MELODRAMA: ENTRETENIMENTO E EDUCAÇÃO MORAL
Elaine Resende Ribeiro - bolsista PET – Ciências Humanas, Estética e Arte e integrante do GETEB - Grupo de Estudos
e Pesquisa em Teatro Brasileiro.
Orientadora: Claudia Braga - Co-tutora PET e coordenadora do GET EB
Departamento de Letras, Artes e Cultura – UFSJ
Resumo: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos e
Pesquisa em Teatro Brasileiro e integrada ao trabalho realizado pelo grupo PET – Ciências Humanas, Est ética e Artes do curso de Filosofia da Universidade Federal de São João del -Rei. Os resultados da pesquisa
desenvolvida por cada integrante servirão de base para produção de textos didáticos no ensino de Estética,
apresentações em eventos e ainda oferecerão subsídios teó ricos para as atividades de extensão ligadas
Palavras-chave: Teatro, Melodrama. Ideologia, Moral
Introdução
P
artindo do pressuposto de que a arte tem a função de instruir moralmente e de
que o teatro é uma forma artística que possui grande responsabi lidade educativa,
nosso trabalho abrange o estudo do melodrama enqua nto gênero teatral que tem
por finalidade educar e conscientizar a platéia a respeito das regras e valores m orais presentes
em fins do século XIX e início do século XX.
Baseados em estudos realizados por Regina Horta Duarte, em Noites Circenses de Regina
Horta Duarte no qual constatamos que a crítica da época, fundamentada em conceitos racionali stas, acusava o melodrama de não se preocupar com a inverosimilhança e com o exagero, alega ndo que, ao invés de se apoiar em ideais profundos, agia superficialmente, tratando assuntos b anais. Eis alguns exemplos dessa censura:
“Acusava-se o dramalhão de não ter a profundidade e o caráter moralizador e civilizador tão procurado
por certas tendências d ramáticas daqueles anos. Inverossímil e superfic ial ” p. 207
“Obra sem arte, sem nexo, e sem verdade, fruto da pena de maus imitadores ” p. 136
Há registros, porém, de que as bilheterias não confirmavam a opinião da crítica. Certame nte, a junção moral-catarse, que estimulava a sensibilidade, era responsável pelo envolvimento e
identificação da platéia, que aplaudia e chorava emocionada diante da derrota ou castigo do vilão
e da premiação dos bons e da vitória do bem. De acordo com Mercier “ o prazer ligado às lágrimas
tem efeitos morais diretos se for provocado por infelicidades que se relacionam à vida do homem
comum e não simplesmente dos grandes ”. (Vincent-buffault, 1988, p. 98).
Assim sendo, nesse trabalho nos propomos a mostrar, através da análise das peças Trinta
Anos ou A Vida de Um Jogador, escrita por M. M. Victor Ducange e Dinaux , e da peça A Graça de
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Deus, de D' Enery e Lemoine, a influência da ideologia cristã e do sentido moral e (ou) social pr opagados através dos enredos melodramáticos. Acredit amos, contudo, que o melodrama cumpria a
sua missão de agente civilizador e educador e que o que incomodava a crítica era o fato de o m elodrama seduzir as pessoas, encher a platéia, dar bilheteria.
A moral no melodrama
A estrutura narrativa melodramática apresenta modelos “corretos” de vida, de comportame nto, enfatizando um sentimentalismo conservador e uma preocupação moral izante. Nas palavras
de Nodier “o aspecto sensível e moralizador aparece na necessidade moral de um povo que pe rmaneceu durante muito tempo sem religião” (VICENT-BUFFAULT, 1988, p. 280). Esse sentido
moral, fio condutor do gênero melodramático prega a premiação das virtudes e a punição dos v ícios relacionando-os com os valores das sociedades patriarcais e judaico -cristãs e encontrando,
através do entretenimento, um meio de demonstrar, no palco, a necessidade da moralidade, do
combate ao crime, e da vi rtude.
Passemos agora à análise da peça A Graça de Deus. A peça em questão é um exemplo de
que, através do comportamento de alguns persona gens, demonstra-se o confronto entre o Bem e
o Mal, entre os virtuosos e os mal -intencionados. As ações se desenvolvem em torno da ma ldade
de um certo Comendador que, na ânsia por satisfazer seus próprios desejos, persegue Maria,
uma moça pura, simples, fi lha de pais pobres, que teve de fugir para Paris a fim de resguardar a
sua honra e inocência.
A personagem Madalena, mãe de Maria, representa a fé cristã. Ela chorou, sofreu, padeceu
resignada à separação de sua filha, mas não a impediu de fugir, pois acre ditava que para defender a sua honra tudo era válido e confiava, sobr etudo, na sublime graça de Deus. No momento da
despedida Madalena aconselhou a filha:
MADALENA: (...) À falta da minha voz que em breve não ouvirás mais!... leva no teu coração este canto
que minha mai me ensinou par minha salva -guarda! (...) Ora sempre; porque as preces dão valor à or ação. Pensa sempre em tua mai que isto ditas te darão!... Minha filha vai... adeus, vai na Graça de Deus!
Pois bem, paralelamente a todo esse sofrimento e à perseguição do Comendador, é retrat ado na peça a busca pela realização amorosa pois, ao desenrolar da trama s omos informados de
que a inocente Maria conhecera André, ainda em sua terra, e o reencontrara em Paris. Para Mar ia, essa coincidência era uma p ermissão do Céu. Ela o via como um amigo, um rapaz meigo e
bom, um verdadeiro protetor enviado de Deus. Porém, um mistério envolvia a ident idade de André
que na verdade era Arthur, o filho da Ma rquesa de Sivry e esta lhe anunciou que pretendia casá -lo
com um partido digno de aliar-se à família de Sivry. Arthur disse que isso seria impossível, pois
qualquer que fosse a sua pretendente, ele nunca poderia amá -la visto que ama outra. A marque-
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sa, no entanto, ao saber que a sua amada não é nem condessa, nem baron esa e muito menos
marquesa, insulta-o e lhe diz que não admitirá que seu filho desça ao nível da filha de um mecân ico ou vilão.
A partir dessa revelação, Maria passa por vários infortúnios e sofrimentos, chegando a ser
não só seqüestrada pelo Comendador co mo também rejeitada por seu pai que procurava pela sua
pequena Maria e que, quando ele de scobre que ela morava num rico castelo, acreditou no boato
de que ela tivesse perdido a sua honra e que era amante de um grande senhor. A fala seguinte
demonstra a importância dada à honra.
LOUSTALOT: (...) estou aqui há muito tempo para enco ntrar minha filha... (limpando as lágrimas) De
quem não t emos notícias há três meses! (...) É preciso que eu a leve comigo sempre virtuosa, como estou
certo que ela nunca o deixou de ser; quero levá -la com os seus pobres vestidos (...)
MARIA: Sim, sou eu, meu pai...
LOUSTALOT: Mente, repito!... Aquela que procuro em P aris, é uma criatura pobre, sim, mas honesta! (...)
Minha filha não pode morar em um palácio (...) Não, eu não sou t eu pai! Não tenho filha!... Maria já não
existe! Morreu!
Maria suporta todas as acusações e mantém -se firme, acreditando que se casaria com A rthur. E por isso, quando ela vê da janela do castelo todo o movimento do casamento do marquês
com a Sra. D'Elbée, ela perde a razão e fica muito confusa. Ao mesmo tempo que pensa em sua
mãe, ela ouve o estribilho da Graça de Deus e ainda tem visões com Arthur. Com se segue neste
trecho:
MARIA: Ah! Contigo! Sempre contigo!... não é assim? Arthur!... (neste momento ou ve-se a sanfona, que
toca fóra a Graça de Deus (...) Estes sinos!... Ah! eu me recordo! É a agonia de minha mãe! Minha mãe
expira!
Com a ajuda de um amigo, Maria, quase sem sentidos, retorna para Saboya e, ao reenco ntrar seus pais e conterrâneos, o equív oco que se instaurara em torno da sua honestidade é de svendado. Em seguida, o marquês é quem bate na porta. Maria corre em sua direção mas quando
vê seus belos vestidos, recua e diz que não fora um sonho. Arthur se explica, diz que rompeu t udo, que seu casamento não se realizou pois ele ouvira os gritos de Maria, os quais despedaçaram
seu coração. Conta que sua mãe morreu, pede perdão por todas as vezes que a fez chorar e s ofrer, diz que quer ser seu esposo perante Deus.
Maria, quase não se contém de felici dade. A consumação do almejado casamento é a dád iva concedida à Maria como reconhecimento pela sua bondade, pelo seu sofrimento, pela sua h onestidade e integridade ao passar por todos os infortúnios. Já o Comendador, que não desistiu do
seu plano até o último momento, é vencido por Arthur e fica por entender... mas a personagem
Chonchon lhe mostra que a virtude é sempre recompensada.
A mensagem final vem do Senhor Cura, um velho sábio de Saboya que, ao comentar a fel icidade de Maria e Arthur diz: confiemos sempre na poderosa Graça de Deus! Ou seja, os bons
são sempre recompensados, ainda que para isso precisem padecer por longos e sofridos dias.
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Na peça "Trinta Anos ou a Vida de um Jogador" o tema da honra, da integridade e dos v ícios também está em cena. Retrata-se uma sociedade dissoluta que abriga homens capazes de
se entregar ao jogo, dissipar a sua fortuna e perder a sua honra.
As vicissitudes do jogo levaram o personagem George, um jovem libertino que amava a i ndependência e a riqueza, à perdição. Ele representa a inversão do Bem, dos valores morais ace itos socialmente.
Por outro lado, o seu pai, o senhor de Germany, é um personagem virtuoso, severo, que
mantém costumes rígidos e também confia no poder da justiça de Deus. Ele tenta exaustivamente
aconselhar o filho a respeito dos perigos que envolvem o mundo do jogo. A discussão é retratada
no seguinte trecho:
GERMANY – Meu filho, tu vais ficar desonerado da auctoridade paternal; tu vais dispôr levremente dos
teus haveres. George, a independencia, a qu e aspiras está toda cercada de perigos. Todos os mancebos
ambicionam a independencia, querem a liberdade, dons sem duvida estimaveis; mas que arruinam e de sgraçam todos aquelles que não curam sugeital -os aos dictantes da recta razão e da prudencia. A mais funesta das paixões, o jogo, tem sido d’esde a tua infancia uma origem fecunda de todos os teus desvar ios...
Mesmo sendo aconselhado pelo pai, George se deixa iludir. Ele se casa com a jovem
Amélia, a qual não teve nem um instante de felicidade, pois ele passava todo o tempo envolvido
com o jogo e com o indigno Warner, quem e nvenenou o coração de George com os detestáveis
vícios. Amélia é, contudo, uma vítima generosa, que merecia m elhor sorte!. Mas que decide sofrer
com resignação todos os seus infortúni os. Em um desabafo ela diz:
AMELIA – George, tu fazes -me tremer!.. Ah! se o céo se dignasse abrir -te os olhos!.. vê quão desgraç ados temos sido até agora! Quasi sempre na miseria, e muitas vezes mesmo no centro de um esplendor
enganoso: cercados de inquie tação, de pezares, de terrores, e mui frequente d’injurias e de ultrajes, t emos vivido 15 annos sem conhecer um dia, e menos ainda de felicidade... George, o meu am igo! Fujamos
do inferno em que existimos; renuncia a esse funesto jogo; é a tua felicidade e a minha vida, que te impl oro de joelhos.
Passam-se 30 anos... George teve que fugir de seu país, pois ele foi gradativamente pe rdendo a noção de limite e deixou -se levar pela tentação do crime: roubou, matou, falsificou doc umentos, chegando à degradação física, moral e espiritual Já Amélia, ainda que vestida pobreme nte e marcada pelo sofrimento de deixar seu filho Alberto em Paris, mantém a expressão da doçura
e resignação. Eles moram em uma pobre cabana no alto de uma montanha, têm uma filha de 8
anos e levam uma vida miserável.
Nas últimas cenas da peça, reaparece Warner, já tão miserável quanto George, que lhe
pede abrigo e comida.
WARNER –eu partilhei tambem a pena do teu crime: accusado e condennado como tu, não tive outro r ecurso, senão tomar a fuga ; sem duvida, tambem como tu, tenho vivido miseravel, vagando pelo mundo,
tentando fortuna, e sempre arrostando a desventura.
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Como se não bastasse de surpresas, a essa altura dos acontecimentos, o jovem Alberto,
que procura incessantemente por seus pais, também chega à cabana.
Após alguns momentos de conversa, Amélia reconhece o seu filho e, suffocada de alegria,
se lança em seus braços. Eis a recompensa por seu sofrimento. Temerosa por Warner encontrar
Alberto e descobrir a sua felicidade ela sai em bus ca do marido. Este, por sua vez, retorna à c abana, vê o chapéu de Alberto e fica sabendo através de Carolina que se trata de um desconhec ido muito rico. Warner, mais uma vez instiga George a cometer um novo crime, dessa vez ele s ugere colocar fogo na cabana e ficar com a fortuna do desconhecido, mas antes que ele executa sse o crime, raios caíram sobre a cabana e esta começou a incendiar. Amélia aparece desesper ada e anuncia que seu filho se encontra na cabana. É George quem consegue vencer a segurança
e retira Alberto, ainda com vida, da cabana.
Certamente, a Providencia marcara a hora da sua punição e ciente de seus pecados G eorge caminha, levando pela mão Warner, para o interior da cabana incendiada. A muito custo, a
polícia consegue tirá-los e prendê-los mas eles não resistiram e morreram.
Na verdade, George é uma vítima do jogo e, arrependido, ele aceita seus sofrimentos por
saber que esta é uma fonte purificadora do espírito. Já, Warner, o verdadeiro vilão responsável
por todos os desvarios de George, não teve perdão e levou um fim miserável, marcado pelo horror
do crime.
Temos, contudo, mais uma bela lição de moral. George, por se deixar levar pelo vício do j ogo, transformou-se em um filho ingrato, esposo culpado, pai desnaturado e por ú ltimo, criminoso.
Assim, se consumou tudo aquilo que fora predito pelo seu pai.
Conclusão
Pois bem, como pudemos observar, em ambas as peças o foco central gira em torno da b atalha entre os pólos morais opostos do vício e da virtude. O mal oprime, amo rdaça o bem, mas
este luta pela justiça e é recompensado no final, com a punição do vício.
Além disso, diante desse forte teor moral, que envolve bem, mal, justiça e honra, demon stra-se quais eram as leis sociais, o que era entendido como o “bem”, como o comportamento co rreto e que a defesa desses conteúdos morais, baseados em valores patriarcais e cristãos, funci ona para o melodrama como um meio de estabelecer uma rel ação com o espectador, reafirmando
os valores de um mundo conhecido e assimilado.
Assim sendo, considerando a proposição de que o teatro seja um local privilegiado para a
aprendizagem de severas lições de moral, conclui -se que o melodrama soube, a seu tempo, funcionar como instrumento de civilização e educação, pois além de focalizar os vícios da sociedade,
apontando sempre para a existência de um código ético que não pode nem deve ser ignorado, ele
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preocupava-se em dar ênfase à defesa da justiça, estimular a virtude e inibir os comportamentos
socialmente ]reprovados.
Enfim, ainda que a crítica de alguns autores rotule o melodrama como simplório e apelativo,
“é melhor entender o melodrama como o gênero que mais fielmente retratou as frustrações subj etivas e objetivas, através das torrentes de lágrimas derramadas” (OROZ, 1999, p. 233), pois representava-se melodramas bem elaborados que resguardavam sempre os princípios da moralid ade. E o público, formado por homens, mulheres, crianças, ricos e pobres - ria e chorava ao ver a
espetacular reação do bem contra o mal e, “apesar de toda a crítica contra o melodrama, [es se]
público o aplaudia freneticamente, de forma a irritar os que propu gnavam por um teatro realista,
equilibrado e verossímil (HORTA, 1995, p. 136).
Referências bibliográficas
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Brasiliense. 10ª ed. 1991
_____ . O Enigma da Religião . Campinas: Papirus, 1984
BERGSON, Henri. As duas fontes da Moral e da Religião . Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
D' ENERY e LEMOINE: A Graça de Deus
DUARTE, Regina Horta. Noites Circenses: espetáculos de circo e teatro em Minas Ger ais no século XIX.
Campinas, USP: Editora da UNICAMP, 1995.
DUCANGE, Victor ; DINAUX. Trinta Anos ou A Vida de Um Jog ador
OROZ, Sílvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Lat ina. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1999.
240p
PRADO, Décio de Almeida de . O Triunfo do Melodrama. In: JoãoCaetano. São Paulo : Perspectiva, 1972
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