Educação e Tecnologia: mais próximos do que nunca
“Alunos registrariam presença e responderiam a perguntas apertando botões.
Máquinas especiais seriam "voltadas" para cada aluno de modo que ele pudesse
avançar tão rapidamente quanto suas habilidades permitissem. Registros do
progresso, também mantidos pela máquina, seriam revistos periodicamente por
professores qualificados, e ajuda pessoal estaria disponível quando necessária.” O
curto trecho acima foi retirado de uma publicação da revista “Closer Than We Think”
de maio de 19581, que foi apelidada de “Push-Button Classes”. A vontade de
transformar a educação através da tecnologia sempre existiu, mas, quase 60 anos
depois das ideias de Simon Ramo2 descritas acima, as salas de aula continuam
isoladas das tecnologias atuais. Então, por que este tema voltou com tanto
entusiasmo nos últimos anos?
O ano de 2014 foi o ano de maior investimento em empresas de tecnologias
educacionais da história, com aproximadamente USD 1,8 bilhões investidos 3 por
fundos de venture capital. É claro que mais investimento por si só não garante uma
qualidade melhor no ensino, mas indica a expectativa do mercado com o setor. De
forma pragmática, acreditamos que três fatores tornam o atual contexto educacional
favorável a mudanças: i) novas tecnologias; ii) maior familiaridade do professor com
tecnologia; e iii) políticas públicas de incentivo ao uso de tecnologia. Nessa terceira
carta, pretendemos passar por cada um desses pontos e explicar as razões pelas
quais devemos estar otimistas com relação à inovação em um setor que apresentou
tantas resistências a mudanças até aqui.
I. O impacto das novas tecnologias na educação
Em uma tiragem de 1924 da revista “Science and Invention”, previa-se que as crianças
adorariam ouvir lições no rádio da mesma maneira que adoravam ouvir histórias para
dormir. Assim, o dever de casa seria prazeroso e a matéria seria aprendida com mais
facilidade. Passados 90 anos, chegamos à era dos audiobooks e o áudio nunca
conseguiu engajar os estudantes de maneira esperada. Outro exemplo interessante é
o da televisão4. Já nos anos 30, quando a televisão ainda era um artigo de luxo,
previa-se que ela seria o principal meio de se entregar educação à distância. Apesar
do papel relevante no acesso à educação, como os resultados alcançados pelo
Telecurso da Fundação Roberto Marinho, ela não chegou a ser uma solução universal
como se esperava. Mais recentemente, nos anos 90 e 2000, houve a crença de que
os computadores por si só revolucionariam a aprendizagem. Apesar de estarem
1
Closer Than We Think, 05 de Maio de 1958
Simon Ramo é um físico e engenheiro americano, que publicou suas ideias sobre o
futuro da educação em um texto de 1957 chamado “A New Technique of Education”
3 GSV Advisors
4 Paleofuture – “Predictions for Educational TV in the 1930s
2
1
presentes em muitas salas de aula e no dia a dia de parte expressiva da população,
os resultados dos programas que tentaram melhorar o desempenho acadêmico dos
seus alunos através dos computadores foram frustrantes5. A lista não para por aí.
Fitas cassete, CD-Roms, projetores e muitas outras inovações do século passado se
propuseram a transformar a educação como conhecemos hoje, mas nenhuma
alcançou o resultado esperado. Isso porque, na verdade, servem mais como uma
evolução dos canais de distribuição de conteúdo do que soluções para melhorar a
aprendizagem.
Com o acesso à educação cada vez mais democrático através da internet e de
dispositivos baratos, uma segunda onda de inovações vem acontecendo, onda esta
que acreditamos de fato ser capaz de gerar impacto. Para nós, a tecnologia terá um
papel transformador no ensino a partir de quatro fatores que, em conjunto, deveriam
melhorar a experiência de aprendizagem do estudante.
O primeiro deles é o acesso irrestrito ao conteúdo. Se um usuário do Netflix não
precisa mais esperar um horário determinado para assistir sua série favorita, um aluno
não é obrigado a acessar um conteúdo acadêmico somente em um horário préestabelecido. O conteúdo pode estar disponível a todo o momento, em qualquer
lugar e pode ser acessado quantas vezes o aluno julgar necessário. O segundo fator
é a interatividade. Assim como fazem os melhores professores, a tecnologia
possibilita cada vez mais maneiras criativas de engajar os estudantes nos conteúdos
apresentados, seja através de jogos, aplicativos, simulações ou exercícios dinâmicos:
a aprendizagem será cada vez menos passiva. Porém, mesmo com mais
interatividade, alguns alunos precisarão de ajuda para compreender os mais diversos
assuntos. As ferramentas de personalização do ensino, nosso terceiro fator de
destaque, não só ajudam em uma leitura do nível de conhecimento do aluno, como
também do seu perfil acadêmico. Além disso, elas auxiliam na remediação do déficit
teórico individual de cada um ao permitir que os alunos trabalhem com foco
exclusivo na sua dificuldade.
Para ilustrar os fatores mencionados acima, é interessante recorrer às empresas que
já estão no mercado. Um exemplo famoso é a Khan Academy. Criada em 2006 por
Salman Khan, a plataforma gratuita já é um sucesso em centenas de países com
aulas traduzidas para quase 40 idiomas. A plataforma é majoritariamente conhecida
pelas suas vídeo-aulas, que simulam uma aula particular. Tudo que aparece na tela
do aluno é um fundo preto e letras coloridas acompanhadas apenas pela voz do
professor. Porém, Khan não se preocupou apenas em dar acesso irrestrito ao
conteúdo. Além das aulas, os alunos podem fazer exercícios personalizados (que se
adaptam ao nível de conhecimento daquele aluno) para se certificarem que
5
American Economic Journal: Applied Economics 2015, 7(2): 53–80 e Revista Exame 2015,
4 de março: 48-51
2
realmente aprenderam o conteúdo em questão, além de possuírem acesso à
simulações e outras atividades interativas.
Por fim, nosso quarto fator. A tecnologia não aperfeiçoa apenas a aprendizagem, mas
também o uso e a gestão de informações, tanto pedagógicas quanto acadêmicas,
geradas diariamente em ambientes de estudo. As ferramentas conhecidas como LMS
(Learning Management System), como a Blackboard e a Desire2Learn, têm como
principal objetivo aprimorar a gestão dos ambientes acadêmicos, organizando dados
e melhorando a comunicação entre professores, pais, alunos e administração da
instituição. Disponibilizar conteúdo pedagógico e editar cursos online são apenas
algumas das funcionalidades disponíveis nessa ferramenta que está presente em
99%6 das instituições de ensino superior dos EUA. Com esses dados organizados, as
possibilidades de análises são inúmeras e vão desde a probabilidade de um aluno
evadir até a necessidade da melhoria de determinado curso.
II. A integração entre professores e tecnologia
Concordamos com Bill Gates que disse: “A tecnologia é apenas uma ferramenta. Em
termos de fazer as crianças trabalharem em conjunto e motivá-las, o professor é o
mais importante. ” No processo de aprendizagem, a importância do professor é
indiscutível. Educadores possuem uma agenda apertada por conta do currículo que
lhes é imposto, mas muitas empresas não levam esse fator em consideração ao
desenvolver uma nova solução. Por isso, é comum ouvirmos que professores “não
gostam de tecnologia”. Em nossa opinião, essa não passa de uma reação superficial assim como profissionais de outros setores, eles não gostam de mais trabalho que
não seja conducente com melhores resultados, seja ele por conta da tecnologia ou
não.
Uma pesquisa conduzida nos EUA em 2013 apontou que 70% dos professores
acreditavam que a tecnologia os ajudava no ensino dos alunos7. Aquelas empresas
que estão conseguindo solucionar os problemas sofridos pelos educadores têm se
beneficiado de um processo de expansão viral valioso. Um excelente exemplo é a
Remind, “uma forma segura para professores enviarem mensagens para alunos e
manterem-se em contato com responsáveis”8. Fundada em agosto de 2011, o app já
ultrapassou a marca dos 18 milhões de usuários e é utilizada por 1 em cada 5
professores nos EUA9.
6
Educause: The Current Ecosystem of Learning Management Systems in Higher
Education: Student, Faculty, and IT Perspectives
7 “PBS survey finds teachers are embracing digital resources to propel student learning”
8 Site da companhia
9 EduKwest.com e Remind
3
A distância dos professores com a tecnologia já vem diminuindo fora do meio
educacional. Nos EUA, cerca de 50% dos professores possuem até 40 anos de
idade10. Eles chamam táxi pelo celular, compram ingresso de cinema online e se
comunicam por aplicativos de mensagens de texto. De diferentes maneiras, a
tecnologia já está inserida em seu cotidiano. O que poderia ser “mais trabalho” para
uma geração não digital é a solução para uma geração que mal conhece a vida sem
internet.
A tecnologia não está só facilitando a vida dos professores, mas também está criando
novas oportunidades fora das instituições de ensino, como venda de vídeo-aulas ou
outros objetos de aprendizagem. O site TeachersPayTeachers é um market place
para professores venderem suas ideias para outros professores. É como um Ebay
voltado exclusivamente para conteúdos pedagógicos. Isso não só gera uma renda
extra e instiga a criatividade de alguns, como permite que soluções de ensino criadas
por quem mais entende do assunto ganhe escala. Um jogo que um professor do
interior do Brasil desenvolveu para a sua turma do ensino fundamental pode agora
ser usado por um professor de Nova Iorque, e vice-versa.
III. Governo – principal agente e maior cliente
Visto que a maior parte da educação está sob a responsabilidade pública, o governo
exerce papel fundamental de fomento e incentivo à adoção de tecnologia. Para que
haja uma massificação do impacto e criação de um mercado consumidor atraente, a
rede pública deve se tornar o principal cliente dessas novas tecnologias.
Antes de qualquer incentivo para adoção de tecnologia, é importante que o acesso à
internet de banda larga seja amplamente disseminado. A grande maioria das novas
soluções em desenvolvimento são dependentes de internet de qualidade para
funcionar e muitos países já entenderam que se querem tecnologia em sala,
precisarão investir em conectividade. No país da inovação tecnológica, os Estados
Unidos, programas como o E-Rate e ConnectED buscam expandir a banda-larga de
alta velocidade para todas as escolas, hoje só presente em 40% das instituições
públicas. O ConnectEd tem a meta audaciosa de até 2018 conectar 99% dos alunos a
uma velocidade não menor que 100mbps. Para se ter um parâmetro, a velocidade
média em 83% das 138.000 escolas atendidas pelo Programa Banda Larga nas
Escolas no Brasil é de apenas 2mbps. A máxima é de 16mbps11.
Ainda nos EUA, algumas inciativas federais têm causado impacto relevante na
criação e adoção de tecnologias educacionais. O Race To The Top, por exemplo, é
um programa do governo federal que incentiva financeiramente a adoção e
10
11
Teachers Know Best – Bill and Melinda Gates Foundation
Revista Exame
4
implementação pelos estados de certas políticas educacionais pré-estabelecidas.
Alguns critérios do RTT, apesar de não serem expressamente relacionados a
tecnologias, demandam soluções tecnológicas para que sejam efetivos. Entre os
critérios do programa está uma preocupação clara na avaliação e suporte aos
professores: “Design and implement rigorous, transparent, and fair evaluation systems
for teachers”. Esse processo, antes feito à mão e, portanto, de difícil manipulação e
comprovação do uso, está sendo completamente reformulado por softwares de
avaliação e treinamento de professores, como a Bloomboard. A ferramenta
desenvolvida pela empresa não só é mais confiável e segura que o processo manual
utilizado, como gera dados e análises sobre o que deu certo com os melhores
professores e permite que a mesma ação seja aplicada a outros.
Outra iniciativa, dessa vez bem específica para a tecnologia, é o EETT (Enhancing
Education Through Technology). Complementar ao ConnectEd, esse programa tem
como meta capacitar os professores ao uso da tecnologia com o objetivo explícito de
melhorar a aprendizagem dos alunos. A capacitação envolve o ensino de como
trabalhar com dados e encontrar conteúdos de qualidade online para aplicar em sala
de aula e personalizar o ensino dos alunos. Como consequência do incentivo do
governo americano, os gastos com tecnologias educacionais vêm crescendo de
maneira expressiva, chegando a 20% a.a. no caso dos softwares educacionais 12 desde
2012.
O futuro é agora
Temos um cenário extremamente favorável para que a educação seja finalmente
impactada pela tecnologia. Custo baixo de inovação e novas ferramentas para
melhorar o ensino, professores mais adeptos à tecnologia e sistemas públicos
investindo mais tempo e dinheiro em inovações são as principais razões pelas quais
apostamos nessa nova onda de empreendedores educacionais.
Porém, como ressaltou Peter Thiel ao dizer que “nós esperávamos carros voadores e
ganhamos 140 caracteres”, revoluções levam tempo. Observando os problemas que
enfrentamos hoje e como a tecnologia pode solucioná-los de maneira escalável,
pretendemos acelerar o processo de transformação de um setor adormecido. E,
diferente de como fez Simon Ramo, não gostaríamos de prever o futuro, mas propor
um cenário possível de como a tecnologia hoje existente poderia já estar impactando
a educação.
“Maria está sentada em sua carteira esperando a aula de matemática começar. Ela é
uma dos 35 alunos do 6º ano do ensino fundamental de uma escola pública do Rio
de Janeiro. A escola, que fica dentro de uma comunidade carente da cidade, possui
12
GSV e SIIA
5
internet de banda larga e um tablet por aluno. Assim que o professor chega à sala de
aula, ela liga o tablet, faz o seu log in e se prepara para ouvir as instruções. Ao ligar, o
aparelho se conecta automaticamente à rede da escola, a presença de todos os
alunos é registrada no sistema e os dados dos exercícios feitos em casa são
processados, gerando novas questões baseadas nos resultados individuais de cada
um. O professor, sem perder tempo com chamadas ou cobrando o dever de casa, faz
um rápido quiz presencial para ter certeza de que os alunos resolveram as questões
sozinhos. A atividade, que também foi feita no tablet, dura dez minutos e, após os
resultados, os alunos são separados em três grupos: i) aqueles que gabaritaram o
teste ii) aqueles que já entenderam, mas precisam exercitar e iii) aqueles que não
compreenderam a matéria e, portanto, precisam de ajuda.
Para otimizar ao máximo o tempo em sala, o professor decide focar sua atenção em
15 alunos do terceiro grupo e instrui os 5 alunos que já dominaram 100% da matéria
em ajudar os outros 10 com mais exercícios, que foram gerados automaticamente
pelo sistema. O professor vai para o quadro negro com o giz na mão e se concentra
nas dificuldades apresentadas no relatório de desempenho do grupo.
Apesar de realizar operações simples com números inteiros, Maria tem dificuldades
com os números decimais. Isso fez com que ela ficasse no segundo grupo. Como é
muito tímida, não fala com ninguém sobre sua dificuldade e começa a rever um vídeo
sobre o tema. Pedro, que já domina a matéria, se aproxima e oferece ajuda. Depois de
alguns exercícios em conjunto, Maria finalmente entende o conceito e começa a
praticar sozinha. Ao acertar dez questões seguidas sem nenhum tipo de auxílio, passa
automaticamente para o primeiro grupo. No sistema, ela registra a ajuda de Pedro e
logo em seguida o professor recebe uma mensagem notificando o sucesso da dupla.
O professor deixa os alunos com quem estava trabalhando por dois minutos para
elogiar o esforço e trabalho em equipe dos dois. Em seguida, adiciona um ponto de
“colaboração” para Pedro e um de “esforço” para Maria no sistema, que
automaticamente notifica os pais, e pede para que os dois ajudem quem ainda está
com dificuldade.
Sr. João, pai de Maria, trabalha como auxiliar de limpeza em uma empresa no centro
do RJ. Assim que chega ao trabalho, às 07:30 da manhã, recebe uma mensagem da
escola avisando que sua filha está presente na aula de matemática. Com a notícia,
pode focar 100% no trabalho e não precisa se preocupar se sua filha foi a escola. Por
volta das 08:15, ele recebe uma nova mensagem do colégio. Dessa vez, é
parabenizando sua filha pelo esforço e empenho dentro de sala. No mesmo
momento, Carol, mãe de Pedro, recebe a seguinte mensagem: “Seu filho acaba de
ganhar um ponto de colaboração por ajudar um colega de sala a dominar uma nova
matéria.” Como toda mãe coruja, Carol não se contém e, com um orgulho estampado
no rosto, mostra a mensagem para seus colegas de trabalho.”
6
Acreditamos que mudanças radicais acontecerão dentro das salas de aula, conforme
exemplificamos em nossa primeira carta, e que as inovações tecnológicas serão as
principais responsáveis por isso. Ainda que não tenhamos a resposta de como seria
esse novo modelo, o uso das ferramentas que temos hoje já são capazes de levar a
experiência acima a diversas salas de aula ao redor do mundo. Não precisamos só
pensar em tecnologia como forma de criar novos processos. Em grande parte, ela
pode simplesmente aprimorar um processo já existente, tornando-o mais eficiente e
mais escalável. No cenário descrito aqui, o professor não perde tempo com
burocracias, cada aluno tem a oportunidade de focar em suas necessidades
individuais, a colaboração é mais eficaz, não é preciso esperar até o final do ano para
saber o desempenho de cada um e a família é engajada na vida do estudante. Todas
essas práticas, quando aplicadas mesmo que off-line, comprovadamente impactam
o resultado educacional dos estudantes. Nossa sugestão é de que olhemos para as
ferramentas que já temos hoje como forma de introduzir e utilizar tais processos com
menos esforço. As suas dificuldades de implementação dentro de sala não podem
ser menosprezadas, mas estão cada vez mais perto de serem solucionadas.
7
Download

Educação e Tecnologia: mais próximos do que nunca I. O impacto