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Embaixador José Vicente de Sá Pimentel, presidente do
Ipri, abrindo a mesa redonda sobre os BRICS, tendo à sua
esquerda o embaixador Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da FAAP, e o embaixador Sergio Amaral,
diretor do Centro de Estudos Americanos da FAAP.
O Brasil, os BRICS e
a Agenda Internacional
Por Luiz Alberto Machado, vice-diretor da Faculdade de Economia da FAAP.
No dia 6 de dezembro de 2011, foi realizada na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) a mesa redonda
O Brasil, os BRICS e a Agenda Internacional. O debate
foi promovido pelo Instituto de Pesquisas de Relações
Internacionais (Ipri), e contou com a presença de alguns
dos maiores especialistas sobre o tema.
Tendo por moderadores os embaixadores José Vicente
de Sá Pimentel, presidente do Ipri, Rubens Ricupero,
diretor da Faculdade de Economia da FAAP, e Sergio
Amaral, diretor do Centro de Estudos Americanos da
FAAP, contou com a presença, entre outros, dos diplomatas Affonso Celso de Ouro-Preto, Carlos Márcio
Cozendey, Gelson Fonseca Jr., Maria Edileuza Fontenele Reis, Rubens Barbosa, Valdemar Carneiro Leão,
dos professores Antonio Jorge Ramalho (UnB), Antônio
Walber Muniz (Unifor), João Pontes Nogueira (PUC-RJ), Lenina Pomeranz (FEA-USP), Marcos Costa Lima
(UFPE), Maria Regina Soares de Lima (UERJ), Monica
Hirst (Universidad Torcuato Di Tella), Paulo Fagundes
Visentini (UFRGS), Oliver Stuenkel e Vera Thorstensen
(FGV-SP), do editor da revista Política Externa, Carlos
Eduardo Lins da Silva, e de destacados especialistas,
alguns dos quais emprestando atualmente sua expertise a organismos públicos e privados, como Marcio
Pochmann e Renato Baumann (Ipea), Alberto Pfeifer
(Conselho Empresarial da América Latina), João Augusto Baptista Neto (Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior), Ricardo Sennes (Grupo
da Análise da Conjuntura Internacional – Gacint-USP),
Ronaldo Mota (Ministério da Ciência e Tecnologia), e
Sandra Polónia Rios (Centro de Estudos de Integração
e Desenvolvimento – Cindes).
Ao abrir o evento, o embaixador José Vicente de Sá Pimentel, que está completando um ano à frente do Ipri,
agradeceu ao comparecimento de todos e esclareceu
os objetivos do mesmo:
1º) Estreitar e adensar a relação do Itamaraty com a
academia.
2º) Responder à pergunta: o que o Brasil e os outros
integrantes esperam dos Brics?
3º) Integrar ao debate universidades de todas as regiões
do País.
4º) Ser o início de uma reflexão permanente sobre este
e outros temas relevantes na política externa brasileira.
Seguem-se algumas das ideias mais relevantes surgidas
ao longo das apresentações e dos debates.
O pano de fundo que norteou a produção dos papers
(que deverão dar origem a um livro publicado pelo Ipri
em 2012) e a própria realização da mesa redonda é o
movimento de transição em curso na distribuição global
de poder econômico. Tal transição revela, de um lado, a
visível erosão de poder dos Estados Unidos da América
(EUA). Com isso, o mundo unipolar, observado a partir
do fim da guerra fria, deu sinais crescentes de desgaste
após as guerras do Iraque, do Afeganistão e, sobretudo,
da crise financeira de 2008. De outro lado, a transição
mostra a ascensão de outros atores – formais ou não –
nas relações internacionais, entre os quais pode ser inserido o bloco Brics. Com a ascensão desses novos atores,
estaríamos caminhando para um mundo multipolar ou,
com maior precisão, para um mundo no qual se registram
sinais crescentes de multipolaridade.
O acrônimo Bric, constituído das iniciais de quatro países
cuja importância começava a se destacar na economia
mundial, Brasil, Rússia, Índia e China, foi criado em 2001
no Global Economics Paper nº 66, um estudo da Goldman Sachs coordenado por Jim O’Neil. A atual denominação, Brics, só apareceu em 2010, com a incorporação
da África do Sul, naquilo que muitos analistas consideram
uma jogada política para integrar ao grupo um país do
continente africano.
Como bem observa Affonso Celso de Ouro-Preto, o bloco
Brics não constitue um conjunto jurídico, criado por um
tratado formal, nem uma aliança militar. Não represen-
tam tampouco uma união aduaneira ou uma zona de
livre comércio. Não desenvolvem uma política monetária
conjunta. A rigor, os países do Brics se distinguem entre
si, profundamente, no plano econômico. A China, apesar
de manter ainda mais da metade de sua população na
área rural, já possui um amplo setor industrial e desenvolveu um comércio internacional baseado, de maneira
crescente, na exportação de produtos com cada vez
mais elevado teor tecnológico. A Rússia, apesar de seu
passado de grande potência industrial, define-se hoje,
basicamente, como exportador de petróleo e gás, e sua
expansão econômica oscila com o valor dessas commodities. A Índia vende para o exterior serviços de alta
tecnologia, com destaque para software. O Brasil, como
todos sabem, exporta cada vez mais uma cesta de commodities em que ganham realce a soja, o minério de ferro
e subprodutos e, ainda, café, açúcar, etanol, celulose,
carnes, suco de laranja, fumo e nióbio. A exportação
de petróleo encontra-se em seus estágios iniciais e a de
produtos industrializados vem diminuindo em termos relativos, concentrando-se em grande parte na América do Sul,
gerando em muitos analistas uma acentuada preocupação
com o que vem sendo chamado de desindustrialização e
reprimarização. A África do Sul reproduz um modelo de
exportações parecido, até certo ponto, com o do Brasil.
No plano econômico, portanto, os países do bloco Brics
frequentemente não agem de maneira conjunta.
Os estágios de desenvolvimento socioeconômico dos integrantes do grupo também diferem, com a Rússia ainda num
patamar social certamente mais elevado do que os demais
Flagrante do depoimento do embaixador Gelson Fonseca Jr.
Embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis fazendo seu pronunciamento.
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Professoras Vera Thorstensen,
da FGV-SP, e Monica Hirst, da
Universidad Torcuato Di Tella,
de Buenos Aires.
nentais, com enormes populações,
que têm conseguido atingir níveis de
crescimento econômico mais elevados
que os países desenvolvidos e que
estão insatisfeitos com a organização
econômica do mundo, determinada,
imediatamente após a Segunda Guerra
Mundial, período em era marcante a
predominância do poder ocidental.
Carlos Márcio Cozendey, que, atualmente, é secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda,
afirmou que a inclusão da África do
Sul no “clube” consolidou a transição
do acrônimo Brics de instrumento de
marketing financeiro a instrumento
Professora Lenina Pomeranz, da FEA-USP, uma das maiores
político. “A África do Sul não possui
especialistas brasileiras sobre a economia russa.
atributos econômicos similares aos dos
membros e a Índia numa posição mais modesta, apesar de
demais países do bloco Bric, mas conseguiu firmar-se
um setor de educação especializada de alto nível.
como interlocutor representativo no mundo em desenAs infraestruturas igualmente diferem. A Índia, possivelvolvimento africano com base em sistema político estável
mente, estaria em pior situação nesse particular. O Brasil
e economia de mercado bem estruturada.”
também enfrenta consideráveis problemas nessa área,
Ricardo Sennes destacou a acelerada mudança das
enquanto a China concentra investimentos de grande
últimas duas décadas com o aumento da participação
volume no setor.
relativa de alguns países em desenvolvimento de médio
Por fim, os sistemas políticos dos Brics igualmente difee grande porte nos fluxos de comércio e investimentos
rem. Da democracia liberal, em certos países, até formas
internacionais. Os mais conhecidos se referem ao desoriginais de controle por um único partido. Os Brics não
locamento relativo do dinamismo econômico em favor
possuem uma secretaria própria ou serviços administrados países em desenvolvimento, em particular de alguns
tivos comuns. Reúnem-se periodicamente e, quando isso
países de grande porte, tais como Brasil, Índia, China e
acontece, o país-sede fornece os serviços de secretaria
Rússia. As projeções, como pode ser visto na Tabela 1,
necessários para as reuniões. Nesse particular, há certa
sugerem que até 2050 essas quatro economias estarão
semelhança com o G7/8.
entre as seis maiores do mundo, embora em termos de
á O que então os Brics têm em comum para serem
renda per capita apenas a Rússia deverá se aproximar
definidos como um grupo?
da média dos países desenvolvidos atuais, enquanto os
Resumidamente, pode-se dizer que são países contidemais devem seguir em patamares bastante baixos.
2006
PIB
(US$ trilhões)
PIB per capita
(US$ mil)
1º) EUA
13,2
44,2
2º) Japão
4,3
34,4
3º) Alemanha
2,9
35,1
4º) China
2,6
1,9
5º) Reino Unido
2,3
39,2
6º) França
2,2
36,6
7º) Itália
1,8
32,2
8º) Canadá
1,3
38,9
9º) Espanha
1,2
27,8
10º) Brasil
1,0
5,6
11º) Rússia
0,98
7,1
12º) Índia
0,91
0,8
2050
PIB
(US$ trilhões)
PIB per capita
(US$ mil)
1º) China
44.5
31,4
2º) EUA
35,2
83,7
3º) Índia
27,8
17,4
4º) Japão
6,7
66,8
5º) Brasil
6,1
26,6
6º) Rússia
5,9
49,6
7º) Reino Unido
3,8
59,1
8º) Alemanha
3,6
48,9
9º) França
3,2
51,6
10º) Itália
2,1
40,9
Tabela 1. PIB e PIB per capita. Ano de 2006 e projeção para 2050.
Fonte: SENNES, Ricardo. Nem restauradores, nem reformadores: o engajamento internacional minimalista e seletivo dos BRICS. Paper preparado para
a mesa redonda O Brasil, os BRICS e a Agenda Internacional. Mimeo, p. 210.
Embaixador Sergio Amaral, diretor do Centro de Estudos Americanos da
FAAP, fazendo uma síntese das principais colocações da mesa redonda.
Essas tendências se tornaram ainda mais acentuadas
após a crise financeira iniciada em 2007/8, cujo impacto
negativo tem sido bastante concentrado nos países desenvolvidos. Marcio Pochmann alertou para o fato de que
a Rússia foi o único dos Brics a enfrentar uma recessão
aprofundada em 2008/2009, tendo se recuperado no
período seguinte.
Comentários finais
Os embaixadores Sergio Amaral e Rubens Ricupero
fizeram seus comentários após o encerramento dos
depoimentos, procurando fazer uma síntese dos principais pontos de vista apresentados no decorrer da mesa
redonda.
Apontaram a existência de convergências e divergências.
Entre as convergências, os principais objetivos são: consolidar o
G20 como a instância de uma nova
governança financeira; consolidar o
sistema da Organização das Nações
Unidas (ONU) e, em particular, o
Conselho de Segurança das Nações
Unidas (CSNU) como o centro do
processo de decisão; reforçar a diplomacia multilateral.
Intervenção de Ronaldo Mota, do Ministério de Ciência e
Tecnologia, observado pelo embaixador Rubens Barbosa.
Entre as divergências:
á No plano econômico: querem uma
nova governança econômico-financeira, mas não se entendem sobre
a correção dos desequilíbrios entre
os que exportam e geram superávit
e os que importam e se endividam. A
correção do desequilíbrio implicaria
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uma mudança no câmbio com a apreciação do yuan, o
que a China não aceita.
á No plano político-diplomático: querem o multilateralismo e a democratização. Uns querem a reforma do
CSNU (Brasil, Índia), outros não (China). O comunicado
do G20 não fala da pretensão para reforma do CSNU.
Principais conclusões:
á A discussão sobre os Brics toca questões centrais da
política externa.
á As opções do comércio.
á As prioridades da cooperação.
á Os valores e interesses da sociedade.
As apresentações feitas deixam claro que:
á Os Brics são uma realidade. É a aliança de países que
perseguem objetivos comuns e legítimos: democratização
do processo decisório internacional, ajustamentos das
instituições às novas realidades, o reequilíbrio econômico e político que a globalização e o fim da guerra fria
ensejaram. A crise favoreceu.
á Temos todo interesse em apoiar e avançar. Construir alicerces mais fortes com base nas semelhanças e
convergências. Buscar aprofundar a troca de informação
e de consulta, a cooperação em áreas específicas mencionadas. Avaliar em profundidade.
á Precisamos ter presente que existem diferenças. Não
são só de dimensão e de crescimento, como também de
afinidades e de herança cultural. O objetivo não é substituir uns por outros, mas sim uma efetiva democratização.
O jogo formal de poder não pode prescindir das opções e
aspirações da sociedade. A sociedade não quer mais ser
apenas representada. Quer participar e fez suas opções,
desenvolveu o compromisso com a democracia, com os
direitos humanos, começa a tomar gosto pela política
externa. Começará a demandar e a cobrar, isso é positivo,
e dará sustentação e força à política externa.
Graças ao gentil convite dos embaixadores José Vicente de Sá Pimentel e Sergio Amaral, alguns alunos de
Economia e de Relações Internacionais tiveram o privilégio de acompanhar a mesa redonda sobre os Brics.
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(QUAL – Ed. 245 – pág. 62