METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO MORAL E RELIGIOSA CATÓLICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA “Só é educativa a relação que faz crescera educando para uma maior autonomia” (Aires Gameiro) “Porque não lançar-se à tarefa de ajudar a criança a tomar toda a confusão que já existe na sua mente, retirá-la dai olhá-la, examiná-la, dar-lhe algumas voltas e pô-la em ordem? Porque não podem os educadores aprendera destinar parte do seu tempo a ajudar as crianças a compreender a desconcertante variedade de crenças e atitudes que saturam a nossa vida moderna e decidir quais lhe parecem a eles que convém? Não é este o caminho que conduz aos valores, a valores claros e pessoais?” (L. Raths). 1. INTRODUÇÃO/ENQUADRAMENTO Educar é desenvolver o sentido da responsabilidade pessoal e formar para a cidadania. É receber os conhecimentos (a memória) de uma comunidade, interpretar o quotidiano e projectar o futuro pessoal e social. Tudo isto acontece não de uma forma neutra mas inserido numa tradição viva de valores que confira identidade própria a qualquer projecto educativo. A formação para a cidadania aliada ao desenvolvimento da própria personalidade são dois eixos estruturantes da Lei de Bases do Sistema Educativo Português (lei no 46/86, de 14 de Outubro): “O sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho” (LBSE, no 4 do art.20). Considerada num sentido dinâmico, a pessoa é processo de construção que se realiza no tempo e na história, entre um passado e um futuro, sempre em contínuo e progressivo desenvolvimento. Se educar é amamentar, é, com mais propriedade, “desenvolver”, ou seja, reconhecer que o educando é uma semente cheia de potencialidades que é possível ajudar a desenvolver, esse desenvolvimento da personalidade tem em vista a realização do educando e assenta, necessariamente, numa “reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos” (LBSE, art. 30, b). A escola, na época actual, continua a ser um espaço central das referências valorativas da cultura e da sociedade e tem por tarefa primordial a formação da pessoa na sua totalidade e a plena maturidade das suas potencialidades. Ao promover todos os autênticos e perenes valores da humanidade, nas novas formas do nosso tempo, a Escola sabe que, para ser consistente, toda a educação precisa de um enraizamento numa tradição de valores que lhe confira identidade e projecto. A formação das pessoas, a começar pelas crianças, não se faz no vazio; precisa de ser ela própria enformada por um corpo ético e axiológico. No horizonte desses valores perenes da civilização integra-se a própria tradição cristã, criadora de cultura, portadora duma mundividência própria, apontando um caminho preciso de realização humana. A abertura à dimensão religiosa e, por conseguinte, à transcendência é uma constante em todas as culturas e civilizações. A pessoa transporta consigo essa abertura ao Outro, à verdade, ao belo, ao mistério, onde se justifica e se reconhece portadora de futuro e de sentido. A importância da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica no espaço escolar baseia-se no facto da problemática religiosa levantar questões essenciais da existência humana e oferecer grelhas de leitura em profundidade para essa mesma existência. O facto religioso e moral apresenta-se como portador de respostas sobre o sentido último da realidade, contribuindo para a formação da consciência num itinerário progressivo e evolutivo de passagem da heteronomia para a autonomia. Assim, o adolescente/jovem, responsável e livre nas suas escolhas éticas, vai assumindo valores e princípios morais com validade universal, preparando-se para assumir o(s) seu papel e o seu compromisso na sociedade ao serviço dos outros. Olhar para a Educação e fundamentá-la numa rígida transmissão de valores tradicionalmente defendidos, ainda que universais, mais não é que assumir uma atitude egocêntrica de imposição de normas próprias, sem permitir aprender e crescer. É pela atitude de “ENCONTRO” com o aluno, de respeito pela sua personalidade singular e única que se abre a possibilidade dele próprio se constituir em parceiro construtivo no “desbravamento” cognitivo e dinâmico de novos horizontes do pensar, do sentir, do estar e do ser, ajudando-o a “libertar-se” num processo de maturidade e autonomia que visa a construção de um universo de realização pessoal e social. Confrontados com crianças reais que vivem na sociedade e são influenciadas por uma multiplicidade de “endoutrinadores”, pretende-se transmitir o património moral da nossa cultura o qual implica, precisamente, racionalidade e espírito crítico (Cf. Cunha, 1996, 13-14). Isso, porém, é feito tendo em conta o homem todo, na sua dimensão afectiva, cognitiva e comportamental, servindo-se de vários métodos disponíveis. Assim, a perspectiva pedagógica que deveria reinar na disciplina de EMRC é a perspectiva integral (Cf. LBSE) que tem em conta tanto a afectividade, como a racionalidade, o ideal como o carácter, que assume a tradição e estimula a visão, que aceita os condicionalismos sociais e psicológicos a que estão sujeitos os alunos, mas reconhece a sua capacidade de transcendência, que integra o gosto com o dever, o belo com a verdade. A perspectiva pedagógica presente é também, de modo coincidente, a perspectiva própria do professor reflexivo (Cf. Perrenoud, 1993), que pondera as achegas das diversas disciplinas, dos vários métodos e didácticas e as aplica criteriosamente aos seus alunos, de acordo com a sua situação, necessidades e contextos, de modo a promover o crescimento integral do aluno. 2. PRESSUPOSTOS A metodologia a usar na disciplina de EMRC terá de reflectir as exigências de um Ensino Religioso plenamente escolar e plenamente integrado que contribui para a educação integral, enriquece a cultura dos alunos e ajuda-os a encontrar resposta às interrogações fundamentais. Neste contexto, a sua aplicação apresenta três pressupostos básicos: a) Primazia da experiência, da vida sobre a Doutrina; b) Apresentação dos elementos essenciais da Mensagem Cristã; c) Participação e envolvimento dos alunos. A metodologia encontrada deve permitir e facilitar a concretização de uma interdisciplinaridade temática (os conteúdos da EMRC têm em conta, o mais possível, as temáticas de outras áreas), formativa (certas áreas do saber contribuem, a seu modo, para desenvolver no aluno o acesso ao universo religioso) e operacional (realiza-se no contexto escolar). Neste diálogo interdisciplinar (transversal), o método adoptado deve atender à própria estrutura do pensamento religioso (Cf.López, 1989, 51-61) e promover a concretização do próprio sentido escolar da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, isto é, fornecer uma interpretação crente das realidades culturais e propor uma grelha de leitura cristã da experiência. 3. O MÉTODO A metodologia usada - intencional, contínua, planificada e sistematicamente utilizada - permite a organização de momentos e/ou espaços curriculares centrados no desenvolvimento das diversas competências de vida dos alunos. Por isso, a intervenção deve ir no sentido da construção de situações pedagógicas que constituam por si mesmo ‘boas” situações para o desenvolvimento. Daí que seja muito importante ver o contexto ecológico da escola como espaço formativo (perspectiva holística e ecológica da intervenção educativa). A proposta metodológica da disciplina de EMRC é, portanto, um modelo pedagógico integrado onde o aluno, considerado na sua situação concreta (seu quotidiano, seu desenvolvimento cognitivo, afectivo e moral ...), é o centro do acto educativo. ESQUEMA METODOLÓGICO A opção metodológica organiza-se em dois momentos: 1) A Experiência Humana (O Sentido da Experiência) 2) O Sentido da Experiência (A Experiência com Sentido) 1) A Experiência Humana — Encontro com um dado da existência do homem. Trata-se de uma situação vivida historicamente pelo homem. — Análise dessa realidade e conhecimento de que os acontecimentos e factos surgem dentro da história e têm explicações científicas. — Desenvolvimento dos conhecimentos possibilitando um enriquecimento da cultura geral. — Abertura dessa abordagem para a possibilidade de elaboração humana de um pensamento religioso sobre as situações da sua existência. 2) O Sentido da Experiência — Apresentar uma proposta de interpretação subjectiva desse facto ou acontecimento numa referência que ultrapassa a objectividade da análise factual (próprio da estrutura do pensamento religioso) (cf. López, 1989, 51-61). Há uma perspectiva, um sentido transcendente (a intervenção do divino e a sua integração na história humana) que traz (dá) para a história humana um sentido unitário e global. — Discernimento crítico. A coordenação entre o universo cultural humano e o universo religioso. — Formulação de uma causa global ou sentido último da experiência vivida (grelha de leitura) que seja desafiante e susceptível de trazer para a existência. O Ensino religioso escolar procura fornecer uma “interpretação crente das realidades culturais”. — Interpretação (crente) que dá (traz) sentido ao facto vivido, que abre horizontes. 1º MOMENTO A EXPERIÊNCIA HUMANA > Acolhimento da experiência individual e colectiva do aluno em situação. > Enquadramento e definição da problemática. > Leitura Antropológica. Partir da realidade actual, chaves de leitura (dados antropológicos, filosóficos, sociológicos e outros). 2º MOMENTO O SENTIDO DA EXPERIÊNCIA > Interpretação dos textos bíblicos. Articulação do presente com a Tradição Cristã. > Análise de textos de outras tradições culturais e religiosas. > O especifico da Fé Cristã (proposta e sentido cristão da existência). > Elaboração ética: Interiorização, compreensão e acção. > Generalização e aplicação ao concreto da vida (pedagogia da “leitura-reescrita” dos textos Bíblicos e da Tradição Cristã em confronto com as problemáticas da actualidade). > Maturidade Moral (capacidade de integrar na vida, de forma equilibrada, o passado, o presente e o futuro). A nível cognitivo, o aluno toma conhecimento e compreende o valor de determinado comportamento e situação. Isso faz-se mediante a análise das motivações, causas, consequências pessoais e colectivas de determinada situação ou comportamento. Pretende-se ajudar o aluno a descobrir com maior profundidade o sentido das realidades que vive. As referências de análise (GRELHAS DE LEITURA) são constituídas pela especificidade da proposta cristã, em confronto com outras tradições culturais e religiosas. Este processo cognitivo (análise e confronto críticos) e os novos conhecimentos daí resultantes, conduzem a uma outra perspectiva e avaliação dessa realidade ou comportamento e a uma tomada de posição e mudança de atitude diferentes. Esta nova atitude provoca, naturalmente, o desejo de um conhecimento mais alargado e profundo, abre os horizontes de percepção e compreensão dessa realidade e aponta (esboça) caminhos de acção. A mudança de atitude conduz, em principio a uma acção dentro e/ou fora da escola, podendo-se exigir dos alunos, desde já, a capacidade de conceber, mesmo que em esboço, um plano comportamental mediante a reflexão e a imaginação criativas. Este processo de descoberta do sentido da vida faz-se mediante uma leitura de significação da existência, ou seja, pela interpretação da existência (o que vive e vê os outros viver), tendo como chave de leitura a proposta cristã, ou seja, a própria Revelação Cristã. 1º MOMENTO EXPERIÊNCIA HUMANA Dimensão Antropológica VER/ANALISAR DEFINIÇÃO DO TEMA TOMAR CONSCIÊNCIA COGNITIVO - QUESTÕES DOS ALUNOS; DA REALIDADE. E AFECTIVO - ÂMBITO DE ANÁLISE - APREENSÃO - AQUISIÇÃO 2º MOMENTO O SENTIDO DA EXPERIÊNCIA (Dimensão Cristã / Religiosa) (Sentido ético-moral e religioso/Abertura de horizontes) INTERPRETAR PESQUISA: O ALUNO EXPRESSAR - recolha de informações QUESTIONA, - Bíblia; outros textos ANALISA, e Testemunhos - PROPOSTA CRISTÃ DE VIDA APROFUNDA E SINTETIZA - ATITUDE DE ABERTURA ELABORAÇÃO CONCLUSÃO INTERIOR - AQUISIÇÃO / RETENÇÃO - CONFRONTO CRÍTICO - APONTAR HORIZONTES DE DECISÃO - GENERALIZAÇÃO - MATURIDADE MORAL - PROJECTO DE VIDA - APLICAÇÃO Esta abordagem metodológica assenta numa perspectiva de aprendizagem cognitivo-desenvolvimentista (no sentido de que o desenvolvimento moral resulta da actividade estruturante do sujeito e de que as transformações e construções de cada pessoa acontecem em interacção com os outros e com o meio) num processo crescente de passagem de Heteronomia para a Autonomia. Procura-se o desenvolvimento de estruturas cognitivas de compreensão da realidade interpessoal no sentido da construção do conhecimento e significado sobre esse mesmo mundo interpessoal e social. Procura-se partir da experiência pessoal, do vivenciado, do local, numa perspectiva de abertura para o geral, o longínquo, o universal. Assim, este desenvolvimento metodológico envolve um largo campo de estratégias de ensino. Dentro destas deverá ser dado particular ênfase às aprendizagens activas e experienciais cujas bases podem ser qualquer experiência real dos alunos que possa acontecer em casa, na escola e na comunidade ou experiências criadas pelos professores para uma proposta específica. A educação ao ar livre e as experiências residenciais (“acantonamentos”), por exemplo, proporcionam excelentes contextos para os aspectos do desenvolvimento pessoal e social. No decurso destas actividades e experiências o professor ajudará os alunos a reflectir sobre elas para que eles tenham consciência do que aconteceu, saibam o que é que aprenderam e tenham algumas ideias acerca de como podem usar o que aprenderam. O professor deve facilitar aos alunos a construção de aprendizagens significativas e funcionais. Além disso, as aprendizagens experienciais só serão efectivas se houver um clima de confiança no qual os indivíduos e as suas experiências pessoais possam ser ouvidas e aceites. As actividades para a construção e manutenção deste clima serão, portanto, muito importantes. Deste modo, os métodos são eles próprios mensagem e, portanto, num certo sentido, fazem parte dos conteúdos e dos próprios objectivos reflectindo a natureza do próprio ensino (religioso). Mais importante do que a variedade de estratégias, o que é fundamental é a continua referência à experiência, ao exercício e à prática. A indicação metodológica está formulada em termos de se poderem promover experiências progressivas e coerentes para os alunos. Cabe, no entanto, a cada professor conceber e organizar situações apropriadas de aprendizagem que vão de encontro às necessidades dos seus alunos. A experiência tem de ser, portanto, continuamente relacionada com a vida da escola e da sala de aula. Esta tarefa pressupõe sempre, e em primeiro lugar, a confirmação da aquisição das competências pessoais e interpessoais dos alunos e das competências de vida. É, então, clara a convicção de que os objectivos tradicionalmente considerados de natureza intelectual ou académica só poderão ser promovidos e adquiridos de forma satisfatória tendo por base a formação global e integral dos alunos. A metodologia proposta parece ser claramente a mais adequada para promover o conhecimento e interiorização de valores morais e espirituais, num contexto de desenvolvimento cognitivo e moral; a aquisição de conhecimentos e de competências de vida (relacionadas com as temáticas abordadas) e a concretização destes valores e competências em comportamentos “apropriados” (através do incremento de acções por parte dos alunos) que (de tal modo se tornem conaturais) possam exprimir uma personalidade, um carácter. O que se torna mais difícil será a promoção de práticas pedagógicas intencionais, coerentes e articuladas. É importante, na prática pedagógica, destrinçar quais os conteúdos directamente relacionados com as tarefas de desenvolvimento dos alunos e quais são os conteúdos “pretexto” ou problema mais relacionados com as problemáticas do mundo actual e com os desafios colocados à escola que se consideram estar na base ou serem mobilizadores do desenvolvimento de competências de vida. Aprovado, a título experimental, em reunião da Comissão Episcopal da Educação Cristã Fátima, 4 de Abril de 2003 + Manuel Pelino Domingues Bispo de Santarém e Presidente da Comissão Episcopal da. Educação Cristã