Ministério da Saúde Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários Documento de trabalho -­‐ versão de 2012.09.30 Este documento dá cumprimento ao determinado na alínea a) do n.º 1 do Despacho que criou o Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários (Despacho n.º 13312/2011, de 4 de Outubro) e em cujas competências se inclui: “a) Propor e manter atualizado um quadro de orientação estratégica global, publicamente disponível, que constitua um guia de referência para o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários;” Membros do Grupo Carlos Nunes; Cristina Correia; Cristina Ribeiro; Cristina Santos; Luís Marquês; Maciel Barbosa; Maria da Luz Pereira; Pedro Pardal; Teresa Seixas; Vítor Ramos (coordenador) Setembro de 2012 2 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Índice
Pág.
Sumário executivo ......................................................................................................................
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1. Introdução ......................................................................................................................................
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2. Antecedentes e macrovisão 1971-2019 .........................................................................
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3. Objectivos e instrumentos estratégicos ........................................................................
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4. Necessidade de uma visão sistémica e de abordagens integradas .............
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5. A nova arquitetura organizacional dos cuidados de saúde primários .........
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6. Papel da governação clínica e de saúde .....................................................................
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7. Cultura de contratualidade e gestão consequente de interfaces ...................
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8. Linhas de ação – objetivos estratégicos ......................................................................
8.1. Cobertura e acesso universal e equitativo a CSP de qualidade ....
8.2. Capacidade resolutiva dos CSP ...........................................................................
8.3. Envolvimento e participação dos cidadãos e das comunidades ........
8.6. Adequação da procura dos serviços de urgência hospitalares ..........
8.7. Utilização adequada e redimensionamento da rede hospitalar ..........
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19
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24
25
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8.8. Resposta a necessidades especiais de grupos e da população .......
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9. Linhas de ação – instrumentos estratégicos ..............................................................
9.1. Sistema de informação – arquitetura e tecnologias ..................................
9.2. Gestão previsional proactiva de recursos humanos .................................
9.3. Condições estruturais físicas e de equipamentos ......................................
9.4. Governação clínica & de saúde e linhas de orientação clínica ..........
28
28
28
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28
9.5. Competências de gestão organizacional ........................................................
9.6. Gestão de proximidade .............................................................................................
9.7. Apoio às unidades funcionais e aos órgãos dos ACES ..........................
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9.8. Contratualização ............................................................................................................
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9.9. Sistemas retributivos sensíveis aos desempenhos e justos .................
29
9.10. Inovação, qualidade, acreditação e auditorias ..........................................
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Anexo I - Sistema de informação – arquitetura e tecnologias ..............................
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8.4. Impacto na saúde de cada cidadão, família e comunidade ..................
8.5. Transparência e responsabilização pelo bom uso dos recursos .......
2
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 SUMÁRIO EXECUTIVO Este documento de trabalho dá cumprimento ao determinado na alínea a) do n.º 1 do Despacho que criou o Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários (Despacho n.º 13312/2011, de 4 de Outubro) e em cujas competências se inclui: “a) Propor e manter atualizado um quadro de orientação estratégica global, publicamente disponível, que constitua um guia de referência para o desenvolvimento dos cuidados de saúde primários”. ♦ A reforma e o desenvolvimento organizacional dos cuidados de saúde primários (CSP) inserem-­‐se num processo evolutivo contínuo de aprendizagem sistémica, que estuda e tem em conta o passado para configurar o futuro. Esta análise estratégica e prospetiva baseia-­‐se numa macrovisão que abrange o período 1971-­‐2019. A solidez e a continuidade da aprendizagem que tem tido lugar nos CSP em Portugal contribuirão certamente para a sustentabilidade social, económica e financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Propõem-­‐se como objectivos estratégicos para os próximos anos: 1. Assegurar a cobertura total do país e a equidade de acesso a CSP de qualidade – através de: a) atualização permanente dos utentes inscritos nos ACES, nas suas unidades e nas listas dos médicos de família; b) desenvolvimento do trabalho em equipa multiprofissional e apoio e incentivo à evolução das UCSP para o estádio de USF; c) aumento planeado da formação de novos médicos de família e de saúde pública; d) retribuição justa e incentivadora do aumento da dimensão das listas de utentes dos MF até um limite que garanta qualidade clínica; e) desenvolvimento das áreas de enfermagem de saúde da família e de saúde comunitária em contexto de equipas multiprofissionais cooperantes entre si; f) melhoria das condições de trabalho, organizacionais e materiais, nas unidades funcionais; g) aperfeiçoamento dos sistemas de informação (incluído interfaces de comunicação interinstitucional), das aplicações clínicas e dos dispositivos de monitorização automática dos desempenhos e dos resultados obtidos; h) recrutamento criterioso de profissionais cujas competências complementem e completem as respostas às necessidades básicas de saúde da população; 2. Atingir uma capacidade resolutiva superior a 85% dos problemas e necessidades de saúde que ocorrem na população – através de uma rede de equipas prestadoras de cuidados de proximidade com elevada qualidade, baseados na confiança, na continuidade de cuidados e na responsabilidade (cidadãos, profissionais e serviços de saúde); 3. Envolver e responsabilizar os cidadãos e as comunidades – através de órgãos e de práticas formais (gabinetes do cidadão e conselhos da comunidade) e informais que promovam a participação e a cidadania em saúde, incluindo o bom uso e o desenvolvimento dos serviços que são património de todos; 3
4 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 4. Aumentar o impacto dos CSP na saúde dos cidadãos, das família e das comunidades -­‐ através de uma melhor integração dos cuidados de promoção da saúde, de prevenção, de proteção da saúde individual e coletiva, de capacitação dos indivíduos e das comunidades, com envolvimento intersectorial; 5. Aumentar a transparência e a responsabilização pelo bom uso dos recursos disponíveis – através da contratualização, da avaliação e da autonomia de organização e gestão dos ACES, o mais próximo possível da tomada da maior parte das decisões técnicas e económicas, isto é, próximo das equipas prestadoras de cuidados. Esta autonomia responsável deve ser regulada pelos contratos-­‐programa detalhados e abrangentes previstos na lei e ainda não concretizados. Paralelamente, deve ser implementado em cada ACES um projeto dedicado ao seu contributo para a sustentabilidade social, económica e financeira do SNS; 6. Adequar a procura dos serviços de urgência hospitalares -­‐ através de processos assistenciais integrados à doença aguda não urgente e urgente que envolvam e responsabilizem hospitais e CSP e permitam reduzir o desperdício de recursos; 7. Reduzir a utilização inadequada de cuidados hospitalares e, sempre que possível, reduzir a necessidade destes cuidados -­‐ através de modalidades de cuidados mais adequados, contextualizados e com melhor relação de custo-­‐efetividade; 8. Organizar respostas adequadas para os problemas e necessidades de saúde de grupos populacionais específicos e da população no seu todo – através do desenvolvimento de equipas dedicadas a este tipo de cuidados, designadamente as unidades de cuidados na comunidade (UCC) e as unidades de saúde pública (USP), com o envolvimento das unidades de recursos assistenciais partilhados (URAP) e das restantes unidades funcionais, consoante os problemas e necessidades de cuidados em cada situação. Para atingir estes objectivos são necessários meios / instrumentos, igualmente estratégicos: ü Sistema de informação – arquitetura e tecnologias – motor indispensável para o desenvolvimento das unidades funcionais, da governação clínica e da capacidade de gestão organizacional de proximidade – a resolução das graves disfunções atuais dos sistemas de informação é condição “sine qua non” para o sucesso dos CSP; ü Gestão previsional proactiva dos recursos humanos e do desenvolvimento profissional – a qual deve incluir a seleção, o recrutamento e a estabilidade das equipas das unidades funcionais. O seu desenvolvimento profissional contínuo deve estar centrado em boas práticas profissionais, no dia-­‐a-­‐dia das unidades – destaques especiais devem ser dados ao papel e à necessidade de envolver mais enfermeiros nas unidades funcionais, em especial se tivermos em atenção a proporção atual enfermeiros/médicos nos CSP em Portugal; ü Condições estruturais físicas e de equipamentos das unidades de CSP – têm-­‐se registado progressos numa área onde pequenos investimentos podem suscitar grandes 4
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 retornos em valor social e de saúde. É necessário, no entanto, adoptar uma disciplina e regras explícitas para um planeamento estratégico racional das infraestruturas em CSP; ü Governação clínica e de saúde e linhas de orientação clínica – esta é uma área inovadora centrada na obtenção de resultados de saúde, na melhoria contínua dos processos assistenciais e na procura das opções com melhor custo-­‐efetividade – os conselhos clínicos e de saúde dos ACES e os conselhos técnicos das unidades permitem envolver cerca de 1000 líderes técnicos, o que constitui um enorme capital de inteligência humana a mobilizar; ü Competências de gestão organizacional e de controlo interno de gestão – é necessário promover o desenvolvimento de competências nas áreas de gestão financeira, de recursos humanos, de instalações e equipamentos, de recursos materiais e aprovisionamento, da informação, e da gestão energética e sustentabilidade ambiental, tanto nos ACES como nas ARS; ü Desconcentração da gestão das ARS para os ACES – considera-­‐se prioritário redefinir a missão e os papéis das ARS, bem como a autonomia e a responsabilização dos ACES, com recurso a instrumentos explícitos de capacitação e de responsabilização -­‐ o apoio às unidades de apoio à gestão (UAG) e a efetivação dos contratos-­‐programa no modelo previsto no Decreto-­‐lei 28/2008, são medidas prioritárias a concretizar; ü Apoio ao desenvolvimento das unidades funcionais e dos órgãos dos ACES, com destaque para os conselhos clínicos e de saúde – a par dos departamentos e equipas de contratualização são igualmente importantes as equipas regionais de apoio (ERA), ou departamentos que lhes deem continuidade, e o empenho claro, nos níveis central, regional e local, no desenvolvimento e alocação adequada de recursos a todas as unidades funcionais previstas para os ACES; ü Contratualização – deve ser acelerada a evolução da cultura de comando-­‐controle vertical, desresponsabilizante, para uma cultura de compromisso e de responsabilidade a todos os níveis com reforço das várias equipas de contratualização; ü Desenvolvimento de sistemas retributivos inteligentes e justos – devem ser delineados, testados e aperfeiçoados sistemas retributivos sensíveis à carga e à penosidade do trabalho e que, simultaneamente, fortaleçam o trabalho em equipa e estimulem a qualidade e a obtenção dos melhores resultados possíveis; ü Inovação, qualidade, acreditação e auditorias – é necessário mudar a escala da capacidade de acreditação das unidades funcionais, atualmente muito limitada. É igualmente necessário adoptar medidas que estimulem e divulguem inovações emergentes nas unidades funcionais e nas práticas de governação, de gestão e de auditorias organizacionais e clínicas nos ACES e nas suas unidades funcionais. Deve, no entanto, ter-­‐se em conta que nem toda a mudança é inovação. 5
6 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 1. Introdução Este documento evoluiu ao longo do período de vigência do mandato do Grupo Técnico. Foram tidos em conta vários documentos de referência nacionais e internacionais que marcaram fases precisas da conceptualização e da organização dos CSP. 1971-­‐1991 Reforma de 1971, Conferência de Alma-­‐Ata e propostas para uma transformação profunda dos CSP em Portugal •
Gonçalves Ferreira FA. Política de Saúde em Portugal – uma experiência de definição legislativa e de organização de serviços de saúde. Lisboa: edição do autor, 1972. •
Organização Mundial da Saúde e UNICEF. Conclusões e Recomendações sobre os Cuidados de Saúde Primários. Genève: OMS, 1978. •
Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral. Um Futuro para a Medicina de Família em Portugal. Lisboa: APMCG, 1991. 1998-­‐2005 Análises, propostas e evidência de âmbito nacional e internacional -­‐ vantagens de basear os sistemas de saúde nos CSP •
Conselho de Reflexão sobre a Saúde. Reflexão sobre a Saúde – Recomendações para uma reforma estrutural. Porto: Conselho de Reflexão sobre a Saúde, 1998. •
Portugal. Tribunal de Contas. Auditoria ao Serviço Nacional de Saúde. Lisboa: Tribunal de Contas, 1999. •
Portugal. Ministério da Saúde. Saúde: um compromisso. A estratégia de saúde para o virar do século 1998-­‐2002. Lisboa: Ministério da Saúde, 1999. •
Direcção-­‐Geral da Saúde. Rede de Cuidados de Saúde Primários: Manual para a mudança. Lisboa: DGS, 2002. •
Portugal. Ministério da Saúde. Direcção-­‐Geral da Saúde. Ganhos de saúde em Portugal: ponto de situação – Relatório do Director-­‐geral e Alto Comissário da Saúde. Lisboa: Direcção-­‐Geral da Saúde, 2002. •
Starfield B. The effectiveness of primary health care. In: Lakhani M (Editor). A Celebration of General Practice. Abingdon, Oxon: Radcliffe Medical Press Ltd., 2003: 19-­‐
36. •
Starfield B. Primary and specialty care interfaces: the imperative of disease continuity. British Journal of General Practice 2003; 53: 723-­‐729. •
Starfield B, Lemke KW, Bernhardt T et al. Co-­‐morbidity: implications for the importance of primary care in ‘case’ management. Annals of Family Medicine 2003; 1:8-­‐14. •
Macinko J, Starfield B, Shi L. The contribution of primary care systems to health outcomes within Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) countries, 1970-­‐1998. Health Services Research 2003; 38(3): 831-­‐865. 6
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 •
Atun RA. What are the advantages and disadvantages of restructuring a health care system to be more focused on primary care services ? WHO Europe – Health Evidence Network, January 2004. •
Portugal. Ministério da Saúde. Direcção-­‐Geral da Saúde. Plano Nacional de Saúde 2004-­‐
2010: mais saúde para todos. Lisboa: Direcção-­‐Geral da Saúde, 2004. 2 v. – Vol. I – Prioridades, 88 p. Vol. II – Orientações estratégicas, 216 p. •
Saltman R, Rico A, Boerma W. Primary care in the driver’s seat. European Observatory on Health Systems and Policies Series. London: Open University Press McGraw-­‐Hill Education, 2005. 2005 -­‐ 2012 Reforma dos cuidados de saúde primários e contexto nacional e internacional •
Ministério da Saúde -­‐ Grupo Técnico para a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários. Cuidados de saúde primários: contexto e medidas para a sua modernização. Lisboa: Ministério da Saúde, 2005. •
Ministério da Saúde – Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Linhas de Acção Prioritária para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários. Lisboa: MCSP, 2006. •
Biscaia AR, Martins JN, Carreira MFL, Gonçalves IF, Antunes AR, Ferrinho P. Cuidados de Saúde Primários em Portugal – Reformar para novos sucessos (2.ª Edição). Lisboa: Padrões Culturais Editora, 2008. •
Organização Mundial da Saúde – Relatório Mundial da Saúde 2008. Cuidados de Saúde Primários – Agora mais do que nunca. Genebra: OMS, 2008. •
Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo / Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Dinamização dos Conselhos Clínicos dos ACES. Governação Clínica e de Saúde em Cuidados de Saúde Primários – Lisboa: ARSLVT, 2009 (documentos de trabalho). •
Ministério da Saúde – Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Reforma dos Cuidados de Saúde Primários – Plano Estratégico 2007-­‐2009. Lisboa: MCSP, Maio de 2007. •
Ministério da Saúde – Missão para os Cuidados de Saúde Primários. Reforma dos Cuidados de Saúde Primários – Plano Estratégico 2010-­‐2011. Lisboa: MCSP, Fevereiro de 2010. •
Ministério da Saúde – Grupo de Coordenação Estratégica da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários. Áreas de Trabalho e Objectivos 2011. Lisboa: GCE-­‐CSP, Março de 2011. •
Ministério da Saúde – Plano Nacional de Saúde 2012-­‐2016. Documentos preparatórios. Lisboa: Ministério da Saúde, Novembro de 2011 (disponíveis na Internet) •
Canadian Health Services Research Foundation. The Economic Impact of Improvements in Primary Health Care Performance. Ottawa, Ontario: CHSRF, 2012. 7
8 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 2. Antecedentes e macrovisão 1971-­‐2019 A reforma e o desenvolvimento organizacional dos CSP inserem-­‐se num processo evolutivo contínuo de aprendizagem sistémica, que estuda e tem em conta o passado para configurar o futuro. Esta análise estratégica e prospetiva baseia-­‐se numa macrovisão que abrange o período 1971-­‐2019. A solidez e a continuidade da aprendizagem que tem tido lugar nos CSP em Portugal nos últimos 40 anos contribuirão, certamente, para a sustentabilidade social, económica e financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Na análise do período iniciado em 1971 com a reforma dos serviços de saúde e das carreiras médicas individualizaram-­‐se quatro períodos com cerca de 12 anos cada um (Figura 1). 1995-2007
1971-1983
1983-1995
Primeira
geração
de
centros de
saúde
Segunda
geração
de
centros de
saúde
12 anos
Gestação e
período
peri-natal
das
USF
2007-2019
ACES com
restantes UF
Desenvolvimento
organizacional dos CSP
(Projectos Alfa,
grupos RRE,
tentativa CS3G,
greve 2003, linhasguia/arranque da
reforma 2005 e
Missão CSP)
“Agora, mais do
que nunca”
12 anos
12 anos
12 anos
Figura 1 – Períodos marcantes na evolução e desenvolvimento dos cuidados de saúde primários em Portugal 1971-­‐1983 Primeira geração de centros de saúde O marco formal do início deste período foi a publicação do Decreto-­‐lei nº 413/71, de 27 de setembro. Corresponde ao período da constituição e consolidação da primeira rede de centros de saúde em todo o território nacional. Teve por unidade-­‐base o concelho e nele predominaram as abordagens preventivas e de saúde pública. Esta rede coexistiu em paralelo com a rede de postos dos Serviços Médico-­‐Sociais das Caixas de Previdência, que se dedicava à prestação de cuidados em situação de doença. No período pós-­‐revolucionário entre 1975 e 1982 ambas as redes deveram o seu funcionamento regular aos jovens médicos do Serviço Médico na Periferia (SMP). O SMP era assegurado por turnos anuais de 8
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 jovens médicos após conclusão do seu internato básico de 2 anos após a licenciatura. O SMP era, então, um requisito para os médicos poderem ingressar e evoluir nas carreiras médicas do Serviço Nacional de Saúde, criado por Lei em Setembro de 1979. O SMP foi descontinuado em 1982 com a criação da carreira médica de clínica geral que permitiu a colocação definitiva, em cerca de 3 anos, de mais de 5000 mil médicos de família em todo o país. 1983 – 1995 Segunda geração de centros de saúde O marco formal do início deste período foi a publicação do Despacho Normativo nº 87/83, de 22 de abril. Correspondeu à chamada segunda geração de centros de saúde. Os seus pilares constituintes foram a criação da carreira médica de clínica geral, em 1982, e a integração dos centros de saúde de primeira geração com a extensa rede de postos médicos dos Serviços Médico-­‐Sociais das Caixas de Previdência, em 1982/1983. Desta integração resultaram cerca de 370 centros de saúde integrados englobando mais de 2000 “extensões” de saúde. O facto de haver então um considerável excedente de jovens médicos que haviam cumprido o SMP permitiu, num curto lapso de tempo, uma cobertura praticamente total do país com médicos de família, na sua maioria com menos de 30 anos de idade. A maior parte destes médicos não possuía formação específica para tal, nem havia no país quem pudesse assegurar essa formação. Foi-­‐lhes posteriormente dada a possibilidade de frequentarem programas de formação específica em exercício e de acederem ao grau de assistente de clínica geral. Paralelamente, era desenvolvido o internato da especialidade, agora designada por medicina geral e familiar. Este internato médico só recentemente atingiu capacidades formativas para assegurar a médio prazo a cobertura da população por médicos de família com internato de especialidade e para manter essa cobertura no futuro. 1995 – 2007 Transição organizacional -­‐ da hierarquia burocrática ao modelo de equipas e de redes Em 1995/1996 foi proposta e aceite pelos decisores políticos de então uma viragem substancial na lógica de organização e de funcionamento dos CSP em Portugal. As ideias inspiradoras desta viragem haviam germinado no terreno das insuficiências e dos atavismos do modelo desajustado de organização por grupos profissionais separados e de gestão burocrática dos centros de saúde. Tais ideias estão compiladas num documento editado em 1991 pela Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral intitulado “Um Futuro para a Medicina de Família em Portugal”. Os pontos de arranque da mudança foram: a) os primeiros grupos do “Projeto Alfa” (1996/1997); b) os primeiros conceitos e passos para o início da contratualização de serviços de saúde (1996-­‐1998). As equipas que protagonizaram o “Projeto Alfa” forneceram evidência objetiva e fundamento técnico-­‐político para os grupos/equipas do então designado “Regime Remuneratório Experimental” (RRE). Tanto os grupos/equipas do “Projeto Alfa” como os grupos/equipas RRE foram embriões das unidades de saúde familiar (USF). Porém, não 9
10 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 tardaram a surgir obstáculos e escolhos ao avanço desta transformação, talvez por representar uma ameaça ao “status-­‐quo” vigente nos CSP e ao modelo burocrático tradicional da administração pública. Das resistências ao arranque do novo modelo destacam-­‐se as levantadas pela Direcção-­‐Geral da Administração Pública e pela Secretaria de Estado do Orçamento. Ultrapassados estes obstáculos, outros mais obstinados viriam a emergir nas chamadas “sub-­‐regiões de saúde” e nas administrações regionais de saúde. Apenas 20 projetos RRE conseguiram vingar nesta fase. Mais de uma centena de candidaturas ficou bloqueada nas gavetas das ARS e dos seus serviços “sub-­‐regionais”. Porém a lição tinha sido aprendida. Não era de esperar que o aparelho tradicional da administração se reformasse a si próprio e muito menos que permitisse experiências e mudanças que pusessem em causa o modelo anterior. Após uma iniciativa política descontextualizada (2002/2003) e vários conflitos e turbulência, incluindo uma greve dos CSP, em 2003, e a criação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), chegou-­‐se a um novo patamar para transformar o paradigma organizacional vigente. Em 2005, para controlar e contornar as resistências “internas” foi criada por Resolução do Conselho de Ministros a Missão para os Cuidados de Saúde Primários (MCSP). Desta vez contava-­‐se com a vontade, o apoio e o acompanhamento próximo e direto do próprio Ministro da Saúde. O ponto de não-­‐retorno foi atingido em 2007 com a publicação do Decreto-­‐lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto e com cerca de 100 equipas / USF em atividade. A análise da evolução da reforma dos CSP deve ter em especial atenção o percurso dos últimos 15 anos (Figura 2). Novos inovadores e desenvolvimento
organizacional
...
Starters e pioneiros (25 a 30%)
DE / CE
USF
Projectos
Alfa
UCC
UCSP
USP
URAP
Linhas da
reforma MCSP
Grupos
RRE
Pré-USF
C. Clínico
UAG
ACES
Gab. Cidadão
C. Comunidade
Contratualização – valores, princípios e procedimentos
1996
1998
2005/2006
2009/2010
2011
Figura 2 – Processos de “descongelamento”, transformação e desenvolvimento dos cuidados de
saúde primários em Portugal no período 1995-2012
10
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 2007 -­‐ 2019 Consolidação da reforma e desenvolvimento organizacional dos CSP O marco formal do início deste período foi, como referido, a publicação do Decreto-­‐lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto. As USF foram “pontas de lança” estratégicas para descongelar o modelo organizacional anterior e abrir caminho para a transformação dos CSP que ainda está no início. O agrupamento dos 375 centros de saúde em cerca de 70 agrupamentos de centros de saúde (ACES) e a reorganização de todos os profissionais numa rede de equipas/unidades funcionais com missões específicas e complementares -­‐ unidades de saúde familiar (USF), unidades de cuidados na comunidade UCC), unidades de saúde pública (USP), unidades de recursos assistenciais partilhados (URAP) e unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP), em evolução para USF -­‐ viria a ser iniciado em 2009 (Figura 2). A cultura da prestação de cuidados de saúde em equipa, com realce para a equipa de saúde da família, permitiu melhorar o acesso, a qualidade e a continuidade de cuidados, seja na perspetiva da intervenção personalizada, mas também envolvendo a família e a comunidade. Também o contributo de mais e de diferentes profissionais permite alargar o âmbito da promoção da saúde, da prevenção de doenças, do tipo de tratamentos e da reabilitação disponibilizados nos CSP. Deve haver a preocupação de garantir a coerência destas intervenções com as reais necessidades em saúde da população e os padrões de boas práticas, através da função observatório de saúde e da contratualização com todas as unidades funcionais. Todas estas alterações têm vindo a fazer emergir nos CSP, progressivamente, novos valores e práticas, mais energia humana, brio de fazer bem as coisas certas e vontade de mudança para melhor com a participação dos profissionais e, cada vez mais, dos restantes cidadãos. São estas as forças que têm permitido a consolidação da reforma e que garantirão o desenvolvimento sustentado dos CSP. O Decreto-­‐lei n.º 81/2009, de 6 de abril, contextualizou as unidades de saúde pública (USP) e o Despacho n.º 10143/2009, de 16 de abril, abriu as candidaturas para as UCC ampliando, assim, o enfoque na pessoa e na família para as dimensões grupal, comunitária e populacional, e completando o leque de cuidados dos CSP. Em relação às candidaturas a UCC é de salientar o facto de, apesar de o prazo ser relativamente curto, foi um processo muito participado. Foram apresentadas 270 candidaturas a nível nacional, traduzindo o entusiasmo e a iniciativa dos profissionais, à semelhança do sucedido com as USF. Em relação à gestão dos CSP, o ano de 2009 marca também o início dos ACES. Esta agregação visa permitir decisões mais céleres e próximas das equipas multiprofissionais e das comunidades, que são quem protagoniza verdadeiramente os CSP. Sendo um processo e uma cultura contrários aos hábitos de centralismo e comando-­‐controle burocráticos da administração pública tradicional os passos dados nos primeiros três anos foram curtos, titubeantes e ainda distantes do modelo de autonomia responsabilizante preconizado através do recurso aos contratos-­‐programa previstos no Decreto-­‐lei n.º 28/2008. Todas estas transformações estão dependentes de factores de aprendizagem e de desenvolvimento organizacional e a maturidade organizacional deste modelo requer muito saber, experiência e competências técnicas. Por isso, é previsível que esta fase decorra por cerca de uma década, até por volta do ano 2019. A nova arquitetura organizacional em desenvolvimento está sucintamente apresentada no ponto 5. deste documento. 11
12 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 3. Objectivos e instrumentos estratégicos 2007-­‐2019 No processo de reforma e de desenvolvimento organizacional dos CSP é indispensável distinguir os fins dos meios. Ambos são indispensáveis, mas os segundos devem subordinar-­‐
se e servir os primeiros. Assim são enunciados separadamente: objectivos estratégicos e instrumentos estratégicos. Propõem-­‐se como objectivos estratégicos para os próximos anos: 1. Assegurar a cobertura total do país com CSP de qualidade, de modo equitativo – através de: a) Atualização permanente dos utentes inscritos no SNS, nos ACeS e nas listas dos médicos de família – gestão de utentes do SNS; b) Desenvolvimento do trabalho em equipa multiprofissional e apoio e incentivo à evolução das UCSP para o estádio de USF; c) Aumento planeado da formação de novos médicos de família e de saúde pública; d) Retribuição justa e incentivadora do aumento da dimensão das listas de utentes dos médicos de família até um limite que garanta qualidade clínica; e) Desenvolvimento das áreas de enfermagem de saúde da família e de saúde comunitária em contexto de equipas multiprofissionais cooperantes entre si; f) Organização e desenvolvimento adequados das restantes unidades funcionais; g) Melhoria das condições organizacionais e materiais de trabalho em todas as unidades funcionais; h) Aperfeiçoamento dos sistemas de informação (incluído interfaces de comunicação interinstitucional), das aplicações clínicas e dos dispositivos de monitorização automática dos desempenhos e dos resultados obtidos; i) Recrutamento criterioso de profissionais cujas competências complementem e completem as respostas às necessidades básicas de saúde da população. 2. Garantir capacidades resolutivas superiores a 85% dos problemas e necessidades de saúde que ocorrem na população -­‐ através de uma rede de cuidados de proximidade com elevada qualidade e do desenvolvimento profissional contínuo dos profissionais e das equipas; 3. Envolver e responsabilizar os cidadãos e as comunidades – através de órgãos e de práticas formais e informais que visem desenvolver a cidadania em saúde, que inclui o bom uso e o desenvolvimento dos serviços que são património de todos; 4. Aumentar o impacto dos CSP nos estados de saúde das pessoas, das famílias e das comunidades -­‐ através de cuidados preventivos, de capacitação e de promoção e proteção da saúde bem definidos, quantificados, com envolvimento intersectorial e continuamente avaliados; 5. Aumentar a transparência e a responsabilização pelo bom uso dos recursos disponíveis – através da contratualização, da avaliação e da autonomia de gestão 12
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 com responsabilização das equipas/unidades locais que, na prática, são quem toma parte substancial das decisões técnicas com reflexos económicos e financeiros; 6. Adequar a procura dos serviços de urgência hospitalares -­‐ através de processos assistenciais integrados à doença aguda não urgente e urgente que envolvam e responsabilizem hospitais e CSP; 7. Reduzir a utilização inadequada de cuidados hospitalares e, sempre que possível, reduzir a necessidade destes cuidados -­‐ através de modalidades de cuidados mais adequados a cada situação concreta e com melhor relação de custo-­‐efetividade; 8. Organizar respostas adequadas para os problemas e necessidades de saúde de grupos populacionais específicos e da população no seu todo – através do desenvolvimento das várias unidades funcionais previstas no DL 28/2008, em especial as UCC, as USP e as URAP; Os objectivos estratégicos que foram enunciados traduzem as finalidades ilustradas esquematicamente no diagrama da Figura 3. +!
Acesso!
Efectividade!
Equidade!
Eficiência!
+!
Qualidade!
Inovação!
Segurança!
+!
Mais qualidade!
Separador -!
de Capítulos
Menos custos
desnecessários!
Melhores resultados!
Participação!
Responsabilidade!
Capacitação!
Cidadania em saúde!
Inadequação!
Desperdício!
Fraude!
Figura 3 – Finalidades do desenvolvimento dos cuidados de saúde primários em interligação com os cuidados hospitalares e os cuidados continuados integrados 13
14 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Em relação aos meios para atingir os objetivos atrás enunciados consideram-­‐se, estratégicos e prioritários os seguintes: n Sistema de informação n Gestão previsional proativa dos recursos humanos n Condições estruturais físicas e de equipamentos n Governação clínica e de saúde, e linhas de orientação clínica n Competências de gestão organizacional n Desconcentração de competências das ARS para os ACES n Apoio ao desenvolvimento das unidades funcionais e dos órgãos dos ACES n Contratualização n Sistemas retributivos inteligentes e justos n Inovação, qualidade, acreditação e auditorias 4. Necessidade de uma visão sistémica e de abordagens integradas Os cuidados de saúde primários (CSP) protagonizam a maior parte das interações entre a população e o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Devem, por isso, ser ponto de partida, ponto de coordenação e ponto de retorno na generalidade dos episódios de prestação de cuidados. Existem três pontos críticos persistentemente negligenciados ao longo dos anos e que devem ser enfoques prioritários de intervenção nos próximos anos: a)
Inexistência de gestão estratégica e previsional na área dos recursos humanos e sucessivos constrangimentos nos processos de retenção, recrutamento e mobilidade dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS); b)
Grandes deficiências nos sistemas de informação, cujos desnorte e disfuncionalidades criam dolorosas dificuldades aos profissionais, no seu dia-­‐a-­‐dia; c)
Fragmentação e desconexão de órgãos e iniciativas respeitantes às várias estruturas e componentes do SNS em especial: hospitais; cuidados de saúde primários; unidades locais de saúde que se multiplicam sem que haja evidência técnico-­‐científica consistente sobre as suas vantagens; cuidados continuados, entre outros aspetos. Acresce, que o Plano Nacional de Saúde (PNS) 2011-­‐2016, o planeamento, a gestão e o desenvolvimento de recursos humanos, dos sistemas de informação e os modelos de financiamento e de contratualização nem sempre estão alinhados entre si. 14
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 O SNS, enquanto a componente principal e estruturante do sistema de saúde, necessita de um dispositivo permanente, integrado e coeso, que assegure funções de análise, de planeamento e de coordenação estratégicos. Este dispositivo deve ficar protegido das flutuações, descontinuidades e quebras da memória sistémica provocadas por ciclos políticos curtos. A necessidade de garantir a implementação, monitorização e avaliação do PNS 2011-­‐2016 reforça esta necessidade. Também a interligação e interações entre os CSP, os serviços hospitalares, a rede de cuidados continuados integrados e a rede de emergência e urgência devem ser vistas de modo integrado. O desempenho de cada uma destas redes depende em grande medida das interligações entre si e das suas relações sistémicas contextuais. Os processos de apoio e de contratualização devem contemplar interdependências funcionais e financeiras rigorosas entre os serviços, bem como a assunção de riscos de atividade com consequências associadas à qualidade, de parte a parte. Por sua vez os CSP devem entrosar-­‐se com a comunidade para melhor garantir a resposta às suas necessidades de saúde. 5. A nova arquitetura organizacional dos cuidados de saúde primários A nova arquitetura organizacional dos CSP está alinhada com os objectivos estratégicos enunciados no capítulo anterior. À aparente complexidade dos ACES com os seus diferentes órgãos e tipos de unidades funcionais com funções e missões específicas contrapõe-­‐se, na óptica do cidadão, uma ideia simples e clara: a da relação privilegiada com o médico de família e o enfermeiro de família. Por sua vez, estes estão inseridos em pequenas equipas/unidades de saúde. Todos os outros cuidados serão criteriosamente mobilizados por esta equipa em função dos problemas e necessidades que venham a surgir ao longo do tempo. Assim, para cada cidadão, há três ideias simples a reter: a) o seu contacto e relação com o SNS são estabelecidos através do seu médico e do seu enfermeiro de família; b) estes, estão integrados em equipas de saúde da pessoa e da família que também o apoiam sempre que o seu médico e/ou enfermeiro de família estejam ausentes -­‐ USF ou UCSP, muitas destas em reorganização para evoluírem para USF; c) através do seu médico e/ou enfermeiro de família poderá usufruir dos restantes cuidados de que necessite, disponíveis nos CSP, nos hospitais e na rede de cuidados continuados integrados. Excetuam-­‐se as situações de emergência e de verdadeira urgência. O conceito essencial da transformação dos CSP é o de trabalho em equipa. O elemento estrutural central é o de equipa. Os objectivos são os de melhorar a eficácia/ efetividade dos cuidados, a capacidade resolutiva das equipas e a obtenção de melhores resultados de saúde com mais eficiência e maior satisfação dos utentes e dos profissionais. Existem vários tipos de equipas consoante os problemas e as necessidades de saúde a satisfazer (ver Quadro I). Estas equipas complementam-­‐se entre si, estão mais próximas dos cidadãos e assumem compromissos explícitos de acessibilidade e de qualidade dos cuidados. 15
16 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Nestas pequenas equipas deu-­‐se início a formas mais justas de incentivar e recompensar quem trabalha mais e melhor e obtém melhores resultados de desempenho. Ao mesmo tempo, estão em desenvolvimento órgãos de governação e de gestão com envolvimento e participação da comunidade. Para optimizar a gestão de recursos e permitir escala epidemiológica os centros de saúde organizam-­‐se em agrupamentos de centros de saúde (ACES). O objectivo é que a nível local existam poder e responsabilidade para que quem vive e conhece os problemas possa decidir de modo acertado e célere. As relações de comando burocrático vertical vão sendo substituídas por relações de contratualidade, orientadas para obter resultados de saúde, com avaliação e consequências a todos os níveis. Esta nova arquitetura organizacional está resumida no Quadro I. Quadro I
Vertentes da reforma dos cuidados de saúde primários
Equipas multiprofissionais de tipo estrutural permanente, com missões
específicas:
•
Cuidados à pessoa e à família – unidades de saúde familiar (USF)
e unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP);
•
Cuidados seletivos a grupos com necessidades especiais e
intervenções na comunidade – unidades de cuidados na
comunidade (UCC);
•
Diagnóstico e vigilância do estado de saúde da população
(função de observatório local de saúde); proteção e promoção da
saúde da população, de grupos, e intervenção comunitária –
unidades de saúde pública (USP).
2. Concentração
de recursos e
partilha de
serviços
•
Equipa multiprofissional que assegura e rentabiliza serviços
específicos, assistenciais e de consultadoria às unidades funcionais
e aos projetos de saúde comuns a várias unidades e ao ACES unidade de recursos assistenciais partilhados (URAP)
3.
Descentralização
da gestão para o
nível local
•
Criação dos agrupamentos de centros de saúde (ACES) com
diretores executivos e conselhos executivos e desenvolvimento de
competências locais para gestão de recursos - unidades de apoio à
gestão (UAG) – obtendo economias de escala com a agregação de
centros de saúde
4. Governação
clínica e de
saúde
•
Desenvolvimento de um sistema de pilotagem técnico-científica
envolvendo todos os profissionais, sob orientação do conselho clínico
de cada ACES e dos conselhos técnicos das suas unidades
5. Participação
da comunidade
•
Ênfase e reforço da participação da comunidade através de órgãos
como os gabinetes do cidadão e os conselhos da comunidade
1. Rede
descentralizada
de equipas
16
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 6. Papel da governação clínica e de saúde e das linhas de orientação clínica A evolução do sistema de saúde evidencia uma progressiva diversificação da natureza e do posicionamento de múltiplos polos de prestação de cuidados. A dicotomia simplista CSP -­‐ hospitais está já desajustada da realidade e vai dando lugar a uma rede complexa de instituições de vários tipos e com componentes tecnológicos diversos. Esta diversificação gera, por sua vez, novas interfaces e novos tipos de relação inter-­‐institucional cuja regulação e gestão é complexa e deve recorrer a dispositivos de índole variada. Destes, destaca-­‐se a governação clínica e de saúde. Acresce ainda que esta diversidade abrangerá entidades e organizações dos sectores público, cooperativo, social e privado (Figura 4). Cuidados continuados
integrados
Cuidados de saúde primários
(redes de equipas com missões específicas)
Hospitais
pessoa – família – grupos – settings
comunidade
Unidades e
centros
tecnológicos
Figura 4 – Diversificação e novas relações sistémicas entre prestadores de cuidados de saúde
numa comunidade
A governação clínica e de saúde tem como pontos centrais da sua atenção: a) um quadro epidemiológico dos problemas e das necessidades de saúde de grupos populacionais (escala de 105), com previsão das necessidades em cuidados de saúde primários, secundários, terciários e continuados; b) uma cultura de “pilotagem” clínica e de saúde (atingir resultados clínicos e de saúde acautelando a melhor relação de custo-­‐efetividade) no SNS e, progressivamente, em todo o sistema de saúde; c) a definição e melhoria contínua de processos assistenciais e de saúde baseados na aplicação do melhor conhecimento científico disponível e das melhores práticas conhecidas; 17
18 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 d) a obtenção de sinergias e a prevenção de duplicações e de redundâncias entre os vários prestadores de cuidados de saúde; e) o desenvolvimento de novas modalidades de financiamento e de contratualização, seguindo uma lógica de “accountability” e de responsabilidade social. As linhas de orientação e normas de atuação clínica inserem-­‐se na abordagem por processos assistenciais e na sua melhoria contínua. O labor intensivo que a Direção-­‐geral da Saúde tem patrocinado na produção, teste e validação de várias dezenas de normas integra-­‐se nesta abordagem. A implementação dos conselhos clínicos nos ACES e a governação clínica e de saúde em todas as unidades funcionais e no conjunto de cada ACES permitirão abrir nos próximos anos possibilidades e oportunidades de comunicação e de conhecimento nas interfaces entre os CSP, os hospitais, outras instituições prestadoras de cuidados de saúde e a comunidade. 7. Cultura de contratualidade e gestão de interfaces O desenvolvimento do sistema de saúde português é indissociável do desenvolvimento de modalidades de financiamento e de contratualização, seguindo uma lógica de “accountability” e de responsabilidade social. Em relação à governação das interfaces entre as diversas instituições prestadoras de cuidados de saúde, numa óptica de garantir a integração e a continuidade de cuidados, parece necessário delinear e realizar estudos que avaliem e comparem desempenhos e resultados (“outcomes”) dos vários modelos atualmente em funcionamento. A comparação dos desempenhos das modalidades já existentes deve envolver as seguintes dimensões: -­‐
acessibilidade; -­‐
efetividade clínica (resultados intermédios); -­‐
impacto na saúde populacional (resultados finais ou “outcomes”); -­‐
equidade; -­‐
qualidade (processos); -­‐
eficiência (institucional e macroeficiência sistémica); -­‐
satisfação dos utentes e dos profissionais. 18
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 8. Linhas de ação – objectivos estratégicos As linhas de ação identificadas neste capítulo estão sistematizadas de acordo com os objectivos estratégicos enunciados. 8.1. Assegurar a cobertura total do país para que todos os utentes tenham acesso a cuidados de saúde primários de qualidade Através de: a) Atualização permanente dos utentes inscritos no SNS, nos ACES, nas suas unidades e nas listas dos médicos de família – gestão de utentes do SNS; b) Desenvolvimento do trabalho em equipa multiprofissional e apoio e incentivo à evolução das UCSP para o estádio de USF; c) Desenvolvimento das várias equipas multiprofissionais / unidades dos ACES; d) Aumento planeado da formação de novos médicos de família e, também, de médicos de saúde pública; e) Desenvolvimento das áreas de enfermagem de saúde da família e de saúde comunitária em contexto de equipas multiprofissionais cooperantes entre si; f) Retribuição justa e incentivadora do aumento da dimensão das listas de utentes dos MF até um limite que garanta elevados padrões de qualidade clínica; g) Organização e desenvolvimento adequados de todas as unidades funcionais; h) Melhoria das condições organizacionais e materiais de trabalho em todas as unidades funcionais; i) Aperfeiçoamento integrado dos sistemas de informação (incluído interfaces de comunicação interinstitucional), das aplicações clínicas e da monitorização automática dos desempenhos assistenciais e dos resultados obtidos. j) Recrutamento criterioso de profissionais cujas competências complementem e completem as respostas às necessidades básicas de saúde da população. Estratégias a) Atualização permanente do Registo Nacional de Utentes (RNU) b) Atualização permanente das listas de utentes dos ACES, das unidades de saúde familiar (USF), das unidades de cuidados personalizados de saúde (UCSP) e de cada médico de família (ver Quadro II) c) Alargamento voluntário das listas de utentes dos médicos de família das USF e UCSP, para além do limite estabelecido para o horário-­‐base de trabalho do respetivo regime ou contrato com o SNS; d) Aumento da capacidade formativa nos internatos médicos de medicina geral e familiar (MGF) e de saúde pública (SP). 19
20 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Quadro II
Unidades de saúde da pessoa e da família
(Situação em 24.09.2012)
Unidade / equipa / grupo
Unidades de saúde familiar (USF)
Unidades de cuidados de saúde
personalizados (UCSP)
Número
Pessoas inscritas com MF atribuído**
338
4.176.893 **
≈ 497 *
≈ 5.700.000 **
Grupos/equipas candidatos a evoluírem
para USF
Total
83
≈ 835 *
≈ 9.876.893 **
Pessoas sem médico de família atribuído
≈ 1.000.000 ***
Pessoas sem médico de família atribuído, por opção
ND
* A confirmar e atualizar regularmente “on-­‐line” por reporte semestral dos diretores executivos dos ACES ** Estima-­‐se que exista uma desatualização de 3 a 10% (inferior nas USF; superior nas UCSP) a corrigir com a implementação de um sistema dinâmico de gestão de utentes do Serviço Nacional de Saúde *** Estima-­‐se que exista uma desatualização de 10 a 20% a corrigir com a implementação de um sistema dinâmico de gestão de utentes do Serviço Nacional de Saúde Dinâmica previsível de evolução UCSP – USF em
2012/2013
522
426
410
314
UCSP
Novos
especialistas
MGF
2012-2013
USF
112
Figura 5 – Dinâmica previsível da evolução UCSP (unidades de cuidados de saúde
personalizados) – USF (unidades de saúde familiar) ao longo de 2012-2013
Ações -­‐
Identificar e divulgar até 30 de Março de cada ano os compromissos regionais para a evolução da cobertura por unidades de saúde familiar (USF) (UCSP) com metas semestrais; -­‐
Identificar e divulgar até 30 de Março de cada ano os compromissos regionais para a evolução da cobertura por médico de família, com metas semestrais; -­‐
Monitorizar a evolução regional destes processo com quadro de indicadores comuns a nível nacional e com relatórios trimestrais e respectiva análise e discussão. 20
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 8.2. Atingir capacidades resolutivas superiores a 85 % dos problemas e necessidades de saúde que ocorrem na população Resolução qualificada e célere dos problemas de saúde através de uma rede de cuidados de saúde de proximidade com elevada qualidade baseados na confiança, na continuidade de cuidados e na responsabilidade (cidadãos, profissionais e serviços) Estratégias a) Processos de saúde essenciais em CSP e sua melhoria contínua (estão individualizados cerca de 150 processos essenciais de saúde em CSP) b) Projetos e práticas de desenvolvimento profissional contínuo – desejavelmente sedeados e liderados pelas equipas/unidades funcionais dos ACES) c) Linhas de orientação e normas de atuação clínica – papel da DGS, dos conselhos clínicos e de saúde dos ACES, dos conselhos técnicos das unidades e das dinâmicas das pequenas equipas multiprofissionais na melhoria contínua de práticas e de procedimentos Ações -­‐
Construir e testar no contexto dos CSP em Portugal instrumentos válidos para medir, monitorizar e avaliar a capacidade resolutiva das equipas em relação a situações “tracer”: 3 a 5 situações de doença aguda não auto-­‐limitadas; 5 a 7 situações de doença crónica; 5 a 7 problemas emergentes em situações de multimorbilidade crónica; 2 a 3 problemas de saúde associados a situações de dependência física e funcional; 1 a 3 problemas em cuidados paliativos; -­‐
Utilizar as situações “tracer” identificadas para desenvolver uma cultura e práticas de governação clínica e de desenvolvimento contínuo de processos assistenciais a todos os níveis: individual (médico de família e enfermeiro de família, por exemplo; de cada equipa (USF ou outra); interequipas (processos centrados no doente) e organizacional (a nível de um ACES ou grupo de ACES, por exemplo). 21
22 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 8.3. Envolver e responsabilizar os cidadãos e as comunidades nos processos de saúde Desenvolver órgãos e práticas formais e informais que visem o bom uso e o desenvolvimento dos serviços que são património de todos, bem como desenvolver projetos e práticas de promoção da saúde com o envolvimento e participação da comunidade. Quadro de referência: Plano Nacional de Saúde 2012-­‐2016 (vertente da Cidadania em Saúde); Beaglehole R, Bonita R, Horton R et al. Priority actions for the non-­‐communicable disease crisis. Lancet 2011; 377: 1438-­‐47 Estratégias a) Ter em conta as enunciadas nos documentos do PNS 2011-­‐2016; b) Orientações para a organização, funcionamento e desenvolvimento dos Gabinetes do Cidadão nos ACES; c) Orientações para a organização, funcionamento e envolvimento dos Conselhos da Comunidade; Objectivos -­‐
Promover, apoiar e monitorizar, por ACES, o nível de desenvolvimento dos respectivos conselhos da comunidade e respectiva atividade. -­‐
Promover, apoiar e monitorizar, por ACES, o nível de desenvolvimento dos respectivos gabinetes do cidadão e respectiva atividade. 22
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 8.4. Impacto dos CSP na saúde dos cidadãos, das famílias e das comunidades Cuidados preventivos, de capacitação e de promoção e proteção da saúde, com especial atenção aos determinantes da saúde e aos factores subjacentes às principais doenças crónicas e à sua prevenção e controle. Quadro de referência: Plano Nacional de Saúde 2012-­‐2016; Beaglehole R, Bonita R, Horton R et al. Priority actions for the non-­‐communicable disease crisis. Lancet 2011; 377: 1438-­‐47 Estratégias a) Planos Regionais de Saúde (desejavelmente com horizontes temporais de 3 anos) b) Estratégias Locais de Saúde – baseadas na cooperação, compromissos e projetos intersectoriais e envolvendo todos os parceiros da(s) comunidade (s) da área de abrangência de cada ACES; c) A literacia em saúde, a capacitação e a autonomia dos cidadãos são objectivos a ter sempre presentes na atividade diária dos profissionais e equipas, sendo estratégias capacitadoras; o
informação sobre assuntos de saúde; o
educação para a saúde; o
educação dos doentes para saberem lidar corretamente com a sua saúde; o
educação dos cidadãos e das comunidades para uma utilização adequada dos serviços e dos cuidados de saúde. Liderança desejável a nível local Conselho da comunidade de cada ACES com o apoio técnico próximo da respectiva Unidade de Saúde Pública (USP) e o apoio do Conselho executivo de cada ACES Objectivos -­‐
cada ARS definirá e manterá permanentemente revisto, atualizado e monitorizado o seu Plano Regional de Saúde alinhado com o Plano Nacional de Saúde 2011-­‐2016 e concertado com as Estratégias Locais de Saúde (ELS) das comunidades locais; -­‐
cada ACES definirá e manterá permanentemente revisto, atualizado e monitorizado o seu Plano de Ação em sintonia com a ELS da(s) comunidade(s) abrangidas, alinhado com o Plano Regional e o PNS. Destaca-­‐se o papel que as unidades de saúde pública (USP) devem ter neste processo. 23
24 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 8.5. Transparência e a responsabilização pelo bom uso dos recursos disponíveis Autonomia e responsabilização das equipas/unidades, com base numa contratualização adequada e uso criterioso e cientificamente fundamentado de meios complementares de diagnóstico e terapêutica e de medicamentos. Estratégias a) Contratualização interna nos ACES com as diferentes unidades funcionais b) Contratualização externa ARS-­‐ACES c) Apoio a projetos de investigação em serviços de saúde -­‐ CSP Objectivos -­‐
Implementar em cada ACES, ou grupo de ACES, e região de saúde um projeto específico sobre o contributo dos CSP para a sustentabilidade social, económica e financeira do Serviço Nacional de Saúde, com objectivos quantificados em termos de ganhos de custo-­‐efetividade a conseguir; -­‐
Monitorização da evolução regional do conjunto de projetos com relatórios semestrais e respectiva análise e discussão. 24
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 8.6. Adequar a procura dos serviços de urgência hospitalares Esta adequação pode e deve ser facilitada através de processos assistenciais integrados à doença aguda não urgente e urgente que envolvam e responsabilizem hospitais e CSP e permitam reduzir o atual desperdício de recursos num modelo de oferta-­‐procura com muitas disfuncionalidades. Enquadramento: Gestão da doença aguda e governação clínica de interfaces CSP-­‐CSH Estratégias a) Processos de saúde e procedimentos organizacionais para o atendimento no dia de situações de doença aguda não-­‐urgente e urgente (ao nível de cada uma das cerca de 850 unidades de saúde da pessoa e da família – USF e UCSP) b) “Processos Assistenciais Integrados” nas situações mais frequentes de doença aguda não-­‐urgente e urgente (individualizar os principais processos) c) Procedimentos de intercomunicação interinstitucional Liderança desejável a nível local Conselho clínico de cada ACES e direção / liderança clínica do hospital e serviço de urgência de referência Objectivos -­‐
Implementar em cada ACES, ou grupo de ACES, projeto específico para adequar a procura de urgência hospitalar, através de intervenções combinadas sobre a procura e a reorganização da oferta de cuidados nos vários pontos do sistema; -­‐
Delinear e ter em aplicação a nível nacional e em cada região um quadro de monitorização da evolução da utilização de CSP, consultas externas hospitalares e serviços da RNEU (Rede Nacional de Emergência e Urgência) com relatórios semestrais e respectiva análise e discussão interinstitucional. 25
26 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 8.7. Promover a utilização adequada de cuidados hospitalares e, sempre que possível, reduzir a necessidade destes cuidados Modalidades de cuidados mais adequados, contextualizados e com melhor relação de custo-­‐
efetividade Quadros de referência: Plano Nacional de Saúde 2012-­‐2016 e Estratégias Locais de Saúde Estratégias a) “Processos Assistenciais Integrados” nas 30 a 50 situações que correspondem a cerca de 75% da utilização de cuidados hospitalares (trabalho iniciado na DGS); b) Projetos de desenvolvimento profissional contínuo conjunto interinstitucional – em torno dos “Processos Assistenciais Integrados” e envolvendo hospitais e unidades funcionais dos ACES; c) Linhas de orientação e normas de atuação clínica – papel dos conselhos clínicos e das direções clínicas dos hospitais na melhoria contínua de processos e de procedimentos a) Aperfeiçoamento do Programa Consulta a Tempo e Horas -­‐ evolução para um sistema de referenciação de ciclo completo com avaliação sistemática da qualidade das práticas em todos os pontos do ciclo, com consequências tangíveis. Liderança desejável a nível local Conselho clínico de cada ACES e direções clínicas dos hospitais em colaboração com as Unidades de Saúde Pública (através dos observatórios locais de saúde) Objectivos -­‐
Implementar nas áreas de cada ACES, ou grupo de ACES, projeto específico para adequar o acesso e a utilização de cuidados nos vários pontos do sistema; -­‐
Delinear e ter em aplicação um quadro de monitorização da evolução da utilização de CSP e hospitalares, em especial de consultas externas, com relatórios semestrais e respectiva análise e discussão interinstitucional; -­‐
Análise semestral em cada ACES e hospital / hospitais de referência a situação do Programa Consulta a Tempo e Horas, principais problemas e medidas corretivas (painel de indicadores comum a nível nacional). 26
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 8.8.
Organizar respostas adequadas para os problemas e necessidades de saúde de grupos populacionais específicos e da população no seu todo Desenvolvimento de equipas dedicadas a estes cuidados, designadamente unidades de cuidados na comunidade (UCC) e unidades de saúde pública (USP) Quadros de referência: Estratégias locais de saúde (ELS) e respectivos diagnósticos de saúde e de grupos com necessidades especiais de cuidados e de intervenções de saúde Estratégias a) Normas e orientações específicas da Direção-­‐geral da Saúde b) Programas, processos e projetos de intervenção em saúde da comunidade e saúde pública Liderança desejável a nível local -­‐
Conselho clínico e de saúde e Conselho da comunidade de cada ACES em colaboração com as Unidades de Saúde Pública (através dos observatórios locais de saúde) Objectivos -­‐
Monitorizar, por ACES, o nível de desenvolvimento das respectivas UCC e USP e proceder a análises comparativas dos respetivos desempenhos em termos de custo-­‐
efetividade e impactos concretos na saúde da população; -­‐
Iniciar desde já e desenvolver nos anos seguintes processos de contratualização de desempenho com as UCC e as USP em todos os ACES. -­‐
Desenvolver modelos de medição, monitorização e avaliação de desempenho e de resultados concretos (impacto na saúde) nas áreas de intervenção de saúde escolar, saúde oral, bairros e comunidades com problemas específicos de saúde, pessoas em situação de grande dependência, doenças crónicas, entre outros. 27
28 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 9. Linhas de ação – instrumentos estratégicos As linhas de ação identificadas neste capítulo estão sistematizadas de acordo com os instrumentos estratégicos, quer metodológicos quer instrumentais, atrás enunciados. 9.1. Sistema de informação – arquitetura e tecnologias – motor indispensável para o desenvolvimento das unidades funcionais, da governação clínica e da capacidade de gestão organizacional de proximidade – a resolução das graves disfunções atuais dos sistemas de informação é condição “sine qua non” para o sucesso dos CSP (Ver Anexo I); 9.2. Gestão previsional proactiva dos recursos humanos e do desenvolvimento profissional – incluindo seleção, recrutamento e estabilidade das equipas das unidades funcionais e do seu desenvolvimento profissional contínuo centrado nas boas práticas profissionais no dia-­‐a-­‐dia das unidades – um destaque especial deve ser dado ao papel e necessidade de envolver mais enfermeiros nas unidades funcionais, em especial se tivermos em atenção a proporção atual enfermeiros/médicos nos CSP em Portugal (Ver documento do GT-­‐DCSP “Política de gestão e desenvolvimento dos recursos humanos dos CSP, a curto, médio e longo prazo – Setembro de 2012”); 9.3. Condições estruturais físicas e de equipamentos das unidades de CSP – têm-­‐se registado progressos numa área onde pequenos investimentos podem suscitar grandes retornos em valor social e de saúde. É necessário, no entanto, adoptar uma disciplina e regras explícitas para um planeamento estratégico racional das infraestruturas em CSP; 9.4. Governação clínica e de saúde e linhas de orientação clínica – área inovadora centrada na obtenção de resultados de saúde, na melhoria contínua dos processos assistenciais e na procura das opções com melhor custo-­‐efetividade – os conselhos clínicos e de saúde dos ACES e os conselhos técnicos das unidades permitem envolver cerca de 1000 líderes técnicos, o que constitui um enorme capital de inteligência humana e técnica (Ver documentos do GT-­‐CSP “Conselhos clínicos e de saúde – aperfeiçoamento das competências e do funcionamento” e “Conselhos clínicos e de saúde – guia para a elaboração de planos de atividades e de cartas de compromisso”); 9.5. Competências de gestão organizacional e de controlo interno de gestão – esta é uma das fragilidades a superar nos ACES, designadamente nas áreas de gestão financeira, de recursos humanos, de instalações e equipamentos, de recursos materiais e aprovisionamento, da informação, e da gestão energética e sustentabilidade ambiental; 28
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 9.6. Gestão de proximidade -­‐ desconcentração da gestão das ARS para os ACES – considera-­‐se prioritário reenfocar a missão e os papéis das ARS, bem como a autonomia dos ACES, com recurso a instrumentos explícitos de capacitação e de responsabilização, tais como o apoio ao desenvolvimento das unidades de apoio à gestão (UAG) e os contratos-­‐programa no modelo abrangente e detalhado previsto no Decreto-­‐lei 28/2008; 9.7. Apoio ao desenvolvimento das unidades funcionais e dos órgãos dos ACES, com destaque para os conselhos clínicos e de saúde – a par dos departamentos e equipas de contratualização surgem igualmente importantes: a) as equipas regionais de apoio (ERA), ou departamentos regionais com idênticas atribuições, como instrumentos fulcrais para o desenvolvimento dos CSP; b) o empenho claro a nível central, regional e local no desenvolvimento e na alocação adequada de recursos a todas as unidades funcionais previstas para os ACES (ver Documento do GT-­‐DCSP “Equipas Regionais de Apoio (ERA) – sua evolução no contexto da missão e das atribuições das ARS”); 9.8. Contratualização – evolução progressiva de uma cultura de comando-­‐controle vertical, desresponsabilizante, para uma cultura de compromisso e de responsabilização a todos os níveis com aperfeiçoamento dos processos e reforço das várias equipas e competências de contratualização (ver Documentos do GT-­‐DCSP “Proposta de Despacho sobre a Contratualização 2012 – abrangendo USF/UCSP, UCC e USP” e “Contratualização 2013 e anos seguintes – recomendações”); 9.9. Desenvolvimento de sistemas retributivos inteligentes e justos – sistemas que sejam sensíveis à carga e à penosidade do trabalho e que, simultaneamente, fortaleçam o trabalho em equipa e estimulem a qualidade dos cuidados e a obtenção dos melhores resultados possíveis; 9.10. Inovação, qualidade, acreditação e auditorias – é necessário mudar a escala da capacidade de acreditação das unidades funcionais, atualmente muito limitada. É igualmente necessário adoptar medidas que estimulem inovações emergentes nas unidades funcionais e nas práticas de governação, de gestão, bem como auditorias organizacionais e clínicas nos ACES e nas suas unidades funcionais. Deve, no entanto, ter-­‐se em conta que nem toda a mudança é inovação. 29
30 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 Anexo I -­‐ Sistema de informação – arquitetura e tecnologias A melhoria do sistema de informação (SI) dos CSP deve ocorrer no mais curto período de tempo possível, na medida em que os problemas do SI são um dos maiores constrangimentos e fatores de perturbação e insatisfação dos profissionais conforme evidenciam os estudos e questionários aos coordenadores e aos profissionais das unidades funcionais. É indispensável distinguir os conceitos de sistema de informação dos das aplicações e definir e fazer respeitar um conjunto de princípios e de regras que, sendo comuns a todas as aplicações, permitam a migração, agrupamento e reagrupamento dos dados entre elas, bem como análises estatísticas relevantes e monitorizações imediatas, tanto pelos utilizadores diretos como pelos órgãos de gestão. Um passo prioritário a dar é o a definição exaustiva e, ainda assim, aberta, de um modelo comum dos dados (e operações essenciais sobre esses dados) respeitantes às variáveis com que se trabalha que, por sua vez, são respeitantes às unidades/entidades informacionais que são objecto de cuidados nos CSP. Estas unidades / entidades informacionais são -­‐
Unidade “pessoa”; -­‐
Unidade “família”; -­‐
outras entidades-­‐foco das intervenções de saúde comunitária e de saúde pública. As aplicações são meros instrumentos técnicos de ajuda para lidar e gerir de forma inteligente todo este conteúdo informacional. Estas aplicações podem ser variadas, desde que respeitem o modelo de dados (e de operações essenciais sobre esses dados), princípios e regras a seguir, e permitam a migração/comunicação de dados entre aplicações, sempre que necessário – esta diversidade pode estimular a concorrência e acelerar a evolução nos aspetos de ergonomia e de inteligência associativa e analítica e de apoio á decisão clínica e ao trabalho profissional. É urgente extinguir o SINUS e garantir a interoperabilidade online do Registo Nacional de Utentes (RNU) com as diversas aplicações em uso em cada momento, como base da identificação dos cidadãos em todos os serviços de saúde -­‐ garante da interoperabilidade de um "sistema de informação de saúde baseado no utente", que permita a atualização das bases de dados pelos CSP (Ver Documento do GT-­‐DCSP sobre a possibilidade do cidadão poder/dever atualizar os seus dados de residência e contactos telefónicos, por exemplo “Sistema de Gestão de Utentes do SNS e Atualização Permanente das Listas de Utentes dos ACES e das Unidades Funcionais”). As soluções das TIC para os CSP devem pressupor uma suite integrada que na sua concepção, implementação e desenvolvimento potencie o novo modelo organizacional dos CSP -­‐ modelo horizontal centrado no processo clinico do utente, no trabalho em equipa multiprofissional e na organização em rede. A substituição e/ou atualização gradual de 30
Quadro de Orientação Estratégica para o Desenvolvimento dos CSP – GT-­‐DCSP, 2012 componentes do atual SAM/SAPE /SINUS pode incorrer no risco de concepção e desenvolvimento desgarrado de componentes autónomas e de um modelo vertical. Aparentemente, tem sido esse o modelo do atual SAM/SAPE/SINUS e a origem dos problemas atuais: ausência de coerência e de interoperabilidade. É da máxima urgência garantir o funcionamento de um Registo Nacional de Utentes on-­‐line ao qual possam aceder todas as UAG, Gabinetes do Cidadão e unidades funcionais dos ACES que lidam primariamente com as inscrições individuais dos utentes do SNS (cerca de 1050 pontos de acesso); Por outro lado, a evolução do SAM hospitalar deve acompanhar e pode até decorrer da evolução do SAM para os CSP. Contudo, a estrutura de um SI dos CSP não é e não deve ser igual à de um SI hospitalar. O mais importante não é ter uma única aplicação para registo clínico no SNS, mas sim garantir um modelo de dados comum e a possibilidade de comunicação bidirecional dos dados referentes a um repositório universal comum de variáveis (cuja operacionalização deve ser definida pela Direcção-­‐Geral da Saúde). As aplicações clínicas operacionais para os CSP, devem ser ferramentas interativas, integradas e assentes no apoio à decisão clinica, centradas no utente, ligadas a um RNU on-­‐
line e serem instrumento autónomo de aprendizagem e de investigação operacional; A possibilidade de migração/comunicação de dados inter-­‐aplicações e os dispositivos de agregação e análise estatística inteligente multi-­‐condições dos dados, com segurança, são as chaves-­‐mestras da arquitetura anatomo-­‐fisiológica dos SI do SNS, superando a tendência redutora, eventualmente mais dispendiosa, e de mais difícil governação e evolução adaptativa das aplicações informáticas únicas; Processo clínico electrónico O processo clínico electrónico comum (RES/EHR) deve ser entendido como um modelo virtual comum de estruturação resumida dos dados e informação clínica de uma pessoa. Não tem de estar associado a uma aplicação informática concreta. Pelo contrário, todas as aplicações clínicas em uso devem ser capazes de construir, alimentar e usar este processo clínico. Em síntese: A arquitetura do sistema de informação dos CSP deve ser configurada de modo a prever e a permitir o seu desenvolvimento harmonioso e coerente nos próximos 5 a 10 anos. São pilares e princípios a ter em conta: a) centrado e organizado em torno das unidades informacionais de referência (e não das profissões ou das unidades funcionais). Estas unidades informacionais são: -­‐ PESSOA -­‐ unidade informacional relevante para todas as unidades funcionais dos ACES, em especial para as USF/UCSP, UCC e URAP; -­‐ FAMÍLIA (idem); -­‐ COMUNIDADE -­‐ unidade informacional relevante para todas as unidades funcionais dos ACES, em especial para UCC e USP; 31
32 Grupo Técnico para o Desenvolvimento dos Cuidados de Saúde Primários – Setembro 2012 -­‐ ESTABELECIMENTOS e “settings” -­‐ unidade informacional especialmente relevante as USP e, em alguns casos, para as UCC e URAP; b) permitir análises estatísticas pré-­‐definidas e “on demand”, bem como monitorização permanente, “feed-­‐back” e alertas automáticos. Recomenda-­‐se a emissão de um plano ou Memorando de recomendações calendarizadas para cada utente, uma vez que algumas das aplicações em uso já constroem estas mensagens para os profissionais, havendo múltiplas vantagens que sejam partilhadas com os utentes; c) permitir a inserção de módulos funcionais específicos interligados entre si, à semelhança do que já acontece, ainda que com algumas insuficiências, em aplicações existentes e em uso nas USF, de modo a que dados comuns a vários módulos, uma vez inseridos num deles “migrem” automaticamente para todos os módulos que os contenham; d) permitir interligação-­‐comunicação-­‐partilha de informação com os cuidados hospitalares e os cuidados continuados, devendo neste caso a respetiva aplicação passar a ser um “módulo” integrado na aplicação centrada a PESSOA e utilizada pelas diversas unidades funcionais e serviços que prestam cuidados a essa pessoa, e não uma aplicação desconexa e independente. 32
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