Departamento de Educação
A IMPORTÂNCIA DO “PENSAMENTO” NA EDUCAÇÃO MORAL
Aluna: Marina Passos Ribeiro da Silva
Orientador: Marcelo Andrade
Introdução
O projeto de pesquisa em andamento é uma continuidade das investigações
anteriores do GECEC (Grupo de Estudos sobre Cotidiano Escolar e Culturas) sobre
educação, diversidade cultural e ética aplicada, desenvolvidas junto a escolas de Ensino
Médio da cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa compreende a importância de
aprofundar tal temática junto aos professores de Ensino Médio, visto que esse nível de
ensino vem apresentando novos desafios para o âmbito educacional.
A investigação tem como objetivo mais amplo entender as possíveis relações e
interações dialógicas entre o campo ético-filosófico e o campo de ensino-aprendizagem.
As principais questões da pesquisa estão relacionadas à problemática das reivindicações
pelo direito às diferenças e, a partir dessa perspectiva, os conflitos existentes (racismo,
sexismo, homofobia e intolerância religiosa).
O projeto de pesquisa tem como finalidade mapear e entender a interação entre o
nosso contexto plural (multicultural) e a efetivação de uma prática educativa baseada no
conceito arendtiano de “estatuto do pensamento”, enquanto uma categoria possível e
necessária para os estudantes matriculados no Ensino Médio.
Busca-se refletir sobre a relação do pensamento com a educação e entender
como os professores do Ensino Médio conduzem os conflitos relativos ao desrespeito à
diferença – especialmente racismo, sexismo, homofobia e intolerância religiosa –
ocorridos no contexto escolar.
Vale salientar as duas motivações que amparam a apresentação do projeto. A
primeira envolve a urgência e a necessidade com que o tema da intolerância tem se
imposto atualmente. A segunda, trata-se da tentativa de contribuir na superação de certo
desprestígio em relação ao conceito de tolerância seja no ambiente escolar, seja no
âmbito social mais amplo.
Inserção no grupo de pesquisa
Iniciei no GECEC em março de 2014, como bolsista de iniciação científica.
Desde então, tenho sido responsável diretamente pela organização do acervo
bibliográfico do grupo, que auxilia professores, mestrandos e doutorandos em suas
pesquisas. Além disso, participo semanalmente das reuniões da equipe e elaboro as atas
das mesmas, nas quais procuro sintetizar informações e debates sobre os textos
estudados e algumas atividades acadêmicas.
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Os assuntos debatidos semanalmente nas reuniões do GECEC têm ampliado o
meu repertório de conhecimentos e saberes, bem como me fazem refletir bastante sobre
temas cotidianos e sobre minha possível trajetória profissional.
Como estudante do Curso de Pedagogia e interessada em temas relacionados à
formação humana, tenho entendido melhor os temas centrais do multiculturalismo
(racismo, sexismo, homofobia e intolerância religiosa) de diferentes maneiras. Além
disso, os assuntos abordados nas reuniões do grupo de pesquisa têm contribuído para o
meu melhor desenvolvimento nas disciplinas do curso de graduação, por me possibilitar
a articulação dos temas que são discutidos no grupo com os conteúdos estudados na
grade curricular.
Objetivos
Identificar junto aos professores do Ensino Médio os processos sociais escolares
que reproduzem e/ou reforçam os preceitos, as discriminações, as intolerâncias e as
apatias diante das diferenças que dignamente nos constituem como humanos;
Analisar as possíveis relações entre o “estatuto do pensamento” e uma proposta
de educação para a tolerância e contra a barbárie, em resposta aos desafios identificados
no cotidiano escolar;
Contribuir com a fundamentação e a consolidação de processos de ensinoaprendizagem que pretendam responder aos atuais desafios da escola em tempos de
preconceitos, discriminações, violências e intolerâncias;
Identificar as características fundamentais de uma proposta pedagógica que
esteja atenta a um processo educativo que desloque para seu centro o conceito de
“pensamento”, configurando uma educação mais respeitosa das diferenças que nos
constituem como humanos.
Metodologia
A metodologia utilizada para atingir os objetivos desta pesquisa consiste numa
ampla revisão da obra de Hannah Arendt para fundamentar uma proposta de “educação
para o pensamento”, articulando-a aos achados de pesquisas empíricas realizadas com e
pelos mestrandos e doutorandos do Programa de Pós-graduação em Educação da PUCRio.
Quanto à investigação no âmbito do cotidiano escolar, utilizamos dois
instrumentos metodológicos: observação e entrevistas, que estão sendo realizadas por
doutorandos que atuam no âmbito do grupo de pesquisa.
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Pensando com Hannah Arendt
Neste momento do relatório, apresentarei as principais ideias que norteiam o
projeto de pesquisa e das quais venho me aproximando nos últimos quatro meses,
através de leituras indicadas pelo professor orientador. São elas: (a) o julgamento de
Eichmann e o impacto que ele causou em Hannah Arendt, a autora central da pesquisa;
(b) a importância e ausência do conceito de pensamento para Hannah Arendt entender o
caso Eichmann; (c) como o conceito arendtiano de pensamento pode nos ajudar hoje a
repensar a educação escolar.
a – O julgamento de Eichmann
O julgamento do oficial nazista Adolf Eichmann, realizado em Jerusalém no ano
de 1961, é considerado um dos episódios mais marcantes na carreira da autora Hannah
Arendt.
A personalidade de Eichmann apresentava um “novo tipo criminoso”, que
cometia um tipo específico de crime: assassinatos em massa no contexto de um sistema
totalitário. Eichmann justificava a execução de seus crimes como um ato de obediência,
enaltecido como uma virtude. Seu único erro seria o de seguir leis e obedecer ordens, de
acordo com determinações superiores, fundamentadas pelas normas legais.
Eichmann possuía um comportamento impecável, cumpridor de seus deveres;
estava sempre atento em seguir às normas vigentes; um perfeito pai de família; realizava
com eficiência a sua principal função: atacar violentamente a vida de milhares de
judeus, levando-os à morte.
Os aspectos da personalidade de Eichmann causaram perplexidade na filósofa
Hannah Arendt, visto que, apesar de ter cometido crimes brutais, Adolf Eichmann não
era um “monstro”, mas, sim, um homem comum, como tantos outros. Tal normalidade,
conduziu Arendt a buscar novos modelos que explicassem o mal encontrado naquele
oficial, para além da patologia, possessão demoníaca, determinismo histórico ou
alienação ideológica; por entender que o mal não pode ser explicado como uma
fatalidade, mas como uma possibilidade da liberdade humana.
Outra característica do réu despertou a atenção de Arendt: a sua linguagem, com
uso excessivo de clichês. Para a filósofa, os clichês indicavam que Eichmann
apresentava dificuldades em se expressar espontaneamente e era incapaz de pensar e
entender o ponto de vista alheio.
Após observar o comportamento e o histórico de vida do réu Adolf Eichmann,
Hannah Arendt o definiu como um homem comum, normal, burocrata, banal e
superficial. E foi, a partir dessa percepção, que formulou a sua concepção de
“banalidade do mal”.
Arendt estava convencida de que o mal era algo banal, que acontecia sem
explicações, não tinha raízes e nem profundidade; mas era capaz de propagar-se em uma
superfície específica, vulnerável, sobre a massa de cidadãos que não desenvolvera a
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capacidade de pensar, tão pouco a de dar significado aos acontecimentos e ao próprio
comportamento. Sendo assim, Eichmann não poderia ser considerado um assassino
convicto, pois o mal que cometia era banal, sem explicação convincente ou algum tipo
de motivação.
Vale ressaltar que Arendt não pretendia, com a utilização da expressão
“banalidade do mal”, justificar os crimes bárbaros cometidos ou desresponsabilizar o
reú. Ao contrário, ela estaria convencida de sua responsabilidade pelos crimes e da
punição que ele merecia; a intenção da autora era, portanto, compreender o tipo de
mentalidade que poderia colaborar no surgimento de indivíduos como Eichmann.
Outro ponto que deve ser destacado, é o significado do termo “banalidade” no
ponto de vista arendtiano. Banalidade não é algo sem importância ou comum. Banal é
algo que ocupa o espaço do que é comum, “não por ser comum, mas por ser vivenciado
como se fosse algo comum” (Andrade, 2010, p. 114, grifos do autor). Em suma, é
quando a banalidade passa a ocupar, de maneira inadequada, o lugar da normalidade.
b – A importância do pensamento
Com base no julgamento de Eichmann, nas conclusões arendtianas a respeito do
perfil do réu e da análise das características de sua personalidade, Hannah Arendt deu
continuidade aos estudos. Ela percebeu a precariedade na capacidade humana de julgar
e a “possibilidade de repensar as tradicionais formas de entender a nossa formação
moral” (idem, p. 115).
No entanto, também é verdade que ela se impressionou muito com o adesismo
inquestionável de parcelas significativas da sociedade alemã, mesmo aquelas
altamente formadas nos princípios morais mais sofisticados. O que tudo indica é
que, no caso do nazismo alemão, o alto nível instrucional de boa parte da sociedade
e as especulações filosóficas mais sofisticadas sobre ética e moral de alguns
eminentes pensadores alemães não foram suficientemente fortes para conter a
barbárie que se instaurou. A terrível e simples verdade era que o nacionalsocialismo tinha aprovação da maioria da sociedade alemã: “A situação era tão
simples quanto desesperada: a esmagadora maioria do povo alemão acreditava em
Hitler” (Arendt, 1999, p.114), por mais educada e moralmente formada que fosse a
sociedade. (Andrade, 2010, p. 116)
Vale lembrar que a perplexidade da autora teve início ao perceber a
superficialidade com que o réu encarava o cumprimento de sua incumbência:
“encaminhar de maneira eficiente milhares de judeus para a morte” (idem, p. 111).
Eichmann simplesmente agia, em virtude do cumprimento de seus deveres; era incapaz
de pensar e considerar os fundamentos e consequências de suas ações. Sendo assim,
seus atos monstruosos e sua consciência tranquila perante os mesmos poderiam ser
explicados pela sua irreflexão, o que a autora chamará de “ausência do pensamento”.
Arendt considera que o pensamento é uma saída do mundo. Esta saída não
estaria relacionada com uma fuga do mundo ou dos problemas, mas, sim, com o
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rompimento do cotidiano. Significa uma pausa, para refletir e ir ao encontro aos
acontecimentos cotidianos, com a finalidade de dar significado a eles. Era justamente
esse rompimento que Eichmann não tinha; ele vivia num mundo de frequentes clichês.
O afastamento do mundo que Arendt propõe, visa um diálogo do eu consigo
mesmo, buscando dar significado ao mundo; esse significado só é possível na atividade
do pensamento. Na perspectiva arendtiana, o pensamento não é composto por regras,
normas ou preceitos, mas de possibilidades de ressignificação do mundo.
c – Pensar uma educação para o pensamento
A perspectiva arendtiana apresentada nos permite repensar a tarefa educativa no
que diz respeito ao ensino e à difusão de valores morais.
Vivemos em tempos difíceis. Testemunhamos uma época sobrecarregada de
crises que atinge diversos contextos e gera grande instabilidade na economia e no
sistema financeiro, na relação de confiança entre as instituições, nas mudanças
epistemológicas, guerras e terrorismos, intolerâncias religiosas e no próprio sistema
educacional, que é o principal foco da nossa pesquisa.
A escola preocupa-se em cumprir prazos e em transmitir os conteúdos propostos,
específicos a cada nível de ensino. Há ainda certo despreparo dos professores, que se
deparam com diversos desafios. A questão, então, seria como lidar com os conflitos
sociais que ocorrem e são reforçados dentro da escola e educar para e no pensamento,
visando desenvolver o senso moral dos alunos.
Alguns procedimentos como a fala, o debate e a leitura de textos e trabalhos em
grupos são mais valorizados que o silêncio para o pensamento. Não buscamos, em nossa
pesquisa, desvalorizar a utilização desses métodos, pelo contrário, reconhecemos a
importância deles na educação, mas acreditamos que “toda conversa dialógica – entre
educador/a e educando, educando e texto e educandos entre si – deveria levar ao
silencio, isto é, deveria instigar o educando para o seu diálogo consigo mesmo”
(Andrade, 2010, p. 124).
Consideramos que o cenário educacional é caracterizado pela ausência de
estímulos ao pensamento. No campo da educação moral, os valores morais mais
fundamentais, como a justiça, a igualdade, a liberdade, a solidariedade, o diálogo e a
tolerância, tornam-se secundários diante das prioridades determinadas pelo sistema
escolar.
Não seria necessária a realização de projetos grandiosos para trabalhar esses
valores com os alunos, pois eles estão presentes em nosso cotidiano e em simples
atividades, como debates sobre os assuntos que estão sendo noticiados pelas diferentes
mídias ou as próprias experiências dos alunos, relacionados à moralidade podem e
devem ser otimizados. Nossa aposta é que a partir dessas deve-se estimular o diálogo
silencioso consigo mesmo, o pensamento na perspectiva de Hannah Arendt.
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O universo escolar deve assumir o compromisso de educar para o pensamento.
Desarrumando as certezas e provocando certa insegurança das coisas que antes eram
profundamente seguras. Promover a interação, a reflexão, o questionamento, a crítica e
o silêncio do aluno, pois esses são instrumentos que colaboram na edificação do
pensamento que não precisa e nem deve posicionar-se no campo das certezas, mas das
possibilidades.
Conclusões
A pesquisa encontra-se em andamento. No entanto, algumas conclusões parciais são
possíveis, tais como:
1) O estatuto sobre a personalidade de Eichmann, o oficial nazista analisado por
Hannah Arendt, tem indicado que o problema do mal não tem uma explicação
em nossa tradição filosófica, teológica, literária ou psicológica, mas revela um
homem comum, com comportamentos considerados bons e desejáveis;
2) O “estatuto do pensamento” proposto por Hannah Arendt não apresenta um
código moral fechado, mas uma moral negativa, ou seja, sobre aquilo que não
devemos fazer, como os atos intolerantes;
3) A banalidade do mal, estudada por Arendt, pode ser uma categoria de análise
importante para entendermos os atos intolerantes praticados contra grupos
minoritários ainda hoje na sociedade brasileira.
Referências
1- ANDRADE, Marcelo. A banalidade do mal e as possibilidades da educação
moral: contribuições arendtianas. Revista Brasileira de Educação, volume 15, nº 43,
jan-abr 2010, p. 109-125.
2- ANDRADE, Marcelo. Hannah Arendt e a educação: educar para o pensamento e
contra a barbárie. In: Projeto de Pesquisa apresentado como requisito parcial para a
solicitação ao Programa “Apoio a Projetos na Área de Humanidades” (Edital 15/2011),
junto ao Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
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NA EDUCAÇÃO MORAL Aluno: Marina Passos Ribeiro - PUC-Rio