HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA COMO INSTRUMENTO DA FORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO BURGUESA SOUZA, Paulo Rogério de – UEM1 [email protected] FERREIRA, Magda Maria De Marchi – UEM2 [email protected] BARROS, Marta Silene Ferreira – UEM3 [email protected] Eixo Temático: Didática: História da educação Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo O presente trabalho parte das pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos FOCO: Formação e Concepções do Materialismo Histórico Dialético na Educação. Para tanto, o objetivo deste é entender o processo de constituição da escola pública e seus desdobramentos para a formação do homem moderno, assim como buscar respostas que possibilitem a reflexão sobre como, quando e porque a escola pública foi criada, qual a influência exercida em sua gênese pelo modo de produção capitalista. Trata-se de um estudo bibliográfico pautado na perspectiva teórico metodológica do materialismo histórico. Por meio da leitura de diversos autores constatou-se que a institucionalização da escola pública no final do século XIX estava ligada, historicamente, à manutenção da classe burguesa como classe hegemônica e à preservação do modo de produção do capital. Para tanto, engendrou-se historicamente uma escola que formasse o novo homem, preparado nos moldes de uma moral burguesa e de uma liberdade religiosa que o conduziram à ordem e harmonia social, assim como o constituíram como indivíduo alienado que não sabe pensar sobre a totalidade, voltado para a política do individualismo e do consumismo. Assim, não só a educação foi usada como instrumento de contenção da sociedade pela classe dominante, mas também a religião foi usada como um artifício contra-revolucionário. Pode-se, nesse sentido, inferir que a classe dominante procurou historicamente incutir no processo formativo do indivíduo, por meio da escola pública, da educação técnica e geral e da liberdade religiosa, os valores da sociedade do capital que visam garantir a ordem social capitalista. No entanto, o objetivo da criação da 1 Paulo Rogério de Souza, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). E-mail [email protected] 2 Magda Maria De Marchi Ferreira, pedagoga, psicopedagoga e mestranda em Educação pela UEM. E-mail: [email protected] 3 Marta Silene Pereira Barros, Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da universidade Estadual de Maringá–UEM/PR, Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo–USP. E-mail [email protected] 489 escola pública deveria possibilitar a formação do homem como um ser histórico e total, com conhecimentos que poderiam levá-lo a se levantar contra a exploração, as injustiças, a manipulação alienada e a superação da sociedade capitalista. Palavras chave: Escola pública e Religião. Capitalismo. Burguesia. Luta de classes. Introdução O presente trabalho é resultado do Grupo de Estudos e Pesquisas FOCO: FORMAÇÃO E CONCEPÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO NA EDUCAÇÃO, vinculado ao CNPq, ao Departamento de Teoria e Prática da Educação e ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá-PR. O grupo é composto por sujeitos de várias áreas do conhecimento, por professores do ensino básico e superior e alunos da graduação e pós-graduação. A proposta teórica do grupo está fundamentada em um conjunto de pressupostos teóricos, cujos principais autores são: Karl Marx, Friedrich Engels, Lênin, Vigotiski, Leontiev, Lefebvre dentre outros. Este trabalho terá como temática “a moderna luta de classes e a escola pública no século XIX”, e seu objetivo será, não apenas discutir a educação moderna como algo isolado da sociedade na qual foi gerada, nem descobrir as origens da escola pública por mera curiosidade histórica ou buscar na luta de classes um maniqueísmo entre o bom e o mau da sociedade, porém pretende primeiramente possibilitar a reflexão sobre como, quando e porque a escola pública foi criada, e principalmente, qual a influência do modo de produção e da luta de classes na institucionalização da instrução pública. Também, será relevante buscar refletir como essa mesma escola foi usada como instrumento de domesticação da classe proletária e como forma de repressão para a revolução dessa classe. Para esse fim, faz-se necessário mostrar brevemente em alguns momentos da história, o caminho percorrido pela educação no processo de formação social do homem moderno, até atingir o formato no qual a sociedade burguesa o consolidou por meio da escola pública. Nesse intento, destacam-se três momentos históricos em que a educação formal assumiu características diversas, até sua institucionalização pela escola pública no último quartel do Século XIX. Num primeiro momento, no decorrer do período Feudal, a educação institucionalizada estava atrelada à Igreja e voltava-se à formação do clero e dos membros de uma classe privilegiada. As crianças, provenientes da nobreza, eram educadas em seus lares por 490 preceptores contratados para tal fim. Por isso, esse período se destacou por uma educação elitizada a qual poucos tinham acesso. Já, num segundo momento, no período de transição do Feudalismo para o Capitalismo, ao tomar o poder, a “revolucionária” burguesia exigiu que, juntamente com vários outros privilégios exclusivos da nobreza feudal, a educação fosse voltada para todos os homens, passando a ser um direito desses, deixando de ser apenas privilégio de classe. Assim, a educação moderna, historicamente deixou de ser privilégio para se tornar um direito. O terceiro momento se encaminhou quando a burguesia revolucionária havia se firmado definitivamente no poder como classe dominante e dirigente da sociedade: instituiuse a educação como um dever. Isso porque o homem dessa sociedade precisava ser educado para se adaptar ao novo modo de produção Capitalista e também de acordo com uma nova moral burguesa, ou seja, para manutenção da ordem e do ideário burguês: a propriedade privada. Este artigo tratará justamente sobre essa educação burguesa instituída como um dever no seio da escola pública no decorrer do século XIX. Burguesia: de classe revolucionária à reacionária Após sua sedimentação no poder como classe dominante, a burguesia enfrentou várias crises e comoções sociais, provenientes das contradições instituídas pelo modo de produção que se consolidava, como narra Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto do partido comunista redigido no ano de 1848: “Basta mencionar as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, ameaçam cada vez mais a existência da sociedade burguesa” (MARX e ENGELS, 1989, p. 61). Naquele momento histórico, a exploração da classe proletária pela “maximização” do lucro começou a gerar uma crise de grandes proporções. A possibilidade de uma “revolução” era latente. Revolução essa convocada na última frase do Manifesto do partido comunista: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos” (MARX e ENGELS, 1989, p. 65). Por outro lado, a classe proletária adquiria uma consciência de “classe”, instigada por pensadores como Marx, sobre sua real condição de exploração e de desigualdade crescente, como observado em relato contido no Manifesto de lançamento da associação internacional dos trabalhadores: “Em toda parte, a grande massa do operariado caía cada vez mais baixo, 491 pelo menos na mesma proporção em que os que se encontravam acima dela subiam na escala social” (MARX, 1989, p. 317). Vale ressaltar que a classe burguesa já havia passado pelo crivo de uma revolução lutando contra o Antigo Regime e na qual se destacou como classe revolucionária. Após vencida essa revolução, essa classe conhecia muito bem as armas de luta usadas para conter a revolta da classe proletária. Ou seja, ela sabia como fazer a “contra-revolução”. A burguesia, contudo, não podia encontrar soluções para as crises sociais sempre no campo de batalha, pois esse artifício era prejudicial, não só para a classe oprimida, mas também para a opressora. Na sociedade moderna, como afirmava Benjamim Constant, a guerra não seria mais como para os povos da Antiguidade, ou seja, uma forma de obter o poder e/ou aquilo que se desejava, mas uma nova forma de luta, que na Modernidade se efetivaria pelo comércio: “A guerra é anterior ao comércio: porque a guerra e o comércio não são senão dois meios diferentes de atingir o mesmo objetivo, aquele de possuir o que se deseja” (CONSTANT apud LEONEL, 1994, p. 16), fosse isso poder, bens, territórios. Desse modo, na busca pela manutenção de uma nova ordem, para a efetivação de seu domínio na sociedade moderna e para sustentação de seu poder e hegemonia, a classe burguesa se valeu de outro instrumento, além do da força e do embate direto com a classe opositora, o poderio econômico. Eis então que se pode perceber outra tomada de postura dessa classe em discursos como o do pensador Félix Pecaut na Carta ao senhor X, membro da assembléia nacional, no qual este narra os horrores causados pela força contra-revolucionária aos revoltosos: “Mas como desviar os olhos desse desolante espetáculo! Vejo dia e noite essas ruas cheias de mortos, e esses mortos são cidadãos. Pensamento amargo entre todos!” (PECAUT, 1879, p. 02). Essa nova tomada de posição para se evitar o uso da força no embate direto com os componentes da sua própria estrutura organizacional fez surgir a necessidade de uma nova postura da burguesia diante das suas crises. Educação pública como instrumento de contra-revolução Felix Pecaut expressava a necessidade de uma nova forma de combater essas revoluções; não mais pela força, pelas guerras, mas por meio de um novo instrumento, mais eficaz e menos devastador para ambos os lados, ou seja, através da “educação”. Uma 492 educação que fosse capaz de aplacar “as influências perniciosas” de uma possível revolução eminente: ... não posso esquecer que a maior parte são franceses desviados por toda uma educação de sofisma abandonada a muito tempo às influências perniciosas e que acabam por mostrar de quais esforços teriam sido capazes se tivesse, sido, há muito tempo melhor orientados (PECAUT, 1879, p. 02). Assim, como demonstrado no discurso de Felix Pecaut, a classe burguesa, naquele momento histórico, propunha uma educação que formasse o homem do seu tempo, de acordo com os princípios morais dessa classe, visando evitar conflitos revoltosos contra seus domínios de expansão e exploração social. Para isso propôs a institucionalização da escola pública, como escreveu Eliane Marta Santos Teixeira Lopes em pesquisa sobre as origens da educação pública, “... no afã de consolidar seu projeto hegemônico, a burguesia se apropria da idéia de escola pública, redefinindo-a e convertendo-a em um dos instrumentos disseminadores de sua visão de mundo” (LOPES, 1981, p. 15). Essa escola seria um caminho a ser trilhado pelos indivíduos, porém, não como opção ou escolha de cada um, mas como um instrumento político que formaria o homem moderno. Uma escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória, em que cada indivíduo seria educado e instruído de acordo com a “moral burguesa laica”, ou seja, para viver nessa nova sociedade. A escola sugerida por Ferry vai além do mero instrumento de instrução: “... ao mesmo tempo em que ensina os meninos a ler e a escrever, ensina-os também essas regras elementares da vida moral...” (FERRY, 1945, p. 15)4, o Iluminismo, por sua vez, já havia anteriormente preparado o caminho para essa nova moral e que, de acordo com Lopes, a escola iria reforçar e consolidar: A implantação e consolidação da nova moral burguesa era de fato necessária. Também disso dependia o sucesso da nova ordem econômica e foi pedido à instrução – considerada poder – agir sem demora sobre o aperfeiçoamento do corpo político e sobre a prosperidade geral (LOPES, 1981, p. 69). 4 “... al mismo tiempo que ensina a escribir y a leer a los niños, lês ensine también esas reglas elementales de la vida elemental, de la vida moral ...” (FERRY, 1945, p. 15). 493 E foi nesse período conturbado do século XIX, período de transição e de conflitos sociais da expansão mundial do comércio, da crescente explosão da indústria e da maquinaria e embate entre duas classes antagônicas – burguesia e proletariado –, que o surgimento da escola pública, segundo Zélia Leonel, em sua tese Contribuição à história da escola pública: elementos para a crítica de teoria liberal da educação, tornou-se algo inadiável. Pois seria essa escola pública, gestada de acordo com os princípios burgueses, que viria assegurar e defender os interesses da classe dominante diante da “crise do capital”: Tratava-se, na verdade, de defender os interesses burgueses frente a grande crise do capital, na esteira do qual seguiam as lutas comerciais por novos mercados, dificultadas pelo enfraquecimento da unidade nacional que o movimento operário provocava. Ora, se os interesses burgueses têm que passar pelo sufrágio universal e a sociedade se encontra dividida em classes antagônicas, a escola pública não pode mais ser adiada (LEONEL, 1994, p, 184-185). Não bastava, contudo, criar a escola pública, fazia-se necessário definir o quê ensinar e para que fim ensinar. Nessa perspectiva, Croiset propôs que “... em toda sociedade, democrata ou não, a educação deve ser ao mesmo tempo Técnica e Geral” (CROISET, 1903, p. 1). Desse modo, a educação Técnica, prepararia o homem para o trabalho possibilitando a cada indivíduo fazer o melhor possível para executar sua função e a educação Geral formaria o homem social, o cidadão capitalista, dando-lhe “... as qualidades físicas, intelectuais, morais, para cumprir o papel que lhe assinala, no estado, a forma política da sociedade na qual é membro” (CROISET, 1903, p. 2). Alfred Fouillée também apresentou uma proposta para organização do ensino nas bases morais, pois a moral seria a estrutura da manutenção da sociedade burguesa e da manutenção da ordem: “Importa, organizando o ensino, de não esquecer a verdadeira meta, que é de transmitir à nova geração a herança das grandes idéias morais e cívicas, geradoras dos grandes sentimentos e das grandes energias” (FOUILLÉE, s/d, p. 1). Ou seja, essa educação moral proposta pelos autores supracitados se objetivava a fortificar as relações sociais através do preceito de aprimoramento das virtudes do homemcidadão a ser educado de acordo com os interesses da classe dominante. Assim, pode-se perceber que a função atribuída à escola pública foi mesmo de “educar” o indivíduo às normas burguesas, e não de educar o homem como ser social e emancipado intelectualmente. Dessa maneira, naquele momento histórico, a educação tinha 494 como princípio não formar o homem consciente dotado de conhecimento: “Se tem repetido com muita freqüência que o valor de um homem se mede, não pelo seu saber, mas pelo seu querer. Quer dizer que a educação moral é mais importante ainda que a educação intelectual” (COMPAYRÉ, 1908, p. 215), mas sim formar o indivíduo seguidor da ordem e da moral exigidas para manutenção da estrutura capitalista. A religião como instrumento contra-revolucionário Com esse processo de formação seria mais fácil articular as bases capitalistas, mantendo assim a sociedade nos eixos da burguesia, tanto para os que governavam, como para os governados. Dessa forma a sociedade burguesa podia desenvolver-se de acordo com seus princípios de liberdade e suas leis – apoiadas pelo “estado de direito” – na manutenção da ordem social: No estado social, a autoridade e a liberdade, têm uma e outra, necessidade de garantias, e elas têm, uma e outra, direitos a essas garantias. É preciso freios para conter aqueles que governam e aqueles que são governados, porque uns e outros são homens (GUIZOT, 1872, p. 5). Não só a educação serviu como instrumento de contenção da sociedade pela classe dominante, mas também a religião foi usada como artifício contra-revolucionário. Pois, ao perceber que a religião poderia ser utilizada como um forte instrumento para formação da moral e virtude no indivíduo, características essenciais para a manutenção da ordem, o Estado burguês passou a utilizá-la como mantenedora da ordem social. Ao perceber a religião como aliada aos seus interesses o Estado burguês tomou uma atitude aparentemente contraditória e abriu mão de uma religião oficial. O que poderia parecer uma perda de poder por parte do Estado, na verdade se revelou como uma estratégia administrativa. Isso porque o Estado burguês percebeu que quanto maior a liberdade de religião, maior a possibilidade do indivíduo se vincular a um determinado culto. Essa liberdade evitava um possível conflito que poderia existir com a imposição de uma religião pelo Estado a um indivíduo que fizesse parte de outro credo que não o oficial. Por outro lado, a imposição religiosa estaria na contramão da “liberdade” tão apregoada pela burguesia como um dos seus pilares fundamentais e acarretaria um desgaste desnecessário ao próprio Estado laicizado. 495 Na sua obra A questão judaica, Karl Marx explicitou a importância atribuída à liberdade de escolha de religião para o sistema capitalista como um “direito do homem” em respeito à sua individualidade: “Estão, entre eles, a liberdade de consciência, o direito de seguir a religião que optar. O privilégio da fé é definitivamente reconhecido, ou como um direito do homem, ou como conseqüência de um direito do homem, isto é, a liberdade” (MARX, 2006, p. 30). Nessa esteira, François Guizot intensificou o discurso em favor da relevância da individualidade ao culto livre da religiosa para manutenção das boas relações e da ordem social e para vivência em comunhão e de forma pacífica entre o Estado e os setores sociais componentes do mesmo: No regime de liberdade religiosa bem estabelecido e bem aceito, não somente as diversas comunidades cristãs podem viver em paz e em boas relações: elas podem contribuir, pela sua coexistência pacífica, à sua mútua prosperidade religiosa (GUIZOT, 1872, p. 1). Um ponto importante também a ser levantado é que, ao libertar o Estado de uma religião oficial, esse mesmo Estado isentava-se da obrigação de sustentar determinada instituição ou organização religiosa que articulasse ou administrasse tal culto ou religião. Assim, cada igreja, seita ou comunidade religiosa teria que se autogestar independentemente da ajuda financeira do Estado. A partir dos apontamentos efetuados, pode-se perceber que, tanto a criação da escola pública para a formação do indivíduo burguês, quanto a liberdade de culto e religião foram instrumentos de “contra-revolução” da burguesia, que buscaram formar e instruir o homemcidadão na moral burguesa para a manutenção pacífica da moderna sociedade burguesa. Pode-se inferir, diante disso, que tanto a institucionalização da “escola pública” quanto a liberação de culto e religião contribuíram para o propósito para o qual foram criados e ordenados. Considerações finais 496 A liberdade de produzir e acumular, arraigada pelo princípio da propriedade privada e apoiada no estado de direito, sempre foi a essência do Capitalismo. Para esse fim o indivíduo da sociedade burguesa, quanto mais egoísta, amoral, astuto e ganancioso fosse mais sucesso alcançaria no seu meio social. Isso se refletiu na busca de uma “moral” dentro dos moldes capitalistas; essa “moral burguesa” foi gradativamente sendo incutida no indivíduo para que esse pudesse reger a sociedade capitalista e sustentá-la nos seus pilares erguidos desde a sua origem. Nessa perspectiva, a educação burguesa continuou trilhando seu caminho e executando seu papel de formadora do homem-cidadão capitalista até a Contemporaneidade. E nos séculos que se seguiram, após a institucionalização da escola pública, continuou exercendo essa função de educadora desse cidadão “moralizado”, “virtuoso”, “domesticandoo”, ainda nos tempos atuais. Um homem pretensamente livre, individualista e consumidor alienado. Seu ponto máximo foi enfim atingido com a Declaração mundial sobre a educação para todos da Conferência de Jomtien de 1990, pois esse documento constitui-se uma fundamentação do processo de formação da educação burguesa. Tal Declaração teve como objetivo a fomentação de uma padronização de como todos os órgãos e instituições responsáveis pelo processo educativo e formativo no mundo inteiro deveriam conduzir a educação, ou seja, de maneira uniforme e global, tendo a educação moral como princípio universal em que: ... a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mas próspero e ambientalmente mais puro e que, ao mesmo tempo favoreça o processo social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional (1990, Preâmbulo). Paradoxalmente, pensadores como Max Nordau discordava do “mascaramento” da educação moral burguesa e propunha uma outra forma de instrução ainda mais rígida e diferenciada visando o que convencionou chamar “escola do êxito”. Uma forma de educação diferente que, apesar de fugir aos moldes burgueses tradicionalmente proposto de educar, não deixava de ser uma educação voltada para o capitalismo. Na sua obra Paradoxo, Max Nordau expressou como princípio da sua educação um vínculo ao engajamento em busca do êxito pessoal, do sucesso profissional, da ascensão 497 social a qualquer custo, mesmo que para atingir seus objetivos o indivíduo devesse deixar de lado os princípios morais, considerados pelo proponente da “escola do êxito”, como hipócritas e contraditórios como os que vinham sendo pregados pela escola pública burguesa e pela religião. Para esse autor, o “êxito” apresentado em sua proposta de educação na “escola do êxito”: “... significa o desejo de ser estimado pela maioria...” (NORDAU, 1954, p. 81), somente alcançando esse “resultado” o cidadão capitalista atingiria a completude da sua formação, e consequentemente a sua ascensão social. O discurso desse último autor representa uma das contradições engendradas nas entranhas do sistema capitalista e mostra mais uma das faces da sociedade burguesa, a de como o indivíduo deve agir para alcançar seus objetivos e alcançar seus interesses. Articulando, para tanto, diversas maneiras de atingir o mesmo fim – a manutenção do poder e a formação do indivíduo capitalista – mesmo que para isso tenha que contradizer seus próprios princípios. Pode-se, nesse sentido, inferir que a classe dominante procurou historicamente incutir no processo formativo do indivíduo, por meio da escola pública, da educação técnica e geral e da liberdade religiosa, os valores determinantes para construção do homem moderno, ou seja, os valores da sociedade do capital que visam garantir a ordem social capitalista. Haja visto que, quando da institucionalização de uma escola pública que possibilitaria a formação do homem como um ser histórico e total, a burguesia evitou que esse homem moderno fosse educado para reconhecer a luta de classes, para “ver” a sua essência e sua real condição social, conhecimentos que poderiam levá-lo a se levantar contra a exploração, as injustiças, a manipulação alienada e a superação da sociedade capitalista. REFERÊNCIAS COMPAYRÉ, Gabriel. L´education intellectualle et morale. Paris: Librairie Classique Paul Delaplane, 1908. CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos. In. LEONEL, Zélia (org). Estado, Liberdade e Educação. Maringá. EDUEM, 1994. CROISET, Alfred. L´education de la democratie. Paris: Félix Alcan, 1903. FERRY, J. La escuela laica. Buenos Aires: Lousada. S.A., 1945. 498 FOUILLÉE, Alfred. La conception morale e civique de lénseigment. Paris: Revue Blue, s/d. GUIZOT, François. (1787-1874) Prefácio de 1851. In: __________ . Meditations et etudes morales. Paris. Didier et Cie. Librairie Editeurs. 1872. LEONEL, Zélia. Contribuição à história da escola pública: elementos para a crítica de teoria liberal da educação. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação Unicamp, Campinas, 1994 LOPES, Eliane Marta Santos Teixeira. Origens da educação pública: a instrução na Revolução Burguesa do Século XVIII. São Paulo: Edições Loyola, 1981. MARX, K.; ENGELS, F.. O manifesto do partido comunista. In: MARX, K. e ENGELS, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1989. MARX, Karl. Manifesto de lançamento da Associação Internacional dos trabalhadores. In: MARX, K. e ENGELS, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1989. MARX, Karl. Manuscritos Econômico-Filosóficos. In: MARX, K. A questão judaica. São Paulo: Editora Martins Claret, 2006 NORDAU, Max. Paradoxos. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1954. PECÁUT, Felix. Carta ao senhor “X”, membro da Assembléia Nacional. In: __________. Études au jour de jour sur l´education nationale 1871-1879. Paris: Libraire Hachette, 1879. UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos. Plano de ação para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem.Tailândia, 1990. http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf