Redução das demoras na justiça: cinco lições dos Estados Unidos As longas demoras na tramitação de processos são comuns em muitos sistemas judiciários. Embora cada sistema penal seja único, os reformadores podem observar alguns outros para ajudar a identificar problemas, sugerir novas abordagens e apontar artifícios em potencial. Durante quase 50 anos, juízes, advogados e planejadores de políticas públicas nos Estados Unidos experimentaram várias maneiras de acelerar o processamento de causas civis e criminais. Várias lições foram tiradas dessas tentativas. Talvez a mais surpreendente tenha sido a de que um programa bemconcebido para reduzir as demoras pode melhorar a qualidade do sistema judiciário, mesmo que em última instância tenha pouco efeito sobre os tempos de um processo. Não pode haver legislação para demoras No início dos anos 70, o Congresso dos EUA e várias legislaturas promulgaram leis, estabelecendo que os processos criminais fossem solucionados com rapidez. Essas leis de “aceleração de julgamentos”, em geral, definiam prazos para a conclusão de cada estágio dos trâmites de um processo criminal, desde a detenção até o julgamento. Se um prazo não fosse respeitado, a causa seria, normalmente, abandonada. Foram estipuladas exceções para as eventualidades, como doença, e havia sempre uma exceção para todos os casos, permitindo que um prazo fosse estendido “por interesse da justiça”. Contudo, os juízes foram orientados a criar essas cláusulas minuciosamente, a fim de garantir que fossem cumpridos os limites de tempo restritos ao processamento de causas judiciais conforme estabelecido na legislação. Apesar dessas leis possuírem determinações claras e sem ambigüidades, poucas reduziam o tempo de tramitação. Como, por exemplo, leis contendo numerosas exceções aos prazos ou algumas determinando prazos extremamente curtos. Pelo menos nos Estados Unidos, a simples ordem para que os tribunais solucionassem a sua cota de processos com mais rapidez não foi bem-sucedida. É essencial o compromisso Por que as leis para acelerar os julgamentos de processos não atingiram seu objetivo? Uma explicação pode ser dada pelas poucas jurisdições nas quais os limites de tempo reduziram de fato as demoras. Em todas elas, um ou mais juízes comprometeram-se com a redução dos prazos e desejaram ser pioneiros nessas iniciativas. Por outro lado, nos sistemas judiciários onde as leis para aceleração de processos falharam, elas foram sempre promulgadas sob uma forte reação por parte de juízes, advogados e outros profissionais do setor. Quando as pessoas atingidas pela lei de aceleração de processos se opõem a ela, podem sempre encontrar formas de contorná-la - da invocação liberal de exceções permitindo o não cumprimento dos limites de tempo a formas criativas de calculá-los, sem que isso cause qualquer impacto. O fracasso das leis de aceleração processual ilustra uma grande lição obtida da experiência americana com os programas de redução de prazos: nenhum programa pode ter sucesso sem a participação ativa das pessoas diretamente envolvidas na administração da justiça. Os tribunais são governados por uma série complexa de regras formais e práticas informais. Os juízes, advogados e outros profissionais que trabalham no sistema judiciário conhecem essas normas muito melhor do que qualquer pessoa que não faça parte do sistema e tiram vantagem dessas informações para invalidar as reformas das quais discordam. O envolvimento dos funcionários do judiciário no processo de reforma é uma etapa crucial do planejamento de um programa bem-sucedido de redução de tempo. Abordagem de incentivos Os primeiros programas de redução de atrasos dos EUA, introduzidos após a segunda Guerra Mundial, tinham como premissa que as demoras resultavam de grandes volumes de processos impostos a tribunais mal administrados e ineficientes. Assumia-se implicitamente que juízes, advogados, despachantes e outros funcionários do judiciário eram atores inertes que desempenhariam quaisquer tarefas a eles designadas. Com base nessas premissas, foram buscadas soluções para as reformas estruturais, como a introdução de sistemas automatizados, mudanças nos procedimentos e o aumento do número de juízes. Mas como ficou claro que essas reformas estruturais tiveram pouco efeito nos períodos de tramitação, os reformadores começaram a reexaminar esta suposição. Estudos empíricos revelaram que as demoras variavam enormemente em todos os tribunais com estruturas, volumes de processos e níveis de funcionários quase idênticos. Eles mostraram que a demora não era um fenômeno externo imposto aos participantes, mas uma conseqüência do comportamento de juízes, advogados, litigantes e de outros profissionais do sistema judiciário. A mudança de comportamento requer também a alteração dos incentivos. Nos Estados Unidos, muitos programas bem-sucedidos de redução de atraso foram iniciados pelo incentivo aos juízes. Foram estabelecidas recompensas para os juízes que desejavam manter datas estritas para audiências e julgamentos e que, de alguma maneira, controlavam o ritmo dos litígios. Por sua vez, esses juízes descobriram modos de manipular os incentivos dos procuradores que se apresentavam a eles - em muitos casos aplicando multas a advogados que buscavam aumentos injustificados de prazos ou tentavam de alguma forma atrasar a resolução de um processo. Importância de uma análise empírica consistente Alguns programas de redução de atraso não foram bem-sucedidos porque se basearam em análises incorretas. Considere uma lei de 1990 que orientava a Justiça Federal dos EUA a reduzir as demoras e custos associados a processos civis. A lei estabelecia que os tribunais federais investissem muito tempo e energia propondo estratégias de redução do tempo de tramitação dos processos civis. A lei baseava-se na idéia de que as ações civis nos tribunais federais levavam anos para serem julgadas e custavam às partes envolvidas milhares senão milhões de dólares em honorários legais. Porém, cinco anos depois, uma cuidadosa avaliação dessa iniciativa revelou que seu impacto foi pequeno. Por quê? A avaliação revelou que um processo civil comum no tribunal federal não leva anos nem custa uma fortuna para ser resolvido. A média dos processos dura 9 meses e custa às partes envolvidas US$50.000, sendo esses números considerados razoáveis dada a complexidade da média dos processos federais. As reformas visavam os processos atípicos, que duravam anos e até mesmo décadas, e nos quais os honorários legais variavam em torno de dezenas de milhões de dólares. Qualquer que tenha sido o efeito das reformas sobre esses processos, elas contribuíram pouco para reduzir o tempo de resolução da maioria dos processos civis nos tribunais federais. Tais erros podem ser evitados. A Figura 1 mostra o tempo gasto para solucionar processos criminais em quatro cidades dos EUA. Em Providence, Rhode Island, um quarto dos casos foi resolvido em 48 dias, metade em 277 dias, três quartos em 573 dias e 90% em 904 dias. Essa amostragem de dados garante que os reformadores não irão se enganar ao basear-se em processos incomuns. Ela também os ajuda a planejar programas eficientes de redução de atrasos processuais. Não somente os casos levaram mais tempo para serem solucionados em Providence, com relação a outras cidades, mas a faixa de demoras processuais variou muito se comparada aos outros três exemplos. Essa conclusão sugere que o processamento é menos rotineiro em Providence do que nas outras três cidades. Deve haver procedimentos peculiares que produzem prazos incomuns em determinados tipos de casos. Ou talvez entre os casos na faixa superior, os acusados estivessem presos aguardando julgamento e os atrasos fossem devidos à má coordenação entre as autoridades carcerárias e o tribunal. Uma das primeiras providências que os reformadores deveriam tomar quando os dados sobre atrasos fossem semelhantes aos de Providence seria buscar padrões entre os processos nas diferentes faixas. Programas bem-sucedidos nem sempre reduzem os prazos Em 1988, o Distrito de Colúmbia colocou em prática um programa para reduzir o tempo nos processos civis. Os volumes de processos foram avaliados cuidadosamente. Juízes, advogados e funcionários do tribunal participaram do planejamento do programa, no qual foram incorporadas as experiências descritas acima. Embora considerado um modelo de programa de redução de prazo, a iniciativa não atingiu os objetivos dos reformadores. Contrariamente ao esperado, o que ocorreu foi que a maior eficiência na tramitação dos processos, decorrente das reformas, gerou um aumento de 20% na abertura de processos. De forma semelhante, em Chicago, Illinois, as reformas implementadas entre 1959 e 1979 quase não produziram efeito sobre o tempo necessário à resolução de processos civis. O principal impacto ocorreu no número de processos encaminhados ao tribunal. Depois que as reformas entraram em vigor, houve um aumento muito grande do número de causas nas quais as partes optaram por levar a julgamento os seus litígios, em vez de resolvê-los mediante acordo. Em termos de custo, dois fatores, pelo menos nos EUA, compensaram os programas de redução de tempo. Um deles foi o efeito desses programas sobre as pessoas que já instauraram processos. Nos Estados Unidos, quando a parte injuriada em um processo judicial calcula se é melhor fazer um acordo para solucionar um processo ou levá-lo a julgamento, ela considera o tempo até o julgamento. Quanto maior for o tempo necessário para aguardar o julgamento de um caso, maior a probabilidade, mantendose iguais todos os outros fatores, de que uma pessoa aceite uma oferta de acordo. Assim, à medida que o prazo de espera diminui, mais litigantes recusam os acordos e preferem levar seus processos a julgamento. Esses processos adicionais aumentam a fila de espera e o tempo até sua resolução. Os programas de redução de prazo também afetam as vítimas que ainda não instituíram um processo. Alguns daqueles que sofrerem danos legais cognoscíveis, seja uma quebra de contrato ou um dano pequeno à propriedade devido à negligência de outra pessoa, decidirão não abrir processos se souberem que terão de aguardar anos para solucionar o seu caso. Porém, à medida que os tempos de processos das causas judiciais forem reduzidos, uma parte desse grupo preferirá instaurar processos. Esse efeito também aumenta a fila de espera, bem como o tempo de médio dos processos. Nem todos os programas de redução de atraso nos Estados Unidos falharam. Muitos tribunais reduziram as demoras nos julgamentos criminais, e alguns outros também aceleraram o processamento de litígios civis. Além disso, embora os programas de Chicago e do Distrito de Colúmbia não tenham reduzido a duração dos processos civis, os recursos dos tribunais têm sido utilizados de forma muito mais eficiente do que antes. O resultado disso foi que, sem um ônus maior, muitos cidadãos puderam levar seus litígios a tribunal – o que é um objetivo valioso em si. Bibliografia adicional Church, Thomas W. 1982. “The ‘Old and the New’ Conventional Wisdom of Court Delay.” The Justice System Journal 7(3): 395-418. Feeley, Malcolm M. 1983. “Speedy Trial Rules and the Problems of Delay.” In Court Reform on Trial: Why Simple Solutions Fail. New York: Basic Books. Kakalik, James S., and others. 1996. Just, Speedy, and Inexpensive? An Evaluation of Judicial Case Management under the Civil Justice Reform Act. Santa Monica, Calif.: Rand Corporation. National Center for State Courts. 1999. Selec tive Bibliography on Caseflow Management and Delay Reduction. Available at http://www.ncsc.dni.us/is/clrhouse/cfbi b99.htm. Neubauer, David W., Marcia J. Lipetz, Mary Lee Luskin, and John P. Ryan. 1981. Man- aging the Pace of Justice: An Evaluation of LEAA’s Court Delay-Reduction Program. Washington, D.C.: U.S. Department of Justice, National Institute of Justice. Ostrom, Brian J., and Roger A. Hanson. 1999. Efficiency, Timeliness, and Quality: A New Perspective from Nine State Criminal Trial Courts. Williamsburg, Va.: National Center for State Courts. Posner, Richard A. 1998. “Court Delay and the Caseload Crisis.” In Economic Analy- sis of Law. 5th ed. New York: Aspen Law and Business. Priest, George L. 1989. “Private Litigants and the Court Congestion Problem.” Boston University Law Review 69(2): 527-59. Esta nota foi escrita por Richard Messick, Especialista Sênior em Setor Público, Rede PREM, com a colaboração de Nan Shuker, Juiz Adjunto, Suprema Corte do Distrito de Colúmbia; Nicholas Pace, Membro Sênior, Rand Institute for Civil Justice; e Brian Ostrom, Diretor de Pesquisa, National Center for State Courts. Se você tiver interesse em artigos semelhantes, considere a possibilidade de participar do Grupo Temático sobre Instituições Judiciárias. Entre em contato com Geoffrey Sheperd, x87942, ou clique em Thematic Groups, na Rede PREM. Page 1 Banco Mundial PREM Dezembro1999 número 34 Setor Público Vice-presidência para economia do desenvolvimento e rede de redução da pobreza e gestão econômica Page 1 – Margin text Como os países podem assegurar que justiça seja feita com rapidez? Page 2 – Margin text Muitos programas bem-sucedidos de redução de tempo foram iniciados com incentivos aos juízes Page 2 Nota PREM 34 Dezembro 1999 Page 3 – Figure 1 Figura 1 Duração dos processos judiciais antes das reformas de redução de demoras em quatro tribunais dos EUA 100 200 300 400 500 900 Detroit, Michigan Las Vegas, Nevada Dayton, Ohio Providence, Rhode Island 90% em 904 dias Número de dias 75% em 573 dias 50% em 277 dias 25% em 48 dias 25% em 37 dias 25% em 8 dias 25% em 13 dias 50% em 69 dias 50% em 61 dias 50% em 55 dias 75% em 104 dias 75% em 142 dias 75% em 174 dias 90% em 167 dias 90% em 228 dias 90% em 274 dias Fonte: Neubauer et allii, 1981. Page 4- Margin text À medida que diminui o tempo até o julgamento dos processos mais pessoas recusam-se a fazer acordo Page 4 Esta série de notas destina-se a resumir as recomendações sobre práticas corretas e as principais políticas sobre os tópicos relacionados à PREM. As Notas PREM são distribuídas para toda a equipe do Banco Mundial e também estão disponíveis no site do PREM na Web, (http://prem). Se você tiver interesse em escrever uma Nota PREM, envie a sua idéia por correio eletrônico para Sarah Nedolast. Para obter cópias adicionais desta nota, entre em contato com o PREM Advisory Service, no telefone x87736. Preparado para a equipe do Banco Mundial