reportagem altas frequências Uma corrida vibrante Por Carlos Torres A alta-relojoaria vive hoje uma autêntica corrida à tecnologia, onde a frequência de funcionamento dos órgãos reguladores parece ter disparado para valores verdadeiramente estratosféricos. 112 Nos últimos anos, o hertz (Hz) passou a ser a arma de disputa entre um grupo de marcas apostadas em criar um novo paradigma para a alta-relojoaria mecânica. Mas, se esta singular corrida tem como objetivo principal uma medição mais precisa do tempo, os modelos lançados nos últimos anos dividem-se, claramente, entre os simples relógios destinados a acompanhar a evolução das horas, minutos e segundos ao longo de cada dia, e os tão populares cronógrafos. Em ambos, a frequên cia de funcionamento do órgão regulador é utilizada de forma distinta privilegiando-se, num, o menor desvio do seu isocronismo, e no outro, a capacidade de indicar a menor fração de tempo possível. Nos últimos anos, e especialmente em 2012, a alta frequência transformou-se num termo técnico comum que preenche cada vez mais a atualidade da alta-relojoaria. Manufaturas como a Breguet, a Chopard, a De Bethune e, principalmente, a TAG Heuer optaram por explorar esta via como forma de alcançar uma precisão cada vez maior para os seus relógios. A frequência tornou-se, consequentemente, numa disputa entre um grupo restrito de marcas que se basearam no conceito de que quanto mais rápida for a oscilação de um balanço, menor o impacto sobre a medição do tempo decorrente das variações de temperatura e de posição a que qualquer relógio de pulso está sujeito. Uma opção que cedo se sobrepôs à alternativa de aumentar o diâmetro do balanço com vista a uma maior inércia e estabilidade de oscilação. Durante décadas, a frequência mais utilizada na relojoaria manteve-se estável em torno dos 2,5 Hz, ou 18.000 alternâncias por hora (aph), um valor que acabaria por evoluir para o atual standard de 4 Hz, ou 28.800 aph. A verdadeira saga das altas frequências começa em 1966, quando a Girard- -Perregaux (num esforço conjunto com a Eberhard, Favre Leuba e a Zodiac) se torna a primeira ma nufatura a desafiar o status quo, ao submeter ao escrutínio dos então Bureaux Officiels de Contrôle de la marche des montres o primeiro movimento mecânico de alta frequência com 5Hz (36.000 aph). A Longines seguiria os passos da sua congénere suíça logo no ano seguinte, ao comemorar o seu centenário com o lançamento de uma linha inteira de movimentos com uma frequência de oscilação na casa dos 5 Hz. A linha Ultra-Chron inaugurava o calibre 430, e, em 1968, a Seiko (calibre 6145) acompanhava a Favre Leuba (calibre FL 1164), a Zodiac (calibres 88 e 86) e a Movado (calibre 405 e 408), que entravam no restrito grupo de marcas capazes de hastear a bandeira das 36.000 aph. Em 1969, seria a vez da Eterna (calibre 2732) e da Zenith (calibre 3019), seguindo-se, no ano seguinte, a A. Schild (calibre 1920), a Felca (calibre 4177) e, em 1975, a Citizen, com o calibre 7230. Em apenas nove anos, 12 fabricantes tinham-se aventurado no território desconhecido dos 5 Hz, duplicando de uma só vez a norma vigente. Uma evolução tecnológica que, ao longo das três décadas seguintes, não veria nenhum avanço passível de ser assinalado. Seria já em plena primeira década do século XXI que uma jovem e insuspeita manufatura beneficiaria do génio de Denis Flageolet com vista a apresentar um sistema experimental composto por uma es piral auto compensada construída em silício. A De Bethune alcançava os 10 Hz, mas Flageolet mantinha-se convencido de que as 72.000 aph equivalentes eram um limite imposto ao escape clássico, principalmente por razões associadas à fiabilidade e ao desgaste mecânico. Mas a De Bethune não entrava isolada nesta aventura. Nesse mesmo ano, a Audemars Piguet apresentava um novo sistema de escape sem necessidade de lubrificação e com a promessa de um elevado rendimento. Apelidado ChronAP e com 43.200 aph, ou 6 Hz, a marca estreava o modelo definitivo durante o SIHH de 2009, onde expunha o órgão regulador sobre o palco tridimensional de uma caixa Jules Audemars. Em 2010, a Breguet seria a primeira a apresentar um modelo de produção a funcionar a uma fre reportagem altas frequências 1 quência de 10 Hz (72.000 aph). O Breguet Type XXII 3880 ST seria seguido dois anos mais tarde pelo Breguet Classique Chronometrie 10 Hz Referência 7727, o primeiro relógio de alta frequência a utilizar o sistema de eixo flutuante sobre ímanes introduzido em 2010 com o Breguet Réveil Musical. 2012 estava definitivamente destinado a ficar para a história como o ano das altas frequências. A novidade da Breguet seria acompanhada pela Chopard, que lançava também em Baselworld o seu LUC 8HF de 8 HZ (57.600 aph), o primeiro movimento mecânico com escape de alta fre quência a ser submetido com sucesso ao escrutínio do COSC (Contrôle Officiel Suisse des Chronomètres). A De Bethune continuava as suas pesquisas no campo das muito altas frequências apresentando um protótipo capaz de vibrar à incrível frequência de 926 Hz (6.667.200 aph). Com recurso a um sistema magnético apelidado Horological Résonique, Denis Flageolet baseava o seu sistema inovador na sincronização de um ressonador acústico e de um rotor de escape magnético. Mas, a par deste desenvolvimento da cronometria associado a relógios sem complicações adicionais, um outro ramo da relojoaria apresentava um desenvolvimento fulgurante. No campo dos cronógrafos, a Heuer liderava já, desde 1916, com o seu modelo de bolso, o Mikrotimer. Tratava-se do primeiro cronógrafo capaz de indicar de forma precisa 1/100 de segundo, fazendo uso de uma frequência de 50 Hz (360.000 aph). O ponteiro central deste modelo evoluía à velocidade estonteante de 60 rotações por minuto, indicando sobre uma escala milimétrica a centésima parte de um segundo. Uma performance inédita que, sabe-se agora, tinha sido antecedida 100 anos antes por Louis Moinet, através do seu Compteur de Tierces, que já então indicava 1/60 de segundo a partir de uma frequência de 30 Hz (216.000 aph). 114 Em 2005, a TAG Heuer decide voltar-se novamente para o tema, e inaugura um novo capítulo no campo da alta frequência associada ao cronógrafo com o histórico Carrera Calibre 360. O primeiro movimento mecânico de pulso capaz de medir intervalos de tempo com a precisão de 1/100 de segundo estreava uma dupla arquitetura baseada em dois mecanismo separados, unidos apenas pela mesma fonte de energia: um, para a medição contínua do tempo com uma frequência de 4 Hz (28.800 aph) e, outro, destinado exclusivamente ao cronógrafo, capaz de subdividir o tempo em 1/100 de segundo através de uma frequência de 50 Hz (360.000 aph). A partir de 2008, e já com o auxílio do génio de Guy Sémon, o atual vice-presidente da TAG Heuer, a marca encetava, de forma totalmente isolada, o lançamento de uma série de modelos no que seria uma autêntica escalada no campo da alta frequência associada ao cronógrafo. O TAG Heuer Mikrograph 1/100 replicava, em 2011, sobre um relógio de pulso a velocidade estonteante do ponteiro central de segundos do modelo original de 1916. No mesmo ano, o Mikrotimer Flying 1/1000 multiplica por 10 os 50 Hz do Mikrotimer, alcançando a barreira dos 500 Hz (3.600.000 aph) ao introduzir um novo sistema de escape que dispensa o conjunto balanço/espiral em detrimento de uma lâmina vibratória. No início de 2012, seguese o Mikrogirder 2000, um modelo conceptual capaz de medir 1/2000 de segundo através de uma frequência de 1000 Hz (7.200.000 aph). A este sucederia, ainda nesse ano, o modelo definitivo de produção, o Mikrogirder 10000. Pelo meio, a TAG Heuer estendia o conceito da dupla arquitetura ao turbilhão através do MikrotourbillonS, arrastando a complicação mais hipnótica da alta-relojoaria para o campo da muito alta frequência. Pela primeira vez na história, um turbilhão oscilava a 50 Hz (360.000 aph), rodando, para isso, 12 vezes por minuto sobre o seu próprio eixo. A justificação para esta escalada no campo da frequência associada ao cronógrafo por parte da TAG Heuer é-nos dada por Guy Sémon: «1 Hz é uma alternância que é representada por dois eventos que ocorrem num segundo. Por isso, numa frequência de 4 Hz, temos oito eventos por 3 A frequência tornou-se consequentemente numa disputa entre um grupo restrito de marcas que se basearam no conceito de que quando mais rápida for a oscilação de um balanço, menor o impacto sobre a medição do tempo decorrente das variações de temperatura e de posição a que qualquer relógio de pulso está sujeito. 2 1 - De Bethune DB28ST Tourbillon 2 - Breguet Type XXII 3 - Audemars Piguet Chrono AP 4 4 - TAG Heuer Mikrotimer Flying 1000 reportagem altas frequências 1 2 3 segundo justificando o limite de precisão de um oitavo de segundo alcançado pelos relógios que funcionam a esta frequência. Se multiplicarmos oito eventos por segundo por 3600 segundos, chegamos ao resultado de 28.800 alternâncias por hora, a frequência que habitualmente vemos associada a este género de relógios. E é aqui que reside o problema. Os cronógrafos que funcionam a esta frequência não podem indicar uma fração de segundo legível, pelo que se torna essencial conhecermos sempre o próximo dígito, sob pena de assumirmos um erro de pelo menos 50%. E o próximo dígito corresponde ao décimo de segundo (5 Hz), que consequentemente passa a exigir uma leitura precisa do centésimo de segundo (50 Hz), e que por sua vez exige o mesmo do milionésimo de segundo (500 Hz)». Neste histórico ano de 2012, apenas a Montblanc desafiaria a TAG Heuer com o TimeWriter Bi-Fré quence 1000, apresentado no SIHH. Igualmente um modelo de dupla arquitetura, a Montblanc associava um oscilador com uma frequência de 2,5 Hz a um cronógrafo com 50 Hz. A precisão reclamada de 1/1000 de segundo seria alcançada através de uma roda de milésimos que multiplica por dez a velocidade de rotação da roda de segundos. O mais recente capítulo da saga das altas frequências seria este ano protagonizado também pela TAG Heuer ao aplicar o princípio ao revolucionário e conceptual Pendulum, apresentado em 2010. O modelo, que dispensa a tradicional espiral em lugar de um inovador sistema de impulso magnético por rotor e estator numa liga ferromagnética especial, dava origem, de forma espetacular, a duas novas criações: o MikroPendulum, um cronógrafo de dupla arquitetura com uma frequência de 4 e 50 Hz, e o MikroPendulumS, um cronógrafo conceptual com escape turbilhão e dois balanços magnéticos oscilando a uns inovadores 12 e 50 Hz. E qual é o futuro da alta frequência associada ao cronógrafo? Guy Sémon afirma ainda não saber se é possível alcançar os 5000 Hz (36.000.000 aph), mas revela ter, nesta altura, em laboratório, um protótipo a funcionar a 3000 Hz (21.600.000 aph). Não será difícil prever que, mesmo fora do Não será difícil de prever que mesmo fora do âmbito do cronógrafo a atual frequência de 12 Hz (86.400 aph), que a TAG Heuer associou ao balanço magnético do MikroPendulumS, poderá evoluir e ser aplicada a novos modelos. Mas para isso, a TAG Heuer terá de vencer o obstáculo da industrialização, um desafio que outras marcas como a Chopard (8 Hz) e a Breguet (10 Hz) já conseguiram ultrapassar. âmbito do cronógrafo, a atual frequência de 12 Hz (86.400 aph), que a TAG Heuer associou ao balanço magnético do MikroPendulumS, poderá evoluir e ser aplicada a novos modelos. Mas, para isso, a TAG Heuer terá de vencer o obstáculo da industrialização, um desafio que outras marcas como a Chopard (8 Hz) e a Breguet (10 Hz) já conseguiram ultrapassar. Depois, há sempre aquelas marcas como a De Bethune, que, apesar da sua pequena dimensão, são capazes de nos surpreender quando menos esperamos. 1 - TAG Heuer MikrotourbillonS 2 - Montblanc TimeWriter II 3 - Chopard LUC 80 HF Frequência Frequência é a cadência a que algo acontece ou se repete ao longo de um determinado período de tempo. Trata-se de uma grandeza física ondulatória, que, no caso da relojoaria mecânica, indica o número de alternâncias de oscilação do balanço ao longo de uma hora (aph). Uma alternância é representada por dois eventos que ocorrem num segundo e expressa-se em Hz (hertz). Numa frequência de 4 Hz, ocorrem oito eventos por segundo que, se multiplicados por 3600 segundos (uma hora), representam 28.800 alternâncias por hora, a frequência que está habitualmente associada à atual maioria dos relógios mecânicos. Equivalências entre Hz e aph: 2,5 Hz 18.000 aph 4 Hz 28.800 aph 5 Hz 36.000 aph 6 Hz 43.200 aph 8 Hz 57.600 aph 10 Hz 72.000 aph 12 Hz 86.400 aph 50 Hz 360.000 aph 500 Hz 3.600.000 aph 1000 Hz 7.200.000 aph 117