro momento, um subsídio para cada professor, no final do semestre pode ser retomada como
momento de auto-avaliação e será, também, um subsídio para coordenação da disciplina.
4. A proposta do plano de ensino já está disponível na plataforma (lembrando que o planejamento é uma hipótese do que irá acontecer). Até a
terceira semana estamos sugerindo que cada professor redefina e detalhe seu plano (lembrando que será uma hipótese mais elaborada do que
irá acontecer).
5. Qualquer dificuldade operacional ou administrativa, por favor, procurem
o curso de filosofia que coordena a disciplina na Universidade. A coordenação pedagógica do processo será feita pela UADE com apoio de
mais alguns colegas.
6. Sobre o Registro da Prática retomamos muitas coisas a partir da fala da
Madalena. Em síntese, é possível destacar que o registro é, antes de tudo, um elemento central de autoria do estudante e do professor. De apropriação da prática. Elemento que impulsiona a reflexão e, como a
Madalena aponta, faz nascer a teoria (mas uma teoria comprometida
com a poeira do dia-a-dia). O registro para o professor é também um elemento de ligação entre o planejado e o acontecido. Ele nos ajuda a dar
vida ao planejado.
11
7. Sobre o registro acertamos o seguinte (o que já havia sido sinalizado em
reuniões anteriores). Na primeira fase desejamos um registro sobre o
acontecido e sugerimos que o mesmo seja solicitado aos estudantes. O
registro do professor deve ser enviado a cada aula para o grupo de acompanhamento e os registros dos estudantes retomados como amostra
na aula posterior, lido por todos em uma temática que professor julgue
necessária, recolhida por parte para uma leitura e devolução individual.
O importante é que os alunos tenham devolução coletiva e individual
(processualmente) de sua produção. Acordamos que cada professor pode trabalhar a variedade de gêneros que julgar interessante.
8. Os pontos de observação comentados pela Madalena nós vamos trabalhar em um segundo momento. Nossas devoluções devem ser seguidas
de pontos de observações sobre a experiência da aula.
9. Sobre a rotina retomamos o acordo que já tínhamos sinalizado. É importante perceber que o limite de uma rotina carregada de sentido é viabilizadora da construção do nosso projeto, do exercício da nossa liberdade.
10. Pontos comuns da rotina: chamada, retomada da aula anterior através
dos registros (esses dois momentos já podem impactar no planejamento do dia), anúncio dos elementos centrais da pauta, intervenção/encaminhamento/devolução (como dinâmica de convite provocador, espaço de autoria do estudante e fechamento de conceitos e conteúdos), avaliação e anúncio da hipótese da próxima pauta, momento
de registro dos estudantes, registro do professor (através da plataforma).
11. Sobre a questão da intervenção/encaminhamento/devolução – nós conversamos um pouco. O essencial na questão é perceber que na educação tradicional se começa pelo fim, ou seja, pelo conceito pronto. É claro
que o estudante terá dificuldade de autoria. O máximo que ele faz é
compreender a explicação do professor. O Frei Betto, certa feita (como
12
diz o pessoal da roça), falando de problematização e diálogo em Paulo
Freire, falou que existem dois instrumentos fundamentais para prática
pedagógica: saca rolha e chave de fenda. Na educação tradicional só utilizamos a chave de fenda. Na perspectiva democrática que estamos
defendendo na disciplina o saca rolha é o primeiro movimento (retira do
estudante o que ele sabe, naquilo que sabe ele percebe o que ainda
não sabe, encaminha tarefas para aprofundar a relação entre o sabido e
o ainda não sabido). Na devolução é o momento de utilizar a chave de
fenda, fazer ajustes, arredondar arestas... O fundamental por enquanto é
ter clareza do princípio. Ok?
Precisamos aprofundar uma série de questões, “mas o tempo não gosta
que as coisas aconteçam sem ele”. É hora de iniciar essa caminhada, que de
alguma forma já foi iniciada individualmente por vocês durante a experiência de
docência, mas isolada, de forma intuitiva e agora nos aglutinamos como um
grupo em uma política institucional. É hora de fazer a roda girar.
Abraços
Ricardo”4
2. Acolher e incluir: os objetivos da disciplina
Uma das questões principais que norteia os trabalhos da disciplina reside na análise dos recursos e métodos necessários ao esforço de superação do
que Bourdieu e Passeron (2008) chamaram de exclusão adiada. Segundo esses autores, todo o sistema de ensino francês alicerça-se num movimento de
retroalimentação da desigualdade, cujo arremate é precisamente a reprodução
do sistema. Destarte, a compreensão da eliminação exige estudo mais radical
de todo esse fenômeno:
4
Mensagem enviada em 24 de fevereiro de 2010.
13
I.
As classes populares têm menos oportunidades materiais e educacionais a oferecer aos seus membros. Lidam com dificuldades incessantes.
II.
Por força desses fatores, os estudantes dessas classes demonstram
propensão maior à eliminação. Os futuros membros dessas classes
enfrentarão problemas semelhantes.
III.
O sistema assim se reproduz, legitimado pela escola. Mesmo os “casos de sucesso” de estudantes provindos de classes populares não
testemunham o contrário dessa constatação, uma vez que servem ao
intuito ideológico de retirar ao sistema toda culpabilidade – sua retórica insiste em que basta as pessoas se esforçarem, e é certo que
todos podem ser bem-sucedidos. Nota-se o quão insidiosa é semelhante ideia, a qual sub-repticiamente funciona enquanto sociodiceia5
(BOURDIEU e PASSERON, 2008).
Os resultados da investigação desses pensadores franceses auxiliamnos no melhor entendimento da especificidade do caso brasileiro, em que se
observou nos últimos anos notável aumento no acesso ao ensino superior.
Trata-se de mudança bem-vinda, mas que exige cautela e exame crítico,
mormente no que tange ao risco de haver uma possível dissimulação da
exclusão mediante uma inclusão aparente.
A educação superior no Brasil tem hoje aproximadamente seis milhões
de estudantes. Há quinze anos eram apenas um milhão. Na última década a
educação superior cresceu mais que nos últimos 200 anos. Mesmo
considerando a velocidade da ampliação do acesso, no Brasil menos de 15%
dos jovens entre 18 e 24 anos estão na educação superior. Temos um quadro
de inclusão tardia e acelerada, que pode gerar uma exclusão adiada, ou seja,
um simulacro de inclusão social através da educação superior. Nesse sentido,
5
Essa palavra é uma transposição irônica do conceito de teodiceia (théos, deus; diké: justiça),
com o qual o filósofo Gottlib Leibniz julgou ser possível a reconciliação entre a existência do
sofrimento no mundo e a do Deus cristão, cujos predicados são, entre outros, onipotência e
amor. O texto dos autores franceses recusará precisamente essa sorte de justificação da
sociedade (sociodeia).
14
a par com o desafio e necessidade do aumento de vagas no ensino superior,
caminha a busca por uma inclusão efetiva desses estudantes.
Com a preocupação de atender a esses novos desafios, bem como de
atender aos seus pressupostos institucionais, a UCB criou, no primeiro
semestre do ano de 2010, a disciplina de Introdução à Educação Superior. Ela
objetiva oferecer aos estudantes condições necessárias ao desenvolvimento de
uma trajetória acadêmica com competência e preparação para enfrentarem de
forma ética e humana os desafios de sua carreira profissional.
Espera-se que a disciplina inicie um caminho fecundo mediante o qual
os estudantes desenvolvam de forma integral tanto sua condição de sujeito, ou
seja, sua capacidade de reflexão, sua inserção no universo científico, na
produção qualificada de conhecimentos e na elaboração da produção
acadêmica. Outrossim há o intento de prover meios diversos a que os
estudantes aprimorem sua visão crítica da realidade e da comunidade
científica, assim como sua postura ética frente à aplicação dos conhecimentos
adquiridos em sua atividade profissional e cidadã.
Um dos instrumentos metodológicos recorrentes nas aulas é a prática do
registro escrito realizada pelos estudantes. Trata-se de um momento reflexivo
quando se inicia um trabalho de sistematização do que foi possível aprender e
apreender no curso das discussões, bem como na necessária tomada de
consciência daquilo que ainda ficou por conhecer. É do estudo desses registros
discentes que se ocupa a presente pesquisa. Uma questão aqui nos orienta:
em que medida esses textos logram êxito no alcance dos objetivos da
disciplina?
Para uma visão de conjunto da experiência da disciplina de IES, na qual
se insere o exercício dos registros discentes, convém esclarecer em que se
esteiam os esforços para garantir efetividade aos seus objetivos. Grosso modo,
com o fito de oferecer aos estudantes estratégias de ensino-aprendizagem
importantes para a inserção na vida acadêmica, a disciplina desdobra seus
esforços no cuidado com a acolhida, com a reflexão crítica acerca dos
conteúdos científicos, e com a reflexão crítico na e em torno à linguagem. É
nesse tríplice movimento se vai tecendo a prática da escrita do registro
discente.
15
1. O cuidado com a acolhida
A acolhida pretende entretecer-se com a problematização. Parte considerável dos estudantes manifesta experiência de encanto e intimidação nos
primeiros dias na universidade. Ao contarem com um(a) professor(a) com
quem lidará com assiduidade, parece sentir-se mais fortalecido a enfrentar a
estranheza da nova socialização da qual fará parte. Todo esse planejamento
investe na compreensão do passado do estudante não enquanto apresentação
em si do ocorrido, mas narrativa: não expomos o passado, nós o relatamos.
Isso constitui porção considerável dos registros discentes. Os fios dessa urdidura exigem vigília do professor para os momentos em que será necessária a
problematização dos componentes ainda insuficientemente críticos da turma,
sem o que as narrativas do passado podem revelar-se unilaterais ou excessivamente intimistas.
2. O cuidado com a reflexão crítica acerca da ciência
Com
respeito
à
reflexão
de
cunho
epistemológico,
desde
as
apresentações no primeiro de aula e dos primeiros escritos, busca-se atentar,
conforme se lê nos objetivos da disciplina, para o seu núcleo pulsante, bem
como sua coerência e consistência. O professor vela pelo pensar dos
estudantes. Não se trata exatamente de ensiná-los a pensar – isso equivaleria
a julgar um ponto zero do não pensar anterior à universidade. O que se faz é
investir no aprimoramento dessa reflexão. Ou melhor, de um pensar que se
aprimora na reflexão. Para isso, faz-se mister acolher e problematizar os
conteúdos dos estudantes. Progressivamente, conteúdos específicos da
disciplina vão se entrelaçando aos das turmas: universidade, realidade, ciência.
Tal ensaio pretexta oferecer condições razoáveis de suprimir o hiato estudanteconhecimento, causa de parte considerável do desestímulo de muitos – e, não
raro, de sua evasão do ensino superior.
Os conteúdos referentes à ciência e à produção textual receberam nova
destinação, cujo acento recai no esforço pela conquista de um conhecimento
autônomo por parte dos estudantes. Leitura, escrita, fala e escuta ocupam um
espaço de problematização recorrente, movimento entrelaçado com a leitura de
mundo que o estudante desde sempre faz. Também a práxis científica
16
comparece em sala mediante pretendido zelo crítico. Submete-se à indagação
de cunho histórico, sociológico e filosófico, com que se pretende confrontar os
riscos de reificação e velamento ideológico, os quais, ao apagar os rastros do
processo do conhecer científico, concedem aquela aura de solidez e
naturalidade que, embora seja confortável, serve sub-repticiamente a
instâncias diversas de dominação. Contra semelhante enfeitiçamento do
conhecimento científico, a disciplina de IES propugna pela reflexão crítica e
autônoma dos estudantes, a qual tem o condão de revisitar a ciência enquanto
produto
humano,
demasiado
humano.
A
ciência
marcada
pela
sua
provisoriedade constitutiva (WEBER, 1972, p. 28-9).
3. O cuidado com a reflexão crítica da e em torno à linguagem
A linguagem, conforme consta dos objetivos da disciplina, é meio e
objeto de intenso cuidado. É o médium-de-reflexão peculiar à nossa
humanidade. Não estamos fora dela, não pensamos fora dos seus limites. A
consciência disso é reiterada sobretudo quando se discute o fundo lingüístico
de toda constituição de(s) realidade(s). Por esse motivo, merece a nossa
atenção sob pena de descurarmos faculdade crucial à nossa leitura de mundo
– condição de sua amplitude e reflexão crítica. Além disso, cuida-se dos usos
da linguagem em situações diversas: escrita, leitura, oralidade. Amplia-se,
outrossim, a noção de texto: trata-se de produção de sentidos (discurso) com
que interagimos com o mundo, não limitado, por essa razão, à escrita.
O caráter plural da linguagem contribui ainda ao aprimoramento da
reflexão dos estudantes quando sustentamos ser a modalidade referencial e
comunicativa predominante na ciência e na universidade apenas uma dentre
outras funções da linguagem – da qual a linguagem poético-artística, por
exemplo, também é expressão crucial. Tais provocações são importantes para
os estudantes, esforço para incentivá-los a resistir a toda forma de reificação e
adestramento.
4. Registro discente, docente e formação continuada
Em grande medida, é precisamente na dinâmica do acompanhamento e
da escrita dos registros (docente e discente) que residem alguns dos compo-
17
nentes mais inovadores, do ponto de vista metodológico, da disciplina. Pretende incitar reflexão constante acerca da nossa prática, e da reflexão acerca da
reflexão proposta pelo acompanhador. Todo esse movimento tem como ponto
de partida e chegada, sempre provisórios, a cena do diálogo mediado pelos
registros.
O resultado é uma práxis docente mais atenta ao espaço e tempo do
ensino, tomando a sério o diálogo sujeito-sujeito com os estudantes. A educação enquanto práxis do diálogo e da provisoriedade. Noutros termos, marcada
por um intenso senso de política e liberdade.
Referência bibliográfica:
BENJAMIN, Walter. “A vida dos estudantes”. In Reflexões sobre a criança, o
brinquedo e a educação. Trad. Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2002.
BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. Petrópolis, RJ: Vozes,
2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
WEBBER, Max. “A ciência como vocação”. In Ciência e política: duas vocações. Trad. Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix,
1972.
18
Capítulo II: Estrutura e conteúdos
Profa. MsC. Cláudia Elena de Oliveira Quermes6
Em uma instituição de idéias, o ponto de partida para sua reformulação está em ter uma
ou diversas idéias alternativas quanto ao projeto, a forma, a estrutura, aos métodos de universidades. O segundo passo é ter um ambiente aberto para debater tais idéias. (Cristóvan Buarque)
Em sua busca por uma intervenção qualitativa no espaço universidade, a
disciplina Introdução à Educação Superior (IES) faz parte de um projeto de excelência no Ensino Superior. A proposta foi construída a partir do aprofundamento em diversas instâncias da UCB e das discussões gestadas nos momentos coletivos, com a participação dos docentes acerca de um novo perfil de estudante e da relação deste com o espaço acadêmico e com a construção do
conhecimento.
A disciplina tem por objetivo acompanhar o estudante em sua produção
diária, retomando sua trajetória na educação básica como ponto de partida para a reflexão acerca dos grandes temas da contemporaneidade; abordar o conhecimento científico a partir das áreas dos diversos cursos e propor a reflexão
histórica sobre os pressupostos, a utilização, o alcance e os limites socioculturais da atividade científica. A leitura e a escrita também ocupam centralidade
na disciplina, mas a partir da busca por ampliar saberes relativos à configuração, ao funcionamento e à circulação dos textos e quanto ao desenvolvimento
da capacidade reflexiva sistemática acerca da língua e da linguagem, da autoria e do protagonismo.
A proposta de um olhar mais cuidadoso e acolhedor, materializado pela
disciplina, tem sua gênese na observação de alguns pontos:
6
Professora do Curso de Filosofia da UCB e assessora pedagógica de IES
19
1. O perfil dos ingressantes
Precede o ingresso dos estudantes no ensino superior, na maioria dos
casos, uma formação precária, uma baixa auto-estima e motivação. Esse problema é especialmente observável entre os estudantes que freqüentam cursos noturnos, os quais estabelecem uma relação com estudo e formação guiada por concepções pragmáticas e aligeiradas de conhecimentos e, fundamentalmente, relacionadas à preocupação com as exigências do mercado. Tal
formação se diferencia de um tipo de estudante tido como “clássico”, cuja predisposição para o estudo e para a formação se orienta por disponibilidade de
tempo, etariedade, financiamento familiar e acesso aos bens e conhecimentos
culturais historicamente construídos.
Também é digno de nota o fato de as provas de ingresso (essencialmente conteudistas) e os mecanismos de acesso, que contribuem com a entrada
dos jovens no universo acadêmico, não contemplam a questão da permanência dos estudantes na universidade.
Outrossim, os estudantes evidenciam uma certa insegurança e até
mesmo imaturidade em relação ao emaranhado de significações e de culturas
presentes na dinâmica universitária, o que gera incertezas quanto ao entendimento de sua identidade (quem sou?), ao espaço universitário do qual agora
faz parte (onde estou?) e dos significados construídos a partir das práticas sociais (para onde vou?)
2. A universidade como comunidade educativa
A universidade deve ser compreendida como o intercruzamento de diferentes culturas, expressas em significados, valores, atitudes, costumes, ritos e
rotinas, ou seja, mais do que uma organização institucional, é uma comunidade
educativa. A sua forma peculiar de existir está além de sua estrutura física e
curricular. Constitui-se, antes, pelas relações estabelecidas no fluxo de interação entre os seus diversos segmentos. Nesse sentido “todo trabalho humano
sobre e com seres humanos faz retornar sobre si a humanidade de seu objeto”.
(TARDIF, 2005, p.05)
20
A partir desse entendimento, a universidade não pode ser reduzida à
sua transformação técnica, objetiva e instrumental, visto que dela emergem
questões relativas à subjetividade, à ética, ao poder, à afetividade, ao conhecimento que são eminentemente humanas, elaboradas nas interações sociais.
Compreender a universidade como espaço dinâmico de construção é investir
na possibilidade de mudanças efetivas, é compartilhar a construção de um projeto político que transcenda a concepção individual, constituindo-se como um
processo coletivo que não se concretiza sem as tensões dialéticas de seu cenário social.
Um dos maiores desafios que se apresentam à universidade reside na
relação que se estabelece entre discentes, docentes e demais funcionários a
partir de uma concepção equivocada da “cidadania do consumo”, fruto de um
perverso processo de mercantilização da educação. O estudante se identifica
como um cliente, concebe a universidade como uma empresa prestadora de
serviços e o docente transforma-se em refém desta fragilizada e tensa relação.
Essa lógica perversa do capital contribui para um exercício de descrédito
das práticas educacionais como processo de formação permanente, alicerçadas no princípio do diálogo e das diferenças.
Nesse contexto, o espaço universitário não é mais visto como cenário
formativo, mas como a reprodução das relações sociais de dominação. Por
força destas práticas cotidianas, temos a dificuldade de estabelecer nexos entre os fenômenos que se apresentam e elegemos uma postura pragmática, na
necessidade de oferecer respostas imediatas às demandas. Dessa forma, reproduzimos as relações sociais de dominação e caímos na perigosa armadilha
do fatalismo a-histórico e acrítico.
Tais reflexões nos impõem a necessidade de melhor compreensão de
nossa prática social, do olhar atento e investigativo das especificidades da instituição educacional, em especial, da universidade.
3. O trabalho docente
A aprendizagem na e da docência é processual e tem seu início antes
da preparação formal desenvolvida nos cursos de formação. Ocorre na reflexão
21
sobre a ação pedagógica empreendida pelo docente e a partir de sua própria
formação de sujeito que busca a transformação de seus estudantes por meio
do conhecimento e, ao mesmo tempo, se reelabora nesta relação.
Este processo envolve componentes de subjetividade que vão além do
conhecimento: crenças, mitos, metas, objetivos e hipóteses dos docentes, o
que fazem em sala de aula, como fazem e por que o fazem, concepções acerca da área de conhecimento que atuam, conteúdos, história dos estudantes e
os processos de aprendizagem. Compreender o professor como sujeito de suas práticas, articulador dos conhecimentos teóricos com as dinâmicas sociais,
tem relação direta com as novas dimensões de atuação que implicam um olhar
retrospectivo sobre as ações realizadas. Por meio dessa concepção, reconhecemos que os professores aprendem mediante a análise e a interpretação de
sua própria atividade e podem transformar suas práticas a partir desse movimento.
Neste sentido, a aprendizagem na e da docência requer tempo e recursos a fim de que novas concepções, novos valores, novas posturas, novas
formas de organização do trabalho pedagógico sejam confrontados e aperfeiçoados. Assim, assegurar a dimensão crítico-reflexiva nos processos formativos, sustentada em uma nova cultura ainda distante da que temos acerca de
nossa identidade profissional, configura-se como um importante foco dos esforços que constituem a dimensão coletiva do ofício docente e da instituição educativa.
Na disciplina Introdução à Educação Superior, a atuação do educador
não é somente técnica ou profissional, mas, sobretudo, política, pois o compromisso e a capacidade de propor mudanças (intervenção social) é a tônica
deste processo. Dessa forma, os docentes que atuam na referida disciplina
optam por qualificação do ensino, pela predisposição de aprender continuamente e pela revisão constante de si e da relação com os estudantes e com o
conhecimento.
Essas reflexões apontavam a necessidade de reformulação e/ou ruptura
da atual conjuntura. Nesse sentido, a disciplina Introdução à Educação Superior acolheu as possibilidades para se pensar e construir a universidade como
22
um espaço viável, a partir do encontro do estudante consigo, com o conhecimento que ele já traz em sua história e da construção de novos olhares.
Para sua operacionalização foram suprimidas do currículo dos ingressantes, as disciplinas Leitura e Produção de Textos (LPT) e Metodologia Científica. IES se afirmou como pré-requisito para os estudantes ingressantes, com
carga semanal de oito créditos (dois encontros semanais), oferecida no primeiro semestre de cada curso. As turmas são compostas por cerca de trinta e cinco estudantes, agrupados por cursos das diferentes áreas de formação, a fim
de estimular a diversidade e o diálogo entre elas. Diversos espaços de aprendizagem são garantidos em sua estrutura: laboratórios tecnológicos (aulas virtuais e diagnóstico discente); Encontros Temáticos com a participação das diversas turmas na discussão de temas da contemporaneidade e o projeto Biblioteca sem Fronteiras, o qual desenvolve oficinas literárias contribuindo com a
ampliação do conceito de leitura / escrita e com a apropriação de seus processos.
Cabe ressaltar que a proposta de IES vai além do somatório das disciplinas, busca oferecer condições ao estudante de constituir-se como sujeito
autônomo, produtor de conhecimento em um dado momento sócio-histórico
com significativa carga social.
A necessidade de reorganização da dinâmica pedagógica exigiu um olhar atento acerca de uma das questões mais polêmicas do âmbito educacional: a avaliação. Algumas posturas necessitam de uma reflexão crítica mais
incisiva: a avaliação enquanto exercício de poder do docente, o que configura a
relação pedagógica como verticalizada e autoritária nos moldes do dito popular:
“manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Esta perversa relação, vivenciada por todos nós na trajetória acadêmica, é muitas vezes reproduzida em
nossas práticas pedagógicas de forma imediata.
Tal processo é marcado pela alienação, autoritarismo e traduz resultados frustrantes, aliando a avaliação a perspectivas de mensuração (enfatizando
quantificação), descrição (de resultados em relação a objetivos “esperados”),
juízos de valor e, até mesmo, de negociações (prestação de contas).
Entendemos ser o princípio da educação a socialização do saber e, para a sua exeqüibilidade, faz-se necessário que as ações educativas se constru-
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am e se consolidem em uma ambiência democrática, pois a universidade é um
espaço heterônomo, de diferentes sujeitos, mas que deseja construir autonomia. Neste cenário, a avaliação assume duas funções: a de diagnóstico e a de
reorientação, concebida como dinâmica processual e formativa nas instâncias
docente e discente.
Em sua função diagnóstica, a avaliação não implica medir conhecimento. Seu interesse reside, diferentemente, no que o estudante já sabe e como
utiliza esse saber. Interessa-nos, ainda, avaliar não somente o produto, o resultado, mas o processo, os seus procedimentos ou habilidades para intervir em
uma determinada situação, visando à mudança.
Se a essência da educação é a mudança, ela não deve ser um mero ensinar o já sabido, a transmissão ou a veiculação de informações que reproduzem o já estabelecido. Como preconiza Japiassu, “o professor deve estimular o
exercício reflexivo, o questionamento dos saberes, a elaboração de perguntas,
desenvolvendo a inventividade e a reflexão. Sua tarefa é promover, inventar ou
reinventar a cultura no seio de um mundo que se desfaz e refaz.“ (JAPIASSU,
1983, p.47).
Dessa forma, a avaliação se constitui como intervenção políticopedagógica e, conseqüentemente, desestabiliza crenças, valores e atitudes
naturalizadas e/ou cristalizadas. Ao duvidar, questionar, subverte uma ordem
considerada por muitos como “natural”, sobre a qual se erguem e se sustentam
os diversos tipos de injustiças e preconceitos. Esta compreensão reafirma a
essência do saber como postura atrevida e provocativa, possibilitando a compreensão das diferenças.
Sob o horizonte de uma avaliação emancipatória, a disciplina IES compreende que todo o processo de aprendizagem deve ser acompanhado. Tal
postura não caracteriza mera vigilância, controle ou prestação de contas, mas
zelo e cuidado em relação ao processo pedagógico. Ao final de cada aula, os
estudantes realizam a escritura de um registro que começa descritivo e, pouco
a pouco, assume contornos mais reflexivos em relação aos processos vivenciados. Os professores compartilham critérios de avaliação semelhantes:
a. 35% da nota referentes aos registros realizados em sala;
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b. 35% da nota provindos da Avaliação Institucional realizada pelos estudantes;
c. 30% da nota representados por atividades diversas solicitadas pelo(a)
docente.
Reconhecemos que esta configuração ainda apresenta falhas, mas julgamos
ser a que mais se aproxima de uma prática avaliativa diversificada e que busque atender a diferentes demandas, não centrada nos instrumentos, mas no
entendimento da complexidade da dinâmica do processo avaliativo.
4. Acolhida
A educação assume, nessa perspectiva, o compromisso de acolher os estudantes, ou seja, prepará-los para apreciar, construir, desconstruir e transformar as tradições públicas que constituem o nosso legado simbólico comum. O
respeito, o cuidado e o sentimento de pertença, como algumas das formas de
acolhimento, não se dissociam das especificidades históricas e institucionais
que marcam cada contexto social.
A disciplina é entendida como um rito de passagem, a partir das mudanças ocorridas na transição do Ensino Médio para o Ensino Superior
Dessa forma, pode-se compreender que a acolhida não ocorre de forma
romântica, pelo contrário, não oculta ou camufla as tensões advindas desse
processo.
5. Perspectiva epistemológica
Há a inversão do foco tradicional na relação sujeito e conhecimento: se
reconhece a autoridade do educador e não o autoritarismo. As relações que
ocorrem no espaço pedagógico são delineadas por uma postura dialógica, sedimentada na reflexão e crítica dos elementos constitutivos deste processo.
A isso se acrescenta um esforço de horizontalização, mediante o qual se
articula o conteúdo do sujeito e os conhecimentos formais da disciplina. O con-
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teúdo é entendido como meio e não como fim, pois o fim é a formação integral
do sujeito.
Três pilares sustentam a concepção epistemológica da disciplina. São
eles:
5.1. A construção de argumentos próprios: PROTAGONISMO
Este pilar se constitui pelas habilidades de leitura / escrita e tem como
ponto central do estudo a linguagem, compreendida como construção humana
e histórica de um sistema em seus variados contextos. Em sua gênese estão
presentes o sujeito e seus sistemas simbólicos e comunicativos, em um mundo
sociocultural. A unidade básica da linguagem verbal é o texto, que se caracteriza como a fala e o discurso que se produz, e a função comunicativa, o principal
eixo de sua atualização e a razão do ato linguístico.
Os conteúdos que possibilitam a construção deste pilar são a leitura
(construção de sentidos), texto (produção e recepção dos diferentes gêneros),
histórico de vida, identidade, memória, escrita de textos acadêmicos.
Decorre do questionamento: QUEM SOU EU?
5. 2. Ampliação do capital cultural a partir da reflexão de temas da contemporaneidade
O segundo pilar caracteriza-se pela necessidade de ampliação de estudo acerca das problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades (sujeito histórico), servindo como arcabouço para a reflexão sobre
possibilidades e/ou necessidades de mudanças ou continuidades.
Investigam-se as concepções sociopolíticas referentes às ações humanas nos espaços públicos e privado e as implicações de paradigmas representativos de uma visão apenas utilitária e profissional do conhecimento na Universidade.
A partir do reconhecimento da pluralidade dos sujeitos e de seus confrontos, as representações do mundo social passam a ser analisadas como
integrantes da própria realidade e possibilitam uma redefinição e/ou uma ressignificação de nossa história cultural.
26
Contribuem para estas concepções os conteúdos: universidade, realidade, cidadania, identidade, globalização, mídia e tecnologias.
A universidade (universo) assume a representação de um espaço crítico,
sedimentado no diálogo, no prazer da acolhida, na proposição de desafios e
nas possibilidades de intervenções sociais.
Emerge da questão: ONDE ESTOU?
5.3 - O conhecimento como meio de reflexão para a construção de um sujeito
autônomo
Este pilar se apresenta como o grande desafio a ser enfrentado por priorizar a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Nesta proposta a visão interdisciplinar é compreendida a partir
de uma abordagem relacional, na qual são estabelecidas conexões, diálogos e
possibilidades de novas leituras entre os campos do saber, por meio de relações de complementaridade, divergência e convergência.
Todo conhecimento é comprometido socialmente e não há aprendizagem que não possa ser construída ou recriada a partir das preocupações dos
sujeitos envolvidos no processo do conhecer.
Tal postura rechaça a permanência em um nível de conhecimento que é
dado pelo contexto mais imediato, mas visa gerar a capacidade de compreender e intervir na realidade, em uma perspectiva mais autônoma e desalienante.
A partir dessa concepção, apresenta-se uma abordagem problematizadora das questões sociais que, longe de ser linear, traduz uma intricada rede
de significações.
A questão que se apresenta é: PARA ONDE VOU? (perspectiva ética)
6. Intervenções / ressignificação das práticas pedagógicas
Outro aspecto constitutivo da experiência de IES demanda a ressignificação de tempos e espaços escolares e da organização pedagógica. Divisamse nos elementos estruturadores da rotina (chamada, pauta, elaboração de
registros).
27
O ato de organizar é, em si, reinvenção e transformação do espaço pedagógico, das rotinas e sempre possibilita reestrutura. E mais, para organizar
esse espaço é preciso ler as necessidades do grupo, ainda que tal atitude exija
o exercício de autoridade, entendida diferentemente de autoritarismo.
Um dos grandes desafios, dentre outros, que merece destaque diz respeito à ressignificação do conceito de ”aula” enquanto planejamento significativo, articulando criatividade, reflexão, protagonismo e conflito – entendido aqui
como exercício dialético. Deve constituir-se como a “substância de humanidade” que assinala nascer o conteúdo da aula das relações entre os sujeitos envolvidos e não da verticalização de um manual ou de um plano de ensino que
desconsidere as dimensões múltiplas e complexas dos sujeitos em tempos e
espaços específicos.
As aulas são concebidas como espaço dialógico de construção de conhecimentos que não ocultam tensões e conflitos, entendidos como processos
de aprendizagem, como já expresso anteriormente. Ela se materializa a partir
da organização do espaço físico, a estrutura circular favorece o entrosamento e
a partilha acerca dos conteúdos trabalhados em relação ao sujeito e à matéria.
Em sua estruturação estão presentes os momentos de: intervenção (provocação/ problematização), encaminhamento (solicitação das tarefas/ o que vamos
fazer?), devolução (sistematização do conteúdo, da teoria e da prática), avaliação da aula (processo) e registro (reflexão/ autoria do estudante e do professor).
A chamada humanizada se caracteriza como um momento de identidade
e acolhida; o estudante não é um número, mas sim um sujeito complexo, constituído por diversas subjetividades, em outras palavras: ”um ser geneticamente
social e amoroso” (WELFORT,1996, p.8), que traz, vive e partilha emoções de
diversas ordens.
O registro configura-se enquanto instrumento de investigação da prática
docente e do processo de construção do conhecimento.
A cada aula, estudante e docente registram o processo de aprendizagem construído por meio da escrita. Em relação ao professor, este instrumento
possibilita a reflexão permanente de sua trajetória de aprendiz e de autoridade
28
no processo educativo; é um recurso de pesquisa-ação, de se fazer teoria.
Possibilita uma intervenção em nossa prática, como estratégia de trazer à
consciência “o que eu faço” e “o que eu penso que faço”, em outras palavras: é
a reflexão entre o “planejado” e o “acontecido” na aula. Nas palavras de Madalena Freire “o educador é um leitor, escritor, pesquisador, que faz ciência da
educação”. (WELFORT, 2008 p 23). O resgate da reflexão do educador acerca
de seu fazer pedagógico constitui-se também, segundo a autora, como o embrião da teoria que resulta na necessidade de confronto e comunicação com
outras teorias. Adiante, este tema será tratado com maior detalhamento.
O registro do estudante é o instrumento que permite a reflexão acerca
do que ele aprendeu, como aprendeu e o que ainda precisa ser aprendido. A
escrita é o exercício disciplinado que confere autoria, criticidade e protagonismo ao estudante.
Referências bibliográficas
GUIMARÃES, V.S. Formação de professores: saberes, identidade e profissão.
Campinas: Papirus, 2004.
JAPIASSU, H. A pedagogia da incerteza e outros estudos. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
SEVERINO, Antônio J. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’Água,
2001.
TARDIF, M. Saberes docentes, formação e formação profissional. Petrópolis:
Vozes, 2005.
WEFFORT, M. F. Educador: educa a dor. São Paulo, Paz e Terra, 2008.
.
(coord). Rotina: a construção do tempo na relação pedagógica.
São Paulo: Espaço Pedagógico,1996.
29
Excurso: Um exemplo de registro docente
Prof. MsC. Luiz Cláudio Batista de Oliveira7
O registro abaixo foi realizado como resposta a uma demanda de síntese da experiência da disciplina referente ao primeiro semestre de 2011. Ele
inicia-se com duas belas epígrafes:
A inteligência não é potência de compreensão, que se encarregaria
ela própria de comparar seu saber a seu objeto. Ela é potência de se
fazer compreender, que passa pela verificação do outro. E, somente
o igual compreende o igual. Igualdade e inteligência são termos sinônimos, assim como razão e vontade. Essa sinonímia que funda a capacidade intelectual de cada homem é também aquela que torna uma
sociedade em geral possível. A igualdade das inteligências é o laço
comum do gênero humano, a condição necessária e suficiente para
que uma sociedade de homens exista. “Se os homens se considerassem como iguais, a constituição estaria logo pronta.” (Journal de philosophie panéscastique, t. V, 1838, p.265) É verdade que nós não
sabemos que os homens são iguais. Nós dizemos que eles talvez sejam. Essa é a nossa opinião e nós buscamos, com aqueles que acreditam nisso como nós, verificá-la. Mas nós sabemos que esse talvez
é exatamente o que torna uma sociedade de homens possível.
(RANCIÈRE. O mestre ignorante. 2005, p. 107)
Já passaram os séculos em que todos acreditavam que o homem ilustrado era o sábio e nada mais que o sábio, mas as experiências de
nosso tempo dificilmente nos permitiriam chegar a esta equiparação.
Agora, a exploração de um homem em benefício da ciência é um postulado geral; e quem não se inquieta ante uma ciência que deste modo vampiresco trata seus filhos? A divisão do trabalho na ciência tende ao mesmo fim que perseguem aqui e ali as religiões com plena
consciência disso: o apequenamento da cultura, mais ainda, sua total
destruição. Mas o que em algumas religiões, tendo em conta sua origem e história, é uma pretensão muito justificada, traria como conseqüência para a ciência o suicídio. (NIETZSCHE. Sobre o futuro dos
nossos estabelecimentos de ensino. 2003, p. 25)
Partiremos inicialmente das questões propostas e, a partir delas, buscaremos outros apontamentos que poderão contribuir com a análise aqui apresentada.
7
Professor e assessor pedagógico do Curso de Filosofia da UCB.
30
Consideramos muito positiva a experiência da IES. Primeiro porque ela
se constitui em algo singular na formação técnico-profissional que avassala os
currículos das mais diversas áreas (tememos que até os conteúdos das “humanas” já tenham se dobrado aos apelos tecno-burocráticos). Segundo porque
ela surge num momento onde parecia não haver mais saída em relação ao que
se convencionou chamar de educação científica. Todas ou quase todas as propostas se viram ou preferiram se vir engolidas pela panacéia do mero discurso
que “institui” o aluno como figura central do processo ensino-aprendizagem.
Mas esta “instituição” é por demais espontaneísta ou não deixa margem para
que ele, o aluno, faça parte, de fato, de tal processo. Apenas palavras jogadas
no papel para que a proposta seja avaliada como moderna e pós-moderna. Em
terceiro lugar porque seu objetivo não é conteudista – disso decorrem alguns
riscos, e por isso não se escora em fórmulas já prontas, devidamente calculadas, que se esgotam em si mesmas ou naqueles que as aplicam.
O quarto ponto significativo da proposta da IES é o fato de ela poder ser
efetivamente um espaço de descobertas para estudantes e professores. Verdadeiramente descobertas ainda não pré-estabelecidas, as quais se expressam segundo a própria experiência com a disciplina. Descoberta enquanto
desvelamento (na concepção heideggeriana), enquanto fundante de um discurso próprio – tanto para professor quanto para aluno. Nela se permite inaugurar
modos próprios de compreensão, maneiras autênticas de ler e interpretar os
conteúdos abordados. E, em mais um sentido de descoberta, porque é possível
não se prender em pré-conceituações que nos amarram em modos e teorias
devidamente legitimadas pelos poderes já instituídos.
Um quinto aspecto que nos faz pensar positivamente a disciplina é exatamente a nova postura possibilitada ao professor. Ele não é mais só e absolutamente “o professor”. Não é o mestre de onde vem toda a sabedoria e toda a
possibilidade de construção de novas elaborações conceituais e teóricas. Não
depende somente dele a aula – que agora se transforma em encontro. A responsabilidade para que o acontecimento seja efetivado é de todos que se propõem a estar ali naquele ambiente de aprendizagem. Se isso já era buscado
anteriormente, agora com a proposta de IES torna-se condição necessária e
suficiente para que o diálogo não seja mero objeto do discurso, mas que ele
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aconteça efetivamente, permitindo nos reconhecermos como sujeitos em aprendizagens constantes. Colocarmo-nos nesta condição é algo difícil num sistema educacional como este que ajudamos a conservar. A aprendizagem é
para os alunos. Já aprendemos o suficiente e isto nos permitiu alcançar a condição de professor. Estas são nossas premissas. A IES contribui para derrubarmos tais concepções.
O sexto elemento que julgamos fazer parte da proposta aqui em análise
é a condição do estudante enquanto co-responsável pelo processo de busca
do conhecimento. Ele não pode ficar na condição passiva e pacífica aguardando o professor apresentar tudo aquilo tido como necessário para sua formação.
Assim, as velhas concepções e os velhos modos e instrumentos de ensino e
aprendizagem não são suficientes para a pretensa formação acadêmica. É
condição fundamental para a aprendizagem, o que na estética é denominado
como “pré-disposição afetiva”. Fator primordial para a busca do conhecimento,
e não o seu alcance definitivo e inquestionável.
Talvez aí resida outro aspecto significativo da proposta da IES. Não alcançamos o conhecimento. Ele não está colocado numa dimensão externa
nem muito menos será conquistado como algo objetivamente dado, estabelecido como se fosse acabado, definido e definitivo. Não é assim concebido. Se
assim for, não será possível instaurarmos o que a disciplina propõe. Desse
modo, felizmente nos distanciamos da ideia do conhecimento como mercadoria, como fator de dimensão objetiva, como se se realizasse enquanto algo dado
e acabado de maneira absoluta.
Tais aspectos apontados até aqui contribuem para repensarmos nossas
atitudes legitimadoras da condição que ocupamos como docente. Não estamos
prontos. Não sabemos “dar” aula. Não sabemos o que os estudantes desejam.
Não temos o entendimento total sobre o que é necessário para que a aula aconteça. Não podemos permanecer na posição de meros coordenadores de
um trabalho que se realiza duas vezes por semana. Ao contrário de tudo isso,
somos parte integrante de uma relação que deve ser intensa e dinâmica. Somos levados a reconhecer o estudante como alteridade – no sentido proposto
por Lévinas – ou como presença no mundo – na perspectiva inaugurada por
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Merleau-Ponty ao destacar nossa situação carnal, subjetiva e sensível – e enquanto tal ele não pode só esperar por nossas definições corretas e inquestionáveis. Não as possuímos, não as determinamos. Ficamos soltos. Saímos da
condição fixa e confortável enquanto pretensos possuidores do conhecimento.
Ele não é permanente, como não é permanente aquilo sobre o qual instalávamos nossa posição de detentores do saber. Não sabemos de maneira absoluta. Sabemos parcialmente. Sabemos abertamente. Sabemos que queremos o
diálogo. Precisamos nos colocar na condição daqueles que buscam compreender. Entender só já não basta, como não bastam os pressupostos teóricos
sobre os quais nos colocávamos confortavelmente na condição de professores.
Ser professor já não significa o que anteriormente parecia significar. Ser professor é não ser, é não ter definitivamente nada que nos estruture e nos defina
sempre e de novo definitivamente.
Assim, a IES permite retomarmos os sentidos de ser professor. Na verdade, como dito anteriormente, o fundamental para ser professor é instalar
também o não ser, reconhecendo o não saber, expressando o inacabado modo
de compreendermos o que nos propomos a abordar. É também do não saber
que podemos e devemos tratar. Não é da clareza total que devemos cuidar. É
daquilo que não está dado, que não está explicitado. É daquilo que aparece de
modo ainda confuso. Nossa tarefa é (re)discutir pontos, questões, aspectos –
conteúdos – que pretendem exercitar a reflexão sem dar a resposta total e definitiva para tudo.
Este mesmo “movimento” possibilitado ao professor e necessariamente
efetivado por ele, parece se fazer presente no estudante, pois são várias as
manifestações de espanto (no sentido proposto por Aristóteles) a partir do contato com o que é proposto pela disciplina. São diversas as exclamações a respeito das contribuições inauguradas pela IES. Alguns estudantes asseveram,
de maneira contundente, que após a disciplina, suas visões de mundo e suas
percepções sobre seus papéis enquanto profissionais se transformaram de
maneira significativa.
Reconhecemos haver a necessidade de avaliarmos este impacto de
modo mais cuidadoso. Não podemos nos basear somente em relatos. De qualquer modo, já é sinalizado algo positivo a partir do momento em que o próprio
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impacto acontece. Isso é possível de se constatar na própria relação com os
estudantes em sala de aula. Isso quando as aulas não são somente aulas, meras conversas que se demitem de inaugurar algo significativo. Isso se dá quando o encontro se institui como acontecimento – no sentido proposto por Deleuze. Não há nada previamente dado que garanta o encontro, ele acontece em
virtude, sobretudo da (pré)disposição afetiva daqueles que se dispõem a realizá-lo. Se assim a aula se realiza, sentidos – significados – são inaugurados e
isso implica e afeta regiões até então desconhecidas por nós e em nós.
A disciplina – tão disciplinador é o nosso sistema de ensino – pode sim
se rearticular continuamente a tal ponto que seus desdobramentos deverão
fazer parte dela mesma. Isso permitirá que ela seja pensada – refletida – durante seu próprio processo de constituição. Enquanto realizamos a aula é que
elas – a aula e a disciplina – devem ser (re)pensadas. Será este movimento
fundamental de constante reflexão sobre o exercício da própria aula e da disciplina, o responsável pela abertura de um número cada vez maior de perspectivas quanto ao significado e aos sentidos da IES.
Para seguirmos com a proposta da disciplina é imprescindível que efetivemos o exercício contínuo da autocrítica, que dialoguemos constantemente
com as diversas áreas da Universidade, que saibamos (re)articular cada vez
mais os diálogos entre os professores da disciplina. Sabemos como é rico o
ambiente onde a divergência, o confronto, a indagação têm espaço para se
fazerem expressar. Se temos disso, nossos procedimentos não podem ficar
somente num plano das ideias, devemos igualmente saber concretizar tais atitudes, pois disso também dependem a sequência e o avanço daquilo que permeia a disciplina.
A título de conclusão, parece-nos relevante ressaltar questão que julgamos merecedora de cuidado. A condição de abertura que caracteriza de modo
marcante a disciplina (pois há um sem número de problematizações possíveis
a partir dos conteúdos inaugurados por ela), não pode, em hipótese alguma,
significar espontaneismo, conteudismo, intelectualismo, reducionismo conceitual ou qualquer outra coisa desta ordem.
Sua pluridimensionalidade não deve se constituir em ameaça, não pode
significar risco de um vazio conceitual insinuante e sedutor. Ressaltemos que o
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princípio norteador – arriscamos afirmar princípio, mesmo correndo o risco da
incoerência – da disciplina é a ruptura com os velhos modos de educar e de
entender o que significa educação, é então romper também com as maneiras
retrógradas e enrijecidas de pautar as ações em busca do conhecer e do saber. Se estes são os objetivos – melhor que princípio – da proposta, não devemos dar chance para as ações que visam “facilitar” a vida do estudante, objetivando encurtar o caminho a ser percorrido por ele. Não podemos cometer estes equívocos. Se isto acontecer, estaremos caminhando para o fracasso da
proposta ou para o acobertamento daquilo que nela não logrou êxito.
É imprescindível que o professor se faça presente na relação com o estudante, não apenas como aquele que conduz tal relação, mas aquele do qual
brotam as possibilidades e as demarcações conceituais que permitem a disciplina acontecer. Ela não se realiza só por causa dele, disso todos sabemos, e é
exatamente por este motivo que ele deve se expor correndo riscos, apresentando-se como o ponto de partida das abordagens e das propostas tão caras à
IES. Não se justifica a “ausência presente” ou a “presença ausente” do professor, ou seja, quando ele, amparado hipocritamente na retórica de que o estudante deve ser o centro da relação, se esconde e não se responsabiliza pelo
desenvolvimento e compreensão das problemáticas abordadas na disciplina.
Se isso ocorrer, não poderemos vislumbrar novos dias e amplos horizontes a
serem abertos pela IES. Será impossível ver florescer as sementes que objetivamos ao menos irradiar. Fracassaremos.
Sobre estes riscos, chamemos novamente a presença de Rancière e de
Nietzsche, apenas como modo de finalizar nosso diálogo. Dizem eles:
A distância que a Escola e a sociedade pedagogizada pretendem reduzir é aquela de que vivem e que não cessam de reproduzir. Quem
estabelece a igualdade como objetivo a ser atingido, a partir da situação de desigualdade, de fato a posterga até o infinito. A igualdade
jamais vem após, como resultado a ser atingido. Ela deve sempre ser
colocada antes. A própria desigualdade social já a supõe: aquele que
obedece a uma ordem deve, primeiramente, compreender a ordem
dada e, em seguida, compreender que deve obedecê-la. Deve, portanto, ser igual a seu mestre, para submeter-se a ele. Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e é sobre este saber,
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esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar. Instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar
uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as conseqüências desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo emancipação.(...) Os amigos da igualdade não têm que instruir o povo, para aproximá-lo da igualdade, eles têm que emancipar as inteligências,
têm que obrigar a quem quer que seja a verificar a igualdade das inteligências.” (RANCIÈRE, 2005, p. 11-12)
“O exemplo deve ser dado pela vida real e não unicamente pelos livros” (NIETZSCHE, 2003, p. 32).
Referências bibliográficas
NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noéli Correia de
Melo Sobrinho. São Paulo: Loyola, 2003.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação
intelectual. Trad. Lílian do Valle. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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Capítulo III: A Introdução à Educação Superior e os princípios
institucionais da Universidade Católica de Brasília
Prof. Dr. Marcos Aurélio Fernandes8
Introdução
Neste capítulo objetivamos mostrar como a disciplina Introdução à Educação Superior (IES) está articulada com o ideário presente no discurso institucional da Universidade Católica de Brasília (UCB). Para isso, toma-se como
base a leitura do Projeto Pedagógico Institucional (PPI), produzido pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), no ano de 2008. O que se
propõe aqui é mostrar como a disciplina de IES condiz com o histórico institucional da UCB, responde aos desafios atuais da Educação Superior, corresponde à missão e à visão da instituição, bem como aos seus princípios estruturantes. Configura assim um apoio valoroso que dá efetividade à proposta de
política de ensino e à concepção pedagógica promovida pela instituição, ajudando a formar o perfil desejado, seja do docente, seja do estudante e do egresso.
1. A IES como resposta aos desafios atuais da educação superior
O PPI da UCB parte de uma consciência histórica planetária a respeito
do momento atual da sociedade como um todo e da educação superior especificamente. Esta consciência se anuncia na seguinte declaração:
Nos últimos anos, as sociedades mundiais sofreram profundas
transformações, principalmente no campo econômico e nas relações
de mercado. Passaram a exigir do homem capacidades de aprender
novas habilidades, de assimilar novos conceitos, de avaliar novas
situações, de lidar com o inesperado, de propor mudanças e de
adaptar-se às condições em transformação (UCB, 2008, p. 16).
8
Professor do Crear e do Curso de Filosofia da UCB e acompanhador pedagógica de IES.
37
As transformações trazem consigo o desafio do novo e do inesperado e
requerem mudanças e desinstalação. A consciência histórica planetária se resume na palavra “crise”. Crise, porém, é tanto risco quanto oportunidade de
transformação, pois convida à decisão, isto é, à superação, por meio de saltos
qualitativos no melhoramento do que se é e do que se faz, os quais acontecem
em virtude da aquisição de um olhar criativo, que descobre novas possibilidades ali onde tudo parece assinalar o esgotamento das energias criadoras humanas. A crise por que passa a humanidade planetária, a sociedade e a educação é qualificada como uma “crise de paradigmas” – uma crise que nasce do
instaurar de um novo modelo de sociedade: a sociedade da informação:
Estabeleceu-se uma crise de paradigmas de relacionamento pelo
avanço desenfreado da informação, por meio da informática e das
tecnologias desenvolvidas, surgindo a sociedade da informação,
caracterizada pela capacidade de gerar, gerir, manusear, armazenar
e distribuir informações. Tais transformações resultaram e ainda
resultam na mudança de valores, na reorganização da política
mundial, com reflexo na educação (UCB, 2008, p. 16).
Dentro do contexto destas transformações testemunha-se o desfazer
dos padrões autocráticos, hierárquicos e formalistas e irromper de novos modelos de comportamento, que requerem flexibilidade, integração das diferenças e
relações igualitárias. A educação superior se vê diante de um duplo desafio:
por um lado, atender às demandas do mercado globalizado, que requer cada
vez mais o domínio de vários tipos de conhecimento, sendo este entendido,
normalmente, como técnico em sentido amplo (know-how) e, por outro lado,
cuidar da formação humana do sujeito. Diante do perigo da unilateralidade e
exclusividade da perspectiva técnica do conhecimento como poder e controle
técnico, a disciplina de IES visa cultivar as potencialidades humanas do sujeito
que é destinado e interpelado a viver na civilização planetária da tecnociência.
A proposta de IES visa salvaguardar um espaço, na Universidade, onde a razão seja cultivada não somente em sentido instrumental, mas também no sentido da reflexão e do questionamento crítico:
Nesse cenário, a preocupação da educação deve se voltar para o
pensar, como já dito anteriormente, ou seja, contribuir para
desenvolver cidadãos críticos, conscientes e que dominem grande
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parte do conhecimento, ou que sejam capazes de interagir com ele,
ao mesmo tempo em que precisam acompanhar o constante avanço
tecnológico (UCB, 2008, p. 17).
Assoma-se a esse predomínio da sociedade da informação, última expressão
da sociedade da produção, o fato de que ela não dá conta das desigualdades
sociais, ainda tão presentes em países emergentes, como o Brasil. Qual o papel político da Educação Superior em face ao desafio da superação das desigualdades sociais? IES procura apresentar uma proposta ético-política de formação humana do estudante que visa ajudá-lo a tomar consciência de como a
realidade social é constituída e mantida e de como as desigualdades sociais
são dissimuladas pelos discursos das ideologias dominantes. Visa, ainda, ajudar o estudante a criar uma sensibilidade e uma mentalidade aberta à inclusão
social, ao exercício do espírito democrático e aos valores da justiça, do respeito
à dignidade humana, da solidariedade e da fraternidade no campo da convivência social, contribuindo, assim, para a sua formação cidadã. IES é também
uma tentativa a mais de dar resposta ao problema da universalização do acesso à educação superior. Trata-se de um tema não fácil de ser tratado e abordado, tanto do ponto de vista teórico, quanto do ponto de vista prático, em meio
à realidade universitária, pública e privada:
Um último aspecto a ser considerado é a universalização do acesso à
educação superior. O tema é emergente, complexo e de fundamental
importância para a sociedade brasileira, especialmente no cenário
acima descrito. No Brasil, o acesso à educação superior sempre foi
um tema polêmico especialmente, porque confronta perspectivas
elitistas de contenção do acesso, visando, em grande parte, a
manutenção do prestígio dos diplomas e o status dos profissionais no
mercado de trabalho, com perspectivas mais populares de ampliação
do acesso, que representa aspirações da sociedade, visando à
obtenção de emprego que garanta melhoria nas condições de vida e
ascensão social (UCB, 2008, p. 17-18).
A preocupação da IES é garantir não somente o simulacro de uma inclusão, mas uma inclusão efetiva e afetiva, que acolha, oriente, apóie e dê condições para que o estudante se mantenha na universidade e aumente as suas
chances de concluir de maneira feliz o seu estudo superior e atue, em seguida,
como cidadão responsável e participante na construção de uma sociedade
mais justa e democrática.
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2. IES face à missão e à visão da UCB
A proposta da disciplina de IES se afina plenamente com o espírito da
Universidade Católica de Brasília, o qual se anuncia no modo como esta instituição declara sua identidade, sua missão, visão e seus princípios estruturantes.
Já no modo como a UCB em seu PPI olha retrospectivamente para o
seu passado, colhe-se o modo como ela compreende sua razão de ser na história da região e do país:
A Universidade Católica de Brasília é uma Instituição que se
caracteriza por formar técnicos, especialistas, educadores,
pesquisadores e cidadãos de acordo com as necessidades da
comunidade, da região e do país, desenvolvendo pensamentos
científicos, onde estudantes e professores realcem íntima relação
entre ensino, pesquisa e extensão. Essa é a premissa teórica que
orienta a história da UCB no que diz respeito às suas opções
metodológicas e pedagógicas.
Nesta premissa se anuncia, pois, o compromisso com a educação como formação e não somente como habilitação técnica, com o serviço à sociedade
local, regional e nacional, bem como a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Também se anunciam os sujeitos que participam da construção
deste compromisso histórico, estudantes e professores, comprometidos com a
formação de técnicos, especialistas, educadores e pesquisadores, dotados de
consciência cidadã e voltados para as necessidades da “Pólis”. A “cidade” e a
“cidadania”, portanto, compõem o horizonte da inserção no mundo acadêmico
e da formação profissional, promovida pela UCB. É desta premissa e deste horizonte que a IES procura se apropriar, como uma opção metodológica e pedagógica bem específica, articulada com a missão, a visão e os princípios da
UCB. A missão da UCB se declara nas seguintes palavras:
Atuar solidária e efetivamente para o desenvolvimento integral da
pessoa humana e da sociedade, por meio da geração e comunhão do
saber, comprometida com a qualidade e os valores éticos e cristãos,
na busca da verdade (UCB, 2008, p. 18).
Em IES o estudante é visto, antes de tudo, como “pessoa humana”, isto
é, como um ser em processo de autoconstituição individual, dotado de dignidade, visto como um fim em si mesmo e não como simples meio. Busca-se co-
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nhecer, respeitar e promover sua singularidade, a partir de sua história de vida.
Sua individualidade é valorizada, pois esta opção metodológica e pedagógica
permite ao professor um maior convívio dialógico com o estudante, possibilitando chamá-lo pelo nome e criar com ele um vínculo pedagógico efetivo e afetivo. A individualidade, porém, não é cultivada segundo os ditames do individualismo e sim como formação de uma identidade humana capaz de abrir-se
para as relações com os outros seres humanos, em todas as dimensões em
que os relacionamentos humanos se dão: não só na dimensão funcional, técnica e cognitiva, mas também na dimensão pessoal, vivendo-se os relacionamentos de uma maneira encarnada e afetiva. IES é uma proposta de formação
que se baseia na experiência efetiva e afetiva do encontro dialógico entre docentes e discentes, acolhidos e assumidos como seres humanos e não como
meros funcionários da produção do conhecimento.
Por isso, mais do que a produção do conhecimento, o que se visa é a
comunhão do saber; mais do que a promoção da ciência, o que se visa é a
conquista da sapiência: a geração e a comunicação de um saber que é sabor,
ou seja, de um saber que é experimentado em seu teor existencial como elemento que dá gosto à vida e que devolve ao estudante, ao jovem e ao não jovem, a jovialidade de viver. IES procura contribuir, assim, para a formação de
um ethos universitário comprometido com os valores que expressem, promovem e defendem a dignidade humana. Entretanto, a formação de um ethos universitário não se dá satisfatoriamente se o compromisso não for, acima de tudo, com a busca da verdade pela verdade. É este ethos de busca da verdade
que funda, com efeito, o sentido de todo o empenho acadêmico, no ensino, na
pesquisa e na extensão. Por isso, o convívio efetivo e afetivo entre professores
e estudantes possui um caráter bem específico, que é o caráter acadêmico:
seu sentido é contribuir para a formação de comunidades de aprendizes, tornando a universidade uma casa do saber, onde a verdade é buscada por causa
dela mesma, para além de todos os interesses pragmáticos. A proposta de IES,
portanto, se afina com a missão institucional da UCB e, por conseguinte, também se alinha com aquilo que ela se propõe como “visão”:
Em 2020, no seu Jubileu de Prata, a Universidade Católica de
Brasília será uma instituição de referência na extensão, na pesquisa e
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no ensino, indissociáveis e comprometidos com o desenvolvimento
sustentável e a justiça social.
IES nasce de uma utopia. Para além de todo o conformismo e de toda
acomodação com a realidade já dada, ela persegue a meta da construção de
uma sociedade justa e sustentável, o que é sempre um desafio ou um quefazer
que solicita as energias históricas do homem, cujos empenhos são sempre aproximações assintóticas do ideal. Entretanto, IES não se perde no idealismo
abstrato, mas, orientada por um projeto ético-político-pedagógico viável, se atém às possibilidades concretas, que são descobertas à medida que o potencial criativo humano dos estudantes e dos docentes vem à tona, por meio do labor acadêmico, situado no “aqui e agora” da realidade universitária, segundo a
peculiaridade de cada turma. Cada aprendizagem é uma pedra a mais na construção do sonho, por menor que seja. Entretanto, quando o grande desejo alimenta a pequena obra e o que anima a ação é a boa vontade de fazer o necessário e o possível, algo do impossível é também presenteado ao homem,
como evento gratuito de libertação. Somente movido pela positividade desta fé
que o educador consegue sustentar o seu embate e sua labuta cotidiana, por
entre encontros e desencontros, alegrias e frustrações.
3. IES como concretização dos princípios estruturantes da UCB
Os princípios estruturantes declarados pelo PPI da UCB são, neste caminho de indas e vindas da formação humana universitária, elementos fundamentais para o fazer pedagógico na IES. São eles: a pastoralidade, a extensionalidade, a sustentabilidade e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
A pastoralidade decorre da natureza confessional da UCB. Trata-se de
uma instituição que nasce da missão evangelizadora da Igreja Católica e do
compromisso de diversos Institutos Religiosos com a educação, segundo o
mandato de Cristo, que diz: “Ide e ensinai” (Mateus 28, 19). O mundo da cultura e da educação se faz, assim, areópago onde se confessa, isto é, se proclama, por meio do serviço, do testemunho e da palavra, a boa nova da verdade
de Cristo, que se pretende universal, isto é, destinada a todos os seres huma-
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nos. Trata-se, no entanto, não de impor uma doutrina, mas de propor um anúncio que vem ao encontro das aspirações mais profundas do coração humano,
ou seja, as aspirações por justiça e paz, por verdade e amor. A dimensão pastoral da UCB se propõe concretizar antes de tudo como um ethos de cuidado
pela pessoa humana e pela construção de uma sociedade baseada em valores
que respeitem e promovam a dignidade humana, que, teologicamente, se fundamenta na dignidade de filho de Deus que é concedida por Cristo ao ser humano pelas vias da fé:
Tal ethos é ao mesmo tempo sujeito e objeto, ator e destinatário da
evangelização. Neste sentido, não está em jogo uma doutrina, um
proselitismo ou uma exigência confessional, mas uma profissão de fé
numa instituição que tem como sonho uma humanidade fraterna,
solidária e feliz. A pastoralidade nos desafia a construir alianças ao
redor de uma causa coletiva, que é a de educar com base nos
valores cristãos da honestidade, da justiça e da ética (UCB, 2008, p.
18).
IES contribui com a efetivação da força deste princípio estruturante na
medida que tem em seu ideário, antes de tudo, a perspectiva do cuidado com o
estudante. Ora, a imagem bíblica do “pastor” evoca o cuidado solícito e afetivo,
atencioso e abnegado em favor do outro, para que ele tenha vida e vida plena.
É neste sentido que IES encarna, ainda que silenciosamente, a dimensão da
pastoralidade, atuando o carisma superior do amor-caridade, que é amorgratuidade, sem precisar instrumentalizar a ação pedagógica com vistas a
qualquer intenção proselitista e sem precisar recorrer a qualquer imposição
doutrinária. IES também busca contribuir com esta dimensão pastoral da UCB,
promovendo aquele ethos acima aludido, ou seja, construindo alianças ao redor da causa coletiva de uma educação baseada nos valores éticos e cristãos.
O segundo princípio estruturante proposto pela UCB é o da extensionalidade:
Esse princípio vem referendar uma instituição contextualizada que
busca interagir com a realidade sob a ótica da universalidade. Essa
universalidade operacionaliza-se à medida que a instituição for uma
célula relevante dentro da sociedade, participando com a sua
especificidade para a promoção humana, a organização social e a
ambientação planetária (UCB, 2008, p. 19).
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Como já foi dito antes, o horizonte do fazer pedagógico é, neste caso, a
cidadania. Trata-se de uma cidadania a qual se estende em círculos cada vez
mais vastos, começando pela própria comunidade e pelo ambiente de trabalho,
passando pelo compromisso com a própria cidade e com a região, com a sociedade do próprio país, até que o estudante se sinta também cidadão do mundo, desenvolvendo uma consciência planetária comprometida com o futuro da
humanidade e da terra. Por isso, em IES, para além das discussões em sala de
aula, há sempre de novo encontros temáticos que tratam dos problemas sociais regionais, nacionais e planetários, os quais buscam propiciar ao estudante
momentos de despertar de uma consciência cidadã, para além do individualismo tão presente em nossa cultura atual. Um dos temas trabalhados é o da globalização, apresentada em suas múltiplas facetas, ou seja, segundo as palavras de Milton Santos, como fábula, como perversidade e como outra globalização possível. Se, por um lado, o discurso que legitima a globalização a apresenta como o acesso universal aos bens e serviços da humanidade planetária,
por outro lado encobre as grandes desigualdades e injustiças sociais produzidas pelo mercado global. Diante desta contradição, IES propõe ao estudante a
ideia de construir outra forma de convivência entre as pessoas e os países, que
considere relações sociais e econômicas, a qual já começa a ser praticada em
iniciativas localizadas de economia solidária, de cooperativismo, de valorização
da inclusão social e de valorização da diversidade cultural.
Entretanto, a perspectiva da extensão não pára por aí. Ela é também um
estímulo para a própria formação da universidade como uma realidade aberta
para as necessidades da sociedade. No fundo, está a convicção de que
a instituição precisa ser uma entidade aberta, dialógica, sistêmica e
dinamicamente inserida na sociedade. Isso significa que, para além
de pensar na formação acadêmico-científica dos estudantes, é
preciso aprofundar a função de uma consciência humana e cidadã.
Nesse sentido, o conhecimento gerado e sistematizado deve ser
socialmente relevante e tornar-se acessível a um maior número
possível de sujeitos sociais (UCB, 2008, p. 19).
A proposta de IES é a de que o estudante, ao ingressar na Universidade,
redescubra, com um novo olhar, a realidade na qual ele está inserido e o mundo no qual ele vive. É a proposta de que o estudante, a partir deste olhar novo,
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que é também um olhar crítico para com a realidade social constituída e propositivo de uma outra realidade possível, se (re-)encontre com sua cidadania, melhor ainda, com a sua vocação no mundo, e assuma a sua formação profissional como um meio de fazer atuar esta vocação a serviço do ser humano e da
vida.
A extensionalidade é uma dimensão do próprio ensino. O PPI da UCB
deixa claro isso ao anunciar:
O ensino, por sua vez, pode assumir a sua natureza de
extensionalidade se planejado em conformidade com um diagnóstico
da necessidade de aprendizagem, com o cuidado com a inter e com a
transdisciplinaridade, com a superação dos conceitos mecanicistas
em favor de valores humanos ético-cristãos e, se estiver buscando
competências e habilidades para a formação integral do estudante,
como resposta aos seus anseios e da sociedade em que vivem (UCB,
2008, p. 19).
Uma prática da IES, que serve como baliza para todo o fazer docente,
consiste em partir da história de vida do estudante, bem como de seu contexto
social. Através do Memorial e através da pesquisa diagnóstica, procura-se traçar um quadro das necessidades de aprendizagem do aluno ingressante e atuar a partir destas necessidades que lhe são peculiares. Outra prática consiste
no cuidado com a inter e a transdisciplinaridade. IES é por natureza uma “disciplina” “inter e transdisciplinar”. Atestam-no os diversos eixos temáticos que a
compõem: a natureza e as finalidades da educação superior, a visão crítica da
sociedade, a conquista da autoria por meio da leitura e da escrita e a iniciação
ao mundo acadêmico e ao trabalho científico. Cruzam-se aí perspectivas diversas, que vêm da filosofia e da sociologia, das ciências da educação e das ciências da linguagem, da história e da epistemologia. A unidade se faz a partir do
Plano de Ensino, de sua ementa e de seus objetivos, bem como a partir das
problemáticas apresentadas como relevantes na discussão do conteúdo da
disciplina. Mais ainda, o que dá unidade a todo o processo inter e transdisciplinar é o espírito que move o trabalho da aprendizagem, que visa ajudar o estudante a desenvolver competências e habilidades, valores e atitudes que o tornem apto a assumir a autonomia no estudo, a autoria intelectual, a capacidade
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de participar da vida acadêmica universitária e as condições de se tornar um
profissional competente e um cidadão ético.
O terceiro princípio estruturante da UCB é o da sustentabilidade. Pôr em
prática este princípio requer, do ponto de vista social, levar em consideração,
no processo de ensino aprendizagem, o desejo de construir uma sociedade
mais sustentável, ou seja, compatível com a equidade, o equilíbrio e a conservação do planeta e da humanidade. Significa propor uma preservação cuidadosa e uma exploração responsável dos recursos disponíveis no planeta. Do ponto de vista econômico, requer buscar formas alternativas de geração de recursos financeiros, baseadas especialmente em parcerias. Isto significa também,
para além do aspecto econômico, assumir a Universidade como instituição ecumênica, isto é, articulada de modo dialogal com as entidades sociais, com os
segmentos governamentais e com os diversos agentes do setor produtivo. A
proposta do princípio de sustentabilidade, porém, se assenta na dimensão educacional e na dimensão ética:
O aspecto educacional deveria ser o alicerce da
sustentabilidade numa universidade. Para tanto, faz-se necessária a
construção de um projeto pedagógico que corresponda ao
dinamismo, criatividade e profundidade do que surge, efetivamente,
nos processos sociais. A educação parece apontar para caminhos
que sustentam esse princípio porque possibilita a participação dos
sujeitos aprendentes nos processos políticos, estratégicos e
operacionais, com base na inovação, apropriação e difusão de
conhecimentos.
O aspecto ético busca, enfim, compreender a sustentabilidade
como um princípio pautado numa reflexão e numa prática educativa,
objetivando desenvolver processos que garantam uma consciência
cidadã e ecológica, uma governança justa e responsável e um
compromisso pessoal e social. Tal processo postula a
sustentabilidade como um princípio desencadeador e uma finalidade
acolhedora de construir, segundo Paulo Freire, o “inédito viável”
(UCB, 2008, p. 20-21).
Ora, a IES surge como uma preocupação de possibilitar a formação de um sujeito aprendente atento ao que emerge nos processos sociais e consciente de
suas responsabilidades como cidadão, incluindo aí a responsabilidade ambiental; um sujeito que não considere a realidade já constituída como algo incontornável, mas que, como intelectual, seja capaz de pensar a partir da utopia, ou
seja, para além da realidade a partir da possibilidade, do “inédito viável”.
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Isso nos leva a considerar outro princípio da UCB, a saber, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Este princípio só acontece efetivamente quando no centro do interesse está a aprendizagem do sujeito, ou melhor, sua atitude aprendente, como elemento integrador das diversas formas de
produção e comunicação do conhecimento:
O princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
para constituir-se num processo pedagógico tem necessidade de
estabelecer, por um lado, uma aliança entre aprendizes que desejem
percorrer diversos caminhos para descobrir, degustar e divulgar
conhecimentos e, por outro, pautar esses conhecimentos, segundo as
finalidades da educação propostas pela Lei de Diretrizes e Bases,
para o pleno desenvolvimento do educando, o exercício da cidadania
e a capacitação para o trabalho (UCB, 2008, p. 21).
A IES se pauta, justamente, numa concepção de aprendizagem que tem como
ponto de partida essa “aliança entre aprendizes”, onde quem ensina, o professor, também aprende e onde quem aprende, o aluno, também ensina. Trata-se
de um pacto em que os sujeitos implicados na aprendizagem se dispõem a
percorrer caminhos, certos de que a aprendizagem é portadora de um caráter
dinâmico e existencial, típico da experiência. Um dos pontos de partida da disciplina de IES é a concepção da aprendizagem como experiência. Experiência
se dá quando os sujeitos implicados são atingidos nas suas próprias vidas,
quando são levados à reflexão e à transformação. Em IES, a própria aula é
entendida como experiência. Daí a prática do registro, como elemento reflexivo
da experiência, onde o aluno registra não apenas o que aconteceu na aula,
mas também o que se passou com ele e com a turma. Daí também a prática do
memorial, onde o aluno indica a incidência transformadora da aprendizagem
em sua história de vida. O mesmo se diga do processo de registros e de acompanhamento dos professores, quando o professor fala não simplesmente do
que aconteceu na aula, mas também do que aconteceu com ele, do que o mobilizou e do que o transformou no processo da sua docência junto aos alunos.
Por fim, a concepção educacional de IES se pauta não na transmissão e assimilação de informações, mas no descobrir, degustar e partilhar conhecimentos
e saberes.
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Toda essa impostação, por sua vez, torna o ensino algo aberto à busca,
à investigação, à indagação, ou seja, a alma do ensino passa a ser a pesquisa.
Uma das preocupações constantes da IES é, de fato, o despertar no aluno desta atitude de busca, investigação e indagação, mediante a qual ele seja capaz
de se orientar no método da pesquisa e se torne apto a construir o seu resultado e a compartilhá-lo segundo os parâmetros da comunidade científica. Tendo
em vista que esta prática não raro está ausente da história de vida do aluno, na
atual realidade da educação brasileira, a aprendizagem deste espírito de pesquisa constitui uma real emancipação, embora muitas vezes o processo da
conquista da própria autonomia se dê numa relação dialética, negativa ou
mesmo positiva, com a heteronomia.
Negativa é aquela heteronomia que se caracteriza como dependência,
que sufoca no sujeito aprendente a disposição de busca e de criação. Porém,
há também uma heteronomia positiva, aquela na qual o sujeito percebe a si
mesmo numa rede de interdependência, mas assume de maneira ao mesmo
tempo consciente, crítica e comprometida sua inserção nessa rede de interdependências que é a comunidade científica.
Enfim, entra no horizonte da disciplina de IES o aspecto da “extensão”,
ou seja, o sujeito aprendente é convidado e provocado a olhar para além do
seu imediato individualismo e a abrir-se, na sua formação, à dimensão da cidadania e a uma visão do mundo do trabalho no todo da sociedade. Ele é convidado e provocado a ver a Universidade como articulada com a comunidade e a
sociedade, bem como a ver a ciência em sua função social e a assumir esta
função social da ciência de modo ético, em vista do bem dos concidadãos e do
bem comum como tal.
4. Foco na aprendizagem
Ao discorrer sobre a organização didático pedagógica, o PPI da UCB
deixa claro que a indissociabilidade decorre do foco na aprendizagem e, mais
do que o cumprimento de um preceito, é uma convicção, decorrente da opção
por uma perspectiva integradora, formadora da pessoa em suas múltiplas dimensões:
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Nesse sentido, ensino, pesquisa e extensão resultam indissociáveis,
não apenas por um preceito legal, mas por uma opção pedagógica.
Ensino não é apenas contato com o conhecimento produzido. É
também produção de conhecimento novo. E, em qualquer dos casos,
deve apontar para o questionamento crítico, posto que o
conhecimento é sempre construção e reconstrução. Por outro lado,
conhecimento que inova nem sempre transforma e humaniza. Eis o
fundamento para o sentido pedagógico da indissociabilidade, tal
como se coloca para a UCB. Assim, a formação oferecida pela UCB
busca dar como resposta à sociedade uma definição de integração,
na qual elementos que inicialmente podem apresentar-se como
dissociados, religam-se em função de determinado objetivo (UCB,
2008, p. 28).
Embora seja uma inovação, o que IES procura é, mais do que inovar,
transformar e humanizar. Nem toda inovação traz consigo uma força transformadora dos padrões constituídos, uma transformação que traga consigo humanização. E pode-se dizer que a preocupação central da IES é com a humanização do educando e do professor, do processo de aprendizagem, do ambiente acadêmico e da relação entre o conhecimento científico, a universidade
como um todo e a sociedade.
Um valor axial de toda essa concepção se define, portanto, como o foco
na aprendizagem. O professor passa a se definir como um orientador da aprendizagem. Ensinar só se pode quando se tem a experiência do aprender e
quando não se deixa de aprender sempre. O professor é alguém que aprende
com a experiência do aprender e que pode indicar aos alunos modos de eles
mesmos se apropriarem daquilo que já trazem consigo: a própria capacidade
de compreender, de ler o mundo e de agir neste mundo de modo transformador
e humanizador. Qual a compreensão, porém, de aprendizagem que guia este
projeto pedagógico?
Compreende-se que as pessoas aprendem de diversas maneiras, a
partir do que já sabem e, de certa forma, contra o que já sabem. Em
uma perspectiva de integração, o sabido é acolhido e problematizado,
nunca negado. A atividade de criação precisa intermediar o encontro
do senso comum com o senso crítico, construindo, em diversos
movimentos, um conhecimento crítico e com sentido. Tornar o já
sabido e aceito algo incômodo e questionável é papel do processo
formativo. Isso não se faz por uma única via, ou seja, ao
problematizar o senso comum a universidade deve problematizar-se
também, percorrendo “criticamente o caminho da crítica”, como
advertiu Boaventura de Sousa Santos. O conhecimento que os
estudantes detêm é central para o processo pedagógico. É ponto de
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partida: O que eles já sabem? O que fundamenta esse saber? Que
trajetos resultaram no saber atual? Essas questões apontam para um
processo a ser percorrido pelo diálogo e pela cooperação entre todos
os envolvidos (UCB, 2008, p. 30).
A passagem evocada nesta citação pode bem caracterizar a postura pedagógica central da IES. Uma das primeiras preocupações dessa disciplina é a acolhida do aluno ingressante na Universidade. Neste sentido, o aluno não é recebido como uma “tabula rasa”, mas como um sujeito que já traz determinados
saberes e experiências. Estes saberes e estas experiências são o conteúdo
que ele já traz consigo. Ele traz, além disso, a capacidade potencial de ir além
destes saberes e experiências. Por isso, ao mesmo tempo em que o aluno é
acolhido com aquilo que ele já sabe e o seu saber é tomado como ponto de
partida, também este saber é problematizado. Dá-se, assim, uma passagem do
senso comum para o senso crítico, da opinião não refletida e não questionada
para um saber refletido, baseado numa apreensão conceitual e numa fundamentação rigorosa.
Ensinar é, assim, provocar um movimento de transcendência intelectual
e experiencial. Mas é também evocar novos horizontes de conhecimento, de
saber, de pensar e, por conseguinte, de viver. É acenar e indicar novas possibilidades de ser, de aprender, de fazer, de conviver. Porém, este provocar e evocar se dá num contexto dialogal, de um caminho feito através da linguagem, da
busca de significado e de sentidos para aquilo que nos atinge como seres humanos. A crítica se torna, neste processo dialogal, um exercício de discernimento, de emancipação e conquista de autoria e autonomia, mas também de
abertura para o outro e para outras possibilidades de compreensão. Tudo isso,
percorrendo “criticamente o caminho da crítica”, ou seja, sem cair num criticismo que paradoxalmente se faz dogmático, isto é, numa crítica que não se critica a si mesma, vale dizer, que não pensa os seus próprios pressupostos e critérios.
Esta postura pedagógica implica, enfim, uma posição ética e política, ou
seja, um compromisso com o bem comum e com a cidadania:
Compreendendo a aprendizagem como elemento central de sua
proposta pedagógica, a UCB se coloca uma questão política: a
centralidade na aprendizagem significa compromisso com o futuro.
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Complexidade, problematização e estruturação tomam conta do
discurso como perspectiva de releitura da realidade, tendo-a como
objeto de análise, ao mesmo tempo em que se compõe como espaço
do fazer. Nesse sentido a condição crítica é constitutiva da
universidade e espera-se dela posicionamento que aponte para um
futuro mais promissor e ético se comparado com a nossa experiência
presente (UCB, 2008, p. 30).
A disciplina de IES tem, neste sentido, o papel de ajudar o estudante que ingressa na Universidade a se apropriar de seu potencial crítico, de sua capacidade de reler a realidade, de perceber que e como ela é constituída socialmente, como o conhecimento científico exerce o seu papel social e como em sua
condição atuam, muitas vezes, decisões ideológicas. Por outro lado, IES ajuda
também o estudante a desenvolver o seu potencial intelectual de pensar não a
partir da realidade já dada somente, mas a partir das possibilidades, das ideias
e utopias, que favorecem projetar um futuro e uma sociedade melhor, mais ética, quer dizer, mais justa e mais solidária.
Nesta perspectiva, a compreensão da avaliação também se transforma.
Ela deixa uma perspectiva instrucional de avaliação de informações assimiladas, para uma perspectiva de avaliação da aprendizagem, valorizando e averiguando as competências alcançadas pelo estudante em termos de espírito de
pesquisa e de autoria, sua capacidade de reflexão, de crítica, de argumentação, de debate e de elaboração de um discurso próprio e bem fundamentado.
A avaliação deixa, assim, de ser um “acerto de contas” com o estudante e passa a ser mais uma atividade de aprendizagem, evidenciando, assim, o seu caráter formativo. Ela passa a ser uma oportunidade para apreender o que foi
apreendido, bem como o que ainda não o foi e porque não o foi. Ela serve também como um instrumento de revisão do processo de aprendizagem como um
todo e do seu direcionamento feito a cargo do professor:
O processo de avaliação é um instrumento para revisão da
intervenção dos professores. Avaliando a aprendizagem dos
estudantes se avalia o itinerário tomado pelo professor. Portanto, a
avaliação, mais do que seu caráter formativo, possui sua dimensão
de diagnóstico e subsídio para o plano de ensino. Além disso, a
avaliação precisa tornar-se prática de retorno, de revisão de
conteúdos, de visualização do erro no processo, momento especial
de retomada do aprendizado e de redirecionamento da atuação de
professores e estudantes (UCB, 2008, p. 31).
51
A avaliação formativa do processo de aprendizagem e do modo como aluno e
professor nele tomaram parte repercute sobre a própria concepção de professor e aluno como sujeitos que estão em contínua formação, ou seja, aponta
para o desafio da formação continuada. O perfil do professor é, assim, pensado
não estaticamente, mas como linhas de uma contínua “perfilação”. Entende-se,
pois, o professor, bem como o estudante, como um sujeito aprendente em contínuo aprimoramento, num contínuo perfazer de suas próprias possibilidades de
ser, de aprender, de fazer e de conviver (Cfr. os perfis do docente e do discente: UCB, 2008, p. 32-33). E isto quer dizer: um sujeito aberto e lançado num
contínuo movimento de transcendência e de melhoramento humano.
Referência bibliográfica:
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA (UCB) – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE). Projeto Pedagógico Institucional (PPI). Brasília:
Universa, 2008, 44p.
52
Capítulo IV: A dinâmica de acompanhamento
Prof. Dra. Divaneide Paixão9
Entre as inovações que a disciplina de Introdução à Educação Superior
(IES) implementou, está a dinâmica de acompanhamento dos professores. O
acompanhamento se dá em dois níveis: do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, realizado pelo professor de cada turma; e do trabalho docente entre professores. Em ambos os casos, trata-se de um processo de reflexão sobre a prática pedagógica e acadêmica, estabelecido entre estudantes
e professores, ou entre professores, em que se registram as experiências vividas, deixando-se transparecer, entre outros aspectos, os sentidos que essa
prática assume no cotidiano de cada um. A prática reflexiva sobre a ação pedagógica em IES nasceu da proposta metodológica pensada por Madalena
Freire Weffort (1996), cujo objetivo é oferecer um processo de socialização da
reflexão sobre a prática, operada entre educadores e estudantes.
No caso do acompanhamento docente, o resultado desse trabalho é um
processo de formação em que “o desafio é formar, informando e resgatando
num processo de acompanhamento permanente, um educador que teça seu fio
para apropriação de sua história, pensamento, teoria e prática”. (WEFFORT,
1996, p. 9). Neste espaço-tempo de reflexão, busca-se, segundo a autora,
ampliar o processo criativo e os sonhos do educador, que é ao mesmo tempo
pesquisador e inventor. É alguém que faz ciência de educação, instrumentalizando sua prática docente com uma metodologia de trabalho sistematizada e
rigorosa na qual estão presentes elementos muito importantes para o sucesso
e alicerce do processo de aprendizagem de professores e estudantes: a observação, o registro, a reflexão, a avaliação e o planejamento.
A dinâmica de acompanhamento entre professores e entre estes e seus
estudante favorece, na visão dos próprios educadores envolvidos na disciplina
de IES, a autoconstituição docente na medida em que faz com que o verdadeiro sentido do “ser educador” venha à tona por intermédio da reflexão sobre a
9
Professora e assessora do Curso de Pedagogia da UCB e acompanhadora pedagógica de
IES.
53
prática docente, obrigando-o a se tornar autor de seu próprio discurso analítico,
reflexivo e autocrítico. A disciplina favorece o encontro dos docentes com sua
própria identidade profissional por exigir uma contínua abertura, um contínuo
perfazer-se como educador e como pessoa que atua em relação dialógica com
outras pessoas, por acrescentar novos elementos à prática docente, pela constante possibilidade de transformação.
O diálogo resultante da interação entre professores, no espaço acadêmico, torna-se instrumento de reflexão didática e qualifica a prática profissional
em via de mão dupla, em que as percepções de um e de outro se entrecruzam
ao passo que são (re)colhidas ideias e experiências no fazer pedagógico de
cada um.
O grupo de professores “acompanhadores” desse processo reflexivo busca, de maneira não apenas retrospectiva, mas também prospectiva, no registro
reflexivo dos colegas de profissão, espaços para fazer pensar as aulas já dadas e as próximas. Isto significa que a dinâmica de acompanhamento tem se
constituído desde o início um importante canal de atenção e cuidado dispensado aos professores e, conseqüentemente, à disciplina. Essa oportunidade de
diálogo que se cria ajuda no esclarecimento de que a docência pode se constituir, ela mesma, em objeto de formação, de reflexão, de enfrentamento dos
medos e inseguranças. De outro lado, serve bem para confirmar certezas e
incertezas desse processo que se permite em constante transformação.
O lugar do professor nesse processo não pode ser solitário, assim, em
outra direção, esse diálogo entre os docentes de IES e outros professores que
também estão envolvidos com essa proposta possibilita o debate de questões
importantes e urgentes. Voltar o olhar sobre a própria prática pedagógica, com
a ajuda do outro, é algo que facilita um encontro mais objetivo e preciso porque
o distanciamento desse outro pode revelar aspectos que nem sempre são percebidos com facilidade.
Nessa óptica, os registros dos professores e as reflexões, que deles e para a elaboração deles são geradas, ajudam na reorganização da prática docente cotidiana e, de maneira análoga, o registro dos estudantes serve ao propósito de levar a uma “viagem interior” de cada um sobre o seu envolvimento com a
aprendizagem, além de se constituir para o professor da disciplina como um
54
termômetro para perceber o nível de motivação, compreensão e sensibilização
no que tange às atividades propostas e à aprendizagem que delas decorre. Ao
estabelecermos, com os estudantes, uma prática reflexiva sobre a ação pedagógica, observa Weffort (1996),
Aprendemos a pensar junto com o outro, num grupo coordenado por
um educador. Aprendemos a ler, construindo novas hipóteses na interação com o outro. Aprendemos a escrever organizando nossas hipóteses no confronto com as hipóteses do outro. Aprendemos a refletir,
estruturando nossas hipóteses na interação e na troca com o grupo.
A ação, a interação e a troca, movem o processo de aprendizagem. A
função do educador é interagir com seus educandos para coordenar
a troca na busca do conhecimento. (WEFFORT, 1996, p. 7).
O trabalho realizado pelos professores, em sala de aula, em conjunto com
seus estudantes, e que tem no registro atividade fundamental de formação,
concede a todos um lugar diferenciado no processo de ensino e aprendizagem,
uma vez que oferta avanço na permanente pesquisa-ação do ofício docente e
resulta em uma práxis docente mais atenta, na qual se toma a sério o diálogo
entre sujeitos e, consequentemente, a retomada e revisão de encaminhamentos feitos, assim autorizando a avaliação sobre a prática, constituindo-se fonte
de investigação e (re) planejamento para a adequação de ações futuras.
O feedback que os educadores dão aos seus estudantes, a cada registro
por eles realizado, permite a criação de um espaço de confiança e enfrentamento dos desafios, além de se contribuir para o despertar do senso crítico e
ético diante do mundo acadêmico e social, favorecendo, de um lado, a autoria
e a autonomia na construção do conhecimento e na aquisição do saber, e de
outro, uma releitura dos próprios projeto de vida.
Para fazer o processo de acompanhamento acontecer, o grupo de acompanhadores reúne-se quinzenalmente. Debate tópicos mais pontuais surgidas
nos registros, como especificidades de alguns estudantes ou turmas, atividades
propostas ou dúvidas dos professores sobre avaliação, por exemplo. Também
são discutidas as questões norteadoras do registro docente que buscam levantar informações sobre os pontos da rotina em sala de aula, dificuldades e desafios encontrados no processo de ensino e aprendizagem e outros pontos cuja
necessidade emerge da análise da pratica em evidência.
55
Trata-se, com este trabalho, de revelar, assim como o fez Mariz (2001), a
força do cotidiano na prática pedagógica. Para todos os professores, os que
acompanham e os que são acompanhados, oportunizam-se momentos para
pensar, sentir, refletir e (re) organizar a própria atividade docente, tornando-a
mais significativa a cada nova experiência.
Referência bibliográfica:
MARIZ, Ricardo Spindola. Se minha mesa falasse: uma análise sobre a força
do cotidiano na prática pedagógica. Brasília e São Paulo: AEC e Loyola, 2001.
WEFFORT, Madalena Freire. Observação, registro e reflexão. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996.
56
Capítulo V: Atividades extraclasses
Profa. MsC. Elizabeth Aiko10
As Atividades extraclasses compõem o nosso programa de IES como
elementos importantes para subsidiar os conteúdos e colaboram para a realização dos objetivos específicos. Contribuem também para o fortalecimento dos
pilares da disciplina, que são: a construção de argumentos próprios (protagonismo); a ampliação do capital cultural; a reflexão crítica acerca de temas da
contemporaneidade e o compromisso social; e as tecnologias de aprendizagem.
São novos olhares sobre a realidade, novas perspectivas de se inserir
no vasto mundo do conhecimento. Algo próximo do que Walter Benjamin desenvolve no ensaio “O narrador”, quando diz:
A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão –
no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido,
uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em
transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou
um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso.” (BENJAMIN, 1994, p.
205)
Em outro momento, Benjamin comenta que “contar histórias sempre foi a
arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais
conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a
história.” (1994, p. 205) As atividades extraclasses proporcionam esses momentos de fiar e tecer as próprias histórias ou as histórias que são ouvidas,
mas também de entrelaçar as aulas, o cotidiano com o que parece ser de dimensão mais ampla, que extrapola o espaço da sala.
As atividades extraclasses, por mais que tenham dinamicidade, também
são um espaço de escuta do novo ou da própria realidade, e também de diálogo com personagens diferenciados. Ao escutar, o ouvinte se torna autor da nova narrativa e, assim como diz Benjamim, o oleiro deixa sua marca na argila do
vaso.
10
Professora do Curso de Filosofia e acompanhadora pedagógica de IES.
57
As atividades extraclasses são uma oportunidade de abertura para o
mundo. Possibilitam trazer ao espaço da aula temas relevantes ao conteúdo,
de modo atualizado, crítico, fazendo com que os participantes possam interagir,
trocar idéias com estudantes de outras turmas ou com pessoas de outros setores da universidade. São espaços de diálogo, que trazem aos estudantes novas possibilidades de saírem do senso comum. Paulo Freire contribui com essa
questão, ao escrever que “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e
curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História” (FREIRE, p. 154).
E, finalmente, junto com Paulo Freire, podemos dizer que “quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Juntos, professores
e estudantes, aprendemos e ensinamos. Cada vez que preparamos uma atividade, principalmente junto com outros docentes, sentimos que esse é um ato
de aprendizagem que irá se completar no momento da sua realização, porque
estará sendo assumido por novos atores, os estudantes.
A seguir, uma breve descrição do desenvolvimento dessas atividades:
1. Acolhida aos calouros de Introdução à Educação Superior
No início de cada semestre, a coordenação, juntamente com o grupo de
professores, planeja a acolhida aos calouros. Nela os estudantes têm a oportunidade de conhecer alguns aspectos importantes da Universidade, como as
dimensões do ensino, pesquisa e extensão; os pilares da disciplina e apresentação da estrutura da IES; depoimentos de estudantes e professores; apresentações musicais ou teatrais, além do espaço aberto para perguntas.
2. Encontros temáticos
Os encontros temáticos são definidos com antecedência quanto ao tema, tipo de evento (mesa redonda, palestra, seminário), coordenação, pessoas
convidadas, dinâmica e outros detalhes comuns a atividades desse nível. Os
temas escolhidos têm sido referentes às questões culturais e sociais.
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Participam dos Encontros Temáticos todas as turmas do dia e período
do evento. Essa é uma oportunidade para que os discentes tenham a experiência de participar de debates mais amplos, com a participação de várias turmas, cada uma com variedade de cursos presentes.
3. Aula virtual
Durante o semestre, aos estudantes também se propicia a oportunidade
de terem ao menos duas aulas que são chamadas de virtuais, na qual são orientados a participarem de forma previamente combinada com a turma. Pode
ser um fórum virtual pela plataforma Moodle da disciplina, ou uma visita a um
espaço que tenha vinculação com o conteúdo do momento, ou um projeto (de
pesquisa ou de extensão) sendo desenvolvido em alguma cidade satélite ou
dentro da própria universidade.
4. Projeto Biblioteca sem Fronteiras
Parceria com a Biblioteca central da UCB, na qual há uma equipe de bibliotecários que se dedicam a desenvolver encontros com todas as turmas de
IES duas vezes por semestre, com o objetivo de fazer com que os estudantes
conheçam os serviços disponíveis e a estrutura, interessem-se mais pela biblioteca e também cuidem do material ali disponível e utilizado, pesquisem em sites confiáveis e aumentem ou adquiram gosto pela leitura.
5. Aulas culturais
Visitas a exposições de arte, museus, centros culturais, apresentações
musicais e de dança etc. Essas atividades são realizadas a partir do conhecimento de cada turma, da predisposição dos estudantes ao conhecimento da
arte.
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6. Conhecimento do curso e da universidade
Alguns professores preferem começar o semestre fazendo com que os
estudantes conheçam melhor a Universidade. Uma das maneiras é o conhecimento in-loco, em que grupos de estudantes vão até os espaços determinados
para realizarem um levantamento do que existe naquele local.
Os estudantes também são orientados a buscarem conhecer mais o curso escolhido. A forma de buscar esse conhecimento varia conforme a dinâmica
orientada pelos docentes de cada turma. Nessa atividade, os estudantes têm a
oportunidade de ampliar a visão sobre o curso e sobre a Universidade, porque
visualizam melhor as possibilidades de engajamento no meio universitário, como os projetos de pesquisa e de extensão.
7. Eventos acadêmicos – semanas de curso
A “semana do curso” é promovida pelos cursos da Graduação em diferentes épocas, dentro do calendário acadêmico, e trazem a oportunidade de o
corpo docente e discente participarem de uma programação bastante diversificada, com seminários, palestras, oficinas, exposições com temas afins à área
acadêmica e profissional.
Os estudantes de IES participam dessas atividades e podem partilhar
para suas turmas sobre o que puderam participar nesses eventos.
8. Pesquisas
Fazem parte do conteúdo programático as atividades de pesquisa em
bibliotecas e laboratórios, sobretudo com o intuito de conhecerem os portais de
pesquisa em banco de dados disponibilizados pela universidade, além do rico
acervo de materiais impressos.
60
9. Plataforma Moodle
Dentro da proposta da disciplina IES, dos estudantes terem maior contato com novas tecnologias de aprendizagem, o Moodle é uma oportunidade de
conhecer uma ferramenta de estudo orientado à distância; de acesso a subsídios utilizados na disciplina, de comunicação com professores e colegas da
turma e da universidade, discussão através de fóruns, entrega de trabalhos,
avaliação e outras formas de dinamizar a disciplina presencial.
Muitos estudantes entram na universidade ainda sem saberem utilizar
adequadamente e-mails, internet e o próprio computador. Esse contato necessário com essas novas mídias faz com que aumente a familiaridade com o
mundo virtual, cada vez mais utilizado em nossa sociedade.
Referências bibliográficas:
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
61
(In)conclusão
Prof. Dr. Gilmário Guerreiro da Costa
Prof. Dr. Paulo Afonso de Araújo Quermes
“Toda síntese é qualquer coisa de terrível”
Guimarães Rosa
O trabalho aqui apresentado delineou as diretrizes de um projeto de contribuição a uma práxis acadêmica de boa qualidade, capaz de iniciar um movimento de inclusão efetiva, e não demagógica. Seu caráter de work in progress
decorre não apenas do caráter recente de sua implantação (primeiro semestre
de 2010), mas de sua própria natureza: um projeto de educação atento aos
sujeitos com ela envolvidas não pode sob nenhuma hipótese considerar-se finalizado.
Como tivemos ocasião de esclarecer, foi o desafio da inclusão o que em
grande medida motivou as primeiras discussões de preparação da disciplina,
feitas mediante convite ao conjunto da universidade. Semelhante desafio insere-se no contexto da ampliação de vagas no ensino superior brasileiro nos últimos anos, estratégia que acolhemos com entusiasmo e esperança. Mas certamente a simples ampliação de vagas, posto que necessária, não é suficiente
para garantir a efetiva inclusão dos nossos estudantes. Demanda conhecimento do corpo discente e do seu contexto, com vistas a preparar o caminho para o
alcance dos objetivos de formação em nível de excelência com que sonhamos.
Certamente esse trabalho não logra êxito caso se limite ao interior de
uma disciplina. Convém ser, como estamos certos de que tem sido, esforço do
conjunto da universidade. Apenas nos parece que ações envolvidas com o ensino em nosso espaço acadêmico poderiam ser mais bem sistematizadas e
articuladas. Sobretudo, parece-nos necessário que o trabalho de acolhida e
cuidado seja continuado pelas direções dos diversos cursos, sobretudo atentas
aos estudantes que demonstram dificuldades consideráveis de aprendizado,
conforme os relatórios que os professores, sempre ao término do semestre,
elaboram.
62
Esperamos que esse primeiro exercício de sistematização venha a beneficiar-se da leitura atenta e crítica da comunidade acadêmica, com quem intentamos manter diálogo permanente.
63
Bibliografia geral
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 205.
BENJAMIN, Walter. “A vida dos estudantes”. In Reflexões sobre a criança, o
brinquedo e a educação. Trad. Marcus Vinicius Mazzari. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2002.
BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. Petrópolis, RJ: Vozes,
2008.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GUIMARÃES, V.S. Formação de professores: saberes, identidade e profissão.
Campinas: Papirus, 2004.
JAPIASSU, H. A pedagogia da incerteza e outros estudos. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
MARIZ, Ricardo Spindola. Se minha mesa falasse: uma análise sobre a força
do cotidiano na prática pedagógica. Brasília e São Paulo: AEC e Loyola, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich W. Escritos sobre a educação. Trad. Noéli Correia de
Melo Sobrinho – São Paulo: Loyola, 2003.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação
intelectual. Trad. Lílian do Valle. 2ª ed. – Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
SEVERINO, Antônio J. Educação, sujeito e história. São Paulo: Olho d’Água,
2001.
64
TARDIF, M. Saberes docentes, formação e formação profissional. Petrópolis:
Vozes, 2005.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA (UCB) – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE). Projeto Pedagógico Institucional (PPI). Brasília:
Universa, 2008, 44p.
WEBBER, Max. “A ciência como vocação”. In Ciência e política: duas vocações. Trad. Leonidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix,
1972.
WEFFORT, M. F. Educador: educa a dor. São Paulo, Paz e Terra, 2008.
.
Observação, registro e reflexão. São Paulo: Espaço Pedagógico,
.
(coord). Rotina: a construção do tempo na relação pedagógica.
1996.
São Paulo: Espaço Pedagógico,1996.
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