MUDANÇA PARADIGMÁTICA NO USO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO SOFFA, Marilice Mugnaini – PUCPR [email protected] SANTOS, Vanderlei Siqueira dos – PUCPR [email protected] BEHRENS, Marilda Aparecida – PUCPR [email protected] Área Temática: Comunicação e Tecnologia Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo O presente artigo apresenta um estudo realizado em um processo de pesquisa-ação realizado com 21 docentes que freqüentaram a disciplina de Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica, do Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu, de uma Universidade particular de grande porte. A formação continuada num processo de pesquisaação dentro do Programa teve como objetivo, contribuir em um aprofundamento dos paradigmas que geram as compreensões de ensino e aprendizagem que se colocam sob postas à formação dos profissionais que utilizam as tecnologias como uma ferramenta didática e inovadora. O estudo permitiu questionar a superação de práticas tecnicistas e a busca do respaldo na abordagem holística. Incluiu também a investigação das condições e da mediação das tecnologias na educação que podem favorecer processos harmoniosos de construção do conhecimento. Respaldado em autores como Behrens (1998, 2005, 2007), Cardoso (1995), Freire (1992), Morin (2000, 2004) e Capra (1996) quando tratam da fragmentação do conhecimento nos paradigmas conservadores, a busca da visão de totalidade (superação do pensamento Newtoniano-Cartesiano) e uma contribuição da abordagem holística (Paradigma Inovador) unido às tecnologias como ferramentas na educação. Autores como Lévy (1999), Leite (2003) e Oliveira (2001) permitiram versar sobre as tecnologias inseridas em contexto educativo. Este estudo teve a intenção de provocar uma reflexão sobre o tema e motivar novos pesquisadores a continuar o debate. Concluiu-se por meio de reflexão individual e coletiva que, para superar o tecnicismo no uso das tecnologias, na busca da ótica da totalidade e da abordagem holística há necessidade de transformar estas em recursos potencialmente favoráveis para a educação, porém solicita do docente, ousadia e coragem para se despir da velha abordagem educacional cuja ênfase está na fragmentação do conhecimento. Palavras-chave: Paradigmas; Tecnologias na educação; Prática pedagógica; Formação de professores. 4256 Introdução A presença inegável da tecnologia na sociedade contemporânea constitui a primeira base para que haja necessidade de sua presença na escola. De forma que “a escola não pode ignorar o que se passa no mundo. Ora, as novas tecnologias da informação e da comunicação transformam espetacularmente não só nossas maneiras de comunicar, mas também de trabalhar, de decidir, de pensar” (PERRENOUD apud OLIVEIRA, 2001, p. 7). No entanto, a simples presença desta no processo pedagógico não significa mudança significativa na prática pedagógica. Significa dizer que a melhoria na prática pedagógica será determinada pelo uso adequado e crítico que se faz destas. Para melhor contextualizar o tema optou-se por refletir sobre a inserção das tecnologias na educação a partir dos paradigmas que a sustentaram historicamente. Nessa perspectiva, localizamos o paradigma newtonianocartesiano representado na abordagem educacional conservadora e tecnicista, modelando o pensamento e a prática dos professores em relação às tecnologias na educação. O século XXI apresenta-se como o marco histórico que desafia e indica a insuficiência dos referenciais conservadores. Assim, por meio das leituras e discussões individuais e coletivas pudemos fazer uma imersão nas proposições da abordagem holística em educação, a partir do novo paradigma da complexidade em especial, com uma visão crítica de uma opção pelo trabalho docente com utilização de tecnologias que ofereçam um processo educativo que propicie a produção/construção do conhecimento e ofereça qualidade a esta prática pedagógica. O trabalho com as tecnologias se constitui fator importante para a passagem do paradigma conservador ao inovador. O surgimento destas ferramentas permite práticas docentes respaldadas em um modelo emergente de produção e apropriação de saberes. As possibilidades oportunizadas pelas tecnologias na educação têm colaborado para avanços pedagógicos e metodológicos significativos. Com uma abordagem qualitativa, a pesquisa-ação foi realizada dentro do Programa de Pós-Graduação em Educação de uma Universidade de grande porte, envolvendo os 21 participantes da disciplina-pesquisa de Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica, a qual tem como objetivo a investigação da prática pedagógica dos professores universitários e a busca da formação para atuarem de maneira inovadora na docência. 4257 O paradigma newtoniano-cartesiano e a abordagem tecnicista na inserção das tecnologias na educação O modo como as instituições sociais estão organizadas advém da relação dialética que estas estabelecem com os paradigmas nos diversos períodos históricos. Nessa perspectiva, não há como apreender a relação entre educação e tecnologia sem compreender os paradigmas que a sustentam. O termo paradigma tem sua origem do grego paradeigma que significa modelo ou padrão (VASCONCELLOS, 2002). Os paradigmas funcionam como óculos (regulamentos e regras) pelos quais, o ser humano faz a leitura da realidade, julgando e classificando os fenômenos. “Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo paradigmas inscritos culturalmente neles” (MORIN, 2000, p. 25). Os paradigmas possuem um sentido relevante, pois fornecem referenciais para a organização da sociedade. Por outro lado, podem limitar a visão quando o ser humano resiste aos processos de mudanças e insiste em manter velhas tradições e costumes que lhe garantem segurança naquele momento e não se atualizam para acompanhar o movimento na história. Na década de 1970, o inglês Thomas Kuhn, na obra “A estrutura das revoluções científicas” conceitua o termo paradigma como sendo “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2003, p. 13). Para o autor, o surgimento de novos paradigmas se deve à crise de antigos valores e às novas descobertas. Na história da ciência, dois paradigmas foram universalmente reconhecidos e durante vasto período referendaram a ação humana. Até a Idade Moderna, o paradigma universal era o metafísico, onde a Igreja era concebida como depositária universal da verdade, sendo, a razão, serva da fé. O paradigma cartesiano tem como ponto central a concepção de que os fenômenos podem ser analisados e compreendidos se forem reduzidos às partes que os constituem. Ao conhecer uma parte de um sistema, o pesquisador chegará ao conhecimento de seu funcionamento (CAPRA, 1996). A supervalorização da mente em detrimento do corpo originou uma avalanche de dicotomias, apoiadas na fragmentação do conhecimento e na concepção linear e mecanicista da história (VASCONCELLOS, 2002). Nesse paradigma, o 4258 ser humano é senhor do mundo, pois se dá o direito de transformar, explorar, servir-se e escravizar a natureza (CAPRA, 1996). Na área da educação, o paradigma newtoniano-cartesiano levou à fragmentação do conhecimento e a supervalorização da visão racional. Propôs a primazia da razão sobre a emoção, dividiu o conhecimento em áreas, cursos e disciplinas e atingiu a prática pedagógica do professor (BEHRENS; OLIARI, 2007). Esse paradigma apresenta-se bem definido enquanto orientador de práticas educativas, apresentando idéias e pressuposições muito bem delineadas. Constitui-se em estruturas mais gerais e determinantes não só da forma de conceber a educação, mas da forma de agir educacionalmente. De acordo com Behrens (2005), o paradigma newtoniano-cartesiano influenciou fortemente as abordagens educacionais tradicional, escolanovista e tecnicista. Para Saviani (1985), estas abordagens pedagógicas caracterizam-se como teorias não críticas, cuja crença reside na idéia de que a educação é a panacéia milagrosa capaz de erradicar a marginalidade de nossa sociedade. Estudar a abordagem tecnicista, portanto, pode ajudar a entender o contexto da introdução das tecnologias na escola brasileira em 1960 e esclarecer por que se formou sobre o assunto certo preconceito no meio educacional. A proposta de levar para a sala de aula qualquer novo equipamento tecnológico que a sociedade industrial vinha produzindo de modo cada vez mais acelerado foi uma das pontas de um contexto político-econômico mundial como produtor e consumidor de bens, em perspectiva de um desenvolvimento associado ao capital estrangeiro. Na educação, isso se traduziu na defesa de um modelo tecnicista, preconizando o uso das tecnologias como fator de modernização da prática pedagógica e solução de todos os seus problemas (LEITE et al, 2003). A inserção das tecnologias, nessa perspectiva, ocorreu em um contexto marcado pela racionalidade técnica advindo do paradigma cartesiano. É dentro desse contexto de racionalidade, de eficiência, de eficácia e de produtividade alinhados com os interesses do capital que localizamos a teoria pedagógica tecnicista. Esta teoria percebe a sociedade como um sistema harmônico e funcional, e a escola como a instituição que organiza, por meio de técnicas específicas, o processo de integração do indivíduo neste sistema. No entender de Saviani (1985, p. 16), a pedagogia tecnicista, na busca de neutralidade científica, procurou “planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência”. A 4259 educação se constitui, assim, um movimento fechado em si mesmo, sem qualquer tipo de interação com o seu entorno ou com questões sociais. As modernas tecnologias se destinam, portanto, à resolução de problemas internos, surgidos dentro de um âmbito reduzido. No âmbito pedagógico, a ênfase da prática educativa recai na técnica pela técnica, buscando em manuais, instruções sobre como organizar o processo de ensino. O advento da revolução industrial exige do ensino uma abordagem técnica, a qual vai ao encontro das metodologias de reprodução do conhecimento. Na abordagem tecnicista, a escola cumpre o papel fundamental de treinar os alunos, funcionando como modeladora do comportamento humano em decorrência das exigências da sociedade capitalista. O professor, entendido como um engenheiro comportamental, de acordo com a teoria behaviorista, caracteriza sua aula pela transmissão e reprodução do conhecimento e converte sua prática em uma busca incessante dos comportamentos desejados, utilizando, para isso, o condicionamento arbitrário. O aluno apresenta-se como um expectador frente à realidade objetiva e aprende mediante as técnicas de estímulo e reforço. É considerado competente quanto maior a capacidade de seguir à risca os manuais de instruções. A metodologia assenta na repetição e no treino como forma de retenção de conteúdos. A avaliação visa o produto e a preocupação é se o aluno alcançou ou não os objetivos (BEHRENS, 2005). Em práticas pedagógicas fundamentadas na teoria tecnicista, cuja ênfase reside na reprodução do conhecimento, nas aulas expositivas e nos exercícios repetitivos, as tecnologias na educação aparecem como ferramentas para facilitar a reprodução fiel de conteúdos auxiliando a assimilação e a repetição. O acento não reside sobre o professor ou o aluno, mas nos próprios meios sem se questionar suas finalidades. Desse modo, a utilização de tecnologias na escola tecnicista foi associada a uma visão limitada de educação onde a função do aluno é aprender a fazer. Esse contexto tecnicista levou os professores a desconfiarem da efetiva contribuição das tecnologias na educação. Autores como Sá Filho e Machado (2003, p. 1) começam a questionar se a simples inserção das tecnologias na educação, como aconteceu a partir de 1960, significa, de fato, melhoria na prática pedagógica ou se esta será determinada pelo uso adequado que se faz. Nessa perspectiva, a visão tecnicista e os pressupostos do paradigma newtonianocartesiano não respondem mais aos desafios da sociedade contemporânea. Isso motiva 4260 pesquisadores como Capra (1996) e Morin (2000) a sugerirem que o paradigma conservador, baseado nos velhos hábitos de escutar, ler, decorar e repetir dá lugar a um outro mais condizente com as necessidades pós-modernas, o qual é nomeado de paradigma da complexidade e sugere a construção do conhecimento baseado em relações dialética críticas e reflexivas. Sem perder de vista as abordagens progressista e ensino com pesquisa, buscamos alicerçar a proposta de inserção das tecnologias, enquanto ferramentas pedagógicas, na educação, a partir dos referenciais também da abordagem holística. Acreditamos que a aliança entre essas abordagens possibilitam a superação de visões conservadoras e de práticas tecnicistas na relação da educação com as tecnologias. Embora a investigação tenha caminhado no tripé da abordagem holística, progressista e do ensino com pesquisa, optamos pelo aprofundamento da visão holística e seus reflexos na utilização dos recursos tecnológicos na prática pedagógica. A abordagem holística e a busca pela visão de totalidade no uso da tecnologia na educação Estamos passando por um processo de transição paradigmática que impõe novas abordagens na maneira de olhar o mundo. De acordo com Morin (2004), há um crescente apelo para substituir um pensamento que isola e separa por um pensamento que distingue e une, um pensamento disjuntivo e redutor por um pensamento complexo, tecido na coletividade. Os paradigmas inovadores apresentam uma nova visão de mundo. A teia proposta por Behrens (2005) para atender um paradigma da complexidade pode ser formada pelas abordagens progressista, holística ou sistêmica e do ensino com pesquisa. Essas possibilitam a aproximação de referenciais de amplo valor para uma prática pedagógica mais adequada e que dê conta dos desafios da sociedade atual. Referindo-se à formação de professores, a aliança de pressupostos dessas três concepções inovadoras supera visões reducionistas e reprodutivistas do antigo paradigma conservador. A união destas abordagens conectada a um ensino com subsídio das tecnologias, sendo usada como uma ferramenta de aprendizagem é fundamental na construção de metodologias e atuações docentes inovadoras. 4261 Durante o processo de pesquisa-ação optamos por aprofundar a visão holística e suas possíveis contribuições na prática pedagógica dos docentes que utilizam as tecnologias como ferramentas inovadoras na educação. O entendimento do todo, passou a ser discutido a partir do século XX, quando a “perspectiva holística tornou-se conhecida como sistêmica, e a maneira de pensar que ela implica passou a ser conhecida como pensamento sistêmico” (CAPRA, 1996, p. 33). Tudo gira em torno de uma prática pedagógica que envolve a totalidade das partes, não existindo mais espaço para uma prática pedagógica isolada, reducionista e fragmentada. Segundo Capra (1996, p. 45) “na natureza, não há ‘acima’ ou ‘abaixo’, e não há hierarquias. Há somente redes aninhadas dentro de outras redes”. A visão holística de ensino se dispõe a resgatar o ser humano na sua totalidade, por isso, o aluno é incitado a desenvolver inteligências múltiplas, utilizando os dois lados do cérebro e a buscar uma formação profissional mais humana e ética. Além do mais, ela se preocupa com a educação integral do aluno e acredita na possibilidade de que todos os fenômenos do universo estão intrinsecamente relacionados. Não é por acaso que Cardoso (1995, p. 51) afirma que “educar holisticamente, portanto, é estimular no aluno o desenvolvimento harmonioso das dimensões da totalidade pessoal: física, intelectual, emocional e espiritual”. A abordagem holística parte da concepção de que o todo é maior do que a soma das partes. No âmbito da educação isso implica em conceber o mundo de maneira holística, como um todo integrado e não como uma coleção de partes dissociadas, numa percepção profunda que reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos (CAPRA, 1996). A abordagem holística rejeita a dicotomia entre homem e natureza, e propõe uma postura de integração entre esses dois pólos que permita um grau de compreensão voltado para a interação de processos, a multiplicidade das interpretações, a hetoregeneidade de mundos possíveis, de observadores e leituras possíveis. Nesse sentido, Cardoso (1995, p. 47) nos lembra que: [...] continua sendo pertinente caracterizar a abordagem holística em educação, uma vez que esta tendência a rigor não se enquadra em nenhuma das classificações conhecidas. Mesmo apresentando pontos semelhantes a outras linhas educacionais, a educação holística atual merece um tratamento independente em razão de certas especificidades. 4262 Com essa visão, Behrens (2005) caracteriza e apresenta os pontos significativos da abordagem holística para aluno, professor, metodologia de ensino, avaliação e escola. O aluno nesta visão é um ser complexo que vive num mundo de relações. Considerado pelas inteligências múltiplas e pelos dois lados do cérebro, ele vive coletivamente, mas é único, indiviso, competente e valioso. O aluno como um todo, ao acessar o conhecimento, deve ser ético, crítico e construtor de uma sociedade justa e igualitária. Para Behrens (2005), o professor nesta visão tem papel na superação do paradigma da fragmentação do conhecimento e busca caminhos alternativos que alicercem uma ação docente relevante, significativa e competente. Instiga os alunos para a recuperação de valores perdidos na sociedade moderna e visualiza o aluno como um ser pleno. Igualmente, instiga seus alunos para o uso dos dois lados do cérebro (ou seja, razão e intuição). Neste contexto, Cardoso (1995, p. 56) afirma que: A aprendizagem holística não é fruto apenas de estudos interdisciplinares, visando superar a fragmentação curricular. É indispensável também a vivência globalizante dos conteúdos [...] a aprendizagem não está centrada no professor, nem no educando, mas no encontro experencial entre eles. A abordagem holística não possui uma única opção metodológica. A prática pedagógica é crítica, produtiva, reflexiva e transformadora. Há o equilíbrio entre os pressupostos teóricos e práticos com uma interdependência direta e focalizada na visão de totalidade. A metodologia possibilita as relações inter-pessoais do ser humano, visando a busca da ética, da harmonia e da conciliação. Ou seja, a “aprendizagem holística em educação busca constituir uma teoria da aprendizagem mais sistematizada e consistente que fundamente a prática de ensino” (CARDOSO, 1995, p. 53). A reflexão sobre a prática educativa em sua totalidade não está centrada nem no educador, nem no educando, nem no conteúdo e nem nos métodos, mas situada nas relações estabelecidas entre estes vários componentes. O essencial, segundo Freire, é “saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o seu ensino, contra quem, a favor de que, contra que” (1992, p. 110). A avaliação é realizada durante o processo e está a serviço da construção do conhecimento e tem como premissa uma melhor qualidade de vida. Nesta visão avaliativa percebe-se que o erro pode vir a ser um caminho do acerto. O momento da avaliação é significativo e o erro pode ser pretexto para desafiar o grupo e o próprio aluno a encontrarem 4263 o caminho do sucesso. Consideram-se as inteligências múltiplas no processo avaliativo holístico. Ao analisar a trajetória de inserção das tecnologias na educação e das práticas pedagógicas com essas ferramentas, partimos do pressuposto de que a adoção de determinada abordagem ou teoria educacional determina a relação e a função do professor e do aluno no processo pedagógico. Nessa perspectiva, passamos a refletir sobre a mediação das tecnologias a partir da abordagem holística em educação. Na perspectiva da educação inovadora a inserção das tecnologias na Educação formal ultrapassa a visão tecnicista propulsora daqueles preconceitos que nos referimos anteriormente. As tecnologias apresentam-se como ferramentas de suporte ao desenvolvimento cognitivo e afetivo. Não apresentam um fim em si mesmas, mas estão a serviço do processo pedagógico. A primeira contribuição que podemos buscar na abordagem holística, no tocante à utilização das tecnologias na educação, refere-se à ótica da totalidade. No Brasil, especificamente, com o crescimento de um pensamento educacional mais crítico a partir de 1980, em questionamento às práticas tecnicistas, a inserção da tecnologia na educação passou a ser compreendida como uma opção que pode propiciar uma educação contextualizada com as questões sociais e suas contradições, visando o desenvolvimento integral do ser humano e sua inserção crítica no mundo em que vive, apontando que não basta utilizar tecnologia, é necessário inovar a prática pedagógica. A grande questão para a escola passou a ser a construção de um projeto pedagógico que permitisse a formação de cidadãos plenos. As tecnologias estarão inseridas nesse projeto como uma das maneiras de proporcionar aos professores e alunos uma relação profunda com o conhecimento. Ao trabalhar com as tecnologias, de forma crítica, o professor estará criando condições para que o aluno consiga lidar com as tecnologias da sociedade apropriando-se delas como sujeito (LEITE et al, 2003). Lévy (1999) recomenda que, quando tratamos de tecnologia é indispensável prestar atenção para não usá-la a qualquer custo. Antes, porém, sinaliza para que se considere o entorno da proposta pedagógica. Existem questões sociais, políticas e culturais que precisam ser consideradas. Um viés que privilegie o todo no processo de ensino e aprendizagem não pode prescindir da cultura do aluno, da consideração de seus conhecimentos prévios a cerca dos novos conteúdos, sua relação com as tecnologias fora da escola, tampouco da cultura do professor e de seu posicionamento em relação aos conteúdos, as tecnologias e a função da 4264 escola. Trata-se, portanto, de superar o ensino exclusivamente técnico da inserção da tecnologia na educação. Numa segunda contribuição da abordagem holística na inserção das tecnologias na educação, investigamos sua influência a partir da visão de aluno, professor, metodologia e avaliação. Tais concepções direcionam a função do professor e aluno na prática pedagógica com as tecnologias. Concebendo o aluno como ser complexo, envolto em um mundo de relações e ao mesmo tempo, um ser coletivo e individual, social e único a abordagem holística nos convida a uma visão de totalidade, identificando o contexto da escola, as intencionalidades acerca dos conteúdos curriculares e a realidade dos próprios sujeitos da aprendizagem. Nessa perspectiva, percebemos que o aluno de hoje é um sujeito particular, diferente que apresenta perfis particulares de inteligência. Alfabetizado na linguagem midiática, desde pequeno, muitas vezes, é mais habilidoso na utilização das tecnologias do que o próprio professor. Isso nos remete à mudança de concepção da função do professor. Na perspectiva da abordagem holística, o professor supera posições hierárquicas e autoritárias, faz do magistério um momento de inter-relação, de encontro e de troca de experiência. Enquanto organizador e maestro do processo de ensino e aprendizagem e pessoa gabaritada e de experiência, acompanha o desempenho dos alunos com as tecnologias, potencializando oportunidades e corrigindo desvios. As tecnologias podem trazer dados, imagens, resumos, de forma rápida e atraente. Isso, no entanto, não garante o conhecimento. O papel do professor é ajudar o aluno a interpretar esses dados, relacioná-los e contextualizálos. Ao possibilitar a relação entre teoria e prática, a busca de uma visão reflexiva e crítica a metodologia conduz à transformação social. As tecnologias, pela própria pedagogia que dispõem enquanto facilitadoras de metodologias colaborativas, favorecem o diálogo e o encontro das pessoas. Ao favorecer processos de comunicação, as tecnologias conduzem à transformação social. Por conceber a educação de maneira ampla e entender que a aprendizagem tem precedência ao ensino, a abordagem holística concebe a avaliação de maneira formativa. Ela acontece durante o processo e no final dele. Serve como diagnóstico para modificar a intervenção do professor e as próprias ferramentas enquanto ainda existe tempo hábil. A avaliação formativa permite ao professor identificar se a escolha das ferramentas foi 4265 adequada, permite corrigir rotas de mediação e dá respaldo se os alunos estão ou não construindo conhecimento. Deixamos como indagação para continuarmos a reflexão a seguinte questão: Perante a superação de práticas tecnicistas e o respaldo na abordagem holística, de que forma e em que condições a mediação das tecnologias na educação pode favorecer processos harmoniosos de produção do conhecimento. A visão tecnicista advinda da sociedade capitalista mercadológica conduziu-nos a uma corrida desenfreada por uma educação pragmática, utilitarista, calcada em resultados, na maioria, de ordem econômica. Isso esmoreceu a criatividade e aniquilou a visão de ser humano. No texto “Serenidade”, o filósofo alemão Heidegger (2001) nos apresenta uma pista, a qual pode ajudar a pensarmos essa questão. O autor reflete sobre a essência da técnica moderna mostrando a necessidade de recuperar aquilo que ele chamou de pensamento meditativo. Não se trata de negar a técnica, obviamente, mas de repensar a nossa relação com ela. Trata-se, portando de substituir um pensamento que calcula por um pensamento que medita. O apelo do filósofo ao longo do texto é para que mantenhamos acordado o pensamento. Para Heidegger, a técnica não é um instrumento neutro e pode ser usado tanto para o bem como para o mal. A questão não é, então, a da técnica propriamente dita, mas a da relação do ser humano com a técnica. O perigo depende do uso que se faz da técnica. É nessa relação com o mundo que o pensamento meditativo se mostra diferente, não permitindo que a tecnologia na educação tenha primado absoluto ou que seja concebida de maneira neutra, mas que esteja a serviço de projetos pedagógicos consistentes, potencializando metodologias e melhorando as aprendizagens, concebendo o aluno e a educação de maneira holística. Considerações finais Concluímos o presente relato de pesquisa realizado ao longo de uma caminhada com 21 professores universitários mediados pela professora-pesquisadora. A partir de uma problematização (como propor uma ação docente que oportunize aprendizagem criativa, crítica e transformadora assentada em referências teóricas e práticas que subsidiem a prática educativa com paradigmas pedagógicos inovadores? Quais os referenciais que caracterizam o paradigma da complexidade e como aplicá-lo na prática pedagógica?) foi possível construir um processo individual e coletivo de produção do conhecimento. O caminho percorrido 4266 envolveu paradigmas conservadores e inovadores e suas influências na prática pedagógica de professores. A intenção foi provocar uma reflexão sobre o tema em questão e motivar novos pesquisadores a continuar o debate e se possível, reconstruir suas práticas docentes. A sociedade aprendente, de modo geral, tornou-se exigente e, conseqüentemente, a responsabilidade do professor aumentou. Daí, o aprender a aprender tornou-se a condição básica para quem desejar realmente, sobreviver no mundo de trabalho competitivo. Desta forma, as mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem, requerem do professor ousadia e coragem para se despir do velho sistema educacional cuja ênfase está na fragmentação do conhecimento. Isto significa que é importante ultrapassar o pensamento newtoniano-cartesiano. Deste modo, indagamos: temendo as mudanças, não estaríamos nós alimentando a pedagogia da certeza, onde o aluno passivamente espera do professor a “verdade absoluta”, sem, contudo, questioná-la? Chegou a hora de suprir a pedagogia da certeza e dos saberes pré-fixados por uma pedagogia da pergunta. Em suma, por uma pedagogia da complexidade, que saiba “trabalhar com conceitos transversáteis, abertos para a surpresa e imprevistos” (ASSMANN, 2003, p. 33). Trata-se de um processo de ensino-aprendizagem que alicerçada na problematização de temas, transforma a sala de aula em um espaço democrático para debate de idéias e, por conseguinte, o professor assume de maneira consciente seu papel de mediador neste processo. Neste processo investigativo, foi possível refletir que, as tecnologias na educação, como afirmado neste estudo, apresentam-se como ferramentas de suporte ao desenvolvimento cognitivo e afetivo, considerando a inter-relação. Portanto, não pode ser adotada somente como uma tecnologia potencialmente favorável para a educação, mas, sim, adotá-la como ferramenta cognitiva importante, especialmente se usada em ambientes que buscam a produção/construção do conhecimento. Em suma pudemos refletir que, mudar com sucesso o paradigma requer convicção, envolvimento e opção por uma prática pedagógica que possibilite a construção de caminhos próprios, de professores e alunos, que busquem a autonomia na produção do conhecimento e a qualidade no processo pedagógico com o uso das tecnologias. 4267 REFERÊNCIAS ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: Rumo à sociedade aprendente. Rio de Janeiro: Vozes, 2003. BEHRENS, Marilda Aparecida. A formação pedagógica e os desafios do mundo moderno. In: MASETTO, Marcos Tarciso. (org.). Docência na universidade. Campinas, SP. Papirus, 1998. BEHRENS, Marilda Aparecida. O paradigma emergente e a prática pedagógica. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. 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