Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Guilherme Ribeiro Juliano
Análise dos Mastócitos e Fibrose Miocárdica em Indivíduos Autopsiados com
Cardiopatia Hipertensiva
Uberaba
2015
Guilherme Ribeiro Juliano
Análise dos Mastócitos e Fibrose Miocárdica em Indivíduos Autopsiados com
Cardiopatia Hipertensiva
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-graduação em
Ciências da Saúde, área de
Concentração Patologia Básica e
Experimental,
da
Universidade
Federal do Triângulo Mineiro, como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Ciências da
Saúde.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mara Lúcia
da Fonseca Ferraz
Coorientador: Prof. Dr. Vicente de
Paula Antunes Teixeira
Uberaba
2015
Guilherme Ribeiro Juliano
Análise dos Mastócitos e Fibrose Miocárdica em Indivíduos Autopsiados com
Cardiopatia Hipertensiva
Dissertação
apresentada
ao
Programa de Pós-graduação em
Ciências da Saúde, área de
Concentração Patologia Básica e
Experimental,
da
Universidade
Federal do Triângulo Mineiro, como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Ciências da
Saúde.
Uberaba-MG, 27 de fevereiro de 2015.
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Mara Lúcia da Fonseca Ferraz
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
Orientadora
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Renata Beatriz Silva
Universidade de Goiás - UFG
_____________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ana Paula Espindula
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM
Aos meus pais, André e Célia, por me
guiarem sempre na direção da verdade para
atingir meus objetivos.
À minha esposa Laura pelo total
companheirismo e dedicação, com amor.
AGRADECIMENTO
À minha orientadora Dr.ª Mara Lúcia da Fonseca Ferraz, pela amizade e carinho.
Agradeço sempre por todas as oportunidades que me foram dadas.
APOIO FINANCEIRO
O presente trabalho foi realizado com os recursos financeiros da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba
(FUNEPU), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
(FAPEMIG) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
RESUMO
Os processos de deposição de colágeno e progressão da fibrose com a participação
de mastócitos cardíacos ainda não estão completamente elucidados. O objetivo foi
analisar a porcentagem de fibras colágenas e a densidade mastocitária no
miocárdico ventricular esquerdo de indivíduos autopsiados com cardiopatia
hipertensiva e sem cardiopatia. Foram coletados trinta fragmentos do miocárdio
ventricular esquerdo de indivíduos autopsiados no Hospital de Clínicas da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) no período de 1984 a 2014,
agrupados em indivíduos com cardiopatia hipertensiva (CH) e sem cardiopatia (SC)
e avaliados de acordo com fatores constitucionais como gênero, cor (branco e não
branco) e idade. A quantificação das fibras colágenas foi feita por meio de
morfometria computadorizada e a densidade mastocitária avaliada por meido de
métodos imunohistoquímicos. Houve um aumento das fibras colágenas no ventrículo
esquerdo no grupo CH em comparação ao grupo SC, porém sem diferença
significativa (p=0,957). Em relação à densidade mastocitária, houve um aumento no
ventrículo esquerdo dos indivíduos com CH imunomarcados por anti-quimase
(p=0,278) e com diferença significativa nos imunomarcados por anti-triptase
(p=0,012). Portanto, os mastócitos estão envolvidos no desenvolvimento da
cardiopatia hipertensiva, contribuindo para o remodelamento de fibras colágenas
nesta doença.
Palavras - chave: Autopsia. Cardiopatia Hipertensiva. Mastócitos.
ABSTRACT
The process of collagen deposition and fibrosis progression involving cardiac mast
cells are not completely elucidated. The aim was to analyze the percentage of
collagen fibers and mast cell density in the left ventricular myocardium in autopsied
patients with hypertensive heart disease and without heart disease. Thirty fragments
were collected from the left ventricular myocardium in autopsied patients at Clinical
Hospital, Triângulo Mineiro Federal University (UFTM) in the period 1984-2014,
grouped in subjects with hypertensive heart disease and without heart disease and
evaluated according to constitutional factors such as gender, color (white and
nonwhite), and age. Quantification of collagen fibers was made by computerized
morphometry and mast cell density assessed by immunohistochemical methods.
There was an increase of collagen fibers in the left ventricle in the hypertensive heart
disease group compared to the without heart disease group, but without significant
difference (p=0.957). In relation to the mast cell density, an increase in the left
ventricle of subjects with hypertensive heart disease immunomarked by anti-chymase
(p=0.278) and a significant difference immunomarked by anti-tryptase (p=0.012).
Thus, mast cells are involved in the development of hypertensive heart disease,
contributing to the remodeling of collagen fibers in this disease.
Keywords: Autopsy. Hypertensive Heart Disease. Mast Cells.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Micrografias do miocárdio ventricular esquerdo....................................... 24
Figura 2 - A. Gráfico da comparação da porcentagem de fibras colágenas do
ventrículo esquerdo entre indivíduos dos grupos CH e SC. B. Gráfico da comparação
da densidade mastocitária (triptase) do ventrículo esquerdo entre indivíduos dos
grupos
CH
e
SC
autopsiados
no
HC/UFTM
no
período
de
1984
a
2014........................................................................................................................... 27
Figura 3 - A. Gráfico da comparação da porcentagem de fibras colágenas do
ventrículo esquerdo entre homens e mulheres do grupo CH. B. Gráfico da
comparação da densidade mastocitária (triptase) do ventrículo esquerdo entre
homens e mulheres do grupo CH autopsiados no HC/UFTM no período de 1984 a
2014........................................................................................................................... 28
Figura 4 - A. Gráfico da comparação da porcentagem de fibras colágenas do
ventrículo esquerdo entre brancos e não brancos do grupo CH. B. Gráfico da
comparação da densidade mastocitária (triptase) do ventrículo esquerdo entre
brancos e não brancos do grupo CH autopsiados no HC/UFTM no período de 1984 a
2014........................................................................................................................... 29
Figura 5 - A. Gráfico da correlação entre a porcentagem de fibras colágenas e a
idade dos indivíduos do grupo CH. B. Gráfico da correlação entre a densidade
mastocitária (triptase) e a idade dos indivíduos do grupo CH autopsiados no
HC/UFTM no período de 1984 a 2014...................................................................... 30
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Características demográficas dos indivíduos autopsiados com cardiopatia
hipertensiva (CH) e sem cardiopatia (SC)................................................................. 26
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
B
Grupo de indivíduos brancos
CH
Cardiopatia Hipertensiva
CXC
Receptor de quimiocinas
DAB
Substrato cromógeno
HAS
Hipertensão Arterial Sistêmica
HC/UFTM
Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
HVE
Hipertrofia Ventricular Esquerda
IC
Insuficiência Cardíaca
ICC
Insuficiência Cardíaca Congestiva
Ig
Imunoglobulina
IL
Interleucina
MMP
Metaloproteinase de Matriz
n
Número de indivíduos
NB
Grupo de indivíduos não brancos
NOS
Óxido Nítrico Sintase
ONU
Organização das Nações Unidas
p
Nível de significância
PAR2
Receptor Tipo 2 Ativado por Protease
PICP
Pró-Peptídeo Carboxi-Terminal do Pró-Colágeno Tipo I
PBS
Tampão fosfato
PS
Picrosírius
r
Coeficiente de Pearson
rS
Coeficiente de Spearman
SC
Sem Cardiopatia
SCF
Fator de célula-tronco
t
t de Student
T
Mann-Whitney
TGF
Fator de Crescimento Transformador
TNF
Fator de Necrose Tumoral
LISTA DE SÍMBOLOS
g
grama
%
Porcentagem
®
Registrado
µm
micrômetro
H2O2
Peróxido de hidrogênio
ºC
grau Celsius
v
volume
mm²
milímetros quadrados
µl
microlitro
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 15
1.1. O CORAÇÃO................................................................................................. 15
1.2. EPIDEMIOLOGIA E HIPERTENSÃO............................................................ 15
1.3. ASPECTOS MORFOLÓGICOS DA CARDIOPATIA HIPERTENSIVA......... 16
1.4. MASTÓCITOS............................................................................................... 18
1.5. HIPÓTESE.................................................................................................... 21
1.6. OBJETIVO GERAL........................................................................................ 21
1.7. OBJETIVOS ESPECÍFICOS......................................................................... 21
2. MATERIAIS E MÉTODOS................................................................................... 22
2.1. OBTENÇÃO DA AMOSTRA.......................................................................... 22
2.2. PREPARAÇÃO DO MATERIAL.................................................................... 23
2.3. ANÁLISE MORFOMÉTRICA DAS FIBRAS COLÁGENAS........................... 23
2.4. ANÁLISE IMUNOHISTOQUÍMICA................................................................ 23
2.5. ANÁLISE ESTATÍSTICA............................................................................... 25
2.6. ASPECTOS ÉTICOS..................................................................................... 25
2.7. NORMAS PARA CONFECÇÃO DO MANUSCRITO.................................... 25
3. RESULTADOS.................................................................................................... 26
3.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA AMOSTRA............................................. 26
3.2. CARDIOPATIA HIPERTENSIVA (CH) E SEM CARDIOPATIA (SC).............. 26
3.3. GÊNERO....................................................................................................... 27
3.4. COR............................................................................................................... 28
3.5. IDADE............................................................................................................ 30
4. DISCUSSÃO........................................................................................................ 31
5. CONCLUSÃO...................................................................................................... 38
REFERÊNCIAS................................................................................................... 39
ANEXO A – Folha de aprovação CEP............................................................... 47
15
1 INTRODUÇÃO
1.1 O CORAÇÃO
O coração e os vasos sanguíneos fazem parte do sistema de condução do
sangue, proporcionando aos tecidos um suprimento constante de nutrientes vitais e
facilitando a excreção de produtos residuais. O peso cardíaco médio em um adulto é
de 250g a 300g nas mulheres e de 300g a 350g nos homens, sendo
aproximadamente 0,5% do peso corporal. O coração humano bombeia o sangue de
forma eficiente devido ao músculo cardíaco, o miocárdio, ser composto
principalmente por células musculares especializadas chamadas de cardiomiócitos
(SCHOEN e MITCHELL, 2010).
As células cardíacas são notórias pela sua incapacidade de proliferação
frente a diferentes processos de lesão cardíaca ou de falência durante as doenças
crônicas. Para atender essa demanda energética, os cardiomiócitos contam quase
que exclusivamente com a fosforilação oxidativa, que demanda muito oxigênio,
demonstrado a importância do suprimento constante de sangue oxigenado não só
para os tecidos periféricos, mas também para o tecido cardíaco (SAFFITZ, 2006).
Esse tecido comumente é órgão-alvo em diversos processos patológicos tais
como a hipertensão arterial, que aumentam o trabalho mecânico devido à
sobrecarga de pressão ou volume, levando ao aumento do tamanho dos
cardiomiócitos, consequentemente provocando o aumento no tamanho e peso do
coração (OLIVETTI et al., 1995; SCHOEN e MITCHELL, 2010).
1.2 EPIDEMIOLOGIA E HIPERTENSÃO
Os transtornos cardiovasculares são responsáveis por mais morbidade e
mortalidade do que qualquer outra categoria de doença humana. Nos países em
desenvolvimento, o crescimento da população idosa e o aumento da longevidade,
associados a mudanças nos padrões alimentares e no estilo de vida, têm forte
repercussão sobre o padrão de morbidade. No Brasil são responsáveis por cerca de
20% de todas as mortes em indivíduos acima de 30 anos (MANSUR e FAVARATO,
2012) e projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) demonstram que a
mediana da idade populacional passará de 25,4 anos em 2000 para 38,2 anos em
16
2050 (PASSOS et al., 2006; ALVES, 2014). Tal como ocorreu anteriormente na
Europa, o declínio do coeficiente de mortalidade geral não é o único aspecto notável
no Brasil nos últimos 60 anos, o aumento da expectativa de vida da população e a
modificação do seu perfil epidemiológico foram observados (PRATA, 1992;
BARRETO et al., 2009). Este processo, descrito como transição epidemiológica,
caracteriza-se pela evolução progressiva de um perfil de alta mortalidade por
doenças infecciosas para outro onde predominam os óbitos por doenças
cardiovasculares,
neoplasias,
causas
externas
e
outras
doenças
crônico-
degenerativas, como por exemplo, a hipertensão arterial (OMRAN, 1971;
CHAIMOWICZ, 1997; SCHRAMM et al., 2004; SANTOSA et al., 2014).
A hipertensão arterial se transformou em um dos mais graves problemas de
saúde global, tomando proporções de epidemia (SHAHBAZ et al., 2010; DRAZNER,
2011), atingindo os adultos, em especial os idosos, sendo definida como a elevação
crônica da pressão arterial sistólica e/ou pressão arterial diastólica (CARVALHO et
al., 1998; DÍEZ, 2009). Vários fatores predispõem a pessoa à hipertensão arterial,
como a aterosclerose, a obesidade, a idade avançada, o gênero, a etnia, o
sedentarismo, a dieta inadequada, o tabagismo, o estresse, os hormônios, o
diabetes e os fatores genéticos, cada qual contribuindo de maneira discreta, porém
não menos importante (KIZER et al., 2004; DRAZNER et al., 2005; DICKSON e
SIGMUND, 2006, FRAZER et al., 2009, LOVIC et al., 2014). Aproximadamente um
em cada quatro adultos no mundo ocidental apresenta hipertensão arterial. Uma
taxa elevada de 48% dos pacientes com hipertensão arterial evolui para a hipertrofia
do ventrículo esquerdo (LOVIC et al., 2014).
1.3 ASPECTOS MORFOLÓGICOS DA CARDIOPATIA HIPERTENSIVA
Uma das consequências da hipertensão arterial sistêmica (HAS) não tratada,
que induz o dano cardíaco e hipertrofia do ventrículo esquerdo, é a chamada
cardiopatia hipertensiva. Tem sido descrito um novo aspecto patogênico relacionado
com a cardiopatia hipertensiva: a apoptose dos cardiomiócitos e alterações de
síntese e degradação do colágeno, que podem desempenhar um papel importante
na evolução da hipertrofia do ventrículo esquerdo e lesão miocárdica (GRADMAN et
al., 2006; ANGUITA et al., 2008).
17
Processos fisiopatológicos na cardiopatia hipertensiva são controlados por
complexas interações entre os cardiomiócitos, matriz extracelular e outras células
presentes no tecido cardíaco. A cardiopatia hipertensiva é caracterizada por uma
constelação de mudanças na estrutura do miocárdio (crescimento, apoptoses,
neoformação de fibras colágenas intersticiais) que induzem o remodelamento do
miocárdio, ocasionando uma disfunção e hipertrofia do ventrículo esquerdo,
facilitando a falência cardíaca (DRAZNER, 2011). A partir das alterações iniciais do
remodelamento cardíaco, ocorre progressivo acúmulo de fibras colágenas (fibrose)
no tecido, causando também anormalidades na vasculatura intramiocárdica (fibrose
perivascular) (SCHWARTZKOPFF et al., 1993), desencadeando um desbalanço no
suprimento energético dos cardiomiócitos (MUJUMDAR e TYAGI, 1999). O
exagerado acúmulo de fibras colágenas, especialmente as do tipo I, no interstício,
miocárdico e circundante nas artérias e arteríolas tem sido constantemente
encontrado em corações de humanos autopsiados e em biópsias do miocárdio em
pacientes com cardiopatia hipertensiva (GONZÁLES et al., 2009).
A hipertrofia do ventrículo esquerdo é uma adaptação do coração a HAS, e
quando é induzida por sobrecarga de pressão apresenta um desproporcional
acúmulo de colágeno no compartimento intersticial, conferindo aspecto característico
(ROSSI, 1998; VAKILI e DEVEREUX, 2001). Estudo experimental sugere que o
aumento da massa do ventrículo esquerdo não é necessariamente sinônimo de
hipertrofia da célula miocárdica, havendo, nesse modelo, forte correlação com
aumento na ativação das células intersticiais, volume intersticial, e conteúdo de
colágeno (fibrose) (GOMES et al., 2010).
O aumento do colágeno fibrilar intersticial altera progressivamente a rigidez
da diástole e a força de ejeção do ventrículo, isto porque o colágeno fibrilar que
aumenta no interstício é o colágeno do tipo I, muito resistente à tração, ao contrário
do colágeno do tipo II, mais passível de sofrer distensão. Portanto a elasticidade e a
rigidez do estroma do miocárdio estão alteradas quando há acúmulo de colágeno
tipo I, ocorrendo aumento de rigidez e provavelmente a força de contração sistólica
torna-se menos eficaz, levando o ventrículo à insuficiência cardíaca (IC). (PEREIRA,
1993, SHAHBAZ et al., 2010).
Outro aspecto que tem sido discutido na literatura é o aumento do número de
mastócitos em transtornos cardiovasculares como na cardiopatia hipertensiva.
Estudo recente mostrou que a sobrecarga crônica do ventrículo esquerdo eleva a
18
densidade dos mastócitos cardíacos. Estes, por sua vez, estão envolvidos na
remodelação fibrótica do coração. No entanto, pouco se sabe sobre os mecanismos
envolvidos na fisiopatologia da fibrose relacionada à presença de mastócitos
cardíacos. A degranulação dessas células parece ter papel fundamental no
remodelamento fibrótico do coração (LEVICK et al., 2011).
1.4 MASTÓCITOS
A presença de mastócitos foi documentada no coração de anfíbios, roedores,
caninos e seres humanos. O primeiro pesquisador a descrever morfologicamente os
mastócitos foi Ehrlich em 1878, demonstrando que seu citoplasma era preenchido
com grânulos metacromáticos densos que se coravam de vermelho ou violeta
quando tratados com corantes básicos à base de anilina. Observou também que os
mastócitos geralmente residem no espaço intersticial e muitas vezes são justapostos
aos nervos e entre vasos sanguíneos. Esas observações contribuíram para que
Ehrlich recebesse o prêmio Nobel de Medicina em 1908 (BOT et al., 2008;
METCALFE, 2008). São distribuídos em todos os órgãos e tecidos vascularizados
do corpo, como pele, trato gastrointestinal, vias aéreas, peritônio, vasos sistêmicos e
coração. Essa diversidade de distribuição é associada à heterogeneidade dos
mastócitos (KINET, 2007).
Os mastócitos são derivados de uma célula precursora da medula óssea e
sua maturação sofre especial influência do ligante c-kit, fator de célula-tronco.
Circulam no sangue periférico como leucócitos mononucleares sem grânulos e
expressam os marcadores de superfície CD13, CD33, CD38 e CD34. Seu fenótipo
final depende do microambiente residente. São células capazes de produzir uma
gama de fatores de crescimento, citocinas IL-1, IL-4, IL-5, IL-10, histamina, cininas,
fosfolipases e endopeptidases (OKAYAMA e KAWAKAMI, 2006; THEOHARIDES et
al., 2007).
Mastócitos cardíacos ativados liberam uma série de potentes mediadores da
inflamação e pró-fibróticos, citocinas, quimiocinas, além de algumas proteases.
Podem ser ativados por meio de IgE, por fatores e histamina liberados por
macrófagos ou linfócitos T vizinhos ou por componentes do sistema complemento
(C3a,C5a). Quando ativados iniciam a degranulação que é o processo de exocitose
dos componentes dos seus grânulos (PATELLA et al., 1998; LESKINEN et al.,
19
2003). Os fatores que ativam os mastócitos cardíacos não foram totalmente
elucidados, porém endotelina-1, espécies reativas do oxigênio, substância P e IL-33
parecem estar envolvidos neste processo (CALDERÓN-GARCIDUENAS et al., 2001;
MURRAY et al., 2004, MORGAN et al., 2008; LEVICK et al., 2011). As proteínas
mais abundantes armazenadas nos grânulos de secreção dos mastócitos são as
endopeptidases, dentre elas, as mais importantes são a triptase e quimase. Ambas
são serinopeptidades, porém são diferentes na atividade e em padrões de
expressão (DOGGRELL et al., 2004; TSURUDA et al., 2006). Mastócitos maturando
em microambientes de tecidos diferentes podem variar no tipo e na quantidade de
triptase e quimase expressas.
O papel fisiológico da triptase e da quimase ainda é incerto e suas atividades
não são observadas em tecidos normais e sim em tecidos com lesão. A triptase é a
enzima predominante nos grânulos (METCALFE et al., 1997) e mastócitos humanos
que contém triptase em seus grânulos expressam receptor tipo 2 ativado por
protease (PAR2), e estudos em vitro demonstraram que o pré-tratamento dessas
células com peptídeo ativador de PAR2 promove o aumento de IL-8/CXC8
(CARVALHO et al., 2010). A incubação de triptase em culturas de células endoteliais
induz migração de neutrófilos in vitro que é dependente da IL-8 (COMPTON et al.,
2000). Outro estudo demonstrou que a incubação de fibroblastos cardíacos com
triptase levou à proliferação e síntese de colágeno (LEVICK et al., 2009). Já foi
demonstrado que a quimase possui a capacidade de ativar a angiotensina I em
angiotensina II (REILLY et al., 1982) e que provavelmente está envolvida no
remodelamento estrutural associado às doenças do sistema cardiovascular
(DOGGRELL et al., 2004).
É claro que os mastócitos desempenham um papel relevante em várias
cardiopatias, porém devido à complexa composição de grânulos secretórios e à
plasticidade do seu fenótipo, sua contribuição precisa ser elucidada (REID et al.,
2011). Estudos recentes envolvendo técnicas moleculares têm sido propostos na
tentativa de caracterizar o gene-chave na modulação destes processos patológicos,
porém ainda se encontram em estágios inicias, e seus achados ainda não são
capazes de serem transportados para a prática clínica (POST et al., 1997; ARNETT
et al., 2002; KAPUKU et al., 2006; PETRETTO et al., 2008, VASAN et al., 2009).
Pelo fato dos mastócitos poderem expressar algumas peptidases em níveis
elevados, imunohistoquímica e imunoensaios usando anticorpos dirigidos contra
20
estas enzimas são úteis experimentalmente para avaliar o número de mastócitos,
locais de ativação e doenças associadas (CAUGHEY, 2007). Portanto o presente
estudo pretende avaliar a relação dos mastócitos na cardiopatia hipertensiva,
contribuindo para melhor compreensão dos processos patológicos envolvidos e
servindo de base para novos estudos.
21
1.5 HIPÓTESE
Há um aumento das fibras colágenas e da densidade mastocitária no
ventrículo esquerdo em indivíduos com cardiopatia hipertensiva.
1.6 OBJETIVO GERAL
Analisar, por meio de estudos morfométricos e imunohistoquímicos, as fibras
colágenas e densidade mastocitária no ventrículo esquerdo de indivíduos
autopsiados com cardiopatia hipertensiva.
1.7 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
I.
Comparar a porcentagem de fibras colágenas e a densidade mastocitária no
ventrículo esquerdo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva e sem
cardiopatia;
II.
Relacionar a porcentagem de fibras colágenas e a densidade mastocitária no
ventrículo esquerdo com o gênero e cor nos indivíduos com cardiopatia
hipertensiva;
III.
Correlacionar a porcentagem de fibras colágenas e a densidade mastócitaria
no ventrículo esquerdo com a idade nos indivíduos com cardiopatia
hipertensiva.
22
2 MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 OBTENÇÃO DA AMOSTRA
Foram utilizados fragmentos do terço médio da parede livre do ventrículo
esquerdo de 30 indivíduos autopsiados no Hospital de Clínicas da Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (HC/UFTM), Uberaba-MG, no período de 1984 a 2014.
Os protocolos de autópsias foram analisados para a obtenção dos dados como a
idade, o gênero, a cor, o peso cardíaco e o peso corporal. Foram selecionados
indivíduos com a idade igual ou superior a 18 anos, os quais foram divididos em dois
grupos: (1) indivíduos com cardiopatia hipertensiva (CH) (n=15) e (2) indivíduos sem
cardiopatia (SC) (n=15). Foram excluídos deste estudo os casos em que o laudo de
autópsia estava incompleto, os casos em que os indivíduos apresentavam doença
de Chagas ou qualquer tipo de cardiopatia. A relação do peso cardíaco(g)/peso
corporal(g) x 100, utilizada na definição de hipertrofia cardíaca, foi calculada em
todos os casos. (ALMEIDA et al., 1979).
2.2 PREPARAÇÃO DO MATERIAL
Os 30 fragmentos do ventrículo esquerdo de indivíduos autopsiados foram
recuperados no arquivo de peças da Disciplina de Patologia Geral – UFTM. Os
fragmentos do ventrículo esquerdo já estavam fixados em formaldeído a 3,7%.
Inicialmente, foram desidratados em álcoois com concentrações crescentes (70 a
100%), diafanizados em xilol e emblocados em parafina A seguir, foram realizados
cortes seriados de 4 µm de espessura. Foram confeccionadas três lâminas, sendo
que a lâmina 1 foi corada pelo Picrosírius (PS) (solução aquosa saturada de ácido
pícrico adicionada de 0,1g% de vermelho da Síria F3B - Sirius red F3B-Bayer®) com
contra coloração pela hematoxilina (JUNQUEIRA et al, 1979).
2.3 ANÁLISE MORFOMÉTRICA DAS FIBRAS COLÁGENAS
O número de campos para avaliação e quantificação das fibras colágenas do
ventrículo esquerdo foi definido pelo teste da média acumulada (WILLIAMS, 1977).
Dividimos em quatro quadrantes o corte histológico e digitalizamos quarenta campos
23
de cada fragmento. A área de fibras colágenas sob a luz polarizada apresentava um
aspecto birrefringente, variando de amarelo esverdeado a laranja avermelhada (FIG.
1A e 1B). As fibras colágenas foram marcadas pelo observador para obter-se o
percentual de colágeno por campo analisado. Dessa forma, a imagem do campo
quantificado foi digitalizada por meio de uma câmera acoplada ao microscópio. A
morfometria foi realizada com o sistema analisador de imagem KS300® (Carl
Zeiss®), com aumento final de 800x.
2.4 ANÁLISE IMUNOHISTOQUÍMICA
As Lâminas 2 e 3 foram utilizadas para a análise imunohistoquímica. Foi
realizada para a identificação da positividade para anti-quimase 1:2000 (Diagnostic
BioSystems®) (FIG. 1C e 1D) e anti-triptase 1:500 (Diagnostic BioSystems®) (Figura
1E e 1F) para a marcação dos mastócitos. Foi utilizado o xilol para retirar a parafina
da lâmina e, posteriormente, hidratada em álcoois decrescentes até água destilada.
Em uma panela a vapor a 97ºC as lâminas foram embebidas em solução de tampão
citrato por 30 minutos e, logo após, resfriadas em temperatura ambiente de 25ºC por
mais 30 minutos. O material foi lavado em água destilada rapidamente. A peroxidase
endógena foi inibida com H2O2 0,03v, três vezes por 5 minutos, em temperatura
ambiente e no escuro. Então foi feita a lavagem em água rapidamente e depois em
solução de PBS 5 minutos. Os anticorpos primários foram reconstituídos e diluídos
em solução de PBS juntamente com albumina, incubados em câmara úmida e
escura e deixados overnight a 8ºC.
Posteriormente lavou-se novamente em água destilada rapidamente e depois
em solução de PBS 5 minutos. Os anticorpos secundários foram incubados por 1
hora à temperatura ambiente em câmara úmida. Em seguida foi lavado em solução
de PBS e depois colocado em PBS por 5 minutos. Incubou-se em peroxidase por 1
hora à temperatura ambiente em câmara úmida. Lavou-se em solução de PBS 5
minutos. As lâminas foram incubadas com DAB Chromogen_Substrate System
(Dako®) por 10 minutos à temperatura ambiente e câmara úmida (100 µl DAB + 15
µl de H2O2). As lâminas foram lavadas com água destilada para inativar o DAB,
contra corados com Hematoxilina de Harris e montadas com lamínula e Entellan®.
A quantificação dos mastócitos foi feita em microscópio de luz comum com o
aumento final de 500x em campo microscópio de 0,1520mm². Os fragmentos foram
24
divididos em quatro quadrantes e em cada quadrante foram quantificados dez
campos de forma aleatória. A densidade de mastócitos de cada fragmento foi
determinada dividindo-se o número total de mastócitos quantificados nos quarenta
campos pela área total dos campos, expressa em mastócitos/mm².
Figura 1 – Micrografias de fragmentos do miocárdio ventricular esquerdo examinado
sob luz comum (A) e examinado sob luz polarizada (B), onde podemos observar as
fibras colágenas birrefringentes (setas) (Picrosírius – 200x). C e D – Mastócitos
(setas) imunomarcados por anti-quimase (Imunohistoquímica 200x e 400x). E e F –
Mastócitos (setas) imunomarcados por anti-triptase (Imunohistoquímica 200x e
400x).
Fonte: PATGE (2015).
25
2.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para a análise estatística foi elaborada uma planilha do programa Microsoft
Excel®. As informações foram analisadas utilizando-se o programa eletrônico
GraphPad Prism® 6.05. Para verificar o tipo de distribuição das variáveis foi aplicado
o teste estatístico de Kolmogorov-Smirnov. Quando a distribuição foi normal
utilizamos o teste t de Student (t) para a comparação de dois grupos. Quando a
distribuição foi não normal, utilizamos o teste de Mann-Whitney (T) para a
comparação de dois grupos. Para correlação, foi empregado o coeficiente de
correlação de Pearson (r) para distribuição normal e o de Spearman (rS) para
distribuição não-normal. As diferenças foram consideradas estatisticamente
significantes quando p foi menor que 5% (p<0,05).
2.6 ASPECTOS ÉTICOS
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFTM por
meio do protocolo nº 1373 (Anexo A).
2.7 NORMAS PARA CONFECÇÃO DO MANUSCRITO
Para a elaboração da escrita do trabalho foram consultadas as normas ABNTNBR 6027:2012, e as recomendações da PGCS/UFTM (Curso de Pós-Graduação
em Ciências da Saúde da UFTM).
26
3 RESULTADOS
3.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA AMOSTRA
A média de idade dos indivíduos no grupo com cardiopatia hipertensiva foi de
53,3, variando de 34 a 81 anos e no grupo sem cardiopatia foi de 55,3 anos,
variando de 45 a 80 anos. De acordo com o gênero, 14 (46,6%) indivíduos eram do
gênero masculino e 16 (53,3%) indivíduos eram do gênero feminino. Em relação à
cor, 21 (70%) indivíduos eram brancos e 9 (30%) indivíduos eram não brancos.
(TAB. 1).
Tabela 1 – Características demográficas dos indivíduos autopsiados com cardiopatia
hipertensiva (CH) e sem cardiopatia (SC)
Características
Grupo CH
Grupo SC
Demográficas
(n=15)
(n=15)
53,3(34-81)
55,3(45-80)
Masculino
33,3 (5)
60 (9)
Feminino
66,6 (10)
40 (6)
Branca
66,6 (10)
73,3 (11)
Não Branca
33,3 (5)
26,6 (4)
Idade méd. (min-máx.)
Gênero % (n)
Cor % (n)
méd = média; min= mínimo; máx = máximo; n= número total
3.2 CARDIOPATIA HIPERTENSIVA (CH) E SEM CARDIOPATIA (SC)
Comparando os grupos, houve um aumento das fibras colágenas no
ventrículo esquerdo no grupo CH em comparação ao grupo SC, porém sem
diferença significativa (p=0,957) (FIG. 2A). Em relação à densidade mastocitária,
houve um aumento no ventrículo esquerdo dos indivíduos com CH imunomarcados
por anti-quimase (p=0,278) e com diferença significativa na densidade de mastócitos
no ventrículo esquerdo nos imunomarcados por anti-triptase (p=0,012*) (FIG. 2B).
27
Figura 2 – A. Gráfico da comparação da porcentagem de fibras colágenas do
ventrículo esquerdo entre indivíduos dos grupos CH e SC. B. Gráfico da
comparação da densidade mastocitária (triptase) do ventrículo esquerdo entre
indivíduos dos grupos CH e SC autopsiados no HC/UFTM no período de 1984 a
2014
3.3 GÊNERO
Analisando o grupo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva (CH),
indivíduos do gênero masculino apresentaram aumento de fibras colágenas no
ventrículo esquerdo em relação aos indivíduos do gênero feminino no grupo com
CH, porém sem diferença significativa (p=0,315) (FIG. 3A). Em relação à densidade
mastocitária, houve um aumento no ventrículo esquerdo nos indivíduos do gênero
28
masculino em relação ao gênero feminino imunomarcados por anti-quimase
(p=0,089) e imunomarcados por anti-triptase (p=0,439) (FIG. 3B), porém sem
diferença significativa.
Figura 3 – A. Gráfico da comparação da porcentagem de fibras colágenas do
ventrículo esquerdo entre homens e mulheres do grupo CH. B. Gráfico da
comparação da densidade mastocitária (triptase) do ventrículo esquerdo entre
homens e mulheres do grupo CH autopsiados no HC/UFTM no período de 1984 a
2014
3.4 COR
Analisando o grupo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva (CH), a
porcentagem de fibras colágenas no ventrículo esquerdo apresentou-se mais
29
acentuada nos indivíduos não brancos em relação aos indivíduos brancos, sem
diferença significativa (p=0,591) (FIG. 4A). Em relação à densidade mastocitária,
houve um aumento no ventrículo esquerdo nos indivíduos não brancos
imunomarcados por anti-quimase (p=0,537) e com diferença significativa na
densidade de mastócitos no ventrículo esquerdo imuno-marcado por anti-triptase (p=
0,012*) (FIG. 4B).
Figura 4 – A. Gráfico da comparação da porcentagem de fibras colágenas do
ventrículo esquerdo entre brancos e não brancos do grupo CH. B. Gráfico da
comparação da densidade mastocitária (triptase) do ventrículo esquerdo entre
brancos e não brancos do grupo CH autopsiados no HC/UFTM no período de 1984 a
2014.
30
3.5 IDADE
Analisando o grupo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva (CH), houve
correlação positiva e não significativa entre a porcentagem de fibras colágenas no
ventrículo esquerdo e a idade (p=0,892) (FIG. 5A), entre a densidade de mastócitos
no ventrículo esquerdo imunomarcados por anti-quimase e a idade (p=0,138) e entre
a densidade de mastócitos no ventrículo esquerdo imunomarcados por anti-triptase
e a idade (p=0,872) (FIG. 5B).
Figura 5 – A. Gráfico da correlação entre a porcentagem de fibras colágenas e a
idade dos indivíduos do grupo CH. B. Gráfico da correlação entre a densidade
mastocitária (triptase) e a idade dos indivíduos do grupo CH autopsiados no
HC/UFTM no período de 1984 a 2014.
31
4 DISCUSSÃO
No coração, a HAS pode ser considerada um fator responsável por alterações
estruturais e funcionais (DIAMOND e PHILLIPS, 2005) Promove arritmogênese por
condução anisotrópica prejudicada e geração subsequente de circuitos de reentrada
e
taquiarritimias
ventriculares,
principalmente
pelo
acúmulo
de
fibrose,
desencadeando manifestações clínicas características da HAS não tratada (KHAN,
2006).
No presente estudo encontramos um aumento de fibras colágenas no
ventrículo esquerdo do grupo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva em
comparação ao grupo de indivíduos sem cardiopatia. Estes achados, apesar de não
significativos, corroboram com a literatura, onde relata que dentre as alterações
morfológicas da cardiopatia hipertensiva, a fibrose é uma das modificações mais
encontradas nos pacientes hipertensos, caracterizada por excesso ou acúmulo
difuso de fibras colágenas, consequentemente aumentando a rigidez miocárdica,
progredindo para a disfunção do ventrículo esquerdo e culminando com a IC
(JIMÉNEZ-NAVARRO et al, 2005). Essa fibrose reacional é característica de
processos patológicos que desencadeiam a hipertrofia miocárdica (BERK et al.,
2007; SPINALE, 2007). Os mecanismos responsáveis pela progressão da HVE
incluem não só uma resposta para o estresse mecânico, mas também as influências
de neuro-hormônios, fatores de crescimento e citocinas, demonstrando que o
estroma tem papel crucial no remodelamento cardíaco (HILL e OLSON, 2008; DÍEZ,
2010; DRAZNER, 2011).
É possível que esse aumento não significativo das fibras colágenas em
indivíduos com cardiopatia hipertensiva decorra do número de casos avaliados.
Infelizmente não conseguimos aumentar nosso número de casos devido à
dificuldade em se obter indivíduos apenas com lesões típicas de HAS, como HVE,
que tivessem sido submetidos à autópsia.
Um estudo realizado na quantificação do colágeno em corações autopsiados
de indivíduos hipertensos e não hipertensos, demonstrou um discreto aumento de
colágeno nos indivíduos hipertensos com HVE (JORGE et al., 2004). Outro estudo
demonstrou que tanto em humanos quanto em ratos cardiopatas hipertensos, o
metabolismo do colágeno tipo I está aumentado (LÓPEZ et al., 2001). Trabalhos
relataram a estreita relação entre o diagnóstico histológico não invasivo de fibrose
32
miocárdica em animais e pacientes hipertensos, utilizando marcadores bioquímicos
como pró-peptídeo carboxi-terminal do pró-colágeno tipo I (PICP) (JIMÉNEZNAVARRO et al, 2005) e dosagens séricas deste pró-peptídeo demonstraram uma
elevada concentração nos indivíduos com cardiopatia hipertensiva em relação aos
indivíduos sem cardiopatia (GONZÁLES et al., 2009), evidenciando que os
precursores da síntese do colágeno estão aumentados nos indivíduos acometidos
pela cardiopatia hipertensiva.
Já foi também demonstrado que a razão sérica entre metaloproteinases de
matriz-1 (MMP-1) e seu inibidor tecidual estão alteradas nos pacientes com
cardiopatia hipertensiva e que pacientes que apresentavam falência na fração de
ejeção decorrente da dilação da câmara ventricular esquerda apresentavam
alterações na distribuição de fibras colágenas, sobretudo perivascular e cicatricial e
aumento considerável de MMP-1 (LÓPEZ et al., 2001). Estes relatos da literatura
fazem conexão com achados do presente trabalho, pois estas enzimas são as
principais mediadoras do remodelamento miocárdico, que ocorre via ativação de
MMPs principalmente pela liberação de triptase, que cliva o precursor pro-MMP-3,
ativando MMP-3 que então ativa MMP-1 e pela liberação de quimase, ativando
MMP-2 e MMP-9 (GRUBER.et al., 1989; LEES et al., 1994; SUZUKI et al., 1995;
TCHOUGOUNOVA et al., 2005; HEIKKILA et al., 2008).
Esse remodelamento parece ser crítico para a progressão da HVE,
provavelmente resultado da inflamação crônica presente na cardiopatia hipertensiva.
Um estudo demonstrou o aumento da densidade mastocitária nas coronárias de
pacientes acometidos pela doença arterial coronariana e que níveis séricos de
triptase, principal biomarcador da elevação dos números de mastócitos, podem ser
usados como teste de screenning para avalição dessa condição em pacientes que
ainda não apresentam manifestações clínicas (DELIARGYRIS et al., 2005).
Estudos experimentais relatam que os mastócitos cardíacos estão envolvidos
no desenvolvimento da fibrose miocárdica. Os primeiros a descrever esta
associação foram OLIVETTI et al., 1989 quando observaram o aumento dos
mastócitos cardíacos no ventrículo direito em ratos com estenose da artéria
pulmonar, apesar de não indicarem se os mastócitos estavam associados com a
fibrose. Já PANIZO et al., 1995 foram os primeiros a investigar os mastócitos no
ventrículo esquerdo na HAS, e notaram a forte correlação do aumento da densidade
mastocitária e aumento do colágeno.
33
No presente estudo, encontramos um aumento significativo na densidade de
mastócitos imunomarcados com anti-triptase no ventrículo esquerdo de indivíduos
com cardiopatia hipertensiva. Estudos experimentais que explicam nosso resultado
demonstraram o aumento da densidade mastocitária em condições de sobrecarga
ventricular esquerda e remodelamento do miocárdio. Os produtos da degranulação
dos mastócitos são de natureza pró-inflamatória, pró-fibrogênicos e hipertróficos, e
dentre estes, destacam o fator de crescimento transformador β (TGF-β), histamina,
triptase, quimase, interleucina-4 (IL-4), fator de necrose tumoral α (TNF-α)
(MATSUMOTO et al., 2003; PALANIYANDI et al., 2007).
Dados da literartura demonstram que as principais citocinas que participam do
desenvolvimento da fibrose no tecido miocárdico são o TGF-β, IL-13 e IL-4
(BHOGAL et al., 2008; TEEKAKIRIKUL et al., 2010), esta demonstrando ser
altamente eficaz para estimular a biossíntese de colágeno em fibroblastos humanos
(KANELLAKIS, 2012). Outros estudos experimentais demonstraram que a presença
de mastócitos cardíacos era fundamental para o desenvolvimento da insuficiência
cardíaca congestiva (ICC) e que estavam envolvidos na transição da hipertrofia
compensatória para a hipertrofia descompensada e, consequentemente, culminando
com a falência cardíaca (HARA et al., 2002). Quando estimulados, os mastócitos
migram para o local da lesão inflamatória, sendo que a quimiocina responsável por
essa migração é o stem cell factor (SCF), produzido por células mesenquimais do
tecido, como os fibroblastos. Este fator foi detectado em células endotelias e
musculares lisas da íntima das artérias humanas sugerindo ser responsável pela
migração de mastócitos para os tecidos lesionados (KOVANEN, 2007).
Um estudo experimental com ratos hipertensos demonstrou que a densidade
mastocitária elevou significativamente no tecido cardiaco e também a liberação de
citocinas, como TGF-β e TNF-α. Demonstraram também que taxa de expressão do
mRNA do gene codificador do SCF estava significativamente elevada nos ratos
hipertensos já durante o período neonatal (SHIOTA ET AL., 2003). Esses achados
da literatura corroboram com os dados encontrados neste trabalho, visto que no
grupo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva, a densidade de mastócitos
imunomarcados tanto com anti-quimase quanto por anti-triptase encontrou-se
aumentada. Optamos por utilizar duas proteases específicas dos mastócitos para
evitar qualquer tipo de marcação cruzada e também destacar o papel destas na
remodelação cardíaca e progressão da fibrose no ventrículo esquerdo dos
34
indivíduos com cardiopatia hipertensiva.
No presente trabalho encontramos um aumento não significativo das fibras
colágenas e densidade mastocitária no ventrículo esquerdo em homens com
cardiopatia hipertensiva, porém também era um resultado esperado, sendo que na
literatura relata que a prevalência da pré-hipertensão e hipertensão é menor nas
mulheres em comparação aos homens (TOPRAK et al., 2009). Aparentemente o
gênero feminino sofre menos os efeitos da hipertensão em relação aos homens,
devido, entre outros fatores, os efeitos protetores do estrogênio endógeno (ZHOU et
al., 2008), levando em consideração a média de idade de 53,3 anos das mulheres
analisadas, de acordo com estudo que relata que a hipertrofia cardíaca é maior em
mulheres climatérias, em consequência da redução dos hormônios sexuais
femininos que agem como protetores cardíacos (BATLOUNI et al., 1995), que
também suprime a ação das MMPs por meio da repressão de citocinas como o TNFα (HARNISH et al., 2004), controlando a ativação dos mastócitos. Já é sabido que o
estrogênio afeta a função cardiovascular seja pela diminuição da pressão arterial ou
modificando a produção de fatores derivados do endotélio vascular.
Um estudo recente em humanos demonstrou que níveis circulantes do
peptídeo natriurético atrial apresentam-se elevado nas mulheres antes da
menopausa em relação aos homens. Este peptídeo atua na enzima óxido nítrico
sintase (NOS), que produz efeitos anti-inflamatórios, anti-apoptóticos e antifibróticos, mediados pela produção de óxido nítrico (ROMERO et al., 2013). O
desbalanço entre a produção de radicais livres e os mecanismos de defesa antioxidantes eleva a produção de espécies reativas do oxigênio, que estão associadas
ao desenvolvimento e progressão da hipertensão.
Estudos experimentais demonstraram que a deleção do gene do receptor de
estrógeno beta resultou em hipertensão em ratos, tanto em machos quanto em
fêmeas (ZHU et al., 2002) e também na disfunção endotelial e aumento do estresse
oxidativo (WASSMAN et al., 2001). Um dos produtos do estresse oxidativo, o H2O2,
eleva a expressão de IL-4, bem como a atividade do promotor de IL-4 nas células
mastocitárias (WU, 2001), destacando o ciclo existente entre ativação dos
mastócitos, inflamação e hipertensão arterial e os possíveis mecanismos protetores
presente nas mulheres.
Com relação à cor, apesar de os indivíduos não brancos apresentarem um
aumento da porcentagem de fibras colágenas, a relação entre cardiopatia
35
hipertensiva e a cor da pele é controversa. A miscigenação do brasileiro torna a raça
um critério de menor validade para avaliação do risco de desenvolver doença
cardíaca (LATADO et al., 2009). Em estudo com pacientes autopsiados observou
que não houve predomínio de hipertrofia do ventrículo esquerdo em indivíduos
negros (LESSA et al., 1994), porém utilizou como critério de exclusão a ausência de
hipertensão, diferente dos nossos achados que os indivíduos eram hipertensos.
Outros estudos têm demonstrado existir relação devido à gravidade, duração da
hipertensão (LEE et al., 1992) e sugerindo que o controle genético da massa
ventricular pode ser diferente dependendo do grupo étnico (ARNETT et al., 2002).
Estudos anteriores já demonstram dados que sugerem que a HVE contribuiu para a
alta frequência de morte súbita, especialmente entre os negros (ONWUANYI et al.,
1998).
A HAS é uma das principais causas de disparidades na taxa de mortalidade
entre negros e brancos na América, devido às diferenças de prevalência e controle.
Alguns sugerem que cuidados primários e contextos sociais e ambientais reforçam
essa disparidade na prevalência de hipertensão grave entre negros e brancos
(HARNISH et al., 2004; NOBLAT et al., 2004; SATCHER et al., 2008). Apesar da
divergência da literatura, no presente estudo o mais interessante é sem dúvida a
demonstração de que o ventrículo esquerdo dos indivíduos não brancos é muito
mais rico em mastócitos em comparação com os indivíduos brancos. Não
encontramos na literatura nenhum estudo comparativo entre indivíduos com
cardiopatia hipertensiva e sem cardiopatia com relação aos mastócitos. Isso
demonstra novamente a participação dos mastócitos no remodelamento cardíaco na
cardiopatia hipertensiva, especialmente entre os indivíduos não brancos.
Nesta pesquisa houve um aumento não significativo da porcentagem de fibras
colágenas e da densidade mastocitária com a idade no grupo de indivíduos com
cardiopatia hipertensiva. O Brasil possuirá, em 2020, a sexta população mundial de
idosos. É necessário, portanto, que os estudos evidenciem cada vez mais as
modificações
estruturais,
funcionais
e
hemodinâmicas
relacionadas
ao
envelhecimento, a fim de melhor conduzir as pesquisas e consequentemente o
possível tratamento destes idosos. Constitui um grupo de maior risco para o
aparecimento das doenças degenerativas, em geral, e cardiovasculares em
particular, além de apresentar maior número de comorbidades (KITZMAN e
EDWARDS, 1990; CARVALHO, 2003; VERAS, 2009). O envelhecimento produz
36
progressivas mudanças cardíacas estruturais já bem estabelecidas. Em nível celular
e subcelular, observam-se fibrose cardíaca, redução do número de cardiomiócitos e
aumento
compensatório
do
tamanho
e
capacitância
dos
cardiomiócitos
remanescentes (ROCHA et al., 2010). A perda celular associa-se com formação
aumentada de tecido conectivo, deposição de colágeno e proteína amilóide entre as
células da parede ventricular. Essas alterações tornam o músculo cardíaco mais
rígido e mais resistente às alterações da forma, requerendo mais energia para o
coração dilatar-se. O aumento da impedância à ejeção ventricular esquerda resulta
em hipertrofia miocárdica e fibrose intersticial (YU, 1997).
O termo inflammaging foi introduzido recentemente para definir o estado de
inflamação crônica que ocorre com o envelhecimento. Esse processo inflamatório é
caracterizado por ser de pequena intensidade, sistêmico, crônico e subclínico
(GIUNTA et al., 2008). A inflamação crônica decorrente do envelhecimento, ou
inflammaging, manifesta-se como um aumento em até quatro vezes nos níveis
circulantes de citocinas inflamatórias. Vários estudos relataram aumento nos níveis
de
IL-3,
IL-6,
IL-8,
IL-10,
IL-15
e
TNF-α
com
o
aumento
da
idade.
(MALAGUARNERA et al., 2001; BRUUNSGAARD et al., 2003). O desequilíbrio na
produção e na liberação de citocinas e a manutenção de um estado pró-inflamatório
contribuem para maior predisposição a doenças infecciosas e para o aparecimento
e/ou agravamento de doenças crônicas, como hipertensão arterial, diabetes e
doenças reumatológicas, condições comuns no indivíduo idoso.
Assim, o inflammaging parece estar associado ao aumento da morbidade e
da mortalidade em idosos. Os efeitos dos mediadores inflamatórios são
independentes de morbidades preexistentes e de outros fatores de risco de morte
tradicionais
como
tabagismo,
hipertensão
arterial,
sedentarismo,
hipercolesterolemia, entre outros, sugerindo a existência de atividades biológicas
específicas para as citocinas. Entretanto, apesar de nocivas, as mudanças que
contribuem para o inflammaging são parte do processo normal do envelhecimento
(HUNT et al., 2010; ROCHA et al., 2010).
Apesar dos achados não significativos, tais resultados podem acontecer
devido à intensidade da HAS, o número de indivíduos analisados e a faixa etária dos
indivíduos analisados no estudo, visto que a média de idade de foi 53,3 anos no
grupo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva, talvez ainda não apresentando
37
acúmulo de fibras colágenas de forma evidente, como acontece em indivíduos
idosos (WEBER et al., 2000).
38
5 CONCLUSÃO
Nos indivíduos com cardiopatia hipertensiva, ocorre um aumento das fibras
colágenas no ventrículo esquerdo. Essa fibrose reacional é um processo
fundamental para desencadear a hipertrófica miocárdica. O aumento na densidade
de mastócitos no ventrículo esquerdo de indivíduos com cardiopatia hipertensiva
observada no estudo nos permitiu concluir que os mastócitos possuem um papel
relevante no remodelamento do miocárdio na cardiopatia hipertensiva, e estudos
adicionais poderão colaborar para a completa elucidação dos mecanismos de
turnover do colágeno, a fim de que novos alvos terapêuticos possam ser
determinados com o objetivo de regular as ações das principais proteases liberadas
na ativação dos mastócitos.
39
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ANEXO A – Folha de Aprovação CEP
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Análise dos mastócitos e fibrose miocárdia em indivíduos