Corantes na fabricação de queijos Denise Sobral* A cor é um dos atributos de qualidade mais importantes de um alimento, exercendo enorme influência na aceitação sensorial por parte dos consumidores. Na fabricação de queijos, o corante não possui nenhuma finalidade química ou biológica, possui apenas a função estética, ou seja, tem o papel de deixar o queijo mais atrativo visualmente. Na fabricação de alguns queijos a adição de corantes é feita para manter seu padrão característico, como é o caso dos queijos Reino, Prato, Gouda, Cheddar, Petit Suisse, entre outros. O tom laranja característico queijo do Cheddar, por exemplo, vem do leite ordenhado na primavera e no verão, quando a quantidade de caroteno em sua composição é maior. O βcaroteno é precursor da vitamina A e confere um tom ligeiramente amarelado à gordura do leite de vaca. Foi por este motivo que se criou uma tendência em achar que os queijos com mais pigmentos eram melhores e possuiam maior teor de gordura. Diante deste fato, a indústria começou a acrescentar corantes nas fabricações dos queijos, para melhorar a aceitação do produto. Acredita-se, portanto, que a origem da utilização de corantes em queijos, veio da necessidade dos mesmos possuírem a mesma cor dos exemplares produzidos nas estações mais quentes e aumentar, assim, o seu valor no mercado. Os corantes naturais mais utilizados na fabricação de queijos são: o urucum, o carmim de cochonilha e a clorofila. O corante urucum é adicionado ao leite, no início da fabricação, para atribuir a cor amarela de diversos queijos, como acontece nos queijos Prato e Cheddar. Já em queijos como o Reino e o Gouda, aplica-se um corante vermelho na casca, normalmente o corante natural carmim de cochonilha que confere a aparência característica do queijo. Outro corante natural utilizado na fabricação de queijos é o clorofila, um corante verde, conhecido pelos queijeiros como “blego”, que, na verdade, é mais utilizado como um descolorante, no entanto, se utlizado em excesso, deixa o produto verde. O blego deixa o leite mais branco e é utilizado na fabricação de queijo tipo Gorgonzola ou Queijos Azuis, onde a cor mais branca do queijo branca destaca as veias azuis-esverdeadas do Penicillium roqueforti. O queijo Roquefort francês é fabricado a partir do leite de ovelha que é mais claro em relação ao leite de vaca, pois não possui β- caroteno, por este motivo, as indústrias utilizam o blego. A clorofila também é utilizada na fabricação de requeijão, principalmente nos requeijões feitos em tacho aberto com a finalidade de deixar o produto menos amarelo. O queijo é um alimento versátil. Além de possuir várias cores, possui diversos formatos, texturas e sabores, que agradam diversos paladares. Essa versatilidade, faz com que o queijo tenha grande potencial para se tornar um alimento funcional, pois consegue atingir diferentes faixas de idade, classe social e exigências de consumo. Os alimentos funcionais contêm em sua composição alguma substância biologicamente ativa que ao ser adicionada a uma dieta usual, desencadeia processos metabólicos ou fisiológicos, resultando em redução do risco de doenças e manutenção da saúde. A incorporação de corantes bioativos em queijos é uma alternativa para consumidores que buscam alimentos saudáveis que tragam algum benefício à saúde. Os corantes podem estar envolvidos com importantes atividades biológicas. Seus efeitos de benefício à saúde estão relacionados com suas propriedades antioxidantes, proteção contra danos oxidativos a componentes celulares, efeitos antinflamatórios e prevenção das doenças crônicas não transmissíveis. Alguns corantes como a luteína, a betalaína e a antocianina possuem tais propriedades e grande potencial para ser aplicados na indústria de lácteos, em especial a certas variedades de queijos. A luteína é um dos principais pigmentos maculares contido na retina humana, sendo responsável por duas funções fundamentais: proteger a mácula contra o estresse oxidativo (função antioxidante) e filtrar a luz azul de alta energia, melhorando a acuidade visual. Por meio desses mecanismos, acredita-se que luteína possa contribuir para a diminuição do risco de ocorrência de catarata e de degeneração macular relacionada à idade. A degeneração macular relacionada à idade (AMD) é a principal causa de perda de visão irreversível na população de idade avançada nos EUA e no mundo Ocidental. Estima-se que 1,6% da população entre 50 e 65 anos de idade seja afetada por esta doença, aumentando para 30% no grupo de indivíduos com idade acima dos 75 anos. Como a proporção de idosos na população brasileira aumentou, assim como a expectativa de vida, o impacto da AMD na saúde pública tende a se tornar mais severo, sendo necessários estudos e ações que previnam esta doença. Como a luteína não é sintetizada pelo organismo humano, é necessário que seja suprida por meio da alimentação. A dose mínima de luteína a ser ingerida para que tenha efeitos benéficos à saúde é de 6mg diárias. A aplicação de corantes como a luteína na fabricação de queijos já está sendo estudada no Brasil (KUBO et al., 2013; SOBRAL et al., 2014). Queijos adicionados de luteína podem ser excelentes veiculadores deste carotenóide, enriquecendo a dieta da população, sem modificar seus hábitos alimentares e prevenindo doenças. Como a luteína possui cor amarela, ela seria utilizada em substituição ao corante urucum, em queijos amarelos, como o queijo Prato. No entanto, o maior desafio destas pesquisas é a retenção de luteína no queijo em detrimento a sua perda no soro. As betalaínas são utilizadas em alimentos como gelatinas, produtos de confeitaria, balas, misturas secas, sobremesas, produtos avícolas, laticínios e produtos cárneos em função de sua solubilidade e estabilidade. Estes pigmentos, além de fornecerem a cor vermelha, são importantes substâncias antioxidantes na dieta humana. Como um antioxidante natural, as betalaínas estão envolvidas na proteção da partícula de LDL-colesterol contra modificações oxidativas e possuem atividade antioxidante in vivo devido ao seu baixo potencial redox. Mesmo em concentrações muito baixas, as betalaínas podem inibir a peroxidação lipídica, a decomposição heme e ainda oferecer proteção contra o estresse oxidativo, relacionando assim a diminuição de transtornos em humanos acarretados em função dessa patologia. Prudêncio et al., (2008) fabricaram queijo Petit Suisse com adição de extratos de betalaínas de beterraba. Este queijo no Brasil é destinado à crianças, onde a ocorrência de alergias alimentares é notável, principalmente devido ao uso de corantes artificiais. Neste experimento, a estabilidade do corante pôde ser justificada pela possível interação entre as proteínas do queijo e as betalaínas, pois é sabido que algumas proteínas e aminoácidos podem aumentar a estabilidade de betalaínas. Outra razão que pode manter a estabilidade da betalaída é a ligeira acidez do Petit Suisse e as condições de estocagem do queijo, como baixa temperatura e o uso de embalagens impermeáveis à luz. As antocianinas são pigmentos naturais responsáveis pela coloração azul, vermelho, violeta e púrpura, encontrados em muitas espécies do reino vegetal, como uva, cereja e outros. A utilização de antocianinas para dar cor aos alimentos é considerada desejável por não apresentar efeitos tóxicos e por apresentar propriedades terapêuticas (KUSKOSKI et al, 2001). Já foram comprovados cientificamente seus efeitos anticarcinogênico (HAGIWARA et al.,2001,KAMEI et al.,1998), antioxidante (WANG et al., 2000; YOUDIM et al., 2000) e antiviral (KAPADIA et al., 1997). A estrutura fenólica das antocianinas é responsável pela atividade antioxidante, pois têm a capacidade de reagir com espécies de oxigênio reativo assim como superóxido, oxigênio singlete, peróxido, peróxido de hidrogênio e radicais hidroxilas (STONER, 2008). O pH do meio tem efeito sobre a forma química, a cor e a estabilidade das antocianinas. A estrutura básica das antocianinas na forma do cátion flavílium, pH inferior a 3,0, há predominância da cor vermelha. A medida que o pH aumenta, o cátion perde um próton e sofre uma hidratação, formando uma pseudobase ou carbinol (incolor) em pH entre 3.0 e 6,0. Aumentando o pH acima de 6,0, o cátion flavílium perde prótons, formando primeiro a base quinoidal de cor púrpura claro. Em seguida, em pH acima de 9,0 perde outro próton, formando uma base ionizada de cor azul escuro. Em pH entre 12 e 13, as antocianinas ocorrem principalmente nas formas ionizadas e são amarelo palidas (AKWIE,2000). A utilização desse pigmento na indústria ainda é restrita devido à sua baixa estabilidade frente às diversas etapas de processamento dos alimentos. Fatotes como atividade de água, presença de luz, oxigênio, pH e temperaturas elevadas são fatotes que aceleram a degradação das antocianinas (FALCÃO et al., 2003). Prudêncio et al. (2006) estudaram a aplicação de antocianinas como corante natural para queijo Petit Suisse sabor uva e verificaram que este pigmento é estável neste produto durante a vida de prateleira do mesmo, indicando viabilidade de utilização. A utilização de corantes naturais e bioativos em queijos é uma área promissora, porém necessita de mais pesquisas com foco nestes produtos, devido a correlação positiva no consumo de substâncias bioativas e manuntenção da saúde. Referências AHMED, S.S.; LOTT, M. N.; MARCUS, D. M. The macular xanthophylls. Survey Ophthalmololy, v.50, n.2, p.183-93, 2005. ALTERNATIVE MEDICINE REVIEW. Lutein and Zeaxanthin – Monograph. Alternative Medicine Review, v.10, n.2, p.128-135, 2005. ANJO, D. F. C. Alimentos funcionais em angiologia e cirurgia vascular. Jornal Vascular Brasileiro, Vol. 3, Nº2, p.145-154, 2004. BESSON, M. A verdade sobre o Cheddar. Disponível <http://queijosespeciais.blogspot.com/2010/06/um-bom-artigo-sobre-o-queijocheddar.html >. Acesso em 11 de junho de 2015. em: CONSTANT, P.B.L.; STRINGHETA, P.C.; SANDI, D. Corantes Alimentícios. B. CEPPA, Curitiba, v. 20, n. 2, p. 203-220, 2002. DAVIES, N. P.; MORLAND, A. B. Macular pigments: their characteristics and putative role. 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