A acção da coroa e dos indivíduos na constituição do território e da identidade do Brasil colonial. As batalhas dos Guararapes como estudo de caso Amélia Polónia U. Porto/ CITCEM Comissão Portuguesa de História Militar 1. Pressupostos teóricos A presente comunicação insere-se em recentes linhas de investigação que apontam para a importância da análise de mecanismos informais e da actuação de agentes individuais para a compreensão dos processos históricos, incluindo os envolvidos na construção dos chamados impérios coloniais. O que se pretende é valorizar a importância das motivações, das iniciativas e do empreendedorismo individual, para além das actuações institucionais e formais de coroas e de Estados. A historiografia europeia tem estado centrada em aproximações que conferem clara prevalência ao estudo dos desempenhos políticos, militares, e económicos dos Estados e das coroas europeias. As actuações coloniais reconhecidas para este período são em grande medida explicadas a partir do enfoque dado às estratégias do poder central e das rivalidades entre potências políticas coloniais. É, pelo contrário, nossa convicção, que os indivíduos e os grupos de indivíduos contribuíram extensivamente para estas dinâmicas, às vezes ainda mais do que o próprio poder central1. Esta é de resto uma tendência a que não se revela alheia a investigação em história militar, e que alguns dos Congressos da Comissão Internacional de História Militar têm reflectido de forma expressiva2. Em segundo lugar, não questionando que os processos de colonização implicam mecanismos de imposição e relações de domínio, e que muitas das formas de colaboração dos agentes colonizados são induzidas por relações de força, pretende-se introduzir na análise histórica variáveis de estudo que incluam a actuação de mecanismos de cooperação, para além das tradicionais análises de relações de conflitos, no estudo das relações coloniais no período moderno. Esta revisão historiográfica parece ser plenamente justificada no caso da construção do chamado império colonial português. Por último, esta comunicação procura discutir a hipótese de que os processos de construção de espaços coloniais não dependem apenas da acção directa dos 1 colonizadores e das suas intenções, mas antes da interacção entre colonizadores e colonizados, sendo o resultado do processo o reflexo da intervenção activa de todos os agentes envolvidos, no caso brasileiro, Europeus, Ameríndios e Africanos. Focando esta comunicação na análise da construção do espaço brasileiro, numa dimensão territorial, política, social e cultural, e tomando como caso de estudo a reacção da sociedade colonial brasileira à tentativas de ocupação holandesa, entre a 1624 e 1654, é nosso objectivo discutir estes pressupostos, procurando apontar para o papel do Estado e dos agentes individuais, colonos e colonizados, na construção e defesa do espaço territorial brasileiro. Partindo de questões de natureza militar, objecto central deste congresso, a análise apontará, porém, para dinâmicas que transcendem este particular domínio de actuação 2. O papel do Estado e dos indivíduos na consolidação de entrepostos ultramarinos No que se reporta ao caso português, e ao processo de expansão e de colonização ultramarinas, a historiografia portuguesa tende a apontar para o protagonismo de figuras tidas como centrais no processo, nomeadamente o Infante D. Henrique, enganosamente cognominado de “O navegador”. Estudos recentes, desenvolvidos numa perspectiva da história local, e da micro-história, tendem, porém, a provar o valor determinante, nesses processos, da actuação do homem-comum, marinheiro, piloto, capitão, mercador ou emigrante. Estudos sobre navegação, comércio e colonização parecem consubstanciar essa evidência. O mesmo ocorre quando analisados os modelos jurídicos de apropriação de espaços ultramarinos. Em termos de jurisdição, é um facto que a coroa portuguesa frequentemente delegava poderes de povoamento, conquista e defesa em agentes individuais, alguns dos quais eram mesmo estrangeiros. O modelo das capitanias donatárias, de posse hereditária, implementado, primeiro nos arquipélagos atlânticos e depois no Brasil, testemunha o que dizemos. Mesmo quando o estado pretendeu centralizar politicamente a administração dos territórios ultramarinos, como ocorreu em 1549, com a criação do Governo Geral, no Brasil, ou com a prévia criação do Estado da Índia, parece estar igualmente comprovado que essas estruturas nunca se revelaram capazes de evitar ou excluir as intervenções informais e frequentemente marginais, de agentes privados, 2 sendo o dinamismo destes e das iniciativas essenciais para a compreensão das formas assumidas pelo chamado império colonial português. No caso do Brasil, a actuação de agentes individuais revela-se particularmente marcante. Com efeito, a coroa distribuiu, desde 1532, grandes faixas territoriais em que delegava jurisdição, administração, defesa e organização económica em particulares, capitães donatários, constituindo esses espaços em senhorios com dilatados poderes, mais vastos ainda do que aqueles praticados na Madeira e nos Açores 3. Delimitando faixas territoriais a partir do litoral, e com fronteira a Oeste por definir, o monarca pretendia delegar as responsabilidades de organização do território, povoamento e colonização em particulares, recorrendo ao tradicional sistema de distribuição de terras em regime de sesmarias. É certo que este modelo de capitanias hereditárias não se revelou totalmente eficaz para garantir o povoamento, a exploração e a defesa do espaço brasileiro, mais ainda em tempos de confrontos, quer com populações indígenas reactivas à afirmação da presença portuguesa, quer com franceses, que se fixavam ilegalmente no território administrado por Portugal, quer com espanhóis, com quem se discutiam delimitações territoriais e questões de fronteiras. Apesar da criação de um Governo Geral, em 1549, e de toda uma estrutura administrativa, judicial, financeira e religiosa, que se pretendia centralizada, primeiro na sede do governo, depois em Lisboa, o facto é que a efectiva administração e defesa do território, continuava a ocorrer a nível das capitanias, que sempre se mantiveram como estrutura de base de organização do território4. Historiografia brasileira, romances históricos consagrados e, na sua esteira, produções televisivas em série e uma vasta produção cinematográfica consubstanciam ainda uma outra realidade: a da roça, como unidade produtiva, social e simbólica, em que se definiam as mais intensas relações de sociabilidade e em que se definia a estruturação de base da sociedade brasileira no mundo rural. “Casa Grande & Senzala”5, a consagrada, embora discutível obra que Gilberto Freyre imortalizou, no domínio da análise histórica, sociológica e antropológica, esta realidade. Segundo o autor, aí, na roça, se definiam relações de poder, real e simbólico e dinâmicas de miscigenação, que explicam, em grande parte, o hibridismo e o sincretismo racial, cultural e religioso da actual sociedade brasileira. É ainda reconhecido que, ao contrário do que ocorria na Rota do Cabo, no Oriente, e no Estado da Índia em geral, a navegação, emigração e exploração económica do Brasil não estava condicionada por nenhuma política centralizada pela coroa 3 portuguesa, antes dependia da actuação de indivíduos e de redes auto-organizadas, que se revelaram agentes essenciais para a estruturação do povoamento e a exploração económica do território brasileiro. Isso explica ainda a influência marcadamente regional em determinados espaços: o Minho Português tende a projectar-se no Nordeste brasileiro. Veja-se, em alternativa, a influência marcadamente germânica no Rio Grande do Sul ou a disseminação da emigração italiana. Estas tendências não resultam de qualquer planificação concertada pela coroa ou pelo Governo Geral, antes decorrem de estratégias de emigração definidas em rede, e através de procedimentos autoorganizados, de que as “cartas de chamada”6e as redes de angariadores de emigrantes7 são prova. Na verdade, a marca da iniciativa individual não se faz sentir apenas nos processos de emigração, de povoamento e de administração de entrepostos coloniais. Ela é também claramente visível nas dinâmicas de navegação e exploração económica, em particular no caso português. No que se refere à logística naval, a expansão ultramarina dependia de náuticos, embarcações, força militar e capital proporcionados maioritariamente por agentes individuais. Nos séculos XV e XVI, como se sabe, a coroa portuguesa não tinha uma armada de guerra ou uma frota mercante que respondesse às necessidades ultramarinas, nem possuía um exército ou uma marinha regulares; nem possuía estaleiros que respondessem satisfatoriamente às necessidades de construção naval. A Ribeira das Naus, estaleiro régio, criado em Lisboa por D. Manuel, nunca foi suficiente nem para prover às específicas necessidades da carreira da Índia. A coroa portuguesa dependia, nesses domínios, da iniciativa e da acção dos seus súbditos. Os recrutamentos para tripulações e forças militares de suporte, fossem para frotas de defesa ou para expedições militares em territórios ultramarinos dependiam também da adesão de particulares. Á falta de um corpo militar permanente e organizado, os recrutamentos eram, casuísticos e impulsionados pela força das circunstâncias.A multiplicidade de recrutamentos forçados de homens do mar, aplicados a toda a costa portuguesa, em particular na segunda metade do século XVI e no século XVII, quando aumentam as ameaças de ingleses e holandesas, e o crescimento drástico das penalizações impostas aos que evadissem o recrutamento ou desertassem posteriormente, são também expressivos da dependência da coroa em relação ao comprometimento desses agentes individuais para atingir objectivos do poder central, para desenvolver políticas de Estado, ou até para garantir a subsistência do império marítimo português. 4 Na ausência de uma armada de guerra, mesmo em contextos de incremento da pirataria e do corso, as frotas mercantes deveriam também prover à sua própria protecção, excepto no caso da Carreira da Índia. Isso mesmo se prevê num regimento de 1571, que retoma um outro de 15578. Este mesmo quadro de dependência da coroa em relação aos contributos individuais se verifica no contexto das investidas Holandesas sobre os territórios ultramarinos sob domínio português, nomeadamente o Brasil, objecto de análise central desta comunicação. 3. Defesa de espaços ultramarinos contra as investidas holandesas O conspecto geral da situação político-militar subjacente à ocupação holandesa de territórios ultramarinos portugueses é sobejamente conhecida. Portugal foi, desde o reinado de D. João III, abalado por uma crise financeira e económica, marcado por uma forte endividamento da coroa. Em simultâneo, sucessivos ataques de pirataria e corso faziam-se sentir nas carreiras marítimas portuguesas. Todavia, foi a União Dinástica (a união das coroas de Castela e Portugal sob Filipe II, ente 1580 e 1640) que motivou e justificou ataques sucessivos a possessões portuguesas, perpetradas tanto por Ingleses como por Holandeses, abrigados pelo estatuto de potências beligerantes com Espanha. Com efeito, no contexto da Dinastia Filipina, o império português sofreu fortes reveses ao ser envolvido nos conflitos que a Espanha travava com a Inglaterra, a França e a Holanda, potências que tentavam estabelecer os seus próprios domínios coloniais. Portugal seria arrastado para estas guerras para as quais não dispunha de meios suficientes. Os holandeses, envolvidos na Guerra dos Oitenta Anos com Espanha desde 1568, atacavam por mar colónias e navios. O império português, constituído sobretudo por assentamentos costeiros, vulneráveis a ser tomados um a um, tornou-se um alvo fácil. Esses ataques ao império ultramarino ocorreram no Oriente, em África e no Brasil9. Em África, S. Jorge da Mina, o principal entreposto fornecedor de ouro foi tomado pelos Holandeses, em 1639, seguido pela feitoria de Axém, em 1642. Em 1652 tomam também a cidade do Cabo. S. Tomé, depois de uma primeira tentativa de conquista em 1597 é tomado em 1641, do mesmo modo que Luanda, ainda que venham a ser recuperados por forças portuguesas. O objectivo parecia ser claramente o de tomar 5 os principais entrepostos onde actuavam redes de comércio portuguesas de especiarias asiáticas, escravos da África ocidental e açúcar do Brasil. As investidas militares contra o Brasil lideradas por Holandeses 10 parecem terse iniciado com a expedição do almirante Olivier vanNoort, em 159811. Outros incidentes ocorreram com a expedição do almirante JorisvanSpielbergen, entre 1614 e 1618. As suas embarcações aportaram a Cabo Frio, Ilha Grande e São Vicente.Estas expedições apenas antecipam a tentativa de invasão da Baía de Todos os Santos, em 1624-25 e a invasão de Olinda e Recife, em Pernambuco, que viria a dar origem ao chamado Brasil Holandês (1630-1654). Os contornos da reacção armada registada em ambos os casos, o de S. Salvador da Baía, então capital da colónia, e o do Recife, evidenciam diferentes actuações das estruturas formais e informais que procuramos analisar, pelo que se impõe uma leitura comparativa dos dois casos. No que toca a S. Salvador da Baía, uma armada da W.I.C. transportando um efectivo de cerca de 1.700 homens sob o comando do almirante Jacob Willekens, atacou e conquistou a capital em 10 de Maio de 162412. O governo da cidade passou a ser exercido pelo fidalgo holandês JohanVanDorth. Em 1625 a Espanha enviou uma poderosa armada de cinquenta e dois navios, sob o comando de D. Fadrique de Toledo , marquês de Villanueva de Valduesa, e do general da armada da costa de Portugal, D. Manuel de Meneses, a maior armada então enviada aos mares do Sul. Essa expedição derrotou os invasores holandeses a 1 de Maio de 1625 e retomou posse de S. Salvador da Baía13. Diferentes contornos teve a tomada da Olinda e do Recife, em 163014. Uma esquadra com 64 navios e 3.800 homens investiu sobre a capitania de Pernambuco onde, em Fevereiro de 1630, conquistam Olinda e depois Recife. Alguma resistência local foi mantida, mas nenhuma frota organizada veio já da metrópole, em ordem a repelir o invasor. Na verdade, quando os Holandeses tomaram o Recife, a coroa dual e o vice-reinado de Portugal revelaram-se incapazes de armar uma frota de defesa e de constituir um exército de retaliação. Tentativas foram feitas nesse sentido, em Portugal, lançando-se mais um empréstimo geral a ser cobrado sobre os municípios portugueses, que todavia não foi suficiente nem atempado. Revoltas ocorreram, em Portugal, quando Filipe IV procurou lançar um novo imposto para a constituição de uma armada de auxílio ao Brasil. Também na metrópole a organização de expedições de defesa dependiam sobretudo, e cada vez mais incomportavelmente, dos contributos do poder local e dos súbditos. 6 Em 1640, uma armada luso-espanhola, comandada por D. Fernando Mascarenhas, conde da Torre e antigo governador de Ceuta e Tânger, foi enfim enviada, mas falhou o desembarque em Pernambuco, sofreu fortes baixas em combate com armadas holandesas, e por fim desagregou-se. Como resultado, e como é sabido, não foi um exército ou uma armada portuguesa que expulsou os Holandeses do Brasil, mas um exército colonial, composto por colonos europeus, índios e escravos, que se revelou capaz de repor na Capitania de Pernambuco o domínio português. A resistência existiu, desde a tomada de Olinda e Recife, em 1630, liderada por Matias de Albuquerque, concentrando-se no Arraial do Bom Jesus, nos arredores do Recife. Através de tácticas de combate indígenas, muito semelhantes a campanhas de guerrilha, os holandeses viram-se confinados, num primeiro momento, às fortificações no perímetro urbano de Olinda e seu porto, o Recife. Essas "companhias de emboscada" eram pequenos grupos de dez a quarenta homens, com alta mobilidade, que atacavam de surpresa e se retiravam em velocidade, reagrupando-se para novos combates.Com a invasão da Paraíba, em 1634, e as conquistas do Arraial do Bom Jesus e do cabo de Santo Agostinho, em 1635, as forças comandadas por Matias de Albuquerque entraram, porém, em colapso e viram-se forçadas a recuar na direcção do rio São Francisco. A partir de 1637, e com a nomeação de Maurício de Nassau pela WIC como governador de Olinda, a presença holandesa consubstancia-se e dilata-se, até 1654. Em paralelo, agentes individuais, portugueses, motivados por interesses de negócio, tenderam a aceitar a administração da Companhia das Índias Ocidentais por entenderem que uma injecção de capital e uma administração mais eficaz auxiliariam o desenvolvimento dos seus negócios. O seu melhor representante foi Domingos Fernandes Calabar, considerado e sentenciado como traidor, ao apoiar as forças de ocupação e a administração neerlandesa. Numa análise objectiva da posição destes agentes, a lógica do negócio tendeu a imperar em relação a princípios de soberania. De resto, a administração holandesa não substituiu radicalmente, nem poderia, as redes de negócios no terreno. Dependia de uma estrutura de produção já montada, em que os colonos portugueses continuaram a ser essenciais, e usou redes de negócio previamente instaladas, em que agentes mercantis judeus, muitos deles de ascendência portuguesa, continuaram a jogar um papel de relevo. Em 1640, aquando da restauração da independência portuguesa e a entrega da coroa aos Braganças, Pernambuco encontrava-se ainda nas mãos de Maurício de Nassau 7 que, através de um Governo habilmente conduzido tendia a convencer os colonos portugueses da vantagem de estarem submetidos à autoridade do poder holandês. Aquando da Restauração da independência, e apesar das tréguas negociadas com o novo monarca, e do apoio Holandês à guerra portuguesa contra a Espanha, as hostilidades holandesas não cessaram no espaço colonial, e apesar dos festejos dos colonos portugueses (especialmente no Recife), que julgavam aproximar-se a hora da partida dos Holandeses, rapidamente se provou que a estratégia Holandesa era a de reforço do seu poder, quando Maurício de Nassau tomou o Maranhão e armou uma frota para Angola e S. Tomé, que seriam tomados em 1641. Importante e elucidativo é o facto de a libertação de Angola e de S. Tomé do domínio holandês ter dependido da organização de uma expedição proveniente do Brasil. Em 1648, no Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá e Benevides prepara uma frota de 15 navios sob o pretexto de levar ajuda aos portugueses sitiados pelos guerreiros da Rainha Nzinga em Angola. Partiram a 12 de Maio e conseguiram reconquistar Luanda em 15 de Agosto. A campanha prolongou-se de 1648 a 1652, recuperando-se por fim Angola e a ilha de São Tomé. O mapa projectado evidencia o que estava em jogo, para ambas as potências e para as respectivas economias coloniais. O Brasil holandês não subsistiria sem um fornecimento permanente e estável de escravos, mão de obra imprescindível para a sustentabilidade da economia do açúcar e do algodão, pelo que era para a Holanda essencial dominar os dois principais entrepostos negreiros portugueses do tempo: Angola e S. Tomé. O mesmo ocorria com o Brasil Português, que não subsistiria se os Holandeses mantivessem o domínio desses entrepostos, o que ocorreu por um período suficiente para tornar imperativa uma acção concertada de agentes coloniais que, não recebendo da metrópole e da coroa portuguesa, fragilizada ela própria pelas guerras da restauração da independência, com Espanha, apoio suficiente, assumiram eles próprios o comando militar dos acontecimentos. No mesmo período de tempo, e no espaço brasileiro, as revoltas dos colonos multiplicavam-se. Em Setembro de 1642 revoltou-se o Maranhão, tendo como figura central António Moniz Barreto. Com o apoio dos colonos do Pará e de índios locais, os Holandeses foram afastados ano e meio depois. Em 1644 os sócios holandeses da WIK pressionaram Maurício de Nassau a regressar à Holanda. Pernambuco perdia o seu maior esteio holandês. A luta de resistência à presença holandesa teve com esse facto um importante apoio, sendo 8 Nassau um governador respeitado e a sua acção vista, quer no domínio económico, quer urbanístico, como esclarecida. Abandonados pela metrópole e por um rei que não podia hostilizar abertamente a Holanda, pois dependia do seu apoio na guerra contra a Espanha, os colonos brasileiros assumem então funções de reacção armada que se esperava fossem providenciadas por um exército regular ou por um exército excepcional de defesa – ambos inexistentes. É neste contexto que deve compreender-se os contornos das batalhas de Guararapes. Como é consabido, as duas batalhas foram travadas entre as tropas holandesas comandadas por VonSchoppe e as forças armadas constituídas pelos residentes lusobrasileiros, e ocorreram nos Montes Guararapes, ao Sul do Recife, no Estado de Pernambuco. A primeira batalha ocorreu em 19 de Abril de 1648, e a segunda em 19 de Fevereiro de 1649. A assinatura da capitulação deu-se em 1654, no Recife, e marca o fim definitivo do domínio neerlandês do Brasil, pondo fim ao “Brasil holandês (16301654). O que em particular importa reter desta batalha para o objectivo central da nossa comunicação é o facto de as forças portuguesas em campo serem, na sua esmagadora maioria, constituídas por portugueses nascidos no Brasil; o facto de a resistência armada que conduziu a esse sucesso militar resultar de estruturas totalmente informais e auto-organizadas, accionadas precisamente para colmatar a inexistência de uma reacção estatal, institucional, formal e organizada, e o facto de essa vitória não poder ser compreendida sem se realçar a importância da activa participação de escravos negros e de índios autóctones. Um mero enunciado do conhecido perfil dos carismáticos líderes destas batalhas evidencia o que dizemos. Para além da actuação de André Vidal de Negreiros 15 e de António Dias Cardoso16, um dos principais líderes da Insurreição Pernambucana, comandante da principal frente de batalha em Guararapes, importa salientar a importância de personagens como João Fernandes Vieira17, António Filipe Camarão e Henrique Dias. Importa notar que João Fernandes Vieira foi, ele próprio, um colaborador dos Holandeses, durante o governo de Maurício de Nassau, o que lhe teria valido a concessão de cinco engenhos para exploração e incrementado significativamente a sua fortuna. António Filipe Camarão ou Potiguaçu, outro dos reconhecidos líderes, era um indígena brasileiro da tribo potiguar, que comandou guerreiros de sua tribo em acções 9 de guerrilha que se revelaram essenciais para conter o avanço dos invasores. Para além de Guararapes, destacou-se nas batalhas de São Lourenço (1636), Porto Calvo (1637) e de Mata Redonda (1638). Nesse último ano participou ainda da defesa de Salvador, entretanto sitiada. Foi agraciado com a mercê de Dom, o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo, o foro de fidalgo com brasão de armas e o título de Capitão-Mor de Todos os índios do Brasil. É reconhecida, de resto, também a acção de D. Clara Camarão, sua mulher, no comando de um grupo de amazonas ameríndias na mesma batalha18. Henrique Dias era um brasileiro, filho de escravos africanos libertos. Atribuise-lhe o recrutamento de ex-escravos afro-brasileiros em anteriores acções de guerrilha e como mestre-de-campo comandou o Terço de Homens Pretos e Mulatos nas duas batalhas dos Guararapes, pelo que as suas tropas também eram denominadas de milícias negras. Pelos serviços prestados foi também agraciado com títulos de fidalguia, com a mercê do Hábito da Ordem de Cristo e com a Comenda de Soure19. O seu percurso, paradigmático, não é de todo excepcional no contexto do Brasil colonial do século XVII20. Algumas ilações podem de imediato ser extraídas: em primeiro lugar, nenhum destes indivíduos exercia, à partida, cargos oficiais ao abrigo dos quais actuasse militarmente; nenhum destes indivíduos pertencia à aristocracia portuguesa e não pertenciam maioritariamente à categoria dos reinóis, os provindos do reino em primeira geração, antes pertenciam, os Portugueses, aqueles considerados castiços ou mazombos, nascidos no Brasil. Alguns destes homens, eles próprios de cor, comandam operações militares que envolvem negros e indígenas, sem a participação dos quais a vitória não estaria assegurada. Todos, independentemente de antecedentes raciais e sociais, foram agraciados por uma coroa que não cumpriu as suas funções de defesa territorial, que não apoiou decisivamente a reacção armada contra os holandeses, mas que reconhece, com títulos nobiliárquicos e cargos públicos, os serviços prestados, que se revelaram essenciais para a manutenção do Brasil sob domínio português e para a sustentabilidade de um império que tinha em Angola e no Brasil dois polos essenciais. Os cargos atribuídos a alguns destes líderes consubstanciam a articulação destes dois espaços e porventura a articulação dos interesses pessoais dos seus titulares nesses dois universos coloniais. Pelo exposto, afigura-se-nos ficar provado, também neste particular universo de estudo, que a coroa portuguesa não pôde prescindir do protagonismo e da iniciativa 10 de agentes individuais, mesmo num domínio central à preservação de um império colonial: a defesa territorial. Em paralelo, parece ficar claro que estruturas informais e acções auto-organizadas se revelam de importância fundamental para a compreensão da construção e manutenção do império ultramarino português. No caso vertente, a compreensão dessa dinâmica implica que, para além de questões de natureza política e de soberania, se equacionem também interesses de negócio, e o funcionamento de redes de interesses que condicionam a evolução e a redefinição de impérios coloniais. O exemplo claro de agentes que, em tempos diversos, se colocam a favor ou contra o domínio holandês, como parece ser o caso de um dos líderes carismáticos do movimento armado, João Fernandes Vieira, e o facto de a luta se estender ao território africano, Angola e São Tomé, evidencia duas tendências essenciais: 1º o delinear de estratégias movidas por interesses pessoais, e de negócios, que não conhecem, por norma, fronteiras políticas e religiosas; 2º. o facto de nenhum dos impérios coloniais da época em estudo poder ser compreendido sem a articulação dos seus múltiplos eixos geo-económicos, no caso vertentes Brasil e África. Por último, e para focar a terceira hipótese que avançamos, a de que os processos de construção de espaços coloniais não dependem apenas da acção directa dos colonizadores e das suas intenções, mas antes da interacção entre colonizadores e colonizados, teremos que lembrar que as batalhas de Guararapes são vistas pela historiografia brasileira como o primeiro momento de germinação de um exército brasileiro e de uma sociedade colonial, que incluía os três componentes estruturantes da actual a sociedade brasileira: europeus, índios e africanos. Deveremos, porém, discordar desta interpretação: em primeiro lugar porque não existirá qualquer núcleo de um exército “nacional” originado e mantido a partir desse episódio. Pelo contrário, a precariedade defensiva mantém-se. Em segundo lugar, a inclusão de indígenas e de escravos negros não é sinónimo de uma luta consciente e voluntária por uma causa “nacional”, antes pode decorrer de mecanismos de colaboração forçada. Em terceiro lugar, porque qualquer pressuposto de “nacionalidade” é, no contexto coevo, anacrónico, como cremos estar provado por correntes historiográficas recentes. Por último, e não menos importante, não cremos que a permanência e a convergência de actuações conjuntas de europeus, ameríndios e escravos na construção do Brasil colonial tenha o seu gérmen num processo que em Guararapes se inicia. Antes se apresenta como o resultado de um processo de colonização, informal e auto11 organizada, em que a miscigenação e a incorporação de contributos directos de indígenas e escravos não pode deixar de ser levada em consideração. Em relação a um processo de miscigenação rácica, e como afirma Charles Boxer: "A escassez relativa - ou a ausência total - de mulheres brancas, em muitas regiões do Brasil, resultou em que esta barreira da cor fosse largamente ignorada na prática "21,incitando a um fenómeno de inegável importância civilizacional. Essa miscigenação, assumida através de processos de legitimação de descendentes resultantes de relações mistas, emerge, porém, também da necessidade de se estruturar uma sociedade colonial em bases sólidas, sem directa dependência dos contributos demográficos da metrópole. Recorde-se que, no Brasil, eram os próprios agentes eclesiásticos, nomeadamente os missionários, que incentivavam a legitimação, pelo casamento, de ligações informais, em particular com ameríndias. Neste contexto, as mulheres indígenas, e mesmo a mulher mulata emerge como imprescindível ao reforço da presença portuguesa enquanto geradoras de herdeiros e incentivadoras do crescimento da população europeia em espaços em que ela é, por natureza, minoritária. A sua importância é de igual modo notória em alianças matrimoniais de que resultam novas oligarquias de poder, político e económico, em que o estatuto reinól (aquele provindo do reino) não é já determinante. Por fim, esses processos de miscigenação não são apenas rácicos, são linguísticos, culturais e mesmo religiosos. O mesmo se aplica a sistemas de diagnóstico e terapêutica, a formas de representação simbólica do divino e das divindades e as formas de manifestação cultural simbióticas e sincréticas. Da sua incorporação no universo social brasileiro, nomeadamente da forte assimilação da componente cultural afro e indígena, depende muita da identidade brasileira, hoje. A utilização, na resistência militar contra os holandeses, de contingentes ameríndios e de escravos e libertos negros; a incorporação, com sucesso, das armas e das estratégias de combate indígenas; o reconhecimento da utilidade e da necessidade de incorporar nesses contributos “outros” em relação ao universo civilizacional europeu, apenas reflecte, no entendimento que aqui propomos, um processo de cooperação e de assimilação e de sincretismo que assistiu, por opção, ou por necessidade, à construção do Brasil colonial e, de um modo geral, à construção do domínio colonial português na época moderna. Diferente parece, porém, ter sido a experiência em África, nos séculos XIX e XX. Mas esse é outro contexto, em que não se inserem já as lógicas que assistem Notas 12 1Sobreestamatériavd. POLÓNIA, Amélia; OWENS, Jack - Self organising networks in the construction of the Portuguese overseas empire in 5th International Congress of Maritime History, promovidopela IMEHA (International Maritime Economic History Association) (Greenwich, 23-27 Junho 2008). Disponível in http://dyncoopnetpt.org/working-papers/25-cooperation-based-self-organizing-networks-in-portuguese-overseas-expansion-in-the-firstglobal-age-1400-1800 2 Os três últimos Congressos, realizados, respectivamente, em Trieste (2008), Porto (2009) e Amesterdão (2011), declaradamente assumem a inserção, quer da intervenção das populações e dos seus desempenhos em processos de invasão e de confronto militar, quer a importância das guerras assimétricas e irregulares no conspecto dos estudos da História Militar. Vd. ICMH 34th.Conference -Military conflicts and civil population: total wars, limited wars, asymmetrical wars. (Trieste, 2008;ICMH 35th. Conference - Warfare in the age of Napoleon: Precedents, military campaigns and lasting impacts (Porto, 2009); ICMH 36th. Conference - Insurgency and Counterinsurgency.Irregular Warfare since 1800 2010 (Amesterdão, 2010). 3 Em concreto, as capitanias eram hereditárias, inalienáveis e indivisíveis e estavam sujeitas a regras especiais de sucessão, que contornavam, inclusive, a Lei Mental. No domínio da administração da justiça o rei isentou as capitanias de correição e alçada, deixando na mão dos capitães toda a administração da justiça, nomeando ouvidores, meirinhos, escrivães e tabeliães, devendo ainda avaliar o exercício de cargos municipais. Detinham toda a jurisdição cível e crime, incluindo a relativa à pena de morte e talhamento de membros, com excepção das aplicadas a grupos privilegiados.O monarca reservou para a coroa a nomeação de oficiais ligados à Fazenda Real (almoxarife, provedor, contador e tabeliães), deixando, porém, ao capitão decisões no âmbito do povoamento, fundação de povoações, criação de concelhos, bem como as funções de defesa, incluindo incumbências de edificar estruturas defensivas em locais estratégicos, patrulhar o litoral correspondente à sua jurisdição, contratar bombardeiros e dirigir a formação e treino de milícias. 4 Sobre a organização administrativa do Brasil colonial vd., por todos, COUTO, Jorge -A construção do Brasil, Lisboa, Cosmos, 1995; JOHNSON, Harold; SILVA, Maria Beatriz Nizza da, coord. - O Império Luso-Brasileiro (15001620) ,inNova História da Expansão Portuguesa , dir. Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, Vol. VI, Lisboa, Estampa, 1991; MAGALHÃES, Joaquim Romero de – “O reconhecimento do Brasil” inHistória da Expansão Portuguesa, dir. Francisco Bettencourt e KirtiChauduri, Lisboa, Círculo Leitores, 1998, Vol. I, pp. 192-222 5 FREYRE, Gilberto – Casa Grande & Senzala, Casa-Grande & Senzala., Rio de Janeiro, Editora Record, 1998. 1ª edição de 1933. 6 CROCI, Federico - O chamado das cartas: migrações,cultura e identidade nas cartas de chamada dos italianos no Brasil. “Locus: revista de história”, Juiz de Fora, v. 14, n. 2 (2008), p. 13-39; SILVA, Brasilina da Assunção Oliveira Almeida Pereira da Silva; MAIA, FernandaPaulaSousa, orient. tese - Cartas de chamada : a dimensão familiar da emigração : Sernancelhe no início do séc. XX, Porto, 2005 [ Textopolicopiado] 7 ALVES, Jorge Fernandes - Os Brasileiros : emigracão e retorno no Porto oitocentista, Porto : Gráficos Reunidos, 1994. 8O regimento régio de 1571, que retoma recomendações de um outro, de 1557, regula alguns dos mecanismos de defesa, ao estipular a dimensão da tripulação de acordo com a tonelagem das embarcações, ao obrigar à inclusão de artilharia a bordo e ao prever a obrigatoriedade de constituição de armadas informais, resultantes do agrupamento de embarcações que saíam de determinado porto, lideradas por uma delas, considerada a capitaina. Cf. Certas providências régias respeitantes à guarda da costa do reino e do comércio ultramarino no século de Quinhentos. “Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto”, vol. 30, 1967, pp. 335-360. 9 Os holandeses expulsaram os Portugueses de Malaca Português (1641), após uma tentativa falhada em 1605, atacaram Timor em 1613, embora sem sucesso, e expulsaram os Portugueses do Ceilão, em 1658. Em 1663, Cochim, Coulão, Cananor e Cranganor já estavam nas mãos dos holandeses, assim como outras posições da Costa do doMabalar . Em 1662 Portugal retirou as suas tropas das Ilhas Molucas e em 1661 o Tratado de Haya, que terminou com as hostilidades Luso- Holandesas, atribuiu as principais ilhas fornecedoras de especiarias - Tidore, e Ternate eAmboina, os holandeses. Em 1638 os Portugueses foram expulsos do Japão, deixando a sua principal base comercial: o porto de Nagasaki, em favor dos holandeses. Em 1661 um tratado entre Portugal e Inglaterra prevê a transferência de Bombain para a Inglaterra, como parte de o dote da princesa Catarina, sendo essa transferência efectiva em 1668. 10 Sobre as investidas holandesas sobre o Brasil, bem como sobre o “Brasil Holandês”, vd., entre outros, BOXER, C.R. - Os holandeses no Brasil (1624-1654). São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1961;MELLO, Evaldo Cabral de -O Negócio do Brasil. Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 1998;MELLO, José AntônioGonsalvesde (ed.). Fontes para a História do Brasil Holandês (Vol. 1 - A Economia Açucareira). Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, 1981; MELLO, José António Gonsalves de – Tempo dos flamengos. Influência da ocupação holandesa na vida e na cultura do Norte do Brasil, Rio de Janeiro: Topbooks/ Instituto Ricardo Brennand, s.d. 11 A esquadra de VanNoort partiu de Roterdão, nos Países Baixos, a 13 de Setembro de 1598, com quatro navios e 248 homens. Perpetrou uma série de pilhagens e incêndios de cidades e embarcações na costa do Chile, do Peru e 13 nas Filipinas. Na costa do Brasil, padecendo aparentemente de escorbuto, a frota pediu permissão para obter alimentos frescos na baía de Guanabara, que lhe foram negados pelo governo da capitania. Uma tentativa de desembarque foi repelida por indígenas e pela artilharia da Fortaleza de Santa Cruz da Barra. 12 Em pânico, os habitantes retiraram-se para o interior. O governador-geral, Diogo de Mendonça Furtado (16211624), entrincheirou-se no palácio, mas tanto ele como o filho e alguns oficiais foram aprisionados e enviados para os Países Baixos. 13 O significado simbólico dessa reconquista, com impacto para o poder e o prestígio dos Habsburgo, mais do que para o império português, a despeito de a armada incorporar também contingentes portugueses, serviu de inspiração ao artista espanhol Fray Juan Baptista Maino (1634-1635), que representou a vitória dessa empresa conjunta no quadro intitulado “A recuperação da Baía”. 14 Vd., entre outros, ROSTY, ClaudioSkora - As Invasões Holandesas (Insurreição Pernambucana): A Batalha do Monte das Tabocas, o Inicio do Fim. Recife: 2002 André Vidal de Negreiros (nome porventura sugestivo de actividades desempenhadas ligadas ao tráfico de escravos) foi, pelos seus feitos, agraciado por D. João IV e sucessivamente nomeado Governador e Capitão-Geral da Capitania do Maranhão (1655-1656), da Capitania de Pernambuco (1657-1661 e 1667), e do Estado de Angola (1661-1666). Cf.. PESSOA, Ângelo Emílio da Silva. Vidal de Negreiros: um homem do Atlântico no século XVII. In: Carla Mary S. Oliveira; Mozart Vergetti Menezes; Regina Célia Gonçalves. (Org.). Ensaios sobre a América Portuguesa. 1 ed. João Pessoa: UFPB, 2009, p. 53-65; SILVA, Ana Beatriz Ribeiro Barros. “André Vidal de Negreiros: a necessidade de construção de um herói legitimamente Paraibano”. Saeculum. Revista de História. (14), Jan./Jun. 2006. 16António Dias Cardoso, ligado a anteriores motins contra a presença holandesa, tendo contribuído para a vitória da batalha dos Montes das Tabocas contra uma tropa liderada por Maurício de Nassau, participara já na campanha militar de reacção à invasão da Baía, em 1624-1625. Era conhecedor profundo das técnicas de guerrilha e emboscada usadas pelos indígenas, e em 1645 tinha já recrutado, treinado e liderado uma força de cerca de 1.200 colonos brasileiros, armados com armas de fogo, foices, paus e flechas, numa emboscada em que derrotaram 1.900 neerlandeses melhor equipados. Devido aos seus feitos foi- lhe concedido o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo e em 1656 foi nomeado Mestre-de-Campo. Em 1657, assumiu o governo da Capitania da Paraíba. Cf. MELLO, José AntônioGonsalvesde -Antônio Dias Cardoso, D. Antônio Filipe Camarão, Henrique Dias, Filipe Bandeira de Melo, Francisco de Figueiroa, Frei Manuel Calado do Salvador,Recife, Imprensa Universitária, 1967 17João Fernandes Vieira era um destacado senhor de engenhos de origem portuguesa, nascido na Ilha da Madeira, mulato, segundo alguns, que teria chegado ao Brasil com dez anos de idade. Na função de Mestre-de-Campo, comandou o mais poderoso terço nas duas batalhas dos Guararapes (1648 e 1649), tendo sido pelos seus feitos aclamado Chefe Supremo da Revolução e Governador da Guerra da Liberdade e da Restauração de Pernambuco e nomeado Governador e Capitão-General de Angola, cargo que exerceu entre 1658-1661.Cf. MELLO, José AntônioGonsalvesde. Restauradores de Pernambuco: biografias de figuras do século XVII que defenderam e consolidaram a unidade brasileira: João Fernandes Vieira. Recife: Imprensa Universitária, 1967. 2 v.;VASCONCELLOS, Telma Bittencourt de. Dona AnnaPaes. Recife: Edição do Autor, 2004. p. 188-191; GASPAR, Lúcia. João Fernandes Vieira. Recife,Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>. Acesso em 28 de Julho de 2011. 18 Cf. CALLIER-BOISVERT e BOLÈO, in O ROSTO FEMININO DA EXPANSÃO PORTUGUESA, Lisboa, CNCDP, 1995, vol. I, p. 531-540 e 541-555 19 MATTOS, Hebe. “Black Troops” and hierarchies of color in the Portuguese Atlantic world: the case of Henrique Dias and his Black Regiment”. Luso BrazilianReview; MATTOS, Hebe, Da Guerra Preta as hierarquias de cor no Atlântico Português disponível em: http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Hebe%20Mattos.pdf. Consultado em 28 de Julho de 2011¸MATTOS, Hebe. Henrique Dias: expansão e limites da justiça distributiva no Império Português. In: Ronaldo Vainfasetalii (org.) Retratos do Império. Trajetórias Individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. Niterói, EDUFF, 2006, pp. ----; 20DUTRA, Francis. “Blacks and the Search for Rewards and Status in Seventeenth-Century Brazil” In: Proceedings of the Pacific Council on Latin American Studies. Twenty-Second Annual Meeting. Volume 6, 1977-79. Los Angeles: PCCLAS. 1979, p. -21BOXER.Charles R. - Relações raciais no império colonial português 1415-1815, 2ª ed, Porto, Afrontamento, 1988, p. 115. 14