Insider PIERRE MAILLARD
Respeito totalmente a decisão de Nick Hayek de deixar
de fornecer os seus movimentos a terceiros. Até lhe
agradeço, porque, a partir de agora, nós poderemos
verdadeiramente inovar.
Editor-chefe, Europa Star
Stéphane Linder
CEO TAG Heuer
Os investimentos dos grandes
grupos entram em ascensão
800 milhões de euros! Este é o número que a Richemont acaba
de lançar. 800 milhões de euros é, de facto, a soma que o
grupo genovês pretende consagrar, no próximo ano, aos seus
investimentos, na prossecução da sua industrialização e na
integração das suas redes de venda. É preciso dizer que
a Richemont dispunha, no final de setembro de 2013, de uma
tesouraria líquida de cerca de quatro mil milhões de euros,
para organizar e planificar confortavelmente o futuro. Prova
de que as grandes manobras se aceleram, esta soma de 800
milhões é para ser comparada com os investimentos industriais
do conjunto do ramo relojoeiro helvético em 2012: 650 milhões
para todos os grupos, o que já era considerável.
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Mas, além do grupo Richemont, também todos
os outros grupos mastodontes foram apanhados
pela mesma febre, incluindo o Grupo Swatch
que, ao mesmo tempo que procura restringir
o fornecimento, duplica as suas capacidades
de produção ao desatar a construir de forma
desenfreada. As retroescavadoras ativam-se tanto
em Bienne (um novo espaço que lhe está
destinado está a ser construído ao lado da sede
da Omega, bem como um novo edifício para
a Swatch), como em Boncourt, no Jura, onde
um novo espaço industrial prevê acolher a termo
700 colaboradores, ou, ainda, em Villeret, onde
a ETA monta um novo complexo de montagem
de movimentos mecânicos.
Três exemplos recentes ilustram concretamente
esta realidade que está para vir. Três inaugurações
(ou, mais exatamente, duas verdadeiras inaugurações e uma rara operação ‘portas abertas’) que
decorreram neste outono e que dizem respeito
à TAG Heuer (LVMH), à Vacheron Constantin
(Richemont) e à Omega (Swatch).
Nos três casos, trata-se da produção de movimentos, coração estratégico dos investimentos.
Ora, o que é particularmente interessante observar
são as lógicas industriais que prevalecem aqui e
ali. Estas lógicas dizem muito sobre as estratégias
das diferentes marcas.
Uma nova manufatura para
a Vacheron Constantin
Na Vacheron Constantin, onde o objetivo é passar
de 24.000 relógios em 2012 para 35.000 relógios
por ano (com a ambição a termo de marcar a
totalidade da sua produção com o Punção de
Genebra), não é tanto a quantidade, mas a qualidade que conta. Para o alcançar, «as competências
humanas devem permanecer no centro,» como
exprime Juan-Carlos Torres, o patrão da marca.
A nova manufatura, recentemente inaugurada pela
Vacheron Constantin, em Brassus, no Vale de Joux,
reagrupa quarenta ofícios em 9.000 m2, para 200
pessoas hoje e 350 a médio prazo. 35 milhões de
francos suíços terão sido investidos para reagrupar,
sob um só teto, todas as capacidades de prototipagem, de investigação e desenvolvimento,
de fabrico de componentes e de decoração que
estavam dispersas em diversas unidades. Segundo
as palavras do próprio Juan-Carlos Torres,
«é uma nova era que começa para a Vacheron
Constantin.» Mas levar a cabo um novo sistema
de planificação centralizada, que aposta na
utilização das novas tecnologias de produção, não
deve perder de vista o essencial para uma casa
como a Vacheron Constantin: os acabamentos.
Um aspeto evidenciado de forma notável através
dos três impressionantes ateliers de decoração,
onde os processos de étirage, anglage, berçage,
garnissage, perlage e côtes de Genève são
efetuados à mão e organizados por linhas
independentes, reagrupando os ofícios em torno
de um produto comum. Cada uma das linhas é
responsável pelos próprios controlos de qualidade.
Encontramos a mesma organização em linha –
flexível e adaptável – no departamento de ébauches
(quatro linhas dotadas de um parque de maquinaria
CNC completamente nova: platinas, pontes, aços,
especialidades) onde são realizadas a usinagem,
a rebarbação, a eletroerosão, os tratamentos
químicos e os tratamentos térmicos. Aproximar os
ofícios, suprimir as distâncias, otimizar a logística,
tornar a produtividade mais fluída: estas são as
questões maiores de uma nova organização que
procura fundir, o mais harmoniosamente possível,
a abordagem industrial de ponta e a sua vertente
artesanal manual.
Em cinco anos, a TAG Heuer passou
de 0 a 100.000 cronógrafos
Na TAG Heuer, a preocupação é outra, e a organização industrial é bastante diferente. Com efeito,
a TAG Heuer, marca eminentemente desportiva,
estava em atraso relativamente à especialização
e à verticalização da própria produção. E face
à ameaça de ver cortada toda a sua fonte
de aprovisionamento com proveniência da ETA,
foi necessário ‘pegar o touro pelos cornos’.
Em apenas cinco anos, a TAG Heuer foi capaz de
reverter completamente a situação, e encontra-se,
hoje, plenamente autónoma no domínio dos
movimentos mecânicos cronográficos. Não sem
malícia, Stéphane Linder, o novo CEO da marca
em substituição de Jean-Christophe Babin, que
agora dirige o império Bvlgari, pertencente ao
mesmo grupo LVMH, declara «respeitar totalmente
a decisão de Nick Hayek de deixar de fornecer os
seus movimentos a terceiros. Até lhe agradeço,
porque, a partir de agora, nós poderemos verdadeiramente inovar.» E acrescenta, ainda, com
algum orgulho, que a TAG Heuer «será, em 2014,
a marca que produzirá mais cronógrafos de
manufatura para as suas próprias necessidades.»
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A verticalização em curso, desde há alguns anos, começa
assim a dar os seus frutos. Mas esta batalha travada pelos
grandes grupos começa também a causar alguns danos
colaterais. Os pequenos independentes encontram-se cada
vez mais ‘entre a espada e a parede’. O risco, infelizmente,
será de nivelar a criatividade.
São 100.000 movimentos cronográficos por ano,
uma bela performance, quando pensamos que,
há apenas cinco anos, a TAG Heuer não produzia
nenhum movimento deste tipo. Esta reconquista foi
feita em duas etapas.
A primeira iniciativa da TAG Heuer no domínio
dos movimentos mecânicos cronográficos
tradicionais (não falamos aqui dos movimentos
concept da marca, nem dos seus movimentos
de quartzo) data de há perto de quatro anos,
com o lançamento do Calibre 1887, fruto
da exaustiva reengenharia de um movimento
cronográfico da Seiko.
Para a produção de componentes do seu Calibre
1887, um movimento integrado de 320 componentes, oscilante a 28.800 alternâncias/hora, com roda
de colunas e pinhão oscilante patenteado pela
Heuer em 1887 (daí o nome do calibre em questão),
a TAG Heuer tinha instalado as ferramentas de
fabrico na sua fábrica de Cornol, no Jura suíço, um
espaço criado em 2004 consagrado à produção de
caixas em aço e em ouro. Para a montagem deste
movimento, uma cadeia ultramoderna e semiautomatizada foi instalada em La Chaux-de-Fonds.
Mas as necessidades da TAG Heuer foram além
do Calibre 1887, tanto em quantidade, como
em termos estilísticos: o Calibre 1887 é o que nós
chamamos de calibre ‘6h – 9h – 12h’ (de acordo
com o posicionamento dos contadores) e a TAG
Heuer rapidamente sentiu a necessidade de
dispor de uma segunda arquitetura: um cronógrafo
com os contadores dispostos em ‘3h – 6h – 9h’,
destinado a outros produtos estilisticamente mais
clássicos. Um calibre que pode igualmente receber,
no futuro, placas adicionais, ou funções que pode-
rão advir das novas tecnologias (estamos na TAG).
Mas para levar a cabo a produção deste novo
calibre eram necessários meios industriais
acrescidos. A construção de uma nova manufatura
foi, então, realizada em paralelo com a conceção
do movimento.
Essa manufatura, qualificada «de vanguarda,» foi
recentemente inaugurada em Chevenez, sempre no
Jura suíço (mas na proximidade de França e da sua
importante fonte de mão-de-obra). O investimento
numa infraestrutura de 2.600 m2 elevou-se a cerca
de dez milhões de francos suíços, enquanto os
investimentos acumulados na realização dos dois
novos calibres cronográficos, 1887 e 1969, se
aproximam dos 40 milhões de francos suíços ao
longo dos últimos cinco anos – uma soma considerável, certamente, mas uma ’agulha‘ para um grupo
como o LVMH.
O conceito de industrialização que aqui
prevaleceu é diretamente inspirado nas linhas
de produção e de montagem dos motores
de automóveis, de categoria Audi. Ou antes,
um grande serviço de engenharia e de métodos,
com uma cadeia largamente automatizada,
que permite a intervenção de operadores
polivalentes (logo, menos especializados que
outros) e uma infraestrutura de controlo muito
desenvolvida e muito equipada, que levam
a uma produção altamente padronizada, e de
qualidade sempre idêntica.
Das atuais 50 pessoas (que vão gradualmente
ascender às 100 pessoas), 35 são afetas à produção e 25 ao suporte à produção, ou seja, gabinete
de métodos, fabrico de ferramentas, controlo de
qualidade e manutenção do parque de maquinaria.
Um parque de maquinaria, que opera 24h/24h
e seis dias por semana, produz hoje 50.000
movimentos por ano, para um horizonte de
100.000 movimentos mais tarde. Este alto nível
de industrialização foi passível de ser alcançado
desde o início da conceção do Calibre 1969, numa
estreita colaboração com o desenvolvimento da
ferramenta produtiva. Um dos resultados mais
marcantes desta industrialização «de vanguarda»
é o facto de apenas quatro pessoas se dedicarem
à produção de componentes – platina, pontes
(as peças móveis e as rodagens são produzidos
externamente) – pelo que a industrialização está
muito avançada. Além disso, tudo foi concebido
para a máxima flexibilidade e reconfiguração
rápida, se necessário, de máquinas e de linhas:
uma maneira de inscrever a noção de just in time
no domínio relojoeiro.
Omega desvela-se
A Omega, que não tem por hábito abrir as portas
das suas fábricas, ter-se-á deixado picar por tais
anúncios? A verdade é que a marca almirante do
Grupo Swatch – que se encontra frequentemente
em competição frontal com a TAG Heuer – entreabriu recentemente as portas da sua unidade de
produção dedicada a duas versões cronográficas
do seu famoso Calibre coaxial (inventado pelo
relojoeiro inglês George Daniels). Lançada em
2011, a produção deste inovador calibre 93009301, com roda de colunas e espiral em silício
entre os seus 336 componentes, deverá chegar
às 500.000 peças este ano. «Mas, mais tarde,
pretendemos chegar às 700.000, 800.000 peças,»
precisa Stephen Urquhart, o CEO da Omega, ou
seja, as mais altas ambições desta fábrica, onde
alternam robots e mãos de operadores, numa
atmosfera de sala branca high-tech. Ao longo da
linha de pré-montagem, montagem e controlo,
cada movimento é controlado graças a um
chip de identificação do qual é munido. «Vamos
demonstrar que somos capazes de produzir
e de montar tal movimento em quantidades
verdadeiramente industriais. O coaxial não é mais
um produto de nicho,» precisa sempre Stephen
Urquhart. Mas a marca não mostrará mais, nem
disponibilizará mais detalhes sobre os seus
investimentos. Apenas os números concedidos à
imprensa: «no ano passado, a Omega ultrapassou,
no que respeita ao volume de negócios, os dois
mil milhões de francos suíços.»
Entre a espada e a parede
A verticalização em curso, desde há alguns anos,
começa assim a dar os seus frutos. Mas esta
batalha travada pelos grandes grupos, de dezenas
ou até centenas de milhões, começa também a
causar alguns danos colaterais.
Os pequenos independentes, incapazes de
financiar tais esforços industriais, ultrapassados
no que diz respeito a ferramentas de produção,
confrontados com dificuldades de aprovisionamento acrescidos e ultrapassados relativamente
ao poder de distribuição, encontram-se cada
vez mais ‘entre a espada e a parede’. A anulação
do Geneva Time Exhibition (GTE), que deveria
reagrupar, paralelamente ao Salon International de
la Haute Horlogerie (SIHH) de Genève, cerca de 30
marcas, é a mais recente demonstração. O risco,
infelizmente, será de nivelar a criatividade.
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