Ricardo Menezes1 "Na minha avaliação, um dos grandes méritos do projeto foi o de ter convertido o problema do financiamento da Saúde em debate nacional. Esse assunto precisava sair do escurinho dos corredores de Brasília." Senador Tião Viana (PT-AC). Portal do Universo OnLine (UOL). 22 de maio de 2008. O fato: a discussão da regulamentação definitiva do financiamento do setor saúde, com aporte de montante de recurso novo de origem federal, está colocada para o debate na sociedade brasileira e – naturalmente – para o Partido dos Trabalhadores (PT) e outros partidos políticos, entidades, movimentos sociais e pessoas compromissadas com a luta pela preservação da saúde e a defesa da vida de todos os brasileiros e brasileiras. Conforme se sabe, foi aprovado no início de abril do presente ano Projeto de Lei Complementar (PLP), de autoria do senador Tião Viana (PT-AC), que regulamenta as disposições da Constituição Federal (CF) acerca do financiamento do setor saúde no Brasil, projeto esse que se encontra na Câmara dos Deputados para ser debatido e votado. O conservadorismo de plantão e meios de comunicação de massas já deram o tom da toada (deles): dizem que o governo está arrecadando muito e, habilmente, exploram o sentimento de parcela da sociedade que resiste à tributação, embora boa parte dessa mesma parcela da sociedade utilize os estabelecimentos de saúde do SUS para acessarem, em especial os procedimentos de alta complexidade, que são também de alto custo, e os serviços de urgência e emergência para não nos alongarmos em exemplificações. Diariamente o líder da Bancada do PT na Câmara dos Deputados tem dado declarações à imprensa sobre o assunto. O reflexo disso é observado nos meios de comunicação de massas e nos boletins da bancada do partido, Informes PT, que vem abordando diuturnamente a questão, sendo que em várias edições matéria a esse respeito foi objeto de destaque. Do mesmo modo, o conservadorismo aborda o assunto diariamente nos meios de comunicação de massas na sua peculiar toada. É sabido que segmento importante do conservadorismo brasileiro não apóia aumento de recursos federais para o setor saúde e nem tampouco o controle da alocação de recursos nesse setor, obrigatórios nos termos da Constituição Federal, pelos estados (12%) e pelos municípios (15%). Antes disso, se dependesse desse segmento, quando muito, o Sistema de Saúde nacional, o Sistema Único de Saúde (SUS), seria um arremedo destinado a oferecer uma "cesta de serviços básicos" às pessoas de baixa renda e, de certo, não haveria qualquer vinculação de percentuais de recursos orçamentários a serem aplicados obrigatoriamente no setor saúde nas esferas federal, estadual e municipal. Contudo, expressão política do conservadorismo brasileiro tem trabalhado para obter um triunfo político com os olhos postos nas eleições municipais de 2008 como ante-sala das eleições quase gerais de 2010. O que faz? Para a platéia diz que são necessários mesmo mais recursos para o setor saúde, mas acrescenta que o governo federal está arrecadando bastante sendo, então, desnecessária regulamentação que preveja fontes específicas de recursos, muito menos se isso se der aumentando tributos – quaisquer que sejam. Com isso tenta-se lograr sucesso nos planos ideológico, político-eleitoral e, ainda por cima, inviabilizar a regulamentação do financiamento do setor saúde no país, o que significará inviabilizar particularmente o aumento de recursos federais e também o estabelecimento de controles efetivos sobre a alocação de recursos orçamentários obrigatórios por parte da União, dos estados/Distrito Federal e das municipalidades. Qual a mágica? Singela, senão vejam: a) no plano ideológico este faz-de-conta do conservadorismo busca imprimir grave derrota ao Partido dos Trabalhadores (PT), ao governo Lula e ao presidente. Trata-se de tentar, senão desconstruir, minar a associação que a maioria da população faz entre, de um lado, o PT, o governo federal e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, de outro lado, o desenvolvimento social, o que inclui a garantia do direito à saúde. Dirá (na realidade já diz) que o governo federal está com os cofres cheios (o que não é totalmente falso), mas, mesmo assim, se recusa a aumentar os recursos do setor saúde e 1 Ricardo Menezes é médico sanitarista, militante do Setorial da Saúde do Estado de São Paulo do Partido dos Trabalhadores. prejudica, desse modo, os "mais carentes". Esse é o ardil ideológico que cabe desmontar com objetividade e simplicidade tais que a maioria da população entenda. Há que se combater duramente o discurso que rotula o Sistema Único de Saúde (SUS) como o sistema para os "mais carentes". É preciso lembrar que, afora as inúmeras ações e atividades clássicas de interesse coletivo do campo da Saúde Pública, como aquelas de vigilância sanitária e epidemiológica, afetas ao Estado – lato sensu –, as quais também demandam recursos, o SUS se responsabiliza pela realização de transplantes, de procedimentos de alta complexidade e alto custo (hemodiálise, assistência ao câncer, assistência ao portador de HIV/AIDS e outros), pelo atendimento de urgência e emergência, entre outros, às pessoas que vivem no Brasil, inclusive usuários de planos e seguros de saúde. Apontar tais pontos deve se acompanhar do reconhecimento de problemas no SUS, cujas origens remontam, por um lado, ao gravíssimo estrangulamento financeiro do sistema no seu nascedouro, particularmente de 1990 a 2000, por obra dos responsáveis pela política econômica dos três governos federais do período e, por outro lado, a problemas gerenciais nas três esferas de poder, e na articulação entre elas, que devem – e podem – ser rapidamente corrigidos; b) o conservadorismo não irá parar aí. Todas as providências que objetivem facilitar a regulamentação do financiamento do setor saúde serão severamente criticadas, mesmo iniciativas criativas que venham a remanejar ou lidar com fontes de recursos hoje existentes. Esta operação, em meio às eleições municipais de 2008, tenta agregar as dimensões ideológica e a da práxis política objetiva: sabe-se que o setor saúde precisa de montante de recurso novo e, sem isso, a possibilidade de eclosão de problemas no setor já a partir do segundo semestre de 2008 existe, portanto, por decorrência, a possibilidade de ocorrência de episódios desgastantes politicamente também existe. E a quem serão imputados tais episódios desgastantes? Ao Partido dos Trabalhadores, ao governo Lula e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro lado, caso esses episódios não ocorram, sabe-se que se a regulamentação não ocorrer neste ano dificilmente ocorrerá em 2009 e, muito menos, em 2010. E nestes termos, quem assumir a Presidência da República Federativa do Brasil em 2011 não terá que se haver com um setor intensivo em utilização de mão-de-obra e cada vez mais intensivo em incorporação de tecnologias – de produto e de processo –, como é o setor saúde, com vinculação orçamentária de percentuais razoáveis de recursos específicos e, nem tampouco, com controles efetivos da alocação desses recursos pelas esferas de poder federal, estadual e municipal. Assim, neste momento, coloca-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e demais partidos políticos que apóiam o governo Lula; aos deputados federais; ao governo Lula, representado nesta discussão em particular pelo Ministério da Saúde; ao CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde (estaduais e do Distrito Federal) –; ao CONASEMS – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde –; às entidades de profissionais de saúde; ao movimento sindical; aos movimentos sociais e a todas as pessoas compromissadas com a preservação da saúde e a defesa da vida das pessoas mais uma vez debater e ousar, pois esse é – e continuará sendo – o tom da nossa toada! E debater e ousar para que? No dizer do senador Tião Viana (PT-AC): "A Saúde precisa de fontes permanentes de financiamento. Algo que não é garantido pelo excesso de arrecadação, que pode não ocorrer amanhã. O que estamos buscando é um marco legal para a Saúde. Uma reivindicação de 500 anos no país. Só o movimento sanitarista luta por isso há 100 anos. Não dá para condicionar a definição dos recursos da Saúde à boa vontade dos governantes". Por fim, enfatizo que o debate público sobre questão de tamanha importância contribuirá decididamente para ajudar a politizá-lo – informando-se claramente à sociedade brasileira o que se encontra em jogo e o que pensam as forças políticas que estão tomando partido e fazendo suas apostas – e, enfim, contribuirá para trazê-lo (o debate) para o leito transparente da solidariedade social – da qual o Sistema de Saúde nacional qualificado e para todos é parte indissociável!