Fazer Melhor Aspectos tecnológicos da fabricação de queijos com probióticos Adriana Torres Silva e Alves; Leila M. Spadoti, Patrícia B. Zacarchenco, Fabiana Trento, Izildinha Moreno. Pesquisadoras Científicas do Centro de Tecnologia de Laticínios-TECNOLAT-ITAL Desde Metchnikoff, os benefícios proporcionados pelos probióticos ao organismo têm propiciado sua adição a diversos produtos e difundido seu consumo. Os probióticos podem ser definidos como “adjuntos dietéticos microbianos” que afetam beneficamente a fisiologia do hospedeiro pela regulação da imunidade local e sistêmica e pela melhora do balanço nutricional e microbiano no trato intestinal (Vasiljevic; Shah, 2008; Naidu et al., 1999). Vários benefícios à saúde têm sido atribuídos às bactérias probióticas. Entre eles podem ser citados, equilíbrio da microbiota intestinal, efeitos antimutagênicos, propriedades anticarcinogênicas, melhora no metabolismo da lactose, redução no colesterol sérico e estimulação do sistema imune. Devido a esses potenciais benefícios para saúde, cada vez mais vem aumentando a incorporação desses organismos em produtos lácteos (Shah, 2007). Os probióticos encontrados com maior freqüência em produtos lácteos são as Bifidobactérias e os Lactobacillus (Bifibobacterium adolescentis, Bifibobacterium bifidum, Bifibobacterium breve, Bifibobacterium infantis, Bifibobacterium longum, Bifibobacterium lactis, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus casei, Lactobacillus paracasei, Lactobacillus rhamnosus e Enterococcus faecium), devido aos seguintes fatores: estes microrganismos fazem parte da microflora nativa humana; possuem um longo histórico de uso seguro e há uma série de evidências que suportam seu efeito positivo (Ahmed, 2003; Boylston et al., 2004). Os prebióticos são componentes alimentares não digeríveis que chegam ao cólon e estimulam seletivamente a proliferação ou atividade de uma ou de um número limitado de bactérias desejáveis deste local (Shah, 2007). Dentre os prebióticos que têm recebido maior atenção, destacam-se a inulina e os oligossacarídeos, especialmente os fruto-oligossacarídeos (FOS), como a oligofrutose. A combinação de prebióticos e probióticos pode resultar em efeitos sinérgicos. Um produto referido como simbiótico é aquele no qual um probiótico e um prebiótico estão combinados. O consumo de probióticos e de prebióticos selecionados apropriadamente pode aumentar os efeitos benéficos de cada um deles (Buriti, 2005). O desenvolvimento de produtos lácteos contendo bactérias probióticas é um foco importante do setor industrial e, geralmente, a produção de alimentos 84 85 Fazer Melhor contendo cepas probióticas específicas com concentrações apropriadas de células viáveis durante a vida de prateleira é um desafio tecnológico (Kourkoutas et al., 2005). concentração de gordura oferecem proteção para as bactérias probióticas durante a passagem pelo trato gastrointestinal (Stanton et al., 1998; Boylston et al., 2004). Culturas probióticas com boas propriedades tecnológicas devem apresentar boa multiplicação no leite, promover propriedades sensoriais adequadas no produto e serem estáveis e viáveis durante o armazenamento. Desta forma, podem ser manipuladas e incorporadas em produtos alimentícios sem perder a viabilidade e a funcionalidade, resultando em produtos com textura e aroma adequados. (Buriti; Saad, 2007). Em síntese, os queijos, devido ao pH, conteúdo de lipídeos, nível de oxigênio e condições de estocagem oferecem condições mais favoráveis para a sobrevivência de bifidobactérias, tanto durante o processamento e estocagem como durante o processo digestivo (Boylston et al., 2004). Um parâmetro importante no desenvolvimento de produtos lácteos contendo probióticos e nos programas de qualidade assegurada das indústrias de alimentos e institutos de pesquisa é a capacidade de quantificar e diferenciar as células viáveis destes organismos (Shah, 2007). Adicionalmente, tais produtos devem atender a padrões de legislação, os quais estabelecem contagens mínimas de células viáveis que precisam ser determinadas. Apesar de estarem sendo incorporados em produtos lácteos, diversos fatores têm sido identificados em leites fermentados como desfavoráveis à viabilidade das bactérias probióticas: acidez, teor de oxigênio dissolvido (especialmente para bifidobactérias), interações entre espécies antagônicas, concentração de açúcar (pressão osmótica), métodos de inoculação, tempo e temperatura de fermentação e condições de estocagem (Kailasapathy; Rybka, 1997; Tharmaraj; Shah, 2004). As bifidobactérias requerem um ambiente anaeróbio e pH neutro (6,5-7,0) para sobreviverem e se manterem em níveis maiores que 106 ufc/g, que é a concentração considerada como a mínima necessária para proporcionar benefícios terapêuticos (Medici et al., 2004). Isso explica, em parte, porque apesar do considerável marketing e do fato das pesquisas focarem principalmente leites fermentados e iogurtes como alimentos carreadores para bifidobactérias, tais produtos não são ótimos para manter algumas linhagens destes microrganismos em altas concentrações (Boylston et al., 2004). Recentemente, diversos processos têm sido realizados visando a produção de queijos com bactérias probióticas como adjuntas (Medici et al., 2004). Os queijos, com pH variando entre 4,8 e 5,6, têm um pH maior que o de leites fermentados (pH de 3,7 a 4,3), proporcionando um meio mais estável para sobrevivência a longo prazo de bifidobactérias ácido-sensíveis. Além disso, o metabolismo de microrganismos no interior dos queijos resulta em um ambiente quase anaeróbio, dentro de poucas semanas de maturação, favorecendo a sobrevivência das bifidobactérias. Por fim, a matriz do queijo e sua relativamente alta 86 Na seleção do tipo de queijo para incorporação dos probióticos, o efeito das condições de processamento na viabilidade da bactéria é importante. Ela deve ter habilidade da sobreviver e/ou crescer durante a manufatura e maturação do queijo o que varia de acordo com os tipos de queijo (Stanton et al., 1998). Além disso, elas devem sobreviver durante a estocagem do produto e não causar efeitos adversos sobre a composição, sabor, aroma e textura dos queijos. (Boylston et al., 2004; Brearty et al., 2001). A degradação do flavour é um risco que pode ocorrer via produção de ácido acético pelo uso inapropriado de algumas espécies de bifidobacteria. Por outro lado, certos probióticos tais como L paracasei já promoveram “melhora” do sabor em estudos com queijo Cheddar. Culturas probióticas têm sido incorporadas com sucesso em diferentes tipos de queijos: lDeterminação do teor de gordura lBifidobactérias em queijo Cottage (Blanchette et al., 1996; Riordan; Fitzgerald, 1998). lBifidobactéria em queijo Crescenza (Gobbetti et al., 1998). lBifidobacterium, Lactobacillus acidophilus e Lactobacillus casei em queijo fresco argentino (Vinderola et al., 2000). lBifidobactérias em queijo Cheddar (Brearty et al., 2001; Dinakar; Mistry, 1994 e Shaw; White, 1994). lLactobacillus paracasei em queijo Cheddar (Gardiner et al., 1998; Gardiner et al., 2002). lLactobacillus acidophilus e Bifidobacterium lactis isolados e em co-cultura em queijo Minas Frescal (Alegro, 2003). lLactobacillus paracasei em queijo Minas Frescal (Buriti et al., 2005). lLactobacillus acidophilus em queijo Minas Frescal (Buriti et al. 2005a). lLactobacillus paracasei e Lactobacillus paracasei + inulina (simbiótico) em queijo fresco cremoso (Buriti, 2005). lLactobacillus acidophilus e Bifidobacterium longum em queijo petit-suisse (Maruyama et al., 2006). lBifidobacterium lactis e Lactobacillus acidophilus em queijo de cabra (Gomes; Malcata, 1998). 87 Fazer Melhor lBifidobacterium lacti e Lactobacillus acidophilus em queijo Gouda (Gomes; Malcata, 1998). lBifidobacterium infantis em queijo semelhante ao Cheddar produzido com leite microfiltrado (Daigle et al., 1999). pesquisa científica, ajudarão o mercado de alimentos funcionais a crescer e se segmentar cada vez mais. Os probióticos devem estar presentes, no momento de consumo, em número elevado e viáveis e para que isso ocorra deve-se selecionar linhagens que sejam hábeis para sobreviver ao processamento, estocagem e passagem através do trato gastrointestinal. Diversas técnicas têm sido efetivas em aumentar a viabilidade de bifidobactérias em queijos. Exemplos destas técnicas são: seleção de linhagens de Bifidobactérias com alta resistência a valores de pH menores, sais biliares e oxigênio; aplicação de culturas mistas de bifidobactérias junto com linhagens selecionadas de cultura láctica para aumentar a viabilidade de bifidobactérias e modificações no processamento de queijos para promover um meio favorável para o crescimento de bifidobactérias (Boylston et al., 2004). AHMED, F. E. Genetically modified probiotics in foods. Trends in Biotechnology, v.21, n.11, 491-497, 2003. O estágio do processamento mais comum para se adicionar as bactérias probióticas é no leite juntamente com as culturas starters. Muitos protocolos alternativos já foram estudados, como por exemplo: a aplicação de dois estágios de fermentação, fermentação com bactérias probióticas antes da fermentação com as starters, encapsulação das culturas probióticas para melhorar a performance das culturas e proteger a bactéria durante a digestão no trato GI, fermentação do creme com probióticos e posterior adição ao leite ou à coalhada (Boylston et al., 2004) Ainda com relação à fabricação dos queijos contendo bactérias probióticas a seleção do material de embalagem pode ter um significante impacto na sobrevivência das bifidobactérias. Materiais de embalagem com boa barreira ao oxigênio, como o PVDC e o EVOH tem se mostrado mais efetivos que o polietileno e poliestireno, materiais de embalagem largamente usados em alimentos para manter a viabilidade das bifidobactérias (Boylston et al., 2004) Deve-se ainda salientar que, ao consumir um queijo, ou qualquer outro produto lácteo, deve-se ter em mente que: tão importante quanto a concentração de probiótico no produto é a quantidade mínima em que este produto deve ser ingerido de modo a se obter efeitos benéficos à saúde. Segundo dados da literatura, uma entrada de pelo menos 108 a 109 células viáveis/dia seria necessária e este valor pode ser obtido com um consumo diário de pelo menos 100 gramas de um produto contendo 106 a 107 células viáveis/g (Boylston et al., 2004; Anvisa, 2011). Por fim, tem-se que, considerando-se os diversos aspectos tecnológicos, a regulamentação, o controle e a comunicação com o consumidor, baseados em um alto padrão de 88 Referências Bibliográficas ALEGRO, J. H. A. Desenvolvimento de queijo Minas Frescal probiótico com Lactobacillus acidophilus e Bifdobacterium lactis isolados e em co-cultura. 2003. 84p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Alimentos) – Faculdade de Ciências Farmacêuticas, USP. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Alimentos com Alegação de Propriedades Funcionais e ou de Saúde, Novos Alimentos/ Ingredientes, Substâncias Bioativas e Probióticos, 2011. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/alimentos/comissoes/tecno_lista_alega.htm. Acesso em: 13/05/2011. BLANCHETTE, L. et al. Production of cottage cheese using dressing fermented by bifidobacteria. Journal of Dairy Science, v.79, p.8-15, 1996. BOYLSTON, T. D. et al. Incorporation of bifidobacteria into cheeses: challenges and rewards. 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