O NOVO FUTURO VIRTUALIZADO PELO “OUTSIDER”1 Lucy GRANT Universidade de Liverpool-UK Resumo. Esta comunicação é parte de uma pesquisa maior que tem como tema a análise do discurso dos chamados, na era de globalização, de excluídos. Essa pesquisa examina como os excluídos se levantam acima das limitações e expectativas da sociedade e, com sucesso, realizam um novo futuro ‘virtual’ (KONTOPODIS, 2008). Essa pesquisa delimita o movimento de um ‘outsider’ que transita física, emocional e espiritualmente através das fronteiras sociais (BECKER, 1996). Essa pesquisa vai focar especialmente em como esses indivíduos produzem entre si uma resistência (FOUCAULT, 1984) contra ‘normas’ sociais por meio de ‘mediadores’ como as artes criativas. Esses ‘mediadores’ não são apenas representações da realidade, mas cria novas realidades em que um novo futuro pode ser virtualizado por o outsider (KONTOPODIS, 2008; DELEUZE & GUATTARI). Esta comunicação apresenta a análise de textos e jornais que tematizam outsiders da globalização. Resultados da análise comprovam a condição de outsider que vive na ‘fronteira imaginária’ entre dentro e fora da sociedade e, dentro desse contexto, constrói a possibilidade de realizar um futuro diferente (CHIAVERINI, 2007). Introdução2 Estamos vivendo um tempo de globalização em que a desigualdade, exclusão e marginalização são maiores que antes e, a cada dia, o problema se torna mais grave (RIZZINI, 1994, p. 258). Há muitos que estão procurando repostas e soluções para enfrentar essa realidade. Têm sido observadas iniciativas múltiplas para resolver a situação, mas todas elas têm origem fora dos grupos que se encontram excluídos; algumas dessas iniciativas são os programas do governo ou os trabalhos de ONGs. Contudo, está claro que “mediadores novos” estão emergindo de lugares tradicionalmente vistos como “excluídos” pela sociedade (RAMOS, 2006, p. 424). Exemplos desses “mediadores novos” são o grupo musical e cultural, “Afroreggae” e também um grupo teatral que se chama “Nós de Morro”. Esses grupos, ambos de favelas no Rio de Janeiro, foram criados pelos membros das comunidades entre si, e as artes criativas constituem uma parte importante do trabalho deles. Todo isso provoca algumas perguntas, entre as quais a que deu origem a esta pesquisa: o que causa num indivíduo essa capacidade de produzir essa 1 Pesquisa orientada pela Profª Drª Elzira Yoko Uyeno. Este trabalho se insere nas pesquisas do Grupo “Subjetiviade e identificações: efeitos de (d)enunciação” (Unitau/CNPq), sob coordenação da Profª Drª Elzira Yoko Uyeno. 2 resistência e sobreviver a todas as adversidades? Foucault (1984, p. 289) nomeia essa capacidade de “uma estética da existência”. É verdade que há muitas pessoas que vivem as mesmas circunstâncias, mas escolham caminhos diferentes na vida. Isso parece se explicar na existência de uma relação de tensão constante entre “natureza e criação”. De fato, por que como se explicaria que algumas pessoas levantam e lutam para ser ouvidas e incluídas na sociedade e outras não? Para responder a essa pergunta, os protagonistas dos grupos culturais são personagens importantes para se pesquisar. Em segundo lugar, existe o tema das artes criativas. Até que ponto são as artes criativas responsáveis pela transformação do individual? Segundo Kontopodis (2008), as artes têm esse potencial e poder; elas facilitam a redefinição do tempo que permite o futuro se tornar realizável, com possibilidades novas. Alternativamente, as artes criativas só são umas formas de comunicação que descreve o processo de transformação que o “outsider” vive. Uma forma de comunicação que transcende “a fronteira imaginária” entre “in here” e “out there” (CHIAVERINI, 2007; KONTOPODIS, 2008). Esta comunicação pretende relatar uma parcela da investigação que se alinha com essas linhas de pesquisa, relatando a análise de textos jornalísticos em que se analisa a forma com que a sociedade considera os chamados outsiders. Para a sua consecução, examinará a condição de excluído em sociedade, a resistência contra essa exclusão e finalmente analisará até que ponto um novo futuro está realizado pelo excluído. 2. O “outsider” É interessante que Becker (1996:15) descreve o excluido como uma pessoa “who is judged by others to be deviant and thus stands outside the circle of “normal” members of the group”. Isso implica que a pessoa já está considerada parte da sociedade, mas o comportamento do individuo é o que o aliena da sociedade. Portanto, é importante diferenciar porque muitas vezes, por exemplo, como Ivete Walty (2005) explica no seu livro “Corpus Rasurado: Exclusão e resistência na narrativa urbana” os moradores de rua não são considerados parte da sociedade. Ela coloca a definição de José Maria Gómez (1999:154) 2 que declara que excluídos são “grupos e categorias sociais, zonas e até continentes que, rapidamente, tornam-se irrelevantes, porque não conseguem integrar-se à dinâmica da economia mundial”. Grupos de pessoas realmente são removidos da sociedade, algumas vezes, literalmente, como, por exemplo, no massacre dos moradores de rua em São Paulo (CHIAVERINI, 2007, p.168). Eles são “cada vez menos vistos” fisicamente e na consciência da sociedade (FORRESTER, 1997, p. 15). De fato, eles têm uma existência dual, “dentro e fora do espaço jurídico-político” (AGABEM, 1995). Essa questão de “espaço publico” é importante, porque forma parte da identidade e sentido de pertença que um cidadão tem em relação à sociedade. Quando existe “ambigüidade” em relação ao “espaço publico”, as pessoas ficam numa “terceira lugar, intermediário, um puro espaço de passagem de transição, próximo dos “não lugares”“(WALTY, 2005, p. 13). Por conseguinte, o Estado e sociedade não sentem a mesma responsabilidade por essas pessoas e os excluídos se afastam da sociedade. Foucault (1975) pesquisou na história e constatou a importância da proteção e vigilância do Estado. Até hoje, o “espaço publico” é muito contestado. Em Janeiro de 2009, como se poderá ser observado na análise de uma carta enviada ao jornal, por meio da qual um cidadão reclamou sobre a condição da calçada que “tornou-se “moradia” de muitos carroceiros, que se apoderam do espaço público dificultando a passagem de pedestres”. Está claro que para o cidadão “os carroceiros” são um incômodo e inconveniência. O uso de termo geral “carroceiros” despersonaliza as pessoas envolvidas e um julgamento está feito sem uma tentativa de entender o comportamento deles. Para esse cidadão, “os carroceiros” são apenas pessoas, eles são causadores de sujeira e sem direito à calçada. Esse prejuízo contra alguns setores da sociedade é forte e perigoso. É mais fácil julgar grupos de pessoas juntas e fazer generalizações que criam concepções equivocadas. A resposta da essa reclamação é também chocante; sem discutir “o entulho e a sujeira serão removidos nesta semana”. Existe uma necessidade de confrontar atitudes que, em parte, criam essa exclusão. 3 É não só importante considerar a atitude da sociedade, mas também as limitações que o excluído exige dele mesmo. Um estudante na escola Woodrow Wilson, Long Beach expressa sua perspectiva de futuro, “How did she expect me to go to college? After all, I live in the ghetto and my skin is brown” (GRUWELL, 1999, pp. 202-204). Segundo o estudante, a sociedade discrimina pessoas do “ghetto” e morenas. O mais lamentável é que ela é uma vitima das crenças da sociedade e essa crença e atribuição de uma certa “identidade” afetam como ela olha para o seu próprio futuro. Becker (1996, p. 34) explica como “treating a person as though he were generally rather than specifically deviant produces a self-fulfilling prophecy”. O entendimento que o excluído tem da sociedade também precisa ser renovado. A escolha que é permitida para os excluídos é o seguinte; “liberdade, ainda que acompanhada da exclusão ou a instituição que lhes tolhe a liberdade, colocando regras, mas oferece a inserção na sociedade” (ROSA, 1999; LAM, 2004). Contudo, há muitos excluídos que não querem ser conformados por ideais da sociedade, mas que não querem permanecer como excluídos. A busca para um caminho terceiro na forma de resistência mostra-se como “um espaço alternativo” (UYENO, 2009, p. 6). 2. RESISTÊNCIA A resistência começa dentro de uma pessoa. É uma luta pessoal para buscar liberdade, e Foucault (1984, p. 289) descreve o processo de resistência como “um esforço para afirmar a sua liberdade e para dar a sua própria vida certa forma na qual era possível se reconhecer, ser reconhecido pelos outros e na qual a própria posteridade podia encontrar um exemplo”. Essa “ética da existência” está presente em cada pessoa e Foucault (1984, p. 290) acredita que esse processo não pode ser completado em qualquer lugar. Ele declara que “o sujeito se constitui por meio de práticas de sujeição ou de maneira mais autônoma, por meio de práticas de liberação” (291). Portanto, as influências fora do indivíduo e “as práticas de liberação” são importantes no processo de resistência. 4 Está claro que, em se tratando de resistência, é o indivíduo que tem que tomar a iniciativa e ser pró-ativo. Muitas vezes, a resistência de uma pessoa está escondida e reprimida. Contudo, no caso de “Afroreggae” por exemplo, eles apresentam uma resistência e a torna pública pela música. Está claro que eles viveram momentos chaves que (con)formam parte da história de suas resistências. Um desses momentos chave pode ser ilustrado por um incidente, mais especificamente durante um interrogatório pela polícia (em época anterior a formação oficial do grupo), em que um dos membro teve a chance de abandonar o seu amigo, mas revelou-se disposto a morrer por ele. Além disso, eles experimentaram o horror do “Massacre do Vigário Geral” em que vinte e uma pessoas inocentes morreram (NEATE e PLATT 2006, p.18). Contudo, o que é mais importante são as escolhas que eles tomaram: a escolha de resistir. É verdade que muitas pessoas vivem experiências parecidas, mas não são todos que escolhem resistir. É interessante considerar até que ponto é a música a responsável por esse processo de mudança. O que é impossível negar é o poder e a magia da música como uma “mediador” que transcende a fronteira entre os excluídos e o resto da sociedade (RAMOS, 2006, p. 426). Além disso, segundo Kontopodis (2008), as manifestações artísticas são a chave para o futuro novo. 4. O FUTURO NOVO E VIRTUAL É importante reconhecer o poder das artes criativas em duas maneiras distintas. A primeira é reconsiderar a concepção do desenvolvimento e a segunda é examinar a concepção do tempo. Em relação ao desenvolvimento, Kontopodis (2008, p.13), defende que “ a written narration, a picture, a diagram, etc – in their terms a “map”- it is not a representation of reality, but a “mediator” or a “translator” that does not just represent something existing but creates new realities-virtual ones”. Fica claro que esses “mediadores” têm a capacidade de prever algo novo que não fazia parte da experiência do indivíduo. São as pontes que conectam dois mundos. Há uma mudança de mentalidade, agora não é mais “in here” and “out there”, “it is a mediated relation” entre os dois (KONTOPODIS, 2008, p.16) 5 Além disso, sua concepção de tempo é distinta de nossa concepção do tempo. KONTOPODIS (2008, pp.13-14) apresenta uma nova teoria do tempo, Segundo a qual “at the moment when the self is dissolved and social relations are made invisible, time is no longer linear and the future is no longer predictable. Individual development and societal development merge into each other and lead to radically new realities”. A chave, neste ponto, é a importância do coletivo. O novo futuro vai ser realizado junto com outros e não sozinho. Quando o indivíduo começa a entender o “virtual”, ele percebe o poder do coletivo (p.15) e que as possibilidades são maiores. Cada pessoa tem um papel diferente e o novo futuro pode ser virtualizado e realizado. No caso do grupo musical “Afroreggae”, eles têm uma visão ampla para incorporar mais pessoas especialmente jovens nessa resistência corporal. Eles mesmos estão vivendo uma outra realidade, um novo futuro; mas o se trabalho e os dos outros serão parte da solução da exclusão que existe na sociedade ou eles serão as exceções? 5. Análise do corpus de pesquisa A análise de grupos de pessoas que vivem à margem da sociedade, no seu estágio atual, capitalista globalizada, e que se organizam para sobreviverem ou para se manifestarem artisticamente e conferirem significados a suas vidas em um movimento de estética da existência são os horizontes da pesquisa. Este estudo em relato constitui uma parte dessa pesquisa maior e analisa a forma com que a sociedade considera essas pessoas e se manifesta em jornais na coluna dedicada a leitores. Transcrevem-se, a seguir, uma carta enviada ao jornal por um cidadão e publicada na seção destinada à participação de leitores do jornal e cidadãos e a resposta da pessoa da prefeitura da cidade e responsável pelo assunto colocado pelo remetente da carta: Cidade suja Mudei-me há um ano para o bairro Vila Nova Conceição e me surpreendi com as condições da calçada em torno da escola pública Martim 6 Francisco, entre as Ruas Domingos Leme, Brás Cardoso, Jacques Félix e Domingos Fernandes. Além da calçada estar em péssimas condições (uma vez que a escola é pública, a quem reclamar do descaso?), tornouse "moradia" de muitos carroceiros, que se apoderam do espaço público dificultando a passagem de pedestres, pois levam cães de grande porte e se deitam sobre as calçadas. Na própria Rua Domingos Leme há um morador que construiu sua "casa" em torno de um poste e há também na Rua Brás Cardoso dois sofás encostados no muro da escola. O que fazer com o entulho despejado por lá? A escola pintou seu muro, mas deixa sua calçada sempre suja. Existe alguma lei que possa coibir tal situação? A circulação de pessoas é livre e soberana, mas e a apropriação e o descaso com o espaço público? Para mim cidade limpa significa principalmente respeito e cuidado pelo espaço coletivo (A. C. S Estadão.com.br – Cidades – “São Paulo Reclama” do “O Estado de São Paulo”, 24 de Janeiro de 2009). São Paulo Paola Martins, da Assessoria de Comunicação da Subprefeitura da Vila Mariana, informa que o entulho e a sujeira descartados irregularmente na calçada em torno da escola Martim Francisco, entre as ruas Domingos Leme, Brás Cardoso e Jacques Félix e Domingo Fernandes, serão removidos nesta semana pela equipe da subprefeitura. Quanto aos moradores de rua, a subprefeitura já encaminhou o caso à Supervisão de Assistência Social (SAS) da região, a fim de que sejam intensificados os serviços de conscientização e encaminhamento. Como se pode notar, o cidadão que faz a reclamação ao jornal afirma que a calçada tornou-se “moradia” (as aspas são do autor da reclamação) de muitos carroceiros que se apoderam do espaço público dificultando a passagem de pedestres (...) . Nessa afirmação, percebe-se que o reclamante considera que as atitudes dos carroceiros são especificadas pelo autor da carta como “erradas”, desviantes do que o seu grupo social estabeleceu como regras. Ao fazer tal afirmação, o cidadão atribui aos carroceiros a condição de “outsiders”, constituindo, como afirma Becker(1996), mais uma atribuição de desvio por outras pessoas. A atribuição dessa condição é feita por escolhas de expressões como apoderam do espaço público e dificultando a passagem de pedestres. A palavra “apoderar” da primeira expressão, ação atribuída a carroceiros, que significa “tomar o poder” produz o sentido de que considera que a atividade de carroceiro (aquele que “puxa” carroças para transportar, supostamente, materiais recicláveis que recolhe) é desviante do que considera uma atividade “certa”. Essa palavra na expressão apoderam do espaço público seguida da expressão dificultando a passagem de pedestres produz o sentido 7 de que prioriza a passagem do pedestre e desconsidera o “uso” que os carroceiros fazem do espaço público. Dessas afirmações conclui-se que o reclamante considera que, embora o ”espaço” seja “ público”, não pode ser compartilhado com os carroceiros, porque eles fazem o uso desviante da regra que é o uso feito pelos pedestres que devem ser entendidos como os outros cidadãos que não os carroceiros. São expressões como essas que produzem a condição de “outsider” (BECKER, 1996) de alguns cidadãos em grandes centros urbanos. Em outra passagem do texto, transcrito a seguir, Existe alguma lei que possa coibir tal situação? A circulação de pessoas é livre e soberana, mas e a apropriação e o descaso com o espaço público? Para mim cidade limpa significa principalmente respeito e cuidado pelo espaço coletivo, o autor do artigo parece tentar atenuar a restrição do uso da calçada aos outros cidadãos que não os carroceiros, reconhecendo que a circulação de pessoas é livre e soberana, mas ao ter perguntado se existe alguma lei para coibir tal situação, retira o direito de circulação dos carroceiros. Além disso, ao não fazer a distinção entre os carroceiros, o morador de rua e entulhos como os dois sofás para se referir a o que considera cidade limpa, coloca-os na condição de nãocidadãos. Discursos como esses, mais freqüentes do que imaginamos e, talvez, proferidos sem que se tenha consciência das suas consequências, levantam uma barreira, uma fronteira invisível entre cidadãos e criam uma categoria de cidadão que fica nessa fronteira, nessa região de indistinção entre cidadão e não-cidadão, de que fala Agamben (2002). Esse mesmo excerto, que se transcreve novamente a seguir, requer uma análise pelo ponto de vista de como os sujeitos marginalizados se mobilizam para sobreviverem. Na passagem da carta em que o leitor do jornal se refere aos carroceiros, afirmando Além da calçada estar em péssimas condições (uma vez que a escola é pública, a quem reclamar do descaso?), tornou-se "moradia" de muitos carroceiros, que se apoderam do espaço público dificultando a passagem de pedestres, pois levam cães de grande porte e se deitam sobre as calçadas, não há como não deixar de notar que os 8 considerados “outsiders”, desviantes, pela sociedade se organizam e fazem o uso do espaço público (a que como todo cidadão tem direito), mais especificamente da calçada. É sua condição de “outsider” que torna seu uso do espaço público menos legítimo do que o uso que outros cidadãos fazem desse mesmo espaço. Contarem com a companhia de cachorros faz parte do compartilhamento de um hábito que lhes é comum. Fica configurado, assim, que, a marginalização é produzida do exterior da vida das pessoas; trata-se literalmente de pessoas excluídas, isto é, objetos de exclusão e não são elas que se marginalizam, se excluem como o senso comum costuma pensar. Fica também configurado que elas resistem a esses processos, organizam-se e tentam sobreviver e, nesse movimento de resistência, tornam-se visíveis. CONCLUSÃO Resultados da análise do corpus de pesquisa demonstram que dentro de uma sociedade dividida existem muitas pessoas que se esforçam para encontrar soluções e transcenderem os limites que os envolvem. A condição de “outsiders”, como se pôde observar, é atribuída aos carroceiros pelo cidadão comum. Ainda que solucione problemas graves de centros urbanos relativos a materiais a serem reciclados – problemas, é bom lembrar, produzidos por todos nós que habitamos as cidades –, a atividade de carroceiro é desconsiderada. Contudo, os carroceiros da análise realizada demonstram não terem se isolado, mas se organizado, no sentido de permanecerem juntos e cultivarem o hábito que lhes é comum de contarem com a companhia de cachorros. A existência de grupos como “Afroreggae” que se organizam em resistência usando as artes criativas, com sucesso, está transpondo “fronteiras imaginárias” na sociedade. O potencial desse tipo de trabalho é ainda incerto, mas constitui um passo em direção a uma alternativa. O desejo do individuo querer mudar é muito importante. É tão importante que medo sobre a reaplicação de trabalhos como os de grupos como 9 Afroreggae é muito real. De fato, Liam Kane (2007,pp. 525-527) acredita que o sucesso do programa é o “flair” dos protagonistas. O tempo vai mostrar. Além disso, é importante reforçar que uma mudança precisa acontecer dos lugares dos excluídos, mas também na sociedade. A decisão de Afroreggae e a polícia trabalharem juntos, por exemplo, está ajudando os dois lados a crescerem em termos de democracia (RAMOS, 2006). Ainda continuam questionamentos, definir se o objetivo é realmente retirar ou encontrar maneiras para retirar um indivíduo de seu lugar de exclusão. Isso pode acontecer, mas ainda a mesma realidade existe. Contudo, se realmente queremos ver os dois mundos começando a se juntar vai requerer sacrifício e compromisso com cada pessoa fazendo seu papel. É importante reconhecer o trabalho das pessoas como “Afroreggae” e “Nós do Morro” que estão fazendo sua parte para realizar um novo futuro ou apenas confronta uma sociedade com a realidade. REFERÊNCIAS AGABEM, Giorgio. (1995) Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002 BECKER, Howard. S. Outsiders. New York: The Free Press, 1996. CHIAVERINI, T. Cama de cimento: Rio de Janeiro: Ediouro, 2007. FOUCAULT, Michel. (1975) Vigiar e Punir, história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1991. ------------------------- Uma Estética da Existência. In: Ditos e escritos V, Ética, Sexualidade e Política, Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2004 (289-293). NEATE, P.; PLATT, D. Culture is our weapon: Afroreggae in the Favelas of Rio: London: Latin American Bureau, 2006 KONTOPODIS, Michalis. Enacting Human Developments: from Representation to Multiplicity (texto ainda não publicado) 2008 KANE, L. Reviews-Culture is our weapon: Afroreggae in the Favelas of Rio. Community Development Journal, n. 42, vol. 4 p. 524-527. WALTY, I. Corpus Rasurado: Belo Horizonte: Editora PUC Minas: Autêntica, 2005. RAMOS, S. Brazilian responses to violence and new forms of mediation: the case of the Grupo Cultural Afroreggae and the experience of the project ‘Youth and the Police’, 2006 p. 419-428 10 RIZZINI, I. Children in the city of violence: The Case of Brazil in Culture of Violence: United Nations University Press, 1994. UYENO, E, Y. Equívocos em escrita de adolescentes (in)fames: materialidades da língua e da alíngua no discurso sobre a inclusão, texto submetido para os Anais do Congresso da Abralin, 2009 11