CEFAC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL DISFAGIAS EM PACIENTES SUBMETIDOS A GLOSSECTOMIAS PARCIAIS E TOTAIS COELI REGINA CARNEIRO XIMENES RECIFE 1999 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo reunir dados disponíveis na Bibliografia, referentes ao paciente submetido a ressecções cirúrgicas totais ou parciais da língua, importante órgão da deglutição. Abordam-se os aspectos fisiopatológicos das seqüelas cirúrgicas, fatores etiológicos, epidemiológicos, emocionais e terapêuticos. De acordo com os autores pesquisados, chega-se às seguintes conclusões: - O prognóstico funcional da deglutição encontra-se em razão proporcional à extensão cirúrgica. - As aspirações pulmonares dos alimentos relacionam-se às cirurgias extensivas à base da língua e aos músculos extrínsecos, às alterações das peristalses faríngeanas e às incoordenações do esfíncter superior esofágico. - As técnicas de micro-reconstrução cirúrgica do assoalho da boca e de elevação laríngea são consideradas importantes para a proteção das vias aéreas inferiores. Esta pesquisa pretende contribuir para a prática da abordagem fonoaudiológica e proporcionar uma reflexão sobre a atuação em programas de prevenção ao câncer da boca, fator fundamental para a obtenção de diagnósticos precoces da doença e melhor prognóstico das funções vitais. ABSTRACT This work has the objective of bringing together available data from the bibliography concerning patients who had gone under total or partials surgical ressections of the tongue, an important organ in the process of swallowing. We broach the phisipathologic aspects of the surgical sequels, etiologic, epidemiologic, emotional and therapeutic factors. According to the studied autors some conclusion could be made: w The functional prognosis of the act of swallowing is proportional to the extension of the surgery. w The pulmonary aspirations of food are related to wide surgeries of the basis of the tongue and extrinsic muscles, to the alterations of the pharynx peristalsis and to the lost of the co-ordenation of the esophagic superior valve. w The techniques of surgical micro-reconstruction of the base of the mouth and techniques to larynx raising are considered important to protecting the lower airways. This research aims to proclaims the practising of the speech pathological aproach and to promote a reflexion about the preventive programms of mouth cancer, a fundamental factor to obtaining early diagnosis of the disease and better prognosis of vital functions. Dedico esta monografia a meu pai, homem que materializou através da Medicina grandes obras humanitárias. Exemplo de sabedoria e dignidade para todos nós, os seus filhos. Dr. Manoel Ximenes AGRADECIMENTOS - A Deus. - A Miriam Goldenberg, pela dedicação e estímulo à prática da pesquisa. - Ao Hospital de Câncer de Pernambuco, pelo inestimável incentivo profissional. - Ao Dr. Lauro Lins, pelo apoio e solidariedade dedicados. - À Minha Família. - Ao Dr. Otacílio Araújo Silva, pelo inesquecível apoio, reconhecimento e incentivo em minha vida profissional. - Ao Dr. Getúlio Rocha, exemplo de sabedoria e dedicação profissional. - Às amigas Ana Carolina Calheiros, Veridiana Prosini, Edna Gomes e Leila Guimarães, companheiras permanentes durante a formação deste trabalho. - Ao amigo Dr. Leonardo Arcoverde, pelos valiosos ensinamentos no curso de minha vida profissional. - À Direção do CEFAC. - À professora Ana Maria Furkin, pelo grande apoio. - À Dra. Irene Marchesan, pelo empenho inestimável no desenvolvimento científico da Fonoaudiologia, meu agradecimento pela formação desse curso de excelente nível. - À Fátima Brandão, Cleide Teixeira e Luciana Pimentel pela dedicação e empenho na organização do curso. - Aos Drs. Bartolomeu, Sílvio e Fátima, pelo apoio e pelo reconhecimento profissional. - Aos meus pacientes, o motivo maior deste estudo, fonte de minhas inspirações. - Às equipes de Psicologia, Fisioterapia, Serviço Social, Enfermagem, Nutrição e Odontologia, que permitem um trabalho integrado e qualificado “A função da ciência não é acrescentar mais anos à vida, mas acrescentar mais vida aos anos.” John Osborn SUMÁRIO INTRODUÇÃO ________________________________________________ 01 DISCUSSÃO TEÓRICA _________________________________________ 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________ 20 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS________________________________ 22 INTRODUÇÃO O câncer da boca apresenta o maior índice de tumores tratados em cabeça e pescoço, sendo o câncer da língua, seguido do câncer do assoalho da boca, os mais freqüentes. Atinge em sua maioria homens na faixa etária de cinqüenta anos e de nível socioeconômico inferior. O fumo e o álcool são os maiores fatores predisponentes da doença. Hoje, é rotina, nos centros especializados, a presença de uma equipe multidisciplinar no atendimento desses casos, que, pelo grau de complexidade inerente, requerem muita atenção e apoio. A atuação fonoaudiológica em hospitais de câncer vem expandindo sua área de atuação pela necessidade de serem aprofundados os conhecimentos sobre os mecanismos adaptativos e compensatórios necessários aos pacientes mutilados. A análise anátomo-fisiológica inerente à topologia da seqüela apresentada permite melhor aproveitamento das estruturas preservadas. O objetivo deste estudo é o de analisar, dentre os diversos procedimentos cirúrgicos, suas implicações referentes ao ato da deglutição. Pretendo investigar as conseqüências da estase oral dos alimentos, promovida pelo déficit de retropulsão do bolo alimentar, bem como, o déficit de ativação reflexa da deglutição e suas conseqüências na incoordenação respiração-deglutição e possível aspiração dos alimentos. O ato de deglutir significa promover a passagem do alimento da boca até o esôfago. A deglutição classifica-se em fases, quais sejam: pré-preparatória, preparatória, oral, faríngica e esofágica. A fase pré-preparatória representa os imputs ativadores da deglutição: o cheiro do alimento, o barulho dos talheres, as cores e a apresentação do alimento, associados ao horário da alimentação em que o indivíduo tem fome. Segundo Marchesan, 1995, a fase preparatória consiste na apreensão, mordida e mastigação do alimento; é consciente e voluntária, comandada pelo V par craniano (trigêmeo), responsável pela formação e homogeneização do bolo alimentar. A fase oral, consciente e voluntária, é responsável pela propulsão do bolo alimentar até a fase faríngea; seu comando motor e sensitivo, realizado pelo XII par craniano (hipoglosso). A fase faríngea é iniciada quando o alimento chega ao pilar anterior ou arco palatoglosso, desencadeando o reflexo de deglutição, sendo essa fase automático-reflexa, e ativada pelo IX par craniano (glossofaríngeo) e X par craniano (vago). A laringe é elevada através da contração dos músculos supra-hióideos, e a glote é fechada através da contração do cricoaritenóideo lateral (CAL), tiroaritenóideo (TA) e interaritenóideo. A fase esofágica é iniciada quando há o relaxamento do músculo cricofaríngeo, proporcionando a passagem do bolo alimentar através do esôfago. Essa fase é inconsciente e involuntária. Seis pares de nervos encefálicos participam dos controles motor, sensitivo e sensorial da deglutição: trigêmeo (V), facial (VIII), glossofaríngeo (IX), vago (X), hipoglosso (XII) e acessório espinhal (XI). As atividades motriz, sensitiva e sensorial da fase bucal são conduzidas pelo trigêmeo (V), que inerva os músculos da mastigação, responsável pela sensibilidade da face, da boca, do véu e da língua (dois terços ant.). O facial (VII), permite o fechamento da boca, a tonicidade das bochechas, e comanda a percepção do gosto nos dois terços anteriores da língua; O glossofaríngeo (IX) transmite a sensibilidade e o gosto da parte posterior da língua, a sensação geral da cavidade oral, amígdalas, palato mole, istmo das fauces, faringe, e identificação dos tipos de estímulos orais e sua localização. Toda a atividade motriz e sensitiva do tempo faríngeo é conduzida pelo glossofaríngeo (IX), que inerva os constrictores da faringe e do vélum. O hipoglosso (XII) comanda os músculos intrínsecos e extrínsecos da língua, realizando a movimentação e a propulsão do alimento para trás. O vago (X) e o espinhal (XI) comandam a contração do vélum, dos constrictores da faringe e dos músculos da laringe, veiculando a sensibilidade da faringe, da laringe, da epiglote, do vélum e da base da língua. Os canais de imput sensorial e de controle motor da língua, danificados, impossibilitam a ação motora apropriada da deglutição, pois os reflexos não serão acionados normalmente. A ação da deglutição inicia-se com a preparação do bolo alimentar, que será impulsionado da boca até o estômago. A mastigação representa a movimentação oral do bolo, ou atividade voluntária, promovendo a trituração do alimento. A língua impulsiona o alimento para trás, e o reflexo da deglutição é ativado no toque dos pilares anteriores ou arco palatoglosso, acionado pela formação reticular no tronco cerebral, ocorrendo um conjunto de movimentos neuromusculares coordenados na faringe. A primeira função neuromotora que ocorre na faringe é o fechamento velofaringeal (X e IX). A segunda ação é a contração dos constrictores faringeais para começar a ação peristáltica (X). A terceira atividade é a de proteção da laringe por sua elevação (XII) e seu fechamento através das bandas ventriculares (XI e X). Por último, o músculo crico-faríngeo ou segmento faringoesofageal relaxa, permitindo a passagem do bolo ao esôfago. A disfagia é um distúrbio ou déficit do comando motor, sinérgico ou seqüencial da deglutição do alimento, podendo ocorrer nas fases oral, faríngica ou esofágica. Seus principais sinais ou sintomas são: refluxo nasal e tosse na passagem do alimento às vias aéreas inferiores (Guaterie, 1990). A boca é uma cavidade constituída por seis paredes; sendo o interior dessa cavidade subdividido em dois compartimentos, vestíbulo e cavidade bucal propriamente dita. Vestíbulo é o compartimento periférico virtual quando em repouso, em forma de meia-lua, de concavidade posterior; enquanto a cavidade bucal propriamente dita é o espaço onde se situa a língua (Castro, 1985). Considerando a boca constituída por seis paredes, teríamos, uma anterior (lábios), duas laterais (bochechas), uma superior (palato duro), uma posterior (palato mole ou véu do paladar) e, finalmente, uma inferior (língua e região sublingual). Os músculos intrínsecos, principais formadores da língua, podem ser classificados em: vertical, transverso, e longitudinais superior e inferior (par). Existem cinco pares de músculos extrínsecos, que se originam nas estruturas anatômicas adjacentes (genioglosso, hioglosso, condroglosso, estiloglosso e palatoglosso). Esses músculos contraem-se voluntária e involuntariamente, permitindo, não apenas mudanças na posição da língua, dentro da cavidade oral, como também alterações em seu formato. A língua é suportada anteriormente por diafragma muscular, formado por dois músculos milo-hioideos. As fibras posteriores dos milo-hioideos juntamente com os músculos estilo-hióideos, gênio-hióideos, digástricos, suspendem o osso hióide entre a mandíbula e o crânio. Eles compõem o grupo dos supra-hióideos. A inervação da língua é dada por cinco pares de nervos cranianos: o hipoglosso (XII par) é responsável pela motricidade de todos os grupos musculares, exceto o palatoglosso, inervado pelo nervo vago (X par). O trigêmeo (V par) é responsável pela sensibilidade geral e gustativa nos dois terços anteriores, e o glossofaríngeo (IX par), pela sensibilidade geral e gustativa do terço posterior. As fibras do nervo facial chegam à língua através do nervo lingual. A ablação parcial ou total da língua compromete a mastigação, a formação do bolo alimentar, sua propulsão para a fase faríngea e esofágica, o paladar, a fala e implica uma série de processos emocionais, que envolve o medo da morte, as angústias conseqüentes à existência do câncer, e as expectativas referentes às mutilações e possibilidades de reinserção social. A complexidade dos mecanismos de deglutição patológica nos tumores da cavidade oral, mais especificamente, nos tumores da língua, conduziu a este estudo, especialmente pela necessidade de manutenção de uma dieta satisfatória e livre de riscos à saúde pulmonar. Obter uma alimentação normal gera grande expectativa e ansiedade no pósoperatório, e a possibilidade de voltar a desempenhar bem essa função fisiológica proporciona a esses pacientes um enorme conforto físico e psicológico. A glossectomia, termo referente à exérese de parte da língua ou de sua totalidade, pode ser dividida em quatro tipos básicos: glossectomia anterior, hemiglossectomia, glossectomia posterior e glossectomia total. A indicação cirúrgica relaciona-se à classificação do tumor com base no protocolo da União Internacional de Combate ao Câncer (UICC), que determina a área e a extensão da lesão, estas, associadas aos exames clínicos de palpação, pesquisa dos linfáticos cervicais e exames radiográficos. Vicente (1997), refere que o grau de extensão tumoral pode gerar a necessidade de exérese do assoalho da boca, pelveglossectomia, ou de exérese de parte ou totalidade da mandíbula, mandibulectomia. A necessidade de formação de coberturas das áreas ressecadas, bem como, de manutenção de melhor condição anatômica permite, através das cirurgias reconstrutivas, a formação de retalhos cirúrgicos, estes, dependentes de múltiplos fatores, como: quantidade de língua residual, integridade de suprimento nervoso motor e sensitivo, magnitude do processo inflamatório, e fibrose, decorrente de cirurgia ou radioterapia prévia, e outros, como: idade, condições fisiológicas e motivação. São utilizados enxertos de pele, retalhos cervicais ou musculocutâneos – músculo do peitoral maior. Segundo Caetano (1998) as alterações fonoarticulatórias mais incidentes em ressecções de ponta de língua e assoalho de boca são distorções dos fonemas línguodentais e troca específica do fonema l t l. Nas ressecções de rebordo lingual e hemiglossectomia as alterações mais freqüentes foram distorções dos fonemas fricativos e linguodentais, principalmente do fonema l r l. Em glossectomias subtotais e totais foram observados omissões dos fonemas l e, r l em grupo consonantal e do arquifonema R e distorções dos fricativos: l z l, l s l e l v l. Vicente (1997) relaciona as alterações em glossectomias maiores de 50% em: disfagia na fase preparatória e oral, higiene oral prejudicada, articulação prejudicada e ressonância alterada. Caetano (1998) conclui ainda que o prejuízo na inteligibilidade da fala relaciona-se à extensão da glossectomia. Kübler-Ross (1994) descreveu as etapas observadas desde o momento do diagnóstico até o completo restabelecimento, classificando-as como: Negação e Isolamento “O homem se entrincheira contra si mesmo.” TAGORE, Pássaros Errantes LXXIX O paciente nega a existência da doença e do prognóstico terminal, comumente temporária, sendo substituída por aceitação parcial. Raiva Externar os sentimentos de raiva, revolta, inveja e ressentimento contribuem, segundo Küber-Ross, para a aceitação do paciente nos momentos finais. Barganha O paciente almeja um prolongamento da vida, ou deseja alguns dias sem dor ou males físicos. É uma tentativa de adiamento da doença. Depressão Quando o paciente não pode mais negar sua doença, revolta e raiva cederão lugar a um sentimento de grande perda, este, apresentando-se de diversas formas. Aceitação O paciente recebeu ajuda para superar as etapas anteriores e atinge o estágio em que não mais sentirá depressão, nem raiva quanto a seu “destino”. O trabalho terapêutico nos casos oncológicos não trata apenas da recuperação cirúrgica, anatômica e fisiológica do paciente, mas de promover-lhe condições dignas de vida. DISCUSSÃO TEÓRICA Nos anos 80, o câncer substituiu as doenças infecciosas, passando a ocupar o segundo lugar entre as causas de óbitos por doenças; segundo o Instituto Nacional de Câncer (1996), as neoplasias são responsáveis por 13,3% dos óbitos ocorridos em 1992. Em 1985, foi feita uma estimativa onde apareceriam 412.000 novos casos de câncer bucal em todo o mundo (Parkin, 1993). Nos países em desenvolvimento, a doença representa o quarto tumor maligno mais comum, seguido de câncer no estômago, no útero e no pulmão. Nos países desenvolvidos, representava o oitavo lugar em incidência, com 112.000 casos diagnosticados anualmente. Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (1997) referem que são diagnosticados no Brasil 7.350 casos de câncer bucal, sendo 5.420 do sexo masculino, e 1.930, do sexo feminino, responsáveis por 1.735 mortes, dentre estas, 1.375 de homens e 360 de mulheres; 60% dos casos apresentam doença avançada, ou, nos estágios III e IV, ao serem examinados pela primeira vez nos maiores hospitais especializados do País. Diante desses índices dramáticos, diversos países estão desenvolvendo programas educacionais com o objetivo de controlar a doença. Os tumores da língua acometem indivíduos entre 40 e 60 anos de idade, na proporção de três homens para uma mulher; 80% dos tumores ocorrem na borda da língua, atingindo em grande parte a gengiva inferior e o assoalho da boca. Agressivos, os tumores da cavidade oral possuem rápida disseminação devido à importante rede linfática da região supra-glótica. O estudo anátomo-fisiológico da deglutição e o convívio com esses pacientes mutilados leva a acreditar que a extensão da lesão, maior radicalidade cirúrgica e, conseqüentemente, maior seqüela, geram prejuízo à deglutição, como por exemplo: ablação da musculatura extrínseca da língua e lesão nervosa dos pares cranianos envolvidos no controle motor, sensitivo e sensorial da deglutição: trigêmeo (V), facial (VII), glossofaríngeo (IX), vago (X) e hipoglosso (XII). A presença de retalhos para reconstrução do assoalho da boca, presença de edemas, fibrose, tecidos cicatriciais e aderências são intercorrências que comprometem o prognóstico. A idade do paciente, condições clínicas gerais, capacidade de realização de movimentos coordenados, bem como, o componente psico-sócio-cultural são fatores importantes no restabelecimento físico e psicológico do paciente glossectomizado. Marshall e Cols (1992) referem diversos fatores de risco do câncer da cavidade oral, como tabaco, álcool, dieta, agentes biológicos, radiações, irritações crônicas, fatores ocupacionais e higiene bucal. Enfatizam o uso do tabaco na carcinogênese bucal como agente químico e físico nas formas de cigarro, charuto, cachimbo, rapé e tabaco para mascar. Evidenciam a associação carcinogênica do fumo e do álcool, potencializando drasticamente o risco de desenvolvimento do câncer bucal. Programas de prevenção ao câncer são realizados junto à equipe multidisciplinar no sentido de controlar os altos índices da doença, como também, de favorecer a realização de diagnósticos precoces em maior escala. Chacra (1994) refere a existência preponderante da doença em grau avançado da evolução, em que são necessárias cirurgias mutiladoras ou tratamento radioterápico e quimioterápico, associados a resultados muitas vezes decepcionantes. Os pacientes sofrem enorme desconforto com quadros que evoluem para a desnutrição devido à disfagia, dores intensas e dispnéia. Os autores pesquisados referem que a topologia das seqüelas tumorais, bem como, a extensão cirúrgica trazem diferentes prejuízos à deglutição desses pacientes. Durante a deglutição, há alteração na mastigação dos alimentos devido ao déficit de lateralização lingual e à alteração, por conseguinte, da formação e homogeneização do bolo alimentar. As pesquisas referem a utilização de eletromanometria e videofluoroscopia em larga escala, como importantes contribuições. A eletromanometria é o principal método prático de estudo da zona esfinctérica, segundo Bretan (1987) e, apesar de sua prática polêmica, é o estudo que melhor revela alterações qualitativas e quantitativas da pressão esfinctérica. A eletromanometria revela a presença de pressão elevada de repouso na região do esfíncter faringo-esofágico, que se reduz a quase zero quando ocorre uma deglutição. (Fike e Cole, em Bretan (1987). Mc Connel (1988) contesta o fato de que os movimentos peristálticos da faringe sejam responsáveis pela propulsão do bolo alimentar e refere, em seus estudos, o importante papel da língua e da mobilidade laríngea. A fase oral apresenta estase importante nos exames, e o grau dessa estase refere-se à perda de musculatura da língua, que desfavorece a retropulsão do alimento até a faringe, e retardo ou não-desencadeamento do reflexo de deglutição no pilar anterior, ou arco palatoglosso. As cirurgias conservadoras permitem o restabelecimento de deglutição satisfatória após a regressão do possível edema, que, segundo Logemann (1988), pode ocasionar dificuldade no disparo do reflexo de deglutição. Essas cirurgias são chamadas glossectomia anterior e hemiglossectomia. Em estudo que examina o efeito de combinação radioterápica e de hipertermia nos cânceres da cavidade oral, Lazarus (1994) relata que o tecido necrosado da base da língua resulta em: w Severa redução do movimento posterior da base da língua. w Incompleto contato da base da língua com a parede posterior da faringe. w Redução da elevação laríngea. w Incompleto fechamento do vestíbulo laríngeo durante a deglutição. w O esfíncter superior esofágico abre pouco, e um grande número de deglutições é necessário para o completo esvaziamento da faringe. Segundo Guaterie (1990), a ablação completa da língua não oferece mais a cobertura protetora da laringe, sobretudo quando a epiglote também é removida. A glossectomia total impõe sério comprometimento às vias aéreas inferiores, não somente pela perda de cobertura, mas também, porque, segundo Logemann (1988), os pacientes submetidos à ressecção da base da língua têm dificuldade de abertura ou relaxamento do esfíncter cricofaríngeo durante a deglutição, e sugere a realização da miotomia, devido ao déficit de elevação laríngea. Em 1989, entretanto, Tiwari e outros relataram a utilização técnica de suspensão laríngea como facilitadora de reabilitação e preservação da qualidade de vida com bons resultados, considerando a miotomia desnecessária. Groher (1996) faz consideração importante à ressecção da musculatura extrínseca da língua, pois ela gera déficit de elevação laríngea por incapacidade de elevação máxima do osso hióide. O conhecimento individual dos mecanismos fisiopatológicos do paciente é fundamental à condução do plano terapêutico e deve, segundo Groher (1996), iniciar-se no pré-cirúrgico, a fim de se conhecer qualquer deficiência de aprendizagem, problema de memória, coordenação motora e visual, e realização de testes de seqüencialização motora. O contato pré-cirúrgico deve orientar sobre a higiene e dieta a ser realizada. Nos achados bibliográficos, observa-se grande ênfase aos exames a fim de investigar possíveis aspirações de alimentos, como também, atenção especial a técnicas cirúrgicas que proporcionem melhor resultado funcional. Hirano (1992) considera as disfagias importantes nas exéreses de base de língua, em secção de musculatura extrínseca ou em remoção total da língua ou na remoção da parede lateral da faringe. Tiwari (1989) apresentou importante contribuição, com a técnica de suspensão laríngea, em discordância com a técnica de miotomia do cricofaríngeo, descrita por Logemann (1988). A extensão das exéreses da língua e estruturas adjacentes, como assoalho da boca, estruturas supra glóticas, músculos supra-hióideos e mandíbula vão determinar o grau de distúrbio da deglutição do alimento, o que pode culminar em um déficit de todas as etapas da deglutição e não somente das fases preparatória e oral. Robbins (1987) refere a prótese para aumento palatal com o objetivo de reduzir o espaço livre entre o teto e o assoalho da boca para permitir melhora da força de propulsão lingual durante a fase oral da deglutição e melhor contato linguopalatal durante a articulação. As perdas de musculatura da língua e do assoalho da boca, formado por enxertos imóveis e insensíveis, proporcionam déficit de mastigação pela dificuldade de lateralização do alimento e esvaziamento dos sulcos laterais e assoalho da boca para posicionamento na porção superior, dificultando a retropulsão do bolo alimentar. Associado ao déficit muscular, um grande número de pacientes é desdentado ou não pode utilizar próteses dentárias, tornando necessário o uso de alimento pastoso, mesmo em cirurgias mais conservadoras. O déficit de propulsão do alimento até o arco palatoglosso pela língua remanescente retarda ou inibe o reflexo de deglutição. Dessa forma, o centro de deglutição na formação reticular do tronco cerebral não é informada, ou é informada tardiamente, da necessidade de realização dos mecanismos neuro-motores de fechamento do vélum, elevação e fechamento da laringe, e relaxamento do esfíncter cricofaríngeo. A fase faríngea pode apresentar movimentos peristálticos deficitários, estando relacionada à má propulsão do bolo na fase oral, e a edemas ou fibroses nas paredes faríngeas, que diminuem sua mobilidade e sensibilidade, e podem ainda ocorrer estenoses pós-radioterápicas, que diminuem o calibre faríngeo. O déficit de elevação e fechamento laríngeo pode estar relacionado a secções de músculos supra-hióideos e estruturas supra-glóticas participantes, como a epiglote. Os edemas sub-mentonianos e cervicais, as fibroses do pescoço e aderências cicatriciais proporcionam também as fixações laríngeas transitórias, as imobilidades e restrições de movimentos do pescoço, bem como, das estruturas periorais participantes do ato da deglutição. Relacionada ao déficit de elevação laríngea, por sua contribuição mecânica para a abertura do músculo cricofaríngeo, encontramos o déficit de relaxamento do esfíncter cricofaríngeo, necessário à passagem do bolo alimentar para o esôfago cervical, ou ainda, comprometimento do X par encefálico correspondente à inervação desse esfíncter. As cirurgias extensas da cavidade oral, que comprometem a base da língua, assoalho da boca e estruturas supra-góticas, podem ocasionar penetrações laríngeas do alimento ou aspirações pulmonares, que, nesse caso, ocorrem antes da deglutição, pela passagem do líquido ou do alimento, sem que o reflexo seja ativado, em maior grau. Durante a deglutição, por falta de proteção das vias aéreas inferiores, não acontecendo a cobertura necessária do órgão laríngeo, em grau inferior. E, após a deglutição, devido à estase e ao posterior transbordamento do alimento pela faringe para as vias aéreas, durante a retomada respiratória, são provocadas pelo déficit de ativação dos movimentos peristálticos faríngeos ou déficit de relaxamento do cricofaríngeo. A reeducação segundo GUATERIE (1990) tem dois objetivos: encontrar soluções paliativas e melhorar as performances funcionais. O trabalho de mobilidade das estruturas restantes evita as conseqüências da cicatrização. São utilizadas massagens intra-bucais nas zonas cicatriciais que evitam a fibrose dos diferentes planos de reconstrução e a constituição de pregas retráteis. A mobilidade ativa da língua necessita de um trabalho de tonificação através de exercícios musculares de contra-resistência com o dedo ou com o abaixador lingual. A coordenação e a rapidez de movimento são realizadas através de exercícios instrumentais: promovendo a movimentação de uma bola em torno da língua e através de exercícios articulatórios, utilizando-se fonemas vibrantes e velares posteriores. A elevação da língua necessita de exercícios de contrações mais intensos. A estimulação de músculos elevadores é realizada solicitando ao paciente para pressionar um pequeno balão contra o palato. As percepções sensitivas e cinestésicas da esfera orofaríngea são muito perturbadas pelas mutilações cirúrgicas. Novas performances funcionais são obtidas através de uma reprogramação neuro-motora do esquema corporal. O desenvolvimento de melhor resposta motora é obtido através de estimulações da sensibilidade exteroceptiva e proprioceptiva intra e extra bucais. As vibrações mecânicas de 60 a 100 Hz são as estimulações particularmente adaptadas à sensibilidade cinestésica. Sua aplicação permite mais rápida recuperação muscular pós-operatória. A escolha de bebidas gasosas e geladas estimula ativamente a mucosa bucal e a faríngea restantes aumentando a rapidez e a intensidade da resposta motora de cada deglutição. Guaterie (1990) ressalta em sua prática a reabilitação das zonas cicatriciais cervicais através de massagens, vibrações, ultra-sons e drenagem dos edemas vasculares e linfáticos, que trazem um benefício funcional e estético importante para melhor readaptação das seqüelas em uma cirurgia oncológica mutilante. As glossectomias totais e parciais geram graves problemas funcionais de nutrição, articulação da fala, sem negligenciar, a dimensão humana, quando fortes conteúdos psico-sociais estão envolvidos. Para tanto, os hospitais especializados contam com equipe multidisciplinar no atendimento a esses pacientes, compreendendo: Médico, Psicólogo, Assistente Social, Enfermeiro, Nutricionista, Fisioterapeuta, além do Fonoaudiólogo que juntos proporcionam bem-estar físico e emocional aos pacientes. CONSIDERAÇÕES FINAIS A finalidade desta pesquisa é contribuir para a ampliação da perspectiva de atendimento hospitalar do indivíduo com câncer na cavidade oral, ou que apresenta fatores de risco predisponentes ao desenvolvimento de lesões pré-cancerígenas ou malignas, dentro do âmbito da Prevenção. A pesquisa bibliográfica visa permitir maior conhecimento dos aspectos anatômico-fisiológicos e psico-sociais do paciente com câncer na língua, determinando, minunciosamente, os mecanismos realizados na deglutição de pacientes submetidos a cirurgias mutiladoras da língua. Procurei neste trabalho, tornar claro a necessidade de reabilitação no sentido de favorecer a mais breve recuperação funcional do paciente e também a necessidade de amplo trabalho de prevenção que venha a favorecer o diagnóstico precoce da doença, fator primordial para a obtenção de melhor prognóstico clínico e funcional. Os autores pesquisados são concordantes com relação à necessidade de ampliação de pesquisas, através de exames que evidenciem as alterações funcionais conseqüentes dos tipos cirúrgicos realizados. A eletromanometria e a videofluoroscopia, associadas aos exames clínicos são os exames mais citados na bibliografia, e evidenciam as alterações neuromusculares encontradas nas fases oral, faringo-laríngica e esofágica da deglutição. Os resultados funcionais da reabilitação são inerentes à topografia e à extensão da seqüela, sendo os movimentos e a sensibilidade das estruturas da cavidade oral os grandes responsáveis pelo desencadeamento das fases faringolaríngea e esofágica subseqüentes, bem como, do satisfatório resultado funcional. A reabilitação traz importantes conteúdos da fisioterapia referentes às massagens, drenagens e manobras que favorecem a motilidade e a sensibilidade das estruturas remanescentes. Após conclusão desta pesquisa teórica, pretendo estendê-la um trabalho prático onde a fisiopatologia inerente às seqüelas específicas deverão ser estudadas minuciosamente como base à elaboração de um protocolo de reabilitação eficaz e objetivo. Proponho a extensão desta pesquisa aos centros hospitalares através de videofluoroscopia, ultra-som e naso-fibroscopia da deglutição que, sem dúvida, trarão enorme crescimento ao desenvolvimento científico da disfagia oncológica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRETAN, O. – A Transição faringoesofágica e seu esfíncter – considerações gerais. Rev. Bras. Otorrinolaringologia, 1987. CAETANO, A. R. – Estudo das alterações fonoarticulatórias encontradas na fala de pacientes submetidos a glossectomias totais e parciais. Tópicos em Fonoaudiologia, Ed. Louise, Vol. IV, 1998. CASTRO, S. D. – Anatomia Fundamental. 3ª ed., São Paulo, Mcgraw-Hill, 1985. CHACRA, JR. – Detecção precoce do câncer de cavidade oral pela coloração com azul de tolvidina. Acta Oncol. Bras. Vol 14, p.31-34, 1994. GROHER, M. – Tratamento de disfagia em conseqüência de câncer de cabeça e pescoço: orientação e princípios gerais. Tópicos de Fonoaudiologia, Vol. III, 1996. GUATERIE, M. – Problématique des troubles de la deglution. 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