INTRODUÇÃO O significado do trabalho e a saúde dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto no Rio de Janeiro são os pontos centrais desta tese. A relevância do tema saúde é decorrência da alta patogenicidade da matéria-prima, o amianto, utilizada no processo produtivo, também denominado asbesto. A importância da questão soma-se à inexistência de dados oficiais concernentes ao diagnóstico dos trabalhadores deste ramo da indústria no Rio de Janeiro e o desconhecimento dos danos que atingem o ambiente e a população em geral. O antigo interesse em conhecer o significado que o trabalho tem para aqueles que trabalham, aliado ao atual desejo em conhecer a vivência dos trabalhadores na sua condição operária, nos levou a identificar que a subjetividade no trabalho é também um dos fatores fundamentais na vida concreta dos trabalhadores da fábrica em questão. A pesquisa que nos forneceu os dados relativos à saúde e às condições sociais dos trabalhadores foram desenvolvidas entre 1998 e início de 1999 e resultou em um relatório epidemiológico e social. O diagnóstico de asbestose e as condições de trabalho a que estavam expostos os trabalhadores, identificados no presente estudo, fazem emergir uma realidade de saúde até então desconhecida para as autoridades sanitárias do Rio de Janeiro. O estudo epidemiológico e social deixa claro a lógica de gerenciamento utilizada pela empresa, onde a demissão já está prevista no próprio processo de admissão dos trabalhadores, como decorrência do adoecimento deste processo produtivo e utilização da matéria prima amianto. A comprovação desses fatos, através das inter-relações dos dados, revela um problema político e econômico, tanto nacional como internacional, uma vez que envolve o debate sobre o uso controlado ou banimento da fibra de amianto e, conseqüentemente, o uso de tecnologias alternativas. Tal discussão levou muitos países a banirem o amianto do seu processo produtivo como também proibirem o uso dos produtos que contenham amianto. O estudo do significado do trabalho, as condições de trabalho e saúde dos trabalhadores desta indústria nos levou a uma dimensão humana do trabalho que não fazia parte de nossa expectativa, nem da hipótese por nós levantada na formulação da pesquisa. Ao procurar entender o processo de adoecimento e suas causas, na 1 manipulação da matéria-prima amianto, procuramos apreender como era vivida, experimentada e traduzida a forma objetiva e subjetiva do ato de trabalhar. O ato de trabalhar, que não era opcional, mas condição primeira de sobrevivência, exigia um aprofundamento dos sentimentos dos trabalhadores sobre suas vidas e seu trabalho; que foi se revelando, como um dado novo que contradizia a hipótese por mim levantada de que o significado do trabalho nestas condições tão penosas, só era possível apenas como resultado da necessidade econômica. A doença que atingiu os trabalhadores em decorrência do processo produtivo como a asbestose que adoeceu um grande número de trabalhadores e o sofrimento psíquico, levaram os trabalhadores à indignação, resultando tal reação numa atitude concreta de reivindicação de seus direitos e de sua organização, através da fundação da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, (ABREA-Rio) a exemplo de Osasco, que reúne um grande número de trabalhadores que estiveram expostos ao amianto. Contudo, este quadro de morbidade e exploração capitalista deixa ainda antever o caráter ontológico do trabalho; a grande maioria dos trabalhadores vêm sentido no seu trabalho, com o sentimento de construção e realização do seu atuar no mundo. Tal perspectiva nos levou a indagação de como é possível, num quadro tão negativo, existir um sentido, um significado, e uma valorização do trabalho. É na tentativa de responder esta questão que desenvolvemos um dos aspectos de nossa pesquisa. No início da pesquisa não imaginávamos que o surgimento das questões relativas ao significado do trabalho nos conduzisse à perspectiva ontológica do trabalho, suscitada pelas falas dos trabalhadores, na expressão de sua subjetividade em relação à saúde comprometida por precárias condições de trabalho, ressaltando a importância do seu trabalho para além da sobrevivência, no dizer de Ricardo Antunes (1999). Ao lidarmos com a realidade do adoecimento dos trabalhadores, a recusa do empresariado em reconhecer suas causas e a omissão política e social das instâncias públicas responsáveis pelo setor econômico e daqueles voltados para a saúde da população, fica evidente, o conseqüente privilegiamento do setor econômico, em detrimento dos trabalhadores, revelando-se a importância dada ao Capital em detrimento do trabalho. A pesquisa partiu da demanda de uma trabalhadora ao serviço de atenção médica do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) em decorrência de sua saúde ter sido afetada por 14 anos de exposição a essa fibra mineral na indústria têxtil. O encaminhamento foi feito por uma médica da rede municipal de 2 saúde que levantou a hipótese diagnóstica da doença ocupacional relacionada à exposição ao amianto. Frente ao diagnóstico de asbestose, a equipe de pesquisadores solicita a esta trabalhadora que entre em contato com outros operários que trabalharam na fábrica. Através de sua rede de relações foram contactados diversos trabalhadores e encaminhados ao CESTEH. A partir desta consulta inicial o Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, (CESTEH), da Escola Nacional de Saúde Pública atendeu a 119 trabalhadores da referida fábrica, até setembro de 2001, trabalhadores demitidos em sua maioria. Destes foram identificados 30 trabalhadores com o diagnóstico de asbestose, comprovados por exames clínicos, radiológicos e prova de função respiratória, dentro dos procedimentos normais para a elaboração do diagnóstico, além da tomografia computadorizada para melhores esclarecimentos, quando necessário. As análises e interpretações desta tese de doutorado são um recorte desse universo de trabalhadores. A pesquisa em que baseio meus estudos envolveu 41 trabalhadores da referida fábrica. Dividiu-se em 23 mulheres e 18 homens durante o ano de 1998 e janeiro de 1999, correspondendo a 57% do sexo feminino e 43% do sexo masculino. Dos 41 trabalhadores entrevistados, 15 têm o diagnóstico de asbestose e 26 têm o diagnóstico normal. Dos 15 trabalhadores com diagnóstico de asbestose, 7 trabalhadores tem a concentração por tempo de serviço entre 9 a 15 anos. A maior concentração dos trabalhadores desta amostra se dá, no período de 11 a 19 anos de trabalho, tempo em que a maioria foi demitida. A média de permanência na atividade laborativa gira em torno de 15 anos. Este é o tempo em que os sintomas da doença começam a aparecer: cansaço, dificuldades respiratórias com conseqüente redução da produtividade. Os sintomas e o tempo de serviço são os sinais para a empresa, a partir dos quais os trabalhadores são demitidos (Castro, D’Acri, 1999). A empresa não presta informações completas sobre os danos causados pelo amianto, não fornece nenhum diagnóstico aos trabalhadores e nega-se a reconhecer o nexo causal da asbestose relacionada à atividade na indústria, mesmo após a comprovação do diagnóstico feito pelo CESTEH. De maio de 1999 a setembro de 2000, novos dados são acrescentados aos resultados obtidos pela pesquisa. A ocorrência de óbitos dos trabalhadores tornou-se uma realidade nova e concreta, com a qual ainda não tínhamos entrado em contato. 3 Cinco óbitos foram registrados entre os trabalhadores atendidos pelo CESTEH, cuja causa de morte, diagnosticada pelos hospitais da rede pública de saúde foram: 4 casos de asbestose e 1 câncer de pulmão. A construção do objeto da pesquisa será explicitada a seguir: Curie e Cellier (1987) afirmam que o discurso da ciência é provisoriamente verdadeiro, dizem com esta afirmação que o saber não contempla a verdade absoluta e eterna. O real não pode ser totalmente revelado, apenas desvendado pequenas facetas da realidade que se deseja conhecer. Afirmam que as teorias são mortais ainda que científicas, encontrando-se sempre em processo de mutação. Por esse motivo a ciência não pode ser considerada um reflexo do real, mas uma modelização desse real. Os autores partem do pressuposto de Bachelard de que o objeto da pesquisa nunca é dado, é construído. Não é a situação empírica que cria o objeto, mas a visão do pesquisador sobre ela. Para Bachelard não existe problema sem problematização, valorizando, portanto, as pré-noções, ao invés da observação ingênua ( Cellier, Currie, 1987). Afirmam também que o objeto é construído pelo método, pelas técnicas. A construção do objeto, a formulação das hipóteses, parte da modelização do pesquisador, através dos fatos observados, dos fatos inobserváveis e da elaboração das hipóteses, que serão confirmadas, refutadas ou reelaboradas no decorrer da pesquisa. Segundo Curie e Cellier a pesquisa consiste em explicar as relações entre os fenômenos, enfatizando três pontos como fundamentais para o desenvolvimento científico: a construção do objeto, a definição do paradigma científico e o desenvolvimento deste paradigma. Estes dois últimos pontos serão discutidos mais detalhadamente no capítulo 1 sobre as abordagens metodológicas da pesquisa. A construção do objeto exige três pontos: a definição da situação, a problematização e os métodos de pesquisa a serem utilizados. Na tentativa de definir nosso objeto de conhecimento passamos a descrever em primeiro lugar a situação que nos levou a desenvolver a pesquisa que denominamos Introdução, em seguida passamos à construção de seus outros dois elementos: a problematização com o conseqüente levantamento das hipóteses e a metodologia a ser adotada. A pesquisa tem como objeto de estudo, a análise da saúde dos trabalhadores, como consequência do processo produtivo de uma indústria têxtil de amianto no Rio de 4 Janeiro, privilegiando o estudo do significado do trabalho para os trabalhadores da fábrica em questão. A problematização é um sistema organizado por questões. No presente estudo, relacionamos as condições de trabalho, a manipulação da matéria prima, a exposição ao amianto, a carga física, o ritmo do trabalho, a história ocupacional desses trabalhadores como múltiplos fatores de adoecimento. Coloca-se também como questão a patogenicidade do amianto crisotila e o tempo de serviço dos trabalhadores, como indicadores de adoecimento, além de se constituírem como indicadores para o gerenciamento da empresa para demissão dos trabalhadores. Outra questão que se coloca é a importância do trabalho para a subjetividade dos trabalhadores. Não é este trabalho penoso, que gera o adoecimento, que é valorizado pelos trabalhadores, mas mesmo dentro desta realidade concreta, se encontram também os aspectos subjetivos e ontológicos da valorização dada pelos trabalhadores ao ato de trabalhar. Levantamos como hipóteses da pesquisa que o amianto e as condições de trabalho adoecem os trabalhadores, e que o significado de trabalho para eles está relacionado à sobrevivência econômica. - O Amianto e as condições de trabalho como fatores do adoecimento Apesar do discurso do empresariado de que a utilização do amianto tipo crisotila é inofensivo à saúde dos trabalhadores enquanto utilizado no limite de tolerância de 2,0fibras/cm3 de ar, o médico pneumologista da equipe do CESTEH comprova o diagnóstico de asbestose, apesar da utilização da crisotila, através da investigação clínica, consultas médicas, exames de RX, provas de função respiratória e tomografia computadorizada em alguns casos (Castro, 1999, Mogami et al., 2001). Da pesquisa de doutorado, entre os 41 trabalhadores entrevistados, 15 tem o diagnóstico de asbestose. Da comprovação médica do adoecimento, levantamos como hipótese que os trabalhadores adoecem pela manipulação e respiração da matéria prima utilizada no processo de produção, somado aos esforços exigidos pelas condições e organização do trabalho. Fato este confirmado através dos contatos, reuniões e entrevistas com os trabalhadores que não apenas a matéria prima é prejudicial a saúde dos trabalhadores, mas também as condições de trabalho e a sua organização. A intensa exposição dos trabalhadores às fibras, assim como a utilização de máquinas com um desenho 5 ergonômico inapropriado, o excesso de velocidade das mesmas, somado ao ruído e o calor, fazem com que os trabalhadores desenvolvam um esforço acentuado para a realização das atividades, intensificando a exposição ao amianto e sendo um fator adicional de adoecimento. A latência, termo utilizado em epidemiologia, (significa o tempo decorrido da exposição aos fatores patogênicos para o aparecimento dos primeiros sinais ou sintomas da doença), no caso específico do asbesto, é muito importante, pois o tempo de latência é muito extenso. Observamos através dos contatos com os trabalhadores que após um tempo médio de atividade laborativa, cerca de 10 a 15 anos, ocorria a demissão de um grande número de trabalhadores, colocando-os frente a uma nova situação, o desemprego com uma certa idade, e com vários problemas de saúde, principalmente dificuldades respiratórias. Na literatura médica e jurídica, para a manifestação das doenças relacionadas ao trabalho com o amianto, é necessário um tempo de 5 a 10 anos de a exposição à substância (Resende, 1998). Nossa hipótese é que a demissão de grupos de trabalhadores, com um tempo de serviço de 10 a 15 anos, está relacionada ao adoecimento dos trabalhadores, com as manifestações dos sintomas iniciais das doenças e com a redução da produtividade. Fazendo parte da estratégia gerencial da empresa em não arcar com as responsabilidades jurídicas, sanitárias e econômicas junto aos trabalhadores. Através de seu percurso de trabalho pretendemos verificar o quanto foram atingidos pela sua história ocupacional, no que concerne a relação trabalho, saúde como também a capacidade de continuar trabalhando. - O Significado do Trabalho Relacionado à Sobrevivência A partir da realidade vivenciada pelos trabalhadores levantamos a hipótese de que apenas a necessidade econômica, a necessidade da sobrevivência é que os levava a trabalhar, caso contrário não trabalhariam, e que o desenvolvimento do conteúdo deste trabalho, não lhes traz nenhum tipo de realização. Entretanto, observamos que ao falar de suas atividades, do seu trabalho real, os trabalhadores falam das soluções encontradas para melhorar sua atuação, e a necessidade do reconhecimento do seu trabalho. A partir desta constatação, faz-se necessário um aprofundamento da dimensão humana do trabalho. 6 A metodologia é o caminho que seguiremos para conhecer o real, ela permitirá comprovar ou refutar nossas hipóteses de trabalho. Os métodos são instrumentos ou técnicas que usamos no desvendamento do real; procuramos selecionar os mais adequados para a apreensão da realidade concreta de nosso objeto de estudo. Foram utilizados, além do questionário, ainda como instrumentos metodológicos: as reuniões com os trabalhadores, vídeos, seminários e posteriormente o desenvolvimento da Análise Coletiva do Trabalho. Na metodologia do trabalho, inicialmente utilizamos como instrumento de estudo, um questionário, elaborado pela pesquisadora através do levantamento de questões que respondessem nossas interrogações, nossas hipóteses de trabalho, e nos permitissem uma visão aprofundada da realidade. Vários pesquisadores do CESTEH, também contribuíram para elaboração do instrumento, apresentando questões que já vinham sendo debatidas pelos pesquisadores. Algumas interrogações sobre a situação social dos trabalhadores, a história ocupacional, a descrição das atividades de trabalho, as condições de trabalho, a descrição das dificuldades, os aspectos agradáveis do trabalho, as relações sociais e as condições de saúde foram focalizadas de forma privilegiada no questionário (anexo I). Fez parte também da metodologia a realização de reuniões com grupos de trabalhadores, onde se discutiu a relação trabalho e saúde. Inicialmente, foram realizadas reuniões com as trabalhadoras, uma vez que a fábrica caracterizava-se por ser uma indústria têxtil, onde o trabalho de fiação, em sua maioria era composto por trabalhadoras, posteriormente as reuniões e Análise Coletiva do Trabalho foram realizadas em conjunto com os trabalhadores. As reuniões permitiram o conhecimento sobre as atividades de trabalho, as condições em que era desenvolvido o trabalho; os sentimentos dos trabalhadores em relação ao seu trabalho, sua vida, sua doença e possibilitou ainda, uma reflexão sobre a relação trabalho e saúde. Organizamos com a equipe de pesquisadores o Seminário Nacional, onde se discutia o banimento, ou uso controlado do amianto, com a participação das Centrais Sindicais e dos trabalhadores. Organizou-se também o Seminário Internacional, com a cooperação da Universidade de Padova, Itália, cujo enfoque foi a utilização de fibras alternativas para substituição do amianto. A descrição da atividade de trabalho feita pelos trabalhadores, nas reuniões e questionários, nos possibilitou a compreensão das atividades desenvolvidas, 7 fornecendo-nos elementos que possibilitassem estabelecer a relação entre os esforços desenvolvidos e a saúde dos trabalhadores, assim como o ritmo de trabalho e a intensa exposição ao amianto a que estavam submetidos. Entretanto, o conhecimento de um método sistematizado de forma mais ordenada, elaborado por Leda Leal Ferreira, denominado Análise Coletiva do Trabalho, nos possibilitou uma aproximação maior da análise da atividade de trabalho. Com a Análise Coletiva do Trabalho e um novo olhar sobre os dados até então recolhidos junto aos trabalhadores, através de entrevistas, reuniões, seminários, vídeos, etc., constatamos a partir de uma primeira análise destes dados, a necessidade de complementar os métodos utilizados de forma que nos permitissem uma maior sistematização do estudo, assim como a utilizar paradigmas da análise do trabalho com proposta de transformação desta situação junto aos trabalhadores estudados, no que é possível, através de um projeto de educação e formação dos trabalhadores. Portanto, a complementação dos dados, através da Análise Coletiva do Trabalho; permitiu um estudo mais rigoroso do ponto de vista da análise da atividade. A análise do trabalho é o ponto fundamental, o início para a compreensão da realidade concreta que os trabalhadores vivenciaram, objetivando identificar as dificuldades a que estiveram submetidos, e estabelecer as relações entre os fenômenos e suas causas, assim como, analisar as conseqüências destes esforços para a saúde dos trabalhadores. Utilizamos a Análise Coletiva do Trabalho (ACT), metodologia mais adequada a situação apresentada, uma vez que os trabalhadores em estudo estão demitidos, a empresa não permite a entrada dos pesquisadores para análise em situação de outros trabalhadores com o mesmo tipo de atividade, como estabeleceu-se uma relação de conflito com a direção da empresa que se recusa a reconhecer a atividade ocupacional como causa de adoecimento dos trabalhadores. A Análise Coletiva do Trabalho, elaborada por Leda Leal Ferreira é, “um método de análise de trabalho, no qual os trabalhadores falam sobre sua própria atividade em situação de trabalho para outros trabalhadores e pesquisadores” (Ferreira, 1998:150). O objetivo é que todos os participantes compreendam qual é a atividade analisada. A autora para alcançar este objetivo enfatiza três questões: 8 A primeira questão: encontrar uma unidade de análise do trabalho, considerando tanto as especificidades dos trabalhadores, quanto as do processo produtivo. A análise da atividade foi a da escola francesa de ergonomia de Alain Wisner: análise da atividade real dos homens em situação de trabalho. A segunda questão diz respeito aos sentimentos provocados pelo trabalho: A autora se pergunta se o trabalho é fundamental na vida, ele deve provocar alegrias, dores, prazer e sofrimento. E se pergunta também como é a manifestação destes sentimentos? (Ferreira.1993). A terceira questão: a valorização pelos trabalhadores de sua atividade. Esta questão foi se revelando a medida que entrevistávamos os trabalhadores, percebíamos a importância dada ao seu atuar no trabalho, e nos perguntávamos como um trabalho tão penoso pode trazer satisfação. A leitura de Christophe Dejours foi nos revelando estes aspectos inerentes ao trabalho. Trabalha-se em grupos através de reuniões com os trabalhadores, que devem ser voluntários, e realizadas fora do local de trabalho. No caso em questão as reuniões foram realizadas no CESTEH/ENSP. São esses os aspectos nos quais se baseiam a Análise Coletiva do trabalho. A atividade em situação de trabalho é o fio condutor, que expõe tudo o que acontece no trabalho. Abordando-se três temas: (Ferreira, 1993) 1 - Num primeiro momento fala-se das coisas: A Atividade relacionada à Produção propriamente dita: objetivos (as tarefas); os meios de trabalho (produtos, instrumentos, dispositivos tecnológicos, ambientes e locais de trabalho); as regras de trabalho e seus resultados. 2 - Num segundo momento fala-se de pessoas: As atividades em suas relações com os outros, com a hierarquia, com os colegas. 3 - Num terceiro momento fala-se de si próprio: As relações que cada pessoa tem com sua atividade, que se refletem no próprio modo de realizá-la e nas conseqüências que esta atividade tem para cada um. O modo como a experiência ajuda a criar, a ter engenhosidade que facilita o trabalho; ou o modo como cada um encara as diversas dificuldades, ou as preferências individuais e os temas são tratados em níveis de descrição, explicação e julgamento. Quanto aos resultados, a análise coletiva do trabalho permite dois tipos de tratamento: caracterização geral da atividade de trabalho; caracterização bem 9 pormenorizada de determinados aspectos das atividades que normalmente são desconhecidos e passam desapercebidos por observadores internos. Tal metodologia permite analisar o conteúdo da atividade, os resultados dos trabalhos, as exigências da produção, as relações com as colegas e chefias, e o ambiente de trabalho. Desta forma, todo o material está impregnado de objetividade e subjetividade. O texto deve ser submetido aos trabalhadores para validação, tendo em vista duas finalidades, a correção de erros, e visando a ética, para que os trabalhadores tenham conhecimento do que está sendo produzido de suas falas e interpretações (Ferreira, 1993-1996). Ao tomarmos conhecimento desta metodologia já vínhamos desenvolvendo junto aos trabalhadores, através de entrevistas e reuniões, o estudo das condições de trabalho, mas a utilização da metodologia da Análise Coletiva do Trabalho nos ajudou a aprofundar a discussão de forma mais sistematizada, enriquecendo a informação e descrição dos trabalhadores. É importante ressaltar que alguns dos trabalhadores da indústria pesquisada já estão afastados do trabalho há cerca de dez anos e, portanto, possui alguma dificuldade na descrição detalhada e de toda as suas minúcias. O objetivo, no entanto, de fornecer os dados sobre como o trabalho era desenvolvido, os artifícios utilizados e a criatividade para a realização do trabalho real, atinge plenamente o objetivo de fornecer subsídios para correlacionarmos com a questão da saúde e estabelecer propostas, junto a ABREA (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) de modificação na atuação dos trabalhadores que ainda trabalham nas indústrias que utilizam o amianto no processo produtivo. É importante assinalar que a proposta de formação dos trabalhadores e o projeto de educação, que desenvolvemos com os trabalhadores e pesquisadores do CESTEH, desenvolve-se concomitantemente com esta tese de doutorado. A ABREA - Rio de Janeiro foi fundada em 11 de maio de 2001 na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), como consequência do trabalho de educação que vem sendo desenvolvido junto aos trabalhadores desde 1996. Presidida pelo deputado Carlos Minc, contou com a participação da ABREA- Osasco, primeira organização fundada no Brasil em defesa dos trabalhadores expostos, e a qual nos serviu de inspiração. Contou com a participação da Dra. Fernanda Giannasi, precursora do movimento pró-banimento do amianto no Brasil, a de Aparício Clemente, fundadores da 10 organização paulista, e a dos pesquisadores do CESTEH envolvidos com a pesquisa e os trabalhadores. Apresentamos a seguir a divisão dos capítulos, visando sistematizar as questões que consideramos relevantes para apreensão de nosso objeto de estudo a saúde e o significado do trabalho dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto com a intenção de responder nossas interrogações, esclarecendo pontos que nos permitissem elaborar as relações e inter-relações que constituem os diversos aspectos desta realidade complexa, permitindo, através das hipóteses levantadas e das análises realizadas, chegar a algumas conclusões. A introdução descreve como o problema nos foi colocado pela demanda de uma trabalhadora. Em seguida é apresentado o problema com seus diversos desdobramentos: a nocividade do amianto, o diagnóstico de saúde dos trabalhadores, o significado do trabalho, que nos possibilitou a construção do objeto a ser pesquisado e a elaboração das diversas hipóteses, favorecendo o encaminhamento do estudo a ser realizado. O capítulo I referente às Abordagens Metodológicas da Pesquisa focaliza a questão epistemológica, com a finalidade de possibilitar a compreensão do conhecimento, a reflexão sobre a ciência e a definição dos métodos que norteiam nossa pesquisa, como o método construtivista e o método do materialismo histórico dialético. Para o construtivismo a ciência se dá construtivamente, difere basicamente do positivismo, que vê o conhecimento da realidade como uma realidade que existe independente do observador que a descreve. No positivismo, corrente hegemônica da ciência contemporânea, o que constitui as ciências é o conhecimento da realidade independente do observador. Para o positivismo, a sociedade é regida por leis naturais, independentes da vontade e ações humanas, assim a sociedade pode ser estudada pelos mesmos métodos que se estudam as ciências da natureza, devendo limitar-se à observação e explicação causal, não existindo julgamento de valor ou ideologias, portanto livre de pré-noções ou preconceitos (Lowy, 1994). Para Bachelard, os problemas não se colocam por si mesmo... Para um espírito científico todo conhecimento é uma resposta a uma questão... tudo é construído. O conhecimento implica um sujeito que conhece e este conhecimento não tem sentido ou valor fora dele (Le Moigne, 1995:57). Na abordagem construtivista está implícito que o conhecimento resulta da interação íntima entre sujeito e objeto; que esta relação não é neutra, é interativa. No construtivismo o sujeito tem um papel relevante na construção 11 do objeto (Le Moigne, 1995). Esta premissa opõe-se ao positivismo, quando este afirma que a constituição das ciências independe do observador. O método histórico dialético, como opção teórico metodológica, tem como finalidade desvendar nosso objeto de estudo através de suas categorias fundamentais: a historicidade, a totalidade, a contradição e a mediação. No que se refere ao pensamento dialético, adotamos o conceito utilizado por Kosik: “o pensamento crítico que se propõe a compreender a “coisa em si”e sistematicamente se pergunta como é possível chegar à compreensão da realidade”. É o pensamento que procura desmistificar a aparência dos fenômenos para chegar à sua essência, o seu cerne, desvendando o mundo real, as leis do fenômeno, descobrindo seu movimento real interno, revelando, por trás da aparência, a essência (Kosik, 1989:15,16). Entendo que a realidade não se mostra imediatamente aos homens, não se revela por inteiro, é necessário um aprofundamento, um desvio, uma análise do real que se apresenta, primeiramente em sua forma fenomênica, isto é das aparências e, após esta análise, se conhece a sua essência. No capítulo 2, O Amianto e a Saúde, procuramos ter um conhecimento sobre o mineral amianto, através de suas características específicas, suas propriedades físicas e químicas, de alta resistência que o torna de grande interesse industrial e comercial. Paralelamente, sua patogenicidade traz grande morbidade e mortalidade aos trabalhadores, estabelecendo-se aí o debate sobre o uso controlado do amianto ou “uso seguro” da crisotila, que seria menos danosa à saúde, ou o banimento do amianto, que já ocorre em vários países da Europa, como a Itália, França, etc, tendo início a busca e utilização de materiais alternativos que pudessem substituí-lo. Mesmo este debate por materiais alternativos tem sido rejeitado pelo empresariado, argumentando a existência de interesses comerciais na substituição por outros produtos. No entanto, através de suas próprias publicações observamos que a empresa que estudamos já dispõe de tecnologias para substituir este mineral, uma vez que, para suas exportações, utiliza produtos sem amianto, já que vários países não aceitam produtos contendo amianto. No Brasil os poucos dados relativos à morbidade e à mortalidade dos trabalhadores, trazem atualmente uma modificação nessas informações através de estudos realizados em Osasco-SP e a partir da pesquisa desenvolvida no CESTEH, no Rio de Janeiro, principalmente pelo diagnóstico elaborado pelo Dr. Hermano Albuquerque de Castro, médico pneumologista e coordenador do CESTEH. 12 No capítulo 3, As Condições de Vida, Trabalho e Saúde dos Trabalhadores de uma Indústria Têxtil de Amianto no Rio de Janeiro, iniciamos com o histórico da fábrica e a descrição de seus produtos, buscando caracterizá-la a fim de se ter maior compreensão das atividades desenvolvidas. Este capítulo nos situa na realidade objetiva e complexa dos trabalhadores, através da descrição das atividades e dos relatos de sua vivência no trabalho, dos aspectos penosos e perigosos, através da descrição da análise da atividade. Em seguida, apresentamos o resultado da pesquisa que estudou as condições de vida, trabalho e saúde de 41 trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto no Rio de Janeiro, em sua maioria demitidos da fábrica há cerca de dez anos. Este capítulo é o centro de nossa investigação, pois é sobre seus resultados, que elaboramos nossas conclusões, apoiadas no estudo epidemiológico descritivo em que correlacionamos as condições de vida dos trabalhadores, sua história ocupacional, o tempo de serviço, as condições de trabalho, as atividades e os esforços desenvolvidos e o diagnóstico de saúde. Este estudo forneceu-nos os dados necessários para elaborarmos a análise fundamental para compreensão e refutação de nossas hipóteses de trabalho. A identificação de 15 casos de asbestose nos trabalhadores atendidos, 10 com história de trabalho na fiação, localiza a fiação como o posto de trabalho de maior exposição ao amianto. A fiação é o posto de trabalho que ocupa o maior número de mulheres; portanto a divisão sexual do trabalho vai significar um maior risco para as trabalhadoras. Constata-se também a alocação de homens, nos setores mais inseguros e perigosos como o PH (papelão hidráulico), com alta exposição ao amianto e outros produtos químicos. Escolhemos descrever as atividades na fiação, por ser o setor na fábrica de maior exposição ao amianto e onde a maioria dos trabalhadores desenvolveu as suas atividades. A ergonomia francesa ou contemporânea, tem na análise do trabalho e especificamente na análise da atividade um dos instrumentos mais ricos para descrição e análise do trabalho e atividades dos operários. A análise da atividade, através da descrição da atividade da Fiação, setor considerado como um dos mais poluídos da fábrica, das entrevistas, reuniões, e a análise coletiva do trabalho com os trabalhadores, nos possibilitou apreender a forma como o trabalho era desenvolvido, seu ritmo, suas dificuldades, os esforços necessários, a criatividade e os artifícios utilizados para resolver a execução das tarefas, entre o desenvolvimento do trabalho prescrito e o trabalho real. 13 A experiência operária de Simone Weil nos fornece elementos de profunda reflexão sobre a condição operária e a constatação dos mesmos problemas relacionados à velocidade, ritmo e cadência das máquinas, assim como da divisão sexual do trabalho. No capitulo 4 , O Significado do Trabalho para os Operários da Indústria Têxtil de Amianto no Rio de Janeiro, procuramos analisar a relação entre o sentido econômico do trabalho, seu sentido filosófico e ontológico, a alienação e sua superação. Os textos de Karl Marx, Ricardo Antunes, Roszak, Chistophe Dejours, Henrique Cláudio de Lima Vaz e Simone Weil nos possibilitaram compreender os pontos acima referidos, acrescentando a reflexão sobre a subjetividade, as relações afetivas, os espaços de criação, liberdade e a imprescindível relação entre pensamento e ação, como aspectos fundamentais para os trabalhadores, constituindo-se na base de construção de uma nova sociedade do trabalho. 14 1 – AS ABORDAGENS METODOLÓGICAS DA PESQUISA 1.1- Considerações Gerais A ciência é a busca permanente do conhecimento. Não existe um saber pronto, acabado, uma verdade absoluta e eterna, pelo contrário, o conhecimento está em constante transformação. O objeto de uma ciência está sempre sendo transformado, construído, com a inclusão de novos dados através de novos olhares para apreensão do real. O real é rico em suas relações e inter-relações. Na abordagem das ciências sociais destacamos algumas de suas características, que serão levadas em conta no tratamento de nosso objeto de estudo. O estudo do objeto é circunscrito a um determinado ponto, um determinado tempo e lugar, portanto a ciência caracteriza-se por ser primeiramente histórica, com suas determinações econômicas, sociais e políticas. No que diz respeito ao contexto histórico, este foi se constituindo através da denúncia da morbidade, do estudo epidemiológico, do debate nacional e internacional sobre o banimento ou uso controlado do amianto, que nos remete à questão política e econômica de manutenção de uma fibra patogênica, cancerígena, na produção industrial, que, embora já banida em alguns países, continua sendo permitida em outros e o conseqüente debate e busca de tecnologias alternativas para sua substituição, e a evolução da consciência dos trabalhadores, sua organização e movimento social. Além do aspecto histórico, acrescenta-se a consciência histórica. A história não é feita apenas por nossas intenções, vontades e ideologias, mas se dá em condições concretas, dadas. Outro aspecto importante é a relação sujeito-objeto, o reconhecimento da identidade entre sujeito e objeto, uma vez que, ao estudarmos a sociedade, estudamos a nós mesmos ou coisas que nos dizem respeito socialmente, portanto, é necessário ao pesquisador o controle do seu envolvimento com as questões estudadas. Na realidade, nas ciências sociais existe uma percepção mais qualitativa do que quantitativa dos dados apresentados pela realidade, uma vez que o estudo dos dados exatos não é o ponto principal das ciências sociais, o que significa um maior desafio na análise e em construções científicas mais cuidadosas. 15 Outro aspecto importante é o caráter ideológico. Nas ciências sociais, o objeto é intrinsicamente ideológico, a ideologia está em seu interior, enquanto que nas ciências naturais ela é extrínseca, depende do uso que se faz dela. “A ideologia é um fenômeno de justificação, de conteúdo predominantemente político, mais do que de argumentação”. No estudo da realidade social é necessário estar atento ao aspecto ideológico, uma vez que não é possível eliminá-lo, deve-se controlá-lo criticamente (Demo, 1985:17). A abordagem científica que adotamos pressupõe a integração dos dois métodos do conhecimento: o construtivismo e o método histórico dialético. Do construtivismo entendemos a elaboração das hipóteses como construção da pesquisadora em contato com a realidade e em constante interrogação e suposição das possibilidades que a criariam. Assim, a compreensão da realidade objetiva, através das análises dos dados e suas interrelações e conexões, é feita de forma dinâmica e dialética e revela a causa da situação da saúde dos trabalhadores, relacionada com suas condições de trabalho. A situação histórica se dá através da composição política e econômica de manutenção da fibra de amianto na produção, com o interesse econômico de determinados grupos e o debate internacional que já levou vários países a banirem o uso do amianto. Assim, passamos a descrever os dois métodos que utilizamos para a apreensão da realidade, a fim de compreendermos o processo de construção e análise de nosso objeto de estudo: como as questões foram sendo colocadas e construídas ao longo da análise e suas interpretações. Objetivando a compreensão do nosso método de pesquisa, procuramos compreender a epistemologia, ou seja, o estudo do conhecimento. Ao definir, na introdução da enciclopédia “La Plêiade,”em 1967, a epistemologia como o estudo dos conhecimentos válidos, Jean Piaget aborda as três grandes questões que atingem a construção e a legitimidade do conhecimento: O que é o conhecimento? Como ele é constituído? E como apreciar seu valor e sua validade? Essas interrogações, o quê, como e por quê, abrangem as três questões fundadoras do conhecimento: a questão gnosiológica, o método e a questão ética (Le Moigne,1995). Para Auguste Comte (1798-1857) fundador do positivismo, “a palavra positiva designa o real”. Esta corrente de pensamento é conhecida como cartesianismo positivo. As reações públicas antipositivistas, ao final do sec. XX, de filósofos, cientistas e 16 políticos, colocam em evidência, as opções ideológicas subjacentes ao positivismo (Le Moigne, 1995:7). Le Moigne afirma que, apesar da crítica ao positivismo, seus críticos tornam pública a hostilidade ao positivismo limitado, e não expõem na íntegra o novo contrato social relativo ao estatuto do conhecimento que eles propõem como alternativa a seus pares e aos cidadãos (Le Moigne,1995). A síntese das principais características do positivismo, a epistemologia institucional contemporânea, em contraposição às principais características do método construtivista, demarca as diferenças entre as duas correntes de pensamento possibilitando, assim, uma maior compreensão de suas metodologias. 1.2 - O Positivismo Para Le Moigne, o contrato social implícito às epistemologias positivistas e realistas dizem respeito à legitimação dos conhecimentos transmissíveis. Seus critérios são os da “verdade objetiva”, portanto devem se expressar na verdade e “explicar” universalmente na razão as percepções que os seres humanos tem da verdade. A observação, e a experimentação dessa realidade permitem certificar-se para verificação empírica e dedutiva a verdade dos conhecimentos formulados tendo como referência as hipóteses fundadoras e os princípios metodológicos relativos ao positivismo. Le Moigne (1995) ressalta a capacidade integradora do positivismo, que responde ao mesmo tempo às três questões fundadoras do conhecimento: do quê, do como e do por quê? A partir de 1828, com Auguste Comte, se institucionaliza nas academias o quadro sinótico das disciplinas científicas. O modelo de Comte, hierarquiza as disciplinas científicas em seis grupos, ordenando-as em nível decrescente de cientificidade positiva, da matemática à física social ou sociologia. Compreendendo as hipóteses fundadoras como axiomas ou preceitos, que são utilizados como referência a um corpo de disciplinas, Le Moigne cita as hipóteses fundadoras do estatuto e dos métodos do conhecimento positivo. São elas: a) A hipótese ontológica - é considerada como “a realidade essencial da realidade existencial” (Le Moigne, 1995:18). Para os positivistas o que constitui a 17 ciência é o conhecimento da realidade, uma realidade que existe, independentemente, dos observadores que a descrevem. O universo, a natureza, a vida, tudo o que podemos conhecer, ou tentar conhecer é potencialmente cognoscível ou descritível e, estes conhecimentos nos dizem pouco a pouco, a essência, a substância e a permanência das coisas, além da diversidade eventual de suas aparências e de seu comportamento. b) A hipótese determinista – afirma o mesmo autor que existe alguma forma de determinação interna própria à realidade cognoscível. Determinação esta, que é suscetível de ser conhecida. Para Le Moigne, “em sua forma mais familiar, o determinismo é um causalismo. Longas cadeias de razão. Todas simples e fáceis,” escreve. Descartes no Discurso do Método, assegura que cada efeito da realidade tem uma causa, causa esta que pode ser identificada (Le Moigne, 1995:21). A hipótese causalista é um estímulo fecundo ao desenvolvimento do conhecimento científico. Esta hipótese, pode ser considerada como condição sine quae non da ciência: a pesquisa das leis causais que governam a realidade. A complexidade da hipótese causalista foi recuperada com a evolução da pesquisa científica, uma vez que, era muito simples para dar conta da multiplicidade das manifestações da realidade (Le Moigne,1995). O autor aponta ainda, os princípios da metodologia do conhecimento positivista: o princípio da modelização analítica, e o princípio da razão suficiente. Para explicar o princípio da modelização analítica, enfatiza-se o aspecto da análise. Os epistemologistas positivistas têm como primeiro princípio, o da divisão, ou da decomposição. Visa estabelecer os conhecimentos de uma realidade (Le Moigne,1995). Para explicar o princípio da razão suficiente, refere-se ao princípio que garante a existência de um real possível de ser “explicado“ pela razão. Para Leibniz, o princípio da razão suficiente revela que “a nada se chega sem que haja uma causa ou uma razão determinante…” (Le Moigne,1995:29). 18 1.3 - O Construtivismo Jean Piaget institui o paradigma das epistemologias construtivistas em 1967, na conclusão da enciclopédia La Plêiade; no capítulo intitulado: Lógica e conhecimento científico. Para Le Moigne, a riqueza de sua linhagem, assim como, as hipóteses que elas propõem, sobre o estatuto e os métodos do conhecimento, não podem ser ignorados pelo pensamento humano. Piaget, restaura o termo do matemático holandês, L.J.Brouwer, que buscou a fundamentação do conhecimento na matemática “a existência foi compreendida, construtivamente; um objeto existe se a gente é capaz de o construir, de exibir um exemplar ou de o calcular” (Le Moigne, 1995:40). Situando a reflexão epistemológica no século XX, Le Moigne cita Bachelard, 1884-1962) que com a publicação, em 1934 de O Novo Espírito Científico, introduz uma reflexão original sobre as funções epistemológicas do idealismo construtivo. Onde, no último capítulo, intitulado “Uma epistemologia não-cartesiana”, contesta o primado reducionista do conhecimento, tornando-se um dos primeiros anunciadores da morte de um cartesianismo-positivista. “Todo o conceito acaba por perder sua utilidade, sua própria significação, quando nos afastamos cada vez mais das condições experimentais em que ele foi formulado”…“todo pensamento científico será sempre um discurso de circunstância, não descreverá uma constituição definitiva do espírito científico” (Bachelard,1985:121). Enfatiza, o aspecto dialético da construção do conhecimento: “quando se desejar medir o valor epistemológico de uma ideia fundamental, será sempre do lado da indução e da síntese, que será preciso voltar-se. Ver-se-á então, a importância do movimento dialético, que faz encontrar variações sobre o idêntico e que esclarece verdadeiramente o pensamento primeiro completando-o” (Bachelard, 1986:128). Consideramos uma grande contribuição para o entendimento da epistemologia construtivista a reflexão que Bachelard desenvolve em relação às idéias simples e completas: “Na realidade, não há fenômenos simples; o fenômeno é um tecido de relações. Não há natureza simples, nem substância simples; a substância é uma 19 contextura de atributos. Não há idéias simples, porque uma idéia simples, como muito bem viu Dupréel, deve estar inserida, para ser compreendida, num sistema complexo de pensamentos e de experiências. A aplicação é complicação. As idéias simples são hipóteses de trabalho, conceitos de trabalho que deverão ser revistos para receber seu justo papel epistemológico. As idéias simples não são a base definitiva do conhecimento; aparecerão, por conseguinte, com um outro aspecto quando forem dispostas numa perspectiva de simplificação a partir da ideias completas” (Bachelard, 1985:130). Le Moigne, ao referir-se a Bachelard, aponta também como uma de suas contribuições fundamentais, a constatação de que nada nos é dado. Tudo é construído. Continuando, afirma: “os problemas não se colocam eles mesmos. É precisamente este sentido do problema que dá a marca do verdadeiro espírito científico. Para um espírito científico, todo conhecimento é uma resposta a uma questão…Nada vai por si. Nada é dado. Tudo é construído” (Le Moigne,1995:56,57). A base principal da hipótese fundadora da epistemologia construtivista, é a do “primado absoluto do sujeito cognoscente, capaz de atribuir algum valor ao conhecimento que ele constitui: o conhecimento implica um sujeito cognoscente e não há sentido ou valor fora dele” (Le Moigne,1995:67). Para Le Moigne, “o conhecimento que ele pode construir do real, é aquele de sua própria experiência do real, …este seu conhecer é o seu cognoscente, rico às vezes, de conhecimentos que ele criou, e de sua capacidade de construir e de reconstruir. O conhecimento da experiência pelo sujeito que cogita, é cognoscível se ele atribui qualquer valor próprio. Um valor que não pode ser considerado, independente do sujeito, que conhece (cognoscente). (…) O conhecimento reconhecido pela experiência do sujeito que cogita, deve ser acessível pela mediação artificial das representações construídas por ele, com a ajuda de sistemas de símbolos. O sujeito cognoscente, não representa as coisas, mas as operações (ou as interações) e o conhecimento que ele construiu , para as representações, elas próprias operatórias ou ativas” (Le Moigne, 1995:67,69). Com o objetivo de definir a gnoseologia dos conhecimentos construtivos, Le Moigne aponta a hipótese fenomenológica e a hipótese teleológica para construção do conhecimento. 20 A fim de compreendermos a hipótese fenomenológica, é importante citar a frase de Jean Piaget, o psicólogo do desenvolvimento cognitivo em sua obra A construção do Real com criança: “A inteligência (e, portanto a ação de conhecer), inicia-se não pelo conhecimento do eu. Nem para as coisas, tais, mas pelas suas interações; e se orientam simultaneamente, em direção a dois pólos dessa interação: que ela organiza o mundo, organizando-se ela própria” (Le Moigne, 1995:71). Para Le Moigne, Piaget, percebe a inseparabilidade entre o ato de conhecer um “objeto” e o ato de se conhecer que exerce o sujeito cognoscente. Nesta forma de perceber o conhecimento, a hipótese fenomenológica, o real cognoscível é aquele que o sujeito experimenta. “Podemos, desde então, separar o conhecimento da inteligência ou da cognição que a produz, e precisamos entender o conhecimento como processo de sua forma, como resultado deste processo de formação. Ele não é um resultado estático, ele é um processo ativo, produzindo este resultado, operador tanto quanto operando. Ele exprime a inteligência da experiência, do sujeito cognoscente e é esta interação, entre o sujeito e o objeto que ele representa. O sujeito não conhece as “coisas em si”, (hipótese ontológica) mas conhece o ato, pelo qual ele percebe a interação entre as coisas” (Le Moigne, 1995:71). A fim de facilitar o entendimento da hipótese fenomenológica, o autor diz: “o real cognoscível é um real em atividade, que experimenta o sujeito. E este sujeito, constrói pelas suas representações simbólicas (esquemas, letras, taxas, fonemas), este conhecimento de sua experiência do real. Nada é dado, tudo é construído” (Le Moigne, 1995:72). Por outro lado, a hipótese teleológica leva em conta a intencionalidade ou a finalidade do sujeito cognoscente, segundo Le Moigne, enfatisando o caráter endógeno do processo cognitivo. 1.4 - O Método Histórico Dialético A fim de compreendermos o método histórico dialético é importante esclarecer o que significa a dialética. No sentido moderno a dialética considera a realidade como contraditória, e em constante transformação. Difere do sentido tradicional da Grécia 21 Antiga, onde a dialética caracterizava-se por ser a arte do diálogo, e posteriormente, a arte de no diálogo, demonstrar uma tese, através de uma argumentação capaz de definir os conceitos. Nesta concepção moderna, o pré-socrático Heráclito (540 - 480 a C.) é o filósofo principal. Nega qualquer estabilidade no ser. Para ele, tudo está em constante mudança, “o conflito é o pai e o rei de todas as coisas”. Esta visão do mundo, de movimento e mudança, era difícil de se aceitar. A visão de Parmênides que dizia, que a essência do ser era imutável, e que o movimento e a mudança eram um fenômeno de superfície, linha de pensamento chamada metafísica prevaleceu sobre a dialética de Heráclito. A concepção hegemônica da metafísica relacionava-se a uma determinada visão de mundo em que os interesses dominantes deveriam ser considerados como permanentes e fixos (Konder, 1987:8,9). A concepção dialética foi reprimida historicamente, mas não desapareceu. Devese em grande parte a Aristóteles (383-322 a. C.), um dos maiores filósofos da humanidade, a sua continuidade. Com o conceito de Ato e Potência, afirma que todas as coisas possuem determinadas potencialidades e estão se transformando em realidades efetivas. Enfatiza a questão do movimento e da mudança. No mundo feudal, a metafísica prevaleceu. No entanto, o Renascimento, influenciado pelas mudanças no mundo, como a revolução comercial ocorrida no séc.XVI, traz uma transformação nos hábitos mentais da Idade Média, com o auxilio das artes e determinadas descobertas científicas, como a terra que gira em torno do sol, passando a haver uma contestação ao poder teológico e clerical da Igreja. Com o Renascimento, a dialética ocupa um outra posição, deixa de ser um concepção oculta (Konder, 1987) . No final do séc XVIII e início do séc. XIX, anteriormente à Revolução Francesa, os conflitos políticos, eclodiam nas ruas, permitindo aos filósofos uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais. No plano das idéias, o movimento de preparação à Revolução Francesa foi o Iluminismo. Os filósofos acompanhavam as reivindicações da população, as articulações da burocracia as manifestações políticas e perceberam que o mundo feudal deveria desaparecer, que o mundo novo que estava surgindo deveria ser um mundo racional (Konder, 1987). A passagem de um mundo teológico para um mundo racional estava relacionado aos grandes conflitos sociais e políticos, ao movimento social, ao acompanhamento do pensamento à dinâmica social. Kant, filósofo, alemão, acompanhando tal movimento, 22 percebeu que a consciência humana não se limita a registrar passivamente, impressões provenientes do mundo exterior. Ela é sempre a consciência de um ser que interfere ativamente na realidade, e observou que isso complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano. Sua preocupação era a reflexão sobre o conhecimento. Era descobrir a Razão, a Razão pura antes de ser verificada na realidade (Konder, 1987). Hegel (1770-1831), outro filósofo alemão dirá que a própria idéia da Razão pressupõe uma concepção do ser, que antes da razão existe o sujeito (Konder, 1987). O conceito de Razão para Hegel está no centro de sua filosofia. Para ele, o pensamento filosófico baseia-se essencialmente, na Razão, a história trata da Razão, o Estado é a realização da Razão (Marcuse, 1969). A razão só pode governar a realidade, se a realidade se tornar racional e esta racionalidade se dá pela irrupção do sujeito. Para Hegel o ser é, na sua substância, um sujeito. A idéia de substância como sujeito vê a realidade como um processo em que todo ser é a unificação de forças contraditórias. Significando sujeito, não apenas o eu epistemológico mas, um modo de existência de uma unidade que se autodesenvolve em um processo contraditório. Apenas o homem tem a capacidade de se autodesenvolver, encontra-se no processo do vir a ser, ter entendimento do que é potencialidades e conceitos. Para Hegel, o mais importante conceito da razão é a liberdade. A razão pressupõe a liberdade, o poder de agir, de acordo com o conceito de verdade, o poder de ajustar a realidade às potencialidades. O método dialético de Hegel tem, no espírito da contradição, seu ponto central. A razão, conceito trabalhado por Hegel, é crítico e se opõe a toda forma de dominação na existência dos seres humano, o conceito de Razão é fundamental no sistema hegeliano e pressupõe a liberdade, o poder de agir de acordo com o conhecimento da realidade, o poder de ajustar a realidade às potencialidades do sujeito. Hegel relaciona o seu conceito de razão à Revolução Francesa. Entusiasmados com a idéia da Revolução Francesa, os filósofos alemães, através do idealismo alemão, escrevem sua filosofia baseados nos acontecimentos da época, prevendo que tanto a organização do Estado como das instituições, deveriam ter como fundamento a liberdade e os interesses dos indivíduos. Com a Revolução Francesa, os homens se tornariam sujeitos autônomos de seu desenvolvimento, independentes das forças externas. A organização social deveria ser aseada no conhecimento. “O mundo deveria tornar-se uma ordem da razão...” 23 “A razão desemboca na liberdade, a liberdade é a existência do sujeito. A própria razão, por outro lado, só existe através de sua realização, só existe se realizado o processo do seu ser.” (Marcuse, 1969:16,20,21). Para Hegel a razão aparece na história do homem para compreender o existente, é essencialmente uma força histórica. E sua realização se dá num espaço temporal, é a história total da humanidade. No sistema hegeliano, a realidade muda de sentido, na medida, em que existe um distanciamento entre o real e o potencial. O real deve ser trabalhado e modificado até se adaptar à razão. Se a realidade não estiver modelada pela razão, não será ainda realidade. No sistema hegeliano, o real não significa tudo o que existe atualmente, mas o que existe, existe de acordo com os padrões da razão. Marcuse exemplifica esta situação, referindo-se ao Estado, na forma hegeliana; considera que ele se torna uma realidade, quando corresponde às potencialidades reais dos homens e permite seu pleno desenvolvimento. Portanto qualquer forma que o Estado assuma que não contemple este objetivo, isto é, não seja racionalizável, ainda não é, por isso real. Hegel concorda com Kant, no reconhecimento de que o sujeito humano é essencialmente ativo, e está sempre interferindo na realidade. No entanto, com o desenvolvimento da fase terrorista da Revolução Francesa, “Hegel descobriu com amargura, que o homem transforma ativamente a realidade, mas quem impõe o ritmo e as condições desta transformação ao sujeito é em última análise, a realidade objetiva” (Konder, 1987:23). Frente à esta constatação, o método radical de Hegel, base do idealismo alemão, foi sendo lentamente abandonado, e se acomodando à forma social dominante (Marcuse,1969). Buscando de forma concreta as possibilidades do sujeito humano, após refletir sobre a Revolução Francesa e a Revolução industrial, Hegel conclui que o trabalho é a base do desenvolvimento humano. “É no trabalho que o homem se produz a si mesmo; e o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas da atividade criadora do sujeito humano. No trabalho se acha tanto a resistência do objeto, (que nunca pode ser ignorada) como o poder do sujeito, a capacidade que o sujeito tem de encaminhar, com habilidade e persistência, uma superação dessa resistência” (Konder, 1987:23,24). 24 Se não fosse o trabalho, não existiria a relação sujeito-objeto. Para Konder, o trabalho é o conceito chave para a compreensão da superação dialética. Esta superação ocorre, através da negação, conservação e elevação de uma determinada realidade. Simultaneamente, se dá a negação de uma determinada realidade, a conservação de algo essencial que existe nesta realidade negada e a elevação dela a um nível superior. No trabalho, a matéria prima é negada, isto é destruída, mas ao mesmo tempo é conservada, isto é, aproveitada e assume uma forma nova, modificada, correspondente aos objetivos humanos, isto é, elevada em seu valor. A fundamentação teórica de Marx, se deve em grande parte ao sistema hegeliano com algumas diferenças fundamentais. A crítica que se faz a Hegel, diz respeito ao fato dele ser idealista. Hegel subordinava os momentos da realidade material à lógica de um princípio que ele chamava de Idéia Absoluta. O materialismo de Marx vem se contrapor ao idealismo de Hegel. O materialismo histórico é a grande contribuição de Marx no entendimento do real em oposição ao idealismo, pensamento de Hegel que enfatiza a Idéia Absoluta, o Espírito, que pensa a realidade. Diferenciando-se de Hegel, que afirma que as idéias determinam a existência social, Marx, conclui que o pensamento é resultado das próprias condições materiais da existência, “o mundo material - que é externo ao próprio pensamento e que é, em certo sentido, mais fundamental que ele.” Este é o sentido que Marx quer imprimir quando diz que o ser social é que determina a consciência, ou seja aquilo que dizemos ou pensamos é influenciado pelo que fazemos por nossa prática social e histórica. Paralelamente, o ser social, que dá origem ao pensamento, é ao mesmo tempo envolvido pelo pensamento, portanto, há uma reciprocidade de correlações e influências (Eagleton, 1999:14). Karl Marx, (1818-1883) pensador alemão, superou dialeticamente as concepções de seu mestre. Sua experiência e solidariedade junto ao movimento dos trabalhadores possibilitou uma visão ampla e diferente de Hegel, no que concerne à questão do trabalho. Concordando que o trabalho é fator de desenvolvimento humano, critica entretanto, a posição unilateral de Hegel, que vê o trabalho apenas de forma intelectual, o trabalho abstrato do espírito. Esta concepção abstrata do trabalho levava Hegel a fixar sua atenção apenas na criatividade do trabalho, ignorando os aspectos negativos na sua materialização, tanto do ponto de vista social como político. Por isso, Hegel não conseguiu perceber a alienação resultante do trabalho, que ocorre na sociedade capitalista, sociedade dividida em classes. 25 Marx reconhece que o homem através do trabalho domina as forças naturais, humaniza a natureza e cria-se a si mesmo, conforme o pensamento hegeliano. Reconhece, por outro lado que o trabalho causa ao homem muito sofrimento e dor, chegando a tornar-se opressão para o homem em vez de força de criação. Identifica como causa dessa opressão a divisão social do trabalho, a apropriação privada dos meios de produção e o surgimento das classes sociais. Para ele, a divisão do trabalho e propriedade privada são a mesma coisa, e as condições criadas pela divisão do trabalho introduziram um estranhamento entre o trabalhador e o trabalho. Antes mesmo do trabalho se realizar ele pertence a outro, por isso em vez de se realizar no trabalho o homem nele se aliena. Tudo vira mercadoria, também os trabalhadores, ao venderem sua força de trabalho. Pela primeira vez na história da humanidade, identifica uma classe, o proletariado, como portador de um novo projeto social, como os ideais igualitários, socialistas e comunistas propondo a socialização do trabalho e a centralização de seus recursos materiais. O método dialético de compreensão da realidade, tem como base, a distinção entre o mundo das aparências, em que a realidade aparece, sob sua forma fenomênica; e a realidade em sua essência. O mundo dos fenômenos caracteriza-se por ser pouco claro, confuso, um todo caótico que não revela o real. A realidade não se mostra imediatamente aos homens, é necessário um esforço, um desvio. Para Kosik, o fenômeno aponta a essência, mas ao mesmo tempo a esconde. A essência não se dá imediatamente, ela se manifesta no fenômeno, é mediata ao fenômeno (Kosik, 1989). Assim, a ciência e a filosofia são necessárias para desvendar o real. Para a ciência é necessário a decomposição do todo para comprende-lo, “é necessário partir do concreto para atingir o abstrato e uma vez estabelecido os conceitos, regressar ao concreto para enriquecer com toda a complexidade de suas determinações” (Marx, 1983:10,11). 1.5 - O Método de Marx Ao falar sobre seu método no pósfacio de O Capital, Marx distingue o método da exposição do método da pesquisa. Para ele, a investigação deve conhecer a matéria 26 que estuda em seus pormenores, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e investigar a conexão íntima entre elas. Ressalta que a diferença entre seu método dialético e o método de Hegel, está no fato de que para Hegel, o pensamento, que ele chama de Idéia, é o criador do real, sendo este apenas uma manifestação do pensamento. Para Marx, ocorre o contrário, o ideal é o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado (Marx, 1980). No prefácio da Contribuição à Critica da Economia Política, Marx afirma que “na produção social de sua existência os homens estabelecem relações sociais determinadas...O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, é o seu ser social que inversamente determina sua consciência” (Marx, 1983:24). Mesmo com esta divergência, Marx considera que Hegel foi o primeiro a identificar o movimento da realidade de maneira ampla e consciente (Marx, 1980). Ao expor o seu método científico, na Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx diz que o melhor é começar “pelo real e pelo concreto”, exemplifica com o estudo do conceito de população de um determinado país sob o ponto de vista econômico, com este fim, afirma ser necessário estudar as partes que a compõem, as classes, o trabalho assalariado, a noção de valor; caso contrário o conceito de população sem esses atributos que o caracteriza, seria uma abstração, e apresentaria uma visão caótica do todo. Explicando seu método, afirma que: “através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez simples, do conceito figurado, passaríamos a abstrações cada vez mais delicadas até atingirmos às determinações mais simples. Partindo daí, seria necessário caminhar em sentido contrário, até se chegar de novo à população, que não seria desta vez a representação caótica de um todo, mas uma rica totalidade de determinações e relações numerosas. O concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo unidade da diversidade. E por isso que ele é para o pensamento, um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida” (Marx, 1983:218). 27 1.5.1- A Totalidade Para a dialética Marxista, o conhecimento é totalizante. A totalidade é a visão de conjunto, de uma dada realidade, que é sempre provisória, pois é impossível esgotá-la. Reconhecendo que a realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que temos dela, Marx vê a necessidade de uma síntese. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade. É essa estrutura significativa que a visão de conjunto proporciona que é chamada de totalidade (Konder, 1987). Entendemos a Totalidade como um dos instrumentos de análise, que nos permite ver a realidade como um todo estruturado, que por suas leis íntimas e conexões internas, torna a realidade passível de ser racionalmente compreendida. Portanto, a totalidade não significa conhecer todos os aspectos da realidade, mais um quadro total desta realidade. É uma realidade que possui concreticidade, que possui sua própria estrutura, que se desenvolve e se cria (Kosik, 1989). 1.5.2 - A Contradição e a Mediação Na teoria dialética, as sínteses encerram contradições e mediações. Para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada, o pensamento dialético, deve, identificar gradualmente e com esforço, as contradições concretas e as mediações específicas. A categoria contradição é a base da metodologia dialética. A contradição é o próprio motor interno do desenvolvimento, reflete o movimento mais originário do real. A racionalidade do real se acha no movimento contraditório dos fenômenos, pelos quais esses são provisórios e superáveis (Cury, 1987:27). “A contradição é reconhecida pela dialética, como princípio básico do movimento pelo qual os seres existem....” (Konder, 1987:49). A mediação se contrapõe à dimensão imediata, dos objetos, esta a que percebemos imediatamente, e a dimensão mediata é que se vai descobrindo, construindo, reconstruindo aos poucos. “A categoria da mediação expressa as relações concretas e vincula mútua e delicadamente momentos diferentes de um todo (...) em todo esse conjunto de fenômenos se trava uma teia de relações contraditórias, que se imbricam mutuamente” (Cury, 1987:43). 28 “A categoria da mediação se justifica a partir do momento em que o real não é visto numa divisibilidade de processos, em que cada elemento guarda em si mesmo, o dinamismo de sua existência, mas numa reciprocidade em que os contrários se relacionam de modo dialético e contraditório. A interação entre os processos permite situar o homem como operador sobre a natureza e criador de idéias que representam a própria natureza” (Cury, 1987:27). 29 2 - O AMIANTO E A SAÚDE O amianto ou asbesto é uma fibra mineral, composta por diversos minerais, como silicatos de magnésio, ferro, cálcio e sódio. Classifica-se em dois grupos: as serpentinas e os anfibólios. As serpentinas ou crisotila é também chamada de amianto branco. Os anfibólios compreendem uma grande variedade de tipos de fibras: a amosita, (amianto marrom), a crocidolita (amianto azul), a antofilita, a actnolita e a tremolita (Castro e Lemle, 1995; Mendes, 2001). Atualmente a quase totalidade da produção mundial é de crisotila uma vez que os anfibólios, devido a sua comprovada nocividade à saúde humana foram proibidos em quase todo mundo. O valor comercial do amianto está relacionado às suas propriedades físicas: é incombustível, isolante de calor em temperaturas moderadas, tem alta resistência mecânica e baixa condutibilidade elétrica, alta resistência à substâncias químicas agressivas, capacidade de filtrar os microorganismos e outras substâncias nocivas, alta durabilidade e baixo custo para sua extração, pois são encontrados em rochas a céu aberto (Castro e Gomes, 1998). Tais características tornam o amianto de grande utilização industrial e comercial. No Brasil, o amianto tem sido empregado em muitos produtos, principalmente na indústria de fibrocimento como: as caixas d’água, e telhas de amianto, tubos de água e vasos: na indústria têxtil de amianto, tecidos em geral, para confecção de luvas industriais, roupas para bombeiros e gaxetas; na produção de papéis, tais como papéis isolantes, papelão hidráulico, papelão industrial, filtros; na indústria automobilística, pastilhas e lonas de freios para automóveis, materiais de fricção, sapatas de trens, juntas de vedação, na produção de pisos vinílicos e outros produtos (Giannasi, Scavone e Mony, 1999) (Castro, et al, 2001). A complexidade do amianto leva-nos a tratá-lo em seus diversos aspectos: econômicos, políticos e sociais. Neste último, com ênfase nos efeitos nocivos à saúde dos trabalhadores em particular, e nas conseqüências do adoecimento, afetando sua saúde e produzindo o desemprego como resultante desta situação. Tais efeitos nocivos à saúde dos trabalhadores se dão tanto na exposição direta, através do processo produtivo, quanto na indireta, na utilização dos produtos e na contaminação do meio ambiente.Esta 30 abordagem requer uma compreensão mínima de suas propriedades físicas e químicas, que coloca o amianto no centro de uma polêmica política, econômica e de saúde, com pressões nacionais e internacionais para manutenção da fibra no processo produtivo, com os conseqüentes desdobramentos que abordaremos adiante. A palavra amianto e a palavra asbesto são denominações dadas a um mineral natural. Em grego asbesto significa “o que não é destrutível pelo fogo”. A palavra amianto é de origem latina (amianthus) e significa incorruptível. São essas propriedades e outras que fazem do amianto um mineral de grande interesse econômico e comercial. Acredita-se que o amianto foi formado na pré-história, em uma fase secundária da formação da crosta terrestre, onde rochas de silício foram alteradas pela pressão e calor na sua composição física e química. Existindo dois tipos de rochas de amianto: os anfibólios e as serpentinas. 2.1 - Os Anfibólios e as Serpentinas: Estes grupos apresentam composição química e cristalográficas diversas, suas fibras têm uso e classificações comerciais que variam muito de um mineral para outro. Esta diferença é o centro da polêmica sobre os efeitos para a saúde, com argumentos sobre a menor ou maior nocividade para a saúde e da posição sustentada pelo empresariado pela manutenção do uso “controlado,”ou “uso seguro do amianto”, em vez de seu banimento, que é acompanhado de grande interesse político e econômico. Os anfibólios são fibras duras, retas e pontiagudas e se apresentam em cinco variedades principais: amosita (amianto marrom), crocidolita (amianto azul); antofilita, tremolita e actimolita (Mendes, 2001). As serpentinas têm como principal variedade a crisotila ou amianto branco. A crisotila apresenta-se na forma de fibras flexíveis, finas e sedosas, com comprimento que varia de 1 até 40 milímetros. É resistente ao calor e fácil de ser tecida. Com um 1 kilograma de fibra pode-se produzir até 20 mil metros de fio (Mendes, 2001). A patogenicidade da fibra leva ao adoecimento dos trabalhadores e da população exposta, levando à altas taxas de morbidade e mortalidade. O amianto é fibrogênico e carcinogênico, comprovado por diversos estudos em vários países. As patologias causadas pelo amianto são: a asbestose pulmonar (doença crônica que causa a fibrose no pulmão), câncer de pulmão e outros, os mesoteliomas: câncer de pleura e peritônio (membrana que envolve o pulmão e abdômen respectivamente), 31 doenças pleurais benignas, como placas pleurais e limitação crônica do fluxo aéreo (Castro e Gomes, 1998) Os estudos na área da epidemiologia revelaram a morbidade e a mortalidade causadas pelo amianto e geraram reações em diversos países levando a adoção de medidas proibitivas ao amianto tipo anfibólio, considerado um dos mais patogênicos, e a restrição ao uso do amianto tipo crisotila considerado menos patogênico. No entanto, o argumento da menor patogenicidade da crisotila, é discutível, uma vez que ela gera também doenças e mortes para os trabalhadores, conforme diversos estudos realizados ao longo dos anos e citados no final deste capítulo e pelo resultado de nossa investigação, que apresentaremos no capítulo referente a pesquisa com os trabalhadores. Baseado nestes dados e na realidade concreta dos trabalhadores que se organizou a (Rede Mundial do Banimento do Amianto,) composta por organizações dos trabalhadores, da sociedade civil e de pesquisadores de todo o mundo no sentido de lutarem para o banimento destas fibras, pelo reconhecimento dos direitos dos trabalhadores e pelo esclarecimento da opinião pública sobre os males causados à saúde e ao meio ambiente. O ponto central desta discussão reside no fato do amianto ter alto rendimento econômico para as indústrias, através da grande variedade de produtos finalizados e comercializados, que somado às informações dos danos causados aos trabalhadores e ao meio ambiente tornam o amianto o centro de uma polêmica sobre o banimento ou do uso controlado desta matéria prima, que teve início nos anos 70 quando o uso do anfibólio foi proibido. No Brasil, o uso do amianto tipo anfibólio foi proibido desde 1991, assim como a utilização de qualquer tipo de spray. No Brasil o limite de exposição às poeiras minerais nos ambientes de trabalho encontram-se na Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho, NR- 15, anexo 12 ( NR-15,1991), e o limite para o asbesto crisotila é de 2,0 fibras/cm3 (Algranti, 2001). Segundo a legislação brasileira entende-se o limite de tolerância como “a concentração ou intensidade máxima ou mínima relacionada com o tempo e a exposição ao agente que não causará dano à saúde do trabalhador, durante sua vida laboral” (Freitas, 2001). Freitas diz ainda que no caso específico do setor de cimento e mineração, limites são especificados no Acordo Coletivo entre empregadores e empregados. O Ministério 32 do Trabalho, dispõe que o limite de tolerância para este setor é de 0,3 fibras/cm3, desde 1 de janeiro de 1999 (Freitas, 2001). 2.2- A Perspectiva Histórica e Econômica Conhecido desde a Antiguidade por sua propriedade de resistência ao fogo, o amianto teve seu uso ampliado, no final do século XIX, como resposta à crescente industrialização dos Estados Unidos com a exploração massiva desta matéria prima, através da indústria e do comércio, relacionada ao desenvolvimento das máquinas a vapor, o desenvolvimento da metalurgia com crescente necessidade de isolantes térmicos eficazes para a proteção contra o fogo e o calor. Inicialmente, houve grande produção nos Estados Unidos, com a exploração de minas de asbesto. A mineração em grande escala começou em Bedford, Quebec, Canadá, em 1898. Atualmente a necessidade de fibras para os Estados Unidos é importada do Canadá (Meyer, 1999). Conhecido desde a Antiguidade, o amianto era utilizado de forma artesanal pelos antigos. Este longo tempo de utilização aliado à longa latência para a manifestação das doenças, explica o desconhecimento da toxicidade das suas fibras até recentemente. Embora fossem conhecidos os efeitos da inalação da poeira do asbesto sobre a saúde humana, somente mais recentemente, com o advento da medicina dita científica, os estudos epidemiológicos, cuja cronologia apresentaremos a seguir, no ítem relacionado à saúde, trarão visibilidade às patologias causadas pelo asbesto, ficando, a partir desses estudos, estabelecida a relação entre as doenças e a atividade ocupacional. O amianto foi amplamente utilizado nas décadas de 40 e 50 na América do Norte, na Europa, na Austrália e no Japão, como isolante térmico e elemento de proteção contra fogo. A aplicação era feita por jateamento (spray de fibras e pó de amianto), principalmente em construções metálicas, em geladeiras, geradores, saguões e cabines de navio, etc, o que expunha um grande número de trabalhadores a quantidades excessivas de fibras suspensas no ar. Por este motivo, no início dos anos 70 o jateamento foi sendo progressivamente proibido em muitos países, e praticamente já não existe no mundo inteiro (ABRA- Internet). Quanto aos aspectos econômicos, os maiores produtores mundiais do amianto são: a antiga União Soviética, o Canadá e a África do Sul (Castro e Lemle, 1995). Dos quarenta países que têm reservas naturais de crisotila, 25 fazem extração e 7 são responsáveis por 95% da produção mundial. São eles: Rússia (Montes Urais), Canadá 33 (Quebec, British Columbia e Newfoundland); África do Sul e Zimbábue, Cazaquistão e China. O Brasil é o quinto maior produtor mundial de crisolita e representa 100% do amianto minerado. A produção mundial atualmente é de 98% de crisotila (Mendes, 2001). No Brasil há jazidas de amianto (anfibólio e crisotila) nos estados de Goiás, Minas Gerais, Bahia e Piauí. A primeira mineração com tecnologia moderna no Brasil foi usada pela SAMA Mineração, na Bahia, na mina de São Félix, no município de Poções, no período 1940 até 1967, quando suas reservas se esgotaram. Atualmente no Brasil, o amianto é minerado e processado na Mina de Cana Brava, no município de Minaçu, Estado de Goiás (Mendes, 2001). Sua produção é de 200.000 toneladas/ano de crisotila. 35% desta produção é exportada, principalmente para o Japão, Tailândia, Índia e alguns países da América do Sul. Segundo Algranti, 90% do consumo interno vai para a indústria de fibrocimento na confecção de telhas, caixas d’água , divisórias, etc (Algranti, 2001). 2.3- O Amianto e sua relação com a Saúde As doenças causadas pelo amianto são chamadas de doenças respiratórias ocupacionais, classificadas no grupo das pneumoconioses. A pneumoconiose é uma doença respiratória relacionada com a poeira, que causa lesão pulmonar, levando à fibrose. Entende-se como poeira, partículas sólidas em suspensão no ar, que podem ser esféricas ou alongadas, denominadas fibras, cujo comprimento é três vezes maior que o diâmetro. As formas e a composição química das fibras são objeto de atenção, pois elas é que determinarão o grau de sua patogenicidade. A reação pulmonar da exposição às poeiras, dependerá: da propriedade química da poeira e de sua toxicidade; da intensidade e da duração da exposição e do tamanho das partículas, pois as fibras menores de 5 micra são consideradas como fração respirável, portanto, atingindo os alvéolos, e causando as doenças pulmonares (Castro e Lemle, 1995). As doenças relacionadas à exposição ao asbesto dividem-se em doenças fibrogênicas e carcinogênicas. As fibrogênicas são: a asbestose pulmonar, o espessamento pleural difuso, as placas pleurais, a calcificação pleural e derrame pleural. As carcinogênicas são: o câncer de pulmão e os mesoteliomas. Os mesoteliomas dividem-se em mesotelioma de pleura e peritônio. O mesotelioma de pleura é o câncer 34 da membrana que envolve o pulmão e o mesotelioma de peritônio é o câncer da membrana que envolve o abdômen. A asbestose é uma das principais patologias que atingem os trabalhadores. Caracteriza-se por ser “fibrose do parênquima pulmonar de caráter progressivo e irreversível em decorrência da inalação de fibras de asbesto. Seu diagnóstico se fundamenta na história clinica ocupacional e na radiologia de tórax, conforme a técnica preconizada pela Classificação Internacional de Radiografias em Pneumoconioses da OIT/1980. Radiografias dentro da categoria 0 (zero) são consideradas normais; nas categorias 1 (um), 2 (dois), e 3 (três) já representam doença” (Freitas, 2001: 21). Segundo René Mendes “a asbestose é doença irreversível e crônica com mau prognóstico. A insuficiência crônica pode agravar-se com o avanço da fibrose pulmonar progressiva e complicações cardíacas (...) e instalam-se nas fases avançadas e terminais” (Mendes, 2000:22). O período de latência para que as doenças se manifestem ocorrem após 10 anos ou mais de exposição. Mendes (2000) apóia-se no Dicionário de Termos Técnicos de Medicina Social e Saúde, que define a latência como o “período compreendido entre o momento de exposição aos fatores patogênicos (físicos, químicos, biológicos, psicológicos, etc) e o aparecimento dos primeiros sinais ou sintomas da doença.” Dez a quinze anos para asbestose e 20 a 30 anos para câncer de pulmão e mesotelioma (Castro, 2000). Para Freitas (2001) o desenvolvimento da asbestose tem um período de latência de15 a 25 anos, embora, dependendo da intensidade da exposição esse período possa ser reduzido. Outros autores colocam um tempo menor para o surgimento das doenças, como Resende (1988), que cita um tempo de 5 a 10 anos de exposição dos trabalhadores para o surgimento das patologias. Castro (2000) ressalta ainda que existem casos de asbestose com períodos de exposição inferiores a dez anos. Outro aspecto a ser ressaltado é o longo período de latência para o câncer de pulmão originado pelo asbesto. Devido a este motivo, raramente são reconhecidos como de causa ocupacional devido a vários fatores tais como: a ausência de informações sobre a história ocupacional, o desconhecimento e, ou esquecimento por parte do trabalhador de sua exposição e a insegurança do profissional de medicina em atribuir a doença a uma exposição ocupacional (Algranti, 2001). 35 O longo período para o surgimento das doenças apresenta um outro problema em termos de saúde. A estimativa das doenças relacionadas à exposição ao amianto é que no mundo milhões de trabalhadores terão a doença ao longo dos anos. Por exemplo, a previsão da Organização Panamericana de Saúde, para os Estados Unidos, até 2010, é que 1,6 milhão de um total de 4 milhões de trabalhadores expostos à concentração elevada de asbesto morrerão de câncer ocupacional, não estando aí incluídas as pessoas expostas indiretamente (Castro 2000). Existem estimativas para quase todos os países que usam ou usaram o asbesto, sendo um grave problema de saúde pública (ECO/ OPSOMS, 1996). O tamanho das partículas ou fibras é fundamental para o surgimento das patologias pulmonares, pois, dependendo do seu comprimento, as fibras ao serem respiradas poderão ou não atingir os alvéolos. As fibras mais longas como as da crisotila são interceptadas mais facilmente pelo sistema mucociliado brônquico, portanto difíceis de chegarem aos alvéolos onde se instala a inflamação. As fibras dos anfibólios curtas, retas e rígidas chegam mais fàcilmente ao pulmão. As partículas menores de 5 micra atingem o alvéolo e são consideradas partículas respiráveis, ou seja, não são eliminadas pelo sistema de defesa natural do aparelho respiratório (Castro e Lemle, 1995). O sistema respiratório possui um mecanismo de defesa próprio, composto por barreiras mecânica e ciliares. As partículas com diâmetro maiores de 10 micras são filtradas pelo nariz, como primeira barreira de defesa, e posteriormente pela nasofaringe, As partículas menores, que ultrapassam, essas duas barreiras são retidas nos cílios e posteriormente depuradas. As que chegam aos alvéolos, as menores de 5 micra, chamadas de fração respirável ou são fagocitadas e depuradas, ou iniciam o processo patológico (Castro, 2000). Segundo o “Institut National de Recherche et de Securité” da França, todas as fibras, tanto as orgânicas quanto as minerais, naturais ou sintéticas são capazes de ter efeitos patogênicos para o ser humano. As características físico - químicas das fibras devem ser analisadas, uma vez que sua forma e dimensão assim como sua composição química têm um papel determinante nos efeitos tóxicos das fibras. Os parâmetros dimensionais condicionam a penetração das fibras no trato respiratório, assim como seus efeitos tóxicos. A toxicidade das fibras finas e longas é resultado, de um lado, de sua dificuldade de ser depurada, e de outro, de sua interferência com seus componentes (Roos, 1999). 36 Roos afirma que o estudo de Stanton e colaboradores realizados com animais, confirma que o potencial carcinogênico aumenta diretamente com o comprimento da fibra, acima de 8 micra, aproximadamente, e inversamente com o diâmetro inferior a 1,5 micra. Portanto, as fibras mais longas e mais finas induzem a maior formação de tumores (Roos, 1999). Quanto ao funcionamento pulmonar, um organismo em estado de repouso absorve um volume considerável de ar. O volume que atinge o aparelho respiratório é em torno de 5 ou 6 litros de ar por minuto; podendo chegar a 30 litros com o corpo em exercício (Castro, Lemle, 1995). Este dado é de grande importância para nosso estudo com os trabalhadores da indústria têxtil, uma vez que, na análise da atividade, observamos a intensificação da exposição às fibras do amianto, como também a intensificação dos movimentos que os trabalhadores executam para realizar a atividade de trabalho, cujo ritmo e cadência exigem grande esforço por parte dos trabalhadores, aumentado desta forma., a entrada de ar, e portanto de fibras nos pulmões, favorecendo de forma mais intensa o adoecimento. Os autores preconizam que no ambiente de trabalho haja a redução de poeira no ar, substituindo-a por outra menos agressiva. Ressaltam que mesmo pequenas doses podem levar ao adoecimento, principalmente considerando que: “cada trabalhador tem seu próprio limite de resistência ao adoecimento, a susceptibilidade individual é fator fundamental para o processo de doença. Esta característica responde pela variação da doença em trabalhadores com a mesma exposição ocupacional no mesmo período, podendo ter como causa a maior depuração da poeira pelos pulmões, como fatores genéticos, doença pulmonar prévia, como também o hábito de fumar e outros fatores ainda não esclarecidos” (Castro; Lemle, 1995). 2.3.1 - A Exposição Ocupacional Existem duas importantes fontes de exposição ocupacional, a direta e a indireta. A exposição direta está relacionada aos trabalhadores que estão diretamente expostos à matéria prima, como a indústria extrativa, a mineração; as várias indústrias: de cimento amianto, de materiais de fricção, têxteis e outras. A exposição indireta está relacionada às pessoas que estão indiretamente expostas, como a população que reside nas imediações das empresas que usam o amianto, os familiares que tratavam das roupas 37 dos trabalhadores, quando não havia medidas de proteção que exigia a existência de vestiários e lavanderias nas próprias fábricas (Giannnasi, Scavone, Mony, 1997). Fora do setor ocupacional considera-se que pode haver exposição por ar e água. Outra fonte de poluição é a poluição aérea por lonas e pastilhas de freios dos automóveis (Castro, Lemle , 1995). Algranti (2001) calcula que haja cerca de 300.000 trabalhadores expostos diretamente no país, e segundo Selikoff, há uma estimativa de 5 pessoas expostas indiretamente, para cada trabalhador exposto diretamente (Castro, 2001). Podemos ter por estas informações, a idéia da magnitude do problema na área da saúde pública. Apresentamos a seguir como evoluiu o estudo das doenças relacionadas ao amianto, considerado que os estudos estão diretamente relacionados à utilização em massa desta matéria prima na indústria que permitiram a comprovação científica de sua nocividade. 2.3.2 - Abordagem Epidemiológica René Mendes (2001) e Jefferson Freitas (2001) organizaram uma cronologia da evolução dos estudos científicos sobre os diagnósticos das patologias relacionadas ao amianto, como a asbestose, câncer de pulmão e outros, correlacionando esses estudos com a atividade profissional, tanto no nível internacional quanto no Brasil, apresentando um quadro geral do seu desenvolvimento. Segundo Freitas, após 20 anos de utilização industrial do asbesto, na França, região da Normandia, são descritos os primeiros casos de fibrose pulmonar. Montagne Murray, médico inglês descreve, em 1907, a asbestose, doença responsável pela morte de um trabalhador de 34 anos, exposto ao asbesto em uma fiação na qual trabalhara 14 anos numa cardadora. “Ele era o último sobrevivente de 10 trabalhadores deste setor, que haviam falecido de enfermidades pulmonares, todos por volta de 30 anos de idade,” (Freitas, 2001:17). “A comprovação anatomopatológica obtida na necrópsia, revelava a essência do processo pneumoconiótico.” Nas décadas seguintes são realizadas várias descrições deste tipo, nos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, França, Itália e Canadá (Mendes, 2001:9). Em 1924, Cooke, estabelece com clareza o estudo entre o quadro clínico, a necropsia, correlacionando-os com a ocupação e uma doença grave, por ele denominada de “fibrose pulmonar,” que era a pneumoconiose grave, o mesmo tipo descrito por Murray, a asbestose, nome pelo qual passou a ser conhecida esta doença. 38 Em 1930, Merewether e Price, apresentam um relatório detalhado ao parlamento britânico, com estudos epidemiológicos relacionados às doenças causadas pelo asbesto e as medidas preventivas e de controle que deveriam ser adotadas nas fábricas com base na supressão e eliminação das poeiras, que deveriam ser objeto de inspeção médica. Em 1934, o médico Thomas Legge, inclui a asbestose como doença profissional na Inglaterra. Em 1935, Gloyne, patologista britânico descreve o potencial carcinogênico do asbesto, e estudos americanos correlacionam câncer de pulmão e exposição ao asbesto. Lynch e Smith em 1935, descreveram o primeiro caso de câncer de pulmão associado a asbestose (Freitas, 2001). Em 1949, Merewheter, na Inglaterra, informava que 13% dos pacientes com asbestose morreram com câncer de pulmão. Em 1955, coube ao epidemiologista inglês, Richard Doll, estabelecer definitivamente a associação entre a exposição ocupacional ao asbesto e câncer de pulmão, demonstrando que a freqüência de câncer pulmonar de trabalhadores de uma indústria têxtil expostos ao asbesto por 20 anos ou mais, era dez vezes maior que a da população em geral (Mendes, 2001; Freitas, 2001). Em 1960, na África do Sul, Wagner et al escrevem um trabalho em que demonstram a associação entre asbesto e mesotelioma de pleura. Entre os 33 casos de mesoteliomas, 28 haviam sido expostos à crocidolita nas minas da África do Sul, e 4 na indústria. Mais recentemente, a maior ocorrência dessa patologia a partir da exposição não ocupacional, ocorrem em pessoas que residiam próximas às indústrias de asbesto (Freitas, 2001). Em 1978, os pesquisadores do Hospital Mount Sinai, ligados a Universidade de Nova York, como Selikoff e seus colaboradores, ampliaram os estudos, pesquisando 17.800 trabalhadores de indústrias de isolantes térmicos, dos Estados Unidos e Canadá, expostos à crisotila e crocidolita, mais de 20% vieram a falecer por câncer de pulmão (Mendes, R.2001, Castro, 2000). Quanto aos mesoteliomas, a partir da década de 30, começam a se relacionar a exposição ao asbesto aos tumores de pleura e peritônio, extremamente malignos. 39 2.3.3 - Abordagem Epidemiológica no Brasil Mendes e Freitas (2001) também fazem uma cronologia do estudo das doenças relacionadas ao amianto no Brasil. As primeiras referências no Brasil ocorrem em 1956, no Boletim número 98 do Departamento Nacional de Produção Mineral, publicado sob o título Higiene das Minas – Asbestose, monografia feita pelos médicos Carlos Martins Teixeira e Manoel Moreira, sobre a mina de asbesto de Nova Lima, Minas Gerais. Os autores estudam clinica e radiològicamente, 80 trabalhadores e detectam 6 trabalhadores com fibrose nas bases pulmonares compatíveis com asbestose. Diogo Puppo Nogueira e colaboradores, 20 anos depois, em 1975, publicam um caso de asbestose, onde identificam um trabalhador com asbestose depois de 22 anos trabalhando numa indústria de cimento amianto. Em 1976, o Dr. Manoel Ignácio Rollemberg dos Santos, descreveu três casos de asbestose, em três fábricas diferentes: fábrica de tintas, fábrica de isolante térmico e moinho de beneficiamento de amianto. Ainda em 1976, o Dr. Pedro Augusto Zaia, apresenta em reunião científica, do Serviço Social da Indústria, mais quatro casos de asbestose. Em 1980 o professor Reynaldo Quagliato Júnior do Serviço de Pneumologia da Faculdade de ciências Médicas da Unicamp, apresenta um caso de asbestose de um trabalhador que trabalhou 12 anos na indústria de cimento amianto. Em 1982, num estudo de uma indústria de lonas de freio, Lyra, identifica 4 casos de asbestose pulmonar e um caso de mesotelioma. Em 1983, o prof. José Riani Costa em estudo realizado com trabalhadores afastados pela previdência social por pneumonia crônica, identifica entre 86 trabalhadores da indústria de cimento amianto, 16 casos de asbestose. Em 1985, Franco et al. descrevem 3 casos de mesoteliomas malignos de pleura (Freitas, 2001). Em 1986, o Comitê de Estudos do Amianto da Fundacentro identifica novos casos de asbestose. Entre 1984 e 1994 a asbestose foi diagnosticada em 16 pacientes do ambulatório da Fundacentro, entre os 394 pacientes com pneumopatias ocupacionais (Mendes, 2001). Em 1997, a ABREA - Osasco (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) encaminha os trabalhadores da Eternit - Osasco para tratamento médico, sendo constatado em 310 relatórios médicos: 38 casos de asbestose, 110 placas pleurais, 74 40 distúrbios ventilatórios, 24 de asma e bronquite, 12 espessamentos pleurais, 13 limitação crônica de fluxo aéreo, 1 enfisema pulmonar, 1 tuberculose, 120 normais (Boletim da ABREA, 1997). O ambulatório do CESTEH, (Centro de Estudos em saúde do Trabalhador) da Escola Nacional de Saúde Pública, que é ponto de partida da presente pesquisa, diagnostica em 119 trabalhadores atendidos, até setembro de 2001, 30 casos de asbestose. É importante frisar que desde o primeiro atendimento realizado no final de 1994, houve no período compreendido entre agosto de 1999 e janeiro de 2001, 5 óbitos entre os trabalhadores atendidos, sendo 4 de asbestose e um de câncer de pulmão. Este é o primeiro estudo realizado no Rio de Janeiro relativo às doenças causadas pelo amianto. Os dados relativos aos mesoteliomas de pleura e peritônio, e o câncer de pulmão, ainda são pouco conhecidos, necessitando de maior investigação e busca nos registros dos hospitais. Torna-se urgente uma pesquisa a ser realizada, não só no Brasil, como também no Rio de Janeiro. René Mendes aponta três casos de mesotelioma relacionado ao amianto, em estudo da UNICAMP. A associação entre a exposição ao asbesto e o desenvolvimento de tumores de pleura e peritônio foi se dando a partir da década de 30 e os trabalhos científicos publicados nas décadas de 40 e 50 apontavam para essa possibilidade, que foi confirmada por estudos realizados por Wagner e colaboradores na África do Sul. Há a possibilidade do desenvolvimento de mesotelioma maligno mesmo após curta exposição ou em baixas doses após longo tempo de latência. René Mendes, baseado em vários autores como Selikoff, e outros, refere-se a casos de crianças e mulheres que foram expostas às fibras de asbesto no interior dos domicílios, quando as fibras eram trazidas nas roupas dos cônjuges, trabalhadores ocupacionalmente expostos (Mendes, 2000). Giannasi, Scavone e Annie Thébaud (1999) desenvolvem uma pesquisa no Brasil em que as autoras, tem como objetivo, localizar trabalhadores com mesoteliomas, que geralmente é associado à exposição ao asbesto, analisando as trajetórias do conhecimento e reconhecimento dessas enfermidades, suas conseqüências na família e os mecanismos vigentes de invisibilidade e visibilidade desta questão em nossa sociedade. No ano de 1996, as autoras identificam 7 casos de óbitos por mesotelioma, na cidade de S. Paulo. Sendo 3 mulheres e 4 homens. Entre as mulheres, duas eram donas de casa, tinham menos de 40 anos, o que sugere exposição na infância, devido ao longo período de latência, adquirido não de forma ocupacional, talvez por fibras trazidas 41 nas roupas por membros da família, em contato com o agente cancerígeno ou mesmo a contaminação ambiental. Uma vez que, só recentemente, as grandes empresa que usam o amianto, adotaram lavanderias para limitar os riscos paraocupacionais ou indiretos e evitar que os trabalhadores levem suas roupas contaminadas para casa, colocando em risco outros membros da família, como crianças e mulheres que se ocupam em lavar e cuidar das roupas. Mendes refere-se a outras formas de câncer também relacionados ao asbesto, como câncer de laringe, o mais freqüente, câncer de orofaringe, câncer de estômago, câncer colo retal e câncer de rim, assim como câncer na bolsa escrotal e ovário (Mendes, 2000). René Mendes aponta para o fato do conhecimento das doenças relacionadas ao asbesto serem conhecidas desde 1907, em nível internacional. No Brasil o registro já se dá há mais de 50 anos, não se tomando nenhuma providência efetiva para considerar esta questão do amianto como um problema de saúde pública, que devido à pressão do empresariado continua a ser administrado com soluções paliativas, ignorando-se a previsão de morbidade e mortalidade dos trabalhadores, cuja tendência é crescer. 2.4 - O Debate Sobre o “uso seguro” do Amianto Fundamentando esta postura do empresariado e do governo brasileiro, está a colocação do “uso seguro” ou “uso controlado” do amianto, lobby do capital internacional e nacional para a manutenção da fibra do asbesto crisotila, para dar continuidade aos lucros originados desta matéria prima, que é mais barata, em contraposição ao uso das tecnologias alternativas, cujo custo é maior e com maiores ganhos em relação à saúde dos trabalhadores e da população em geral. A polêmica entre anfibólios e crisotila, é sustentada pelo movimento empresarial, que afirma que, ao contrário dos anfibólios, reconhecidamente cancerígeno, a crisotila não é cancerígena e não causa danos à saúde humana quando utilizada de forma segura e controlada. A expressão uso seguro vai significar um percentual de fibras dispersas no ar, que segundo esta tese não traz danos a saúde, e que no caso brasileiro está legalizado em torno de 2,0 fibras/cm3 de ar. O número de fibras permitido varia de país para país, de acordo com os ganhos resultantes da luta dos trabalhadores e movimentos sociais. Pelo que já foi exposto anteriormente, nos estudos apresentado por Mendes podemos constatar que não existe uso seguro da crisotila. 42 Afirma ainda o autor, que este debate é liderado pela indústria canadense de amianto, terceiro produtor mundial de amianto, sediada em Quebec, que mantém importantes mercados na América do Sul, América Central e na África (Mendes, 2001). Segundo Giannasi a tese do “uso controlado” ou responsável nasceu do movimento empresarial articulado internacionalmente, preocupado com a crescente tomada de consciência da população sobre os riscos a que se submete tanto no trabalho como enquanto consumidora. Para a autora, a quase inexistência de dados oficiais, a ausência de estatísticas oficiais, reforçam a tese do empresariado de que o amianto crisotila brasileiro é seguro no seu uso (Giannasi, 2000). Frente à esta constatação, ressaltamos a importância da pesquisa desenvolvida pelo CESTEH, estudo pioneiro, que conta com a confirmação de 30 casos de asbestose, no Rio de Janeiro, até outubro de 2001, como um estudo de grande importância no sentido de preencher a lacuna da quase inexistência de dados sobre os trabalhadores da indústria do amianto. É importante ressaltar que o Relatório da União Européia em 1999, prevê o banimento do amianto em todas as suas formas em 2005, afirmando que existem, atualmente, disponíveis, para todas as aplicações e usos remanescentes da crisotila, substitutos ou alternativos que não são classificados como cancerígenos, e que são considerados menos perigosos. A segunda parte do documento da União Européia, referente à parte Social, que trata sobre Saúde e Segurança dos trabalhadores, tem o capítulo 10, denominado: “O Amianto, um Exemplo do Conflito entre a Lógica Mercantil e a Lógica Social”, onde se inclui a Diretiva 77 de 1999, constando a proibição do uso do amianto até 2005 em todos os Estados membros. O documento refere-se também ao parecer de cientistas favoráveis à interdição do amianto, baseados nas seguintes premissas: - “o reconhecimento da carcinogenicidade da crisotila comercial para o pulmão e a pleura; - a não existência de dose-limite para os riscos de carcinogenicidade dos diferentes tipos de amianto; - a necessidade de considerar as exposições intermitentes em certos setores profissionais. 43 - as possibilidades de substituição, (...) as fibras de PVA (polivinil álcool), de celulose e de p- aramida possuem riscos menores” (Beauchesne, 2000:17). O referido documento também cita as conclusões de um seminário sobre Saúde e trabalho em que se distinguem as fibras inaláveis das não inaláveis e dos riscos de câncer relativos às primeiras. “O princípio de classificação das fibras minerais reside essencialmente num acordo umânime da comunidade científica a respeito do potencial carcinogênico das fibras que está diretamente relacionado a: - a dimensão das fibras que afeta sua inalabilidade, - a biossolubilidade (taxa de solubilidade de uma fibra no ambiente biológico) e a biopersistência (taxa de retenção de uma fibra no ambiente biológico) das fibras” (Beauchesne, 2000:9). O artigo de Paul T. C. H. Harrison, e colaboradores, intitulado Comparative Hazards of Chrysotile Asbestos and its substitutes: elaborado inicialmente para a Comissão de Saúde e Segurança do Reino Unido e submetido à Comissão Européia, foi adotado pelo Comitê Científico Independente da Comissão Européia que adotou suas conclusões. O documento conclui que “o asbesto crisotila é intrìnsicamente mais arriscado que o P- aramida, PVA, ou fibras de celulose, e portanto, e seu continuado uso nos produtos de fibrocimento e materiais de fricção não se justificam, face à avaliação tecnicamente adequada de seus substitutos” (Harrison,1999:607). Os autores concluem que já existem materiais substitutos para a maioria dos produtos que faziam uso da crisotila. Referem-se ao PVA, as fibras P- Aramidas e as fibras de celulose, concluindo que: “As fibras de PVA possuem menos riscos que a crisotila porque são mais largas, dificultando desta forma sua inalação, também não possuem fibrilas em sua matéria de origem, causando pequenas ou nenhuma reação tissular. As fibras aramidas têm um reduzido potencial na exposição, comparadas à crisotila, porque posssuem um diâmetro muito largo e a produção de fibras respiráveis é intensa. As fibrilas são menos patogênicas que a crisotila, menos biopersistentes e são biodegradáveis. A celulose tem longa experiência em uma grande variedade de produtos industriais, mas isto 44 não tem sido levado em consideração. O potencial para reproduzir fibras respiráveis parecem ser menor que no caso da crisotila, embora seja possível a fibrilação. A celulose é durável no pulmão, e esta propriedade biológica pode ser investigada posteriormente. Entretanto, os níveis de exposição correntemente são baixos, e é biodegradável no meio ambiente. Acreditamos que o uso da crisotila na produção de produtos que contenham cimento – amianto não é justificável, face à avaliação da existência de substitutos tecnicamente adequados para substituí-la. Também consideramos sem justificativa o uso residual da crisotila em materiais de fricção” (Harrison, 1999:611). Levando em conta que nem todos os materiais podem considerar-se inofensivos à saúde, principalmente no que diz respeito ao diâmetro e comprimento das fibras e suas transformações no processo produtivo, e seus efeitos para a saúde dos trabalhadores, Silvestri faz uma distinção entre os materiais substitutivos e alternativos, considerando substitutivos, todos os materiais sem amianto empregados com a mesma finalidade; e alternativos os materiais com requisitos toxicológicos que deixam ampla margem de tranqüilidade, como os classificados no grupo 3 do IARC (International Agency for Research on Cancer ) (Silvestri,1993). Devido às restrições em todo mundo do uso do amianto, e ao comprovado efeito de sua nocividade à saúde humana buscam-se produtos substitutivos e alternativos para substitui-los, através das fibras artificiais minerais (em inglês, conhecidas como manmade mineral fibers, MMMF) e as fibras artificiais orgânicas (em inglês conhecidas como man-made organic fibers, MMOF). “Entre as fibras artificiais minerais destacam-se as seguintes: filamento vitroso contínuo, microfibra vitrosa, lã de vidro, lã de rocha, lã de escória e fibras de aplicações especiais entre outras. Entre as fibras artificiais orgânicas destacam-se as fibras aramídeas, as carbônicas, os poliolefínicas, as poliésteres e as poliacrilonitrilas” (Mendes, 2000:16). Muitos desses produtos estão sendo estudados e avaliados em seus riscos, para os seres humanos, principalmente, devido ao seu pouco tempo de uso e a necessidade de um longo tempo de estudo para estabelecer os danos causados à saúde humana. O Quadro - Resumo do Estado Atual do Conhecimento dos Efeitos sobre a Saúde causados pela Exposição Ocupacional às Fibras Sintéticas - (Anexo II), consolidado a partir das revisões realizadas por Gibbs (1994) e Foà & Basilico (1999); 45 fornecido pelo professor René Mendes, apresenta uma síntese do estado atual do conhecimento sobre as fibras sintéticas minerais, fibras sintéticas orgânicas; estudo que tem sido desenvolvido com o objetivo de substituir com mais segurança as fibras naturais tóxicas ou fibrogênicas. Apresentamos uma síntese, de algumas fibras entre outras, do quadro do anexo II, os autores apresentam as fibras aramidas e para-aramida (Kevlar) com uma estimativa de risco muito baixo para os trabalhadores. Tanto as fibras de escória mineral, quanto as fibras de lã de rocha, são classificadas pelo IARC como pertencente ao grupo 2B, possivelmente carcinogênicas. As fibras de vidro de filamento contínuo, devido ao seu diâmetro são consideradas pouco respiráveis, e estudos sobre câncer pulmonar e mesoteliomas , mostram-se até o momento negativos. Quanto às fibras de vidro de finalidades especiais, estudos sobre câncer pulmonar mostram resultados conflitantes. As fibras de cerâmica refratária de óxido de alumínio em alta temperatura, podem ser alteradas para sílica livre, tornando-se potencialmente produtoras de silicose. O IARC classifica-a como possivelmente carcinogênica para o homem. Quanto às fibras de cerâmicas refratárias de carbeto de silício tem fibrogênese confirmada em animais e humanos e possível potencial cancerígeno (Anexo II). A Seção Social do documento da União Européia, no que diz respeito à prevenção do câncer, propõe que as fibras minerais artificiais, devem ser objeto, como o amianto, de classificação quanto aos agentes cancerígenos. Tratando-se tanto das fibras de vidro (lã e filamentos de vidro), lã mineral e outras, uma vez que os dados existentes revelam riscos consideráveis para a saúde dos trabalhadores e são utilizados pelo lobby do empresariado para a resistência às novas tecnologias. Uma proposição de classificação foi feita pelo IARC. “Fibras naturais de origem vegetal tem sido propostas, tais como sisal, coco, cânhamo, juta, bagaço de cana, etc” (Mendes, 2000) ( Giannasi, 2000:6). Entretanto, Giannasi, refere-se ao fato de que no Brasil não existe apoio às pesquisas nas universidades públicas para a utilização destas fibras naturais, tão abundantes em nosso país, e dos resíduos agrícolas grandes fontes alternativas ao amianto. É importante observar que muitos estudos não são totalmente conclusivos e que o uso de fibras deve ser sempre investigado com muito cuidado, para que não cause dano à saúde dos trabalhadores e da população em geral. Este ponto, portanto deverá ainda ser objeto de várias investigações e pesquisas científicas. 46 Dando continuidade ao debate sobre o “uso seguro do amianto”, René Mendes, situa a polêmica começando com a “tese dos anfibólios,” na qual pesquisadores canadenses e ingleses defendem a tese de que a carcinogenicidade do asbesto- crisotila seria devido à contaminação da crisotila por fibras de anfibólios, pois no estudo de pulmões necropsiados foram encontrados a predominância da retenção de anfibólios, isentando desta forma a crisotila. No entanto, desmentindo esta hipótese, o autor cita o estudo de Nicholson e Raffn que em 13 casos de mortalidade por tumor maligno, os autores concluíram que o risco de câncer de pulmão é similar para a crisotila, amosita, e crocidolita, quando analisado na perspectiva quantitativa do número de fibras presentes no ambiente de trabalho. Quanto aos mesoteliomas os autores concluíram com base em 40 casos, que a crisotila e a amosita, parecem produzir iguais riscos na ocorrência destes tumores. Concluem os autores que “estes estudos não permitiram estabelecer um limite permitido de exposição que assegure a inexistência de risco decorrente da exposição ocupacional a qualquer fibra de asbesto” (Mendes, 2001:14). Na mesma linha de argumentação, os estudos de Stayner em trabalhadores expostos a crisotila nos Estados Unidos, afirma que é impossível estabelecer um limite de tolerância, tanto no que se refere ao câncer de pulmão, quanto para a asbestose. Somente se conseguiu um limite de exposição seguro na concentração zero das fibras no ar. Portanto, diz o autor, novas análises não conseguem dar conta em termos de argumentos a favor de um limite seguro para a exposição à crisotila, tanto no que se refere ao câncer de pulmão quanto a asbestose. Estudos em trabalhadores da maior fábrica de cimento amianto da Itália, em Casale Monferrato, que funcionou de 1907 até 1986, confirmam o diagnóstico de câncer de pulmão e mesoteliomas de pleura e peritônio em trabalhadores expostos predominantemente à crisotila. René Mendes termina a exposição sobre a nocividade do asbesto crisotila com a conclusão da Comissão Internacional de Segurança de Substâncias Químicas (IPCS), realizada em 1998, que após revisão exaustiva da literatura internacional e debate com representantes da comunidade científica internacional conclui que: “A exposição ao asbesto crisotila acarreta riscos aumentados para a asbestose, câncer de pulmão e mesoteliomas de maneira dose dependente. Não foram identificados limites permitidos de exposição para os riscos carcinogênicos” (Mendes, 2001:16). 47 Desta forma, diante dos estudos realizados por diversos pesquisadores em diferentes países, não se sustenta o argumento da não nocividade do amianto crisotila, assim como a inexistência de um limite em que sua exposição seria inócua. Por este motivo e principalmente, pela experiência concreta do adoecimento e morte de seus trabalhadores, que vários países, através do movimento social organizado baniram o amianto. Até dezembro de 2001, 35 países já decidiram pelo banimento total do amianto: Alemanha (1993), Arábia Saudita, Argentina (30/7/2001), Austrália, Áustria (1990), Bélgica, Burkina-Faso, Chile (13/1/2001), Dinamarca (1986) El Salvador, Emirados Árabes, Eslovênia, Espanha, Finlândia (1992), França (1997), Holanda (1991), Irlanda/Eire, Islândia (1983) Itália (1992), Lativia, Liechtenstein, Luxemburgo, Noruega (1984) Nova Zelândia, Principado de Mônaco, Polônia, República checa, Suécia (1986), Reino Unido (Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte), banido a partir de 24/11/99, (Informação Giannasi, F., internet, 2001). 2.5 - A Situação no Brasil É importante observar que o banimento nos países desenvolvidos tem uma história de luta entre o empresariado, os trabalhadores e o movimento social organizado, baseado em sua maioria na história de um grande número de mortes dos trabalhadores, apoiados nos estudos epidemiológicos realizados por diversos pesquisadores, em várias partes do mundo. A decisão do banimento é sempre resultado de um movimento político-social e não ocorre de forma simples, é uma luta de saúde pública e é sempre resultado de um longo processo de negociação e de proibição gradual do asbesto. No processo de negociação, do qual participam as empresas, o Estado e o movimento social, concomitantemente ocorre a redução do limite de tolerância da crisotila, como um dos argumentos do uso controlado da crisotila, como fazendo parte de algumas idas e vindas no processo de banimento. Exemplificando esta situação temos o caso dos Estados Unidos, onde, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e a Administração de Saúde e Segurança (OSHA) travam uma longa luta para reduzir a exposição ao amianto e a proibição de seu uso. Desde o início da década de 80 a EPA vem lutando pelo banimento, tendo em 1989, estabelecido a proibição total em etapas sucessivas na produção, importação, processamento e comercialização desta matéria prima. No entanto, em 1991, a Indústria Norte Americana 48 entra com ação judicial contra a EPA. O empresariado ganha a questão, e é suspenso o ato de proibição, que foi substituído por outros atos de banimento setorial. Na França o banimento total de todas as formas de asbesto foi proposto em 3 de julho de 1996, efetuado em 1 de janeiro de 1997, tal decisão foi resultado de estudo do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (INSERM) divulgado em junho de 1996. Neste país o movimento social teve uma longa trajetória e um grande impacto na lei do banimento. Em julho de 1994, vem a público, casos de câncer de pulmão em professores e trabalhadores que utilizavam o prédio da Universidade de Jussieu, que tinha como isolante, material a base de asbesto. Tal situação mobilizou estudantes, acadêmicos e sindicatos sendo criado naquela Universidade o comitê anti -asbesto. Em fevereiro de 1996, foi criada a ANDEVA, Associação Nacional das Vítimas do Amianto que acionou judicialmente funcionários e dirigentes do governo francês, a indústria do amianto, assim como médicos e cientistas que se opunham a eliminação das fibras. Foi o Relatório do INSERM em 1996, intitulado “Efeitos sobre a saúde dos principais tipos de exposição ao amianto” um dos fatores principais que levou a Direção das Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho, e da Direção Geral da Saúde do Ministério de Assuntos Sociais, do governo francês, a pedir a proibição do amianto em todas as suas formas, alternativa técnica recomendada pelos cientistas e adotada pelo governo, levando-se em conta os danos causados e as estimativas de danos futuros . A União Européia em recente diretiva da Comissão das Comunidades Européias, datada de 26 de julho de 1999, proibiu a venda e utilização de certas fibras como a crisotila. Os Estados membros europeus decidiram pelo banimento total a partir de 1 de janeiro de 2005, embora a grande maioria dos países já tenha banido o amianto de seu território. Os cientistas preocupam-se que com a proibição nos países desenvolvidos, haja a transferência da produção e comercialização do asbesto para os países em desenvolvimento ou do terceiro mundo. Atualmente, o movimento internacional pela defesa da vida e da saúde vem convocando cientistas e profissionais de saúde e políticos para um esforço universal em direção ao banimento do asbesto. Nesta direção o Collegium Ramazzini, entidade acadêmica internacional, sediada em Bolonha, na Itália, que reúne cerca de 180 cientistas de trinta países, em reunião realizada em 24 de outubro de 1998, tomou a decisão de lançar o convite para uma ação internacional 49 coordenada, de banimento do asbesto, publicado na principais revistas científicas de Saúde e Trabalho entitulada “Call for an Internacional Ban on Asbestos” (convocatória, para o banimento internacional do asbesto) (Mendes, 2001). Segundo René Mendes a convocatória do Collegium Ramazzini vem resultando na forma de “cartas ao editor” das revistas científicas que a publicaram, uma série de manifestações de apoio por parte de vários cientistas que defendem a proibição do asbesto-crisotila. 2.5.1 - O Banimento do Amianto no Brasil A situação do Brasil quanto a sua posição político econômica é a opção pelo “uso seguro e controlado”, que no entender de René Mendes, o coloca numa posição retrógrada e na defesa explícita da crisotila. Segundo o autor, a relação do um conjunto de medidas legais em relação ao amianto apresenta o seguinte quadro: 1- “Resolução nº7 do CONAMA, (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que regulamenta a rotulagem do asbesto e os produtos que o contenham em 16 de setembro de 1987. 2- Decreto executivo nº126, que promulga a Convenção 162 da OIT, (Organização Internacional do Trabalho) que dispõe sobre a “utilização do asbesto em condições de segurança,” em 22 de maio de 1991. 3- Portaria nº1 do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalhador do Ministério da Previdência Social que alterou o anexo 12 da Norma Regulamentadora nº15 “estabelecendo limites de tolerância para poeiras minerais – asbestos”, em 28 de maio de 1991. 4- Lei nº 9055 que “disciplina a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte de asbesto amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais ou artificiais de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim e dá outras providências, em 1 de julho de 1995” (Mendes, 2001:20). René Mendes faz uma análise crítica das medidas quanto à rotulagem e suas modificações, uma vez que tendo sido retirada a frase: “respirar a poeira do amianto pode prejudicar gravemente sua saúde. O perigo maior é para os fumantes,” tendo sido substituída por “evite riscos”. E, uma vez que já era do conhecimento de todos o poder 50 cancerígeno da fibra há mais de 25 anos, o autor considera esta rotulagem um ato de leviandade (Mendes,2001:21). No que diz respeito aos limites de tolerância, estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, a portaria nº 1 de 1991 reduziu à metade o limite de tolerância para fibras respiráveis do asbesto crisotila de 4.0 para 2.0 fibras/cm3de ar, “valor que nascia completamente obsoleto posto que dez vezes superior ao então utilizado em outros países e 20 vezes superior ao valor recomendado por razões de saúde” (Mendes, 2001:21). A ratificação pelo Brasil da Convenção 162 da OIT, promulgada em 1991, é resultado da forte influência de lobbies dos países produtores e exportadores de asbestocrisotila, liderado pelo Canadá. Ao mesmo tempo que se proibia o uso do asbestosanfibólios (amosita, crocidolita, tremolita, antofilita, etc.), já banido na maioria dos países o Brasil protegia a crisotila, considerando-a inofensiva à saúde, quando utilizada em condições ditas seguras. Ressalta ainda que a lei 9055, de 1995, que proíbe a extração produção e comercialização de outras formas de asbestos que não a crisotila instrui na verdade a extração, produção e comercialização da crisotila. No mesmo texto da lei, faz-se referência a imposição de barreira à importação do asbesto crisotila como também a produção de fibras naturais e artificiais de qualquer origem, entre as quais estão as fibras substitutas da crisotila, de nocividade menos baixa, além da exigência que estas fibras naturais e artificiais fossem avaliadas quanto a comprovação do nível de agravo à saúde humana avaliada e certificada pelo Ministério da Saúde. O autor ressalta que não se tem conhecimento que o Ministério da Saúde costumasse avaliar o nível de agravo à saúde de qualquer mineral ou produtos químicos ou sintéticos, nem que este procedimento tenha sido usado para o asbesto-crisotila. Conclui o autor que o posicionamento brasileiro é inadequado e inaceitável no que se refere a proteção e a defesa da saúde humana, a vida e ao meio ambiente; valores que devem ser defendidos em todas as políticas públicas do nosso país ( Mendes, R. 2001). Ainda no Brasil, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), vem discutindo a proposta que estabelece a data limite para o uso do amianto até 31 de dezembro de 2005. É importante ressaltar que o empresariado da indústria de fibrocimento, apóia esta medida, sendo resultado de seu interesse econômico uma vez que dispondo de tecnologias alternativas, não quer concorrência mais barata no setor que venha prejudicá-la comercialmente. No que concerne ao apoio da indústria de 51 fibrocimento. A notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 30 de junho de 1999, elucida este ponto. A notícia diz que a multinacional francesa Saint-Gobain, que comercializa grande parte do amianto no mundo, deixará de produzir amianto no Brasil, reconvertendo as fábricas de cimento amianto, com a utilização de outras fibras alternativas. O correspondente Reali Junior de Paris, informa que a Saint-Gobain, uma das mais tradicionais empresas da França, decidiu afastar-se das atividades industriais de amianto no Brasil, que corresponde a 15% da Eternit. Segundo o delegado geral no Brasil Claude Breffort, que negociará com seus parceiros brasileiros a aplicação de um prazo para o banimento desta fibra a exemplo da União Européia, a decisão política é do governo brasileiro mas que as empresas devem adotar uma postura responsável. Acrescenta ainda que, por este motivo a Brasilit, empresa do grupo, está preparando uma reconversão para preservar o nível de emprego, e que os prazos de aplicação devem ser compatíveis, acreditando que o setor de fibrocimento necessitará de um prazo de cinco anos. Neste sentido, a Brasilit, já se afastou da Associação Brasileira do Amianto (ABRA), associação que defende os empresários que trabalham com asbesto e defendem o “uso seguro” da crisotila. Devido a posição das indústrias de fibrocimento, em substituir o amianto por PVA, houve uma cisão entre os demais empresários, perdendo desta forma a ABRA, a hegemonia enquanto entidade representante do empresariado. A indústria de fibrocimento organizou a ABIFIBRA, como sua legítima representante. Breffort diz que a decisão da União Européia de impedir a comercialização de qualquer tipo de amianto a partir de 2005 é um fato novo que não pode ser ignorado. Este fato não se limita apenas à Europa, mas ao Japão, e outros países que seguirão este mesmo caminho. Cita que o movimento de reconversão já está ocorrendo na Argentina e no Chile. (Informação internet- Fernanda Giannasi. 30.6.99). No que concerne à América Latina, três países já decretaram o banimento do amianto: El Salvador em 1992, o Chile em 2001e a Argentina que em 30 de julho de 2001 estabeleceu um prazo de 60 dias para banimento da produção de produtos como papel, papelão e filtros, e até 2003 deverá ser o amianto totalmente banido do país. Ao falarmos do banimento do amianto no Brasil, ou melhor da luta a favor do banimento, temos que nos reportar a Fernanda Giannasi, engenheira do trabalho e coordenadora da Rede Banasbesto para a América Latina, precursora no Brasil na luta contra o amianto, e grande inspiradora do movimento social organizado na defesa dos 52 direitos dos trabalhadores que estiveram expostos ao amianto e fundadora da ABREA (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) de Osasco, organizada em 1995. A Associação luta inicialmente pelo reconhecimento da existência das doenças relacionadas ao amianto, e apoio às vítimas que foram expostas no processo produtivo, para-ocupacionalmente e expostas através do meio ambiente. Ao nos reportamos ao movimento social organizado de banimento do amianto, a referência é o Seminário Internacional de Milão, marco de referência em nível mundial, realizado em abril de 1993, onde o amianto foi considerado perigoso sob qualquer forma, independente da quantidade, tanto no processo produtivo, quanto no processo extrativo, como também no transporte, transformação, utilização e eliminação dessa matéria prima. O documento intitulado “Apelo de Milão,” documento final do Seminário Internacional Bastamianto realizado na Itália, em 1993, recomenda proibir todas as formas de uso de amianto e reconversão para a substituição por outras matérias-primas menos nocivas à saúde. Esta recomendação não é apenas circunscrita à Europa, mas a todo o Planeta (Anexo III). Em 1994, o Seminário Internacional realizado em São Paulo, apoiou as diretrizes do Documento de Milão, recomendando em curto prazo a busca de “Um Mundo sem Amianto, e constitui a Rede Virtual Cidadã para o Banimento do Amianto (Anexo IV). “A Rede Virtual - Cidadã pelo banimento do Amianto, constituída a partir de março de 1994, pós Seminário Internacional” (Giannasi, 2000:2), “é uma rede mundial constituída por cidadãos de todos os Continentes dispostos a atuar, usando seu tempo de forma voluntária e sem renumeração, em defesa de um mundo sem amianto. Foi constituído durante o Seminário Internacional sobre o Amianto: Uso Controlado ou Banimento? Realizado entre 28 a 30 de março de 1994, em S. Paulo, promovido pela Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho), CUT, (Central Única dos Trabalhadores) e Força Sindical” (Ban-Asbestos Network-internet, 2002:1). A Rede Mundial Ban Asbestos (Ban-Asbesto network) foi criada com objetivo de lutar por um mundo desmiantizado e é composta por organizações não governamentais e movimentos sociais das Américas, Europa, como a Federação Ban Asbestos (Ban Asbestos European Federation-Baef) que organizou o Seminário em Milão em abril de 1993. Esta rede tem como objetivos; o compromisso de lutar por um 53 mundo livre de amianto num futuro próximo, apesar das barreiras geográficas, lingüísticas e políticas, denunciar as multinacionais do amianto e suas formas de intimidação e desinformação, que tentam confundir a opinião pública e os trabalhadores com a tese do uso controlado e seguro do amianto; apelar aos governos que ainda não baniram o amianto sob todas as suas formas, para que o façam imediatamente e que promovam o uso de produtos substitutivos menos nocivos, criando novos postos de trabalho e preservando os existentes, com a transição segura dos empregos; determinar a retirada de toda a estrutura que contenha amianto e promover ações para cuidar, supervisionar e indenizar as vítimas do amianto (Giannasi, 2000:2). O desenvolvimento da pesquisa sobre A Saúde e as Condições de Vida dos Trabalhadores de uma Indústria Têxtil de Amianto, trouxe uma realidade nova sobre os danos causados aos trabalhadores no Rio. Assim, o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, (CESTEH), através da Escola Nacional de Saúde Pública, organizou dois seminários: Um Seminário Nacional realizado em 15 e 16 de maio de 1997, onde pela primeira vez se discutia a situação de trabalhadores expostos ao amianto no Estado e se trazia a visibilidade aos agravos que atingiam os trabalhadores, com a participação das instituições públicas, das centrais sindicais, dos serviços da rede de saúde, das instituições de pesquisas e dos trabalhadores. Este evento gerou a Carta do Rio (Anexo V) e um elenco de propostas como a criação de um Fórum Estadual do Amianto, onde se discutiriam questões relacionadas ao atendimento aos trabalhadores, ao meio ambiente e ações de vigilância em saúde do trabalhador, tendo sido realizadas três reuniões neste sentido. Atualmente todas estas questões são discutidas na ABREA – Rio. Também realizou-se na Escola Nacional de Saúde Pública, organizado pelo CESTEH, com Convênio com a Universidade italiana de Padova, o Seminário Internacional, em 2, 3 e 4 de setembro de 1998, com o objetivo de discutir as fibras alternativas, as novas tecnologias que podem ser utilizadas no processo produtivo em substituição às fibras de amianto. Em decorrência da longa luta política e econômica, a regulamentação de leis a favor do banimento do amianto no Brasil é lento, resultado de um longo processo de negociação, acompanhado de avanços e recuos. Com propostas de projetos de leis, em nível federal, estadual e municipal de longa data. A partir de 1993, são elaborados projetos de lei, tanto a nível federal quanto estadual e municipal. Em 1993, o deputado federal Eduardo Jorge e deputado estadual 54 Roberto Gouveia (SP); o deputado Carlos Minc (RJ), e o Vereador Ítalo Cardoso (SP), elaboram projetos de lei para o banimento gradual do amianto. Em 1996, há a reapresentação do projeto de lei do deputado Eduardo Jorge (PT/SP) e do deputado Fernando Gabeira (PV/RJ), projeto 2.186, de 1996, com prazo para o banimento do amianto em um ano, após a aprovação da lei. (ABREA -Internet). Atualmente o projeto de lei está sendo discutido na Câmara dos deputados. Com a realização do Congresso Mundial do Amianto – Passado, Presente e Futuro, de 17 a 20 de setembro de 2000, em Osasco, amplia-se o número de municípios que tem leis favoráveis ao banimento do amianto. Antes do congresso, apenas os municípios de Mogi-Mirim e S. Caetano do Sul, tem leis favoráveis ao banimento. Após o congresso vários municípios de São Paulo aderiram ao banimento, como Americana, Bauru, Ribeirão Preto, Campinas, Jandira. Taboão da Serra, Jacareí, Amparo, Itapevi. Segundo informação da Abrea, Osasco, considera-se uma das cidades mais prejudicadas, pois teve em seu parque industrial várias indústrias de amianto, sendo decretado seu banimento pelo decreto número 8.983 de 12 de junho de 2001 (ABREABoletim, set, 2001:2) Do ponto de vista legal, a conjuntura nacional apresenta a seguinte situação: Os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul tiveram as leis de substituição progressiva da produção e da comercialização de produtos que contenham asbesto aprovadas em 2001. Com prazo diferenciado para o cumprimento da lei nos diversos setores: por exemplo, em S. Paulo proíbe-se de imediato o uso de asbesto em equipamentos de proteção individual e em até 12 meses em materiais de fricção e automotivos. O Estado do Rio Grande do Sul, proíbe em até três anos o uso do amianto em todo e qualquer estabelecimento industrial. No Rio de Janeiro, fica estabelecido para o setor automotivo, a proibição do uso asbesto, dentro de um prazo de dois anos e quatro anos para os outros usos industriais. O Estado de S. Paulo teve a lei 10.813 aprovada em 24 de maio de 2001; o Estado do Rio Grande do Sul a lei 11643 aprovada em 21 de junho de 2001; o Estado do Rio de Janeiro teve a lei 3579 aprovada em 7 de junho de 2001 e o Estado do Mato Grosso do Sul, apesar de ter tido a lei 2220 de 5 de janeiro aprovada no início de 2001, teve recentemente, em 2002, esta lei suspensa por pressões políticas e econômicas. 55 3 - AS CONDIÇÕES DE VIDA, TRABALHO E SAÚDE DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA TÊXTIL DE AMIANTO NO RIO DE JANEIRO. Iniciamos este capítulo com o histórico da fábrica e a enumeração de seus produtos, buscando caracteriza-la e ter uma compreensão das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores. Este capítulo nos situa na realidade objetiva e complexa dos trabalhadores, através da descrição das atividades e dos relatos de suas vivências no trabalho, dos aspectos penosos e prazerosos do trabalho, através da análise da atividade. A análise da atividade, através das entrevistas, reuniões e a análise coletiva de trabalho, nos possibilitou apreender a forma como o trabalho era desenvolvido, seu ritmo, suas dificuldades, o esforço necessário para desenvolvê-lo, a criatividade e os artifícios realizados para resolver a execução das tarefas no distanciamento entre trabalho prescrito e trabalho real. 3.1 - A Fábrica A empresa foi criada em 1948 e localiza-se desde sua fundação no bairro de Colégio, Rio de Janeiro. Ao longo de sua história, passou por diversas transformações e fases, com a diversificação de seus produtos e ampliação de suas instalações. Inicialmente teve como objetivo, produzir tubos de cimento amianto, telhas, caixas de água e outros produtos derivados do amianto. (Radar, ano1, nº1; 1986). A partir de 1958 suas atividades relacionaram-se à produção e transformação do amianto, em formas de papelões para isolamento térmico e para juntas de motores automotivos, e a criação da primeira fiação de amianto na América do Sul, através da assessoria técnica das maiores organizações mundiais deste setor: a americana Johns Manville, e a inglesa Turner Brother’s. Este contrato de assessoria técnica, vigora até o final da década de 60. A partir daí, tem a tecnologia necessária com seus próprios recursos, criando e desenvolvendo novas linhas de produtos” (Radar, ano 5, n.º 1, abril/maio; 1986). 3.1.1 - Histórico da Fábrica A reconstrução da história da empresa foi realizada a partir de suas próprias publicações internas. Foram consultados exemplares da Revista Radar A., publicadas 56 nos anos de 1986, 1988 e 1989. Portanto, a fonte de informação sobre o histórico da empresa será restrita a estas informações e aos dados coletados em entrevistas e reuniões junto aos trabalhadores da empresa. O crescimento da empresa, a partir de 1958, foi incentivada, através da política econômica do governo, de industrialização acelerada, com objetivo de abrir mercado para empresas que tinham interesse em fabricar produtos importados (Revista A. prateada), (Revista Radar, ano 1, n 1, 1986). Inicialmente a fábrica funcionava com 80 empregados. Contando no ano de 1987, período da publicação, com mais de mil empregados. Em 1964, com a Revolução e a crise político econômico do Brasil, e com o falecimento do dono da empresa, a empresa passa por várias dificuldades, inclusive sua administração passa a ser feita pela empresa americana Johns Manville. Esta situação é revertida pela organização de uma nova administração, no período de 1968 a 1976. Durante a administração de 1968 a 1976, época do Milagre Brasileiro, desenvolveu-se a linha ASA, cujos produtos são: juntas e acessórios industriais para vedação e isolamento e a linha SAPATAS - que produz freios de ferrovias. Inicialmente esta produção era desenvolvida em Colégio, e com a expansão, passou a ser desenvolvida em Campinas e Belford Roxo (Radar; A ano 1, nº 1, 1986). A empresa passa a contar com três unidades fabris: a fábrica de Colégio; a fábrica de Belford Roxo; e a ASA, em Campinas, São Paulo. Sua linha de produção desenvolve-se em três setores: Área têxtil - que compreende o desenvolvimento de fios, tecidos e gaxetas; Área de Laminados compreende o desenvolvimento de papelões para vedação e isolantes. Área de material de atrito - compreende o desenvolvimento de sapatas ferroviárias e revestimentos de embreagem (Radar A, ano 1, nº.2, 1986) 3.1.2 - Os Produtos Os materiais de isolação térmica são destinados à proteção do calor industrial. “São produtos têxteis ou laminados à base de fibras de amianto, vidro, cerâmica ou outras fibras minerais. Destinam-se às aplicações de materiais de proteção industrial como luvas, aventais e trajes industriais. Utilizados também, para isolamento térmico de tubulações na indústria química, petroquímica, construção naval, siderúrgica e na indústria em geral ” (Radar A - Edição prateada:3). 57 Para os materiais de vedação, dependendo de sua utilização são produzidos produtos diferenciados: “para vedação de eixos de bombas e válvulas, são fabricadas gaxetas impregnadas à base de fios de amianto, de fibras naturais como juta, rami e linho e, ainda de fios sintéticos... ” (Radar A - Edição prateada:4). Para vedação de flanges, são produzidos papelões hidráulicos e papéis de vedação de fibras de amianto ou outras, largamente usados na indústria em geral na fabricação de juntas para tubulações, e em autopeças, para a produção de juntas automotivas. Os Materiais de Atrito, são os “revestimentos de embreagens de automóveis, tratores e caminhões, além de sapatas para aplicações metro-ferroviária (Radar AEdição prateada: 5). Os Materiais de Proteção ao Fogo, são as portas e anteparas corta fogo que se “usam na construção naval e nas plataformas de exploração e perfuração “off-shore” (plataformas marítimas para exploração de petróleo)” (Radar A- Edição prateada:5). As Juntas Industriais - A empresa produz a “linha completa de juntas de vedação industriais compreendendo: juntas cortadas em papelão hidráulico, para aplicações severas de pressão e temperatura. Também fazem parte dos produtos as juntas de expansão metálicas, com foles em aços inoxidáveis e ligas especiais, aplicadas em tubulações de elevadas pressões e temperaturas e escapamentos de motores de alta potência” (Radar A- Edição prateada: 6). 3.1.3- As Instalações Fabris As fábricas da empresa são três, localizadas nos bairros de Colégio e Belfort Roxo, no Estado de São Paulo em Campinas. 3.1.3.1- A Fábrica de Colégio A primeira fábrica da empresa ocupa uma área de 45.000 m², com 25.000 m² cobertos, no bairro de Colégio, no Rio de Janeiro. Nesta unidade estão localizadas: a produção têxtil, as instalações de papelão hidráulico e papéis de vedação, assim como o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento. A fábrica de Colégio teve início em 1948, mas a partir de 1958, foi reequipada e adquiriu tecnologia necessária para o desenvolvimento de produtos na área de 58 isolamento e vedação. Em 1977, com a criação do setor de Engenharia e Desenvolvimento ampliou sua linha de produtos. Estrutura-se basicamente em duas áreas: 1- Área têxtil - “compreende a produção de fios e tecidos isolantes, de fibra de vidro, de fibra cerâmica, de fibra aramídica e de gaxetas, secas e impregnadas. Esses produtos são aplicados no isolamento térmico de tubulações ( para indústria naval siderúrgica, química e petroquímica), na proteção industrial (luvas, aventais, trajes de bombeiros) e na vedação de eixos de bombas e válvulas. 2- Área de Laminados - compreende a produção de papelões hidráulicos e isolantes, aplicados em motores, bombas, válvulas e plataformas, foguetes, reatores, na vedação de flanges etc, (para indústria automobilística, petroquímica, aeronáutica, nuclear e refinarias) (Radar A, nº4, ano II –1987:5). O papelão hidráulico é um material de vedação de fluidos destinados à fabricação de juntas. “A....é pioneira no Brasil, na produção e no fornecimento de papelão hidráulico na América Latina... Todo papelão hidráulico deve ter uniformidade de composição, elasticidade, densidade e resistência à deterioração, o que possibilita calcular o resultado do serviço de juntas com bastante precisão: devendo também, considerar seriamente as características do fluido a ser vedado, assim como sua aplicação. Existindo, assim, vários tipos de papelões, cada qual com uma compressão de aperto, temperatura e pressão de trabalho adequados à sua utilização (Radar A, nº 7 ano 3, jan.1988:2). A empresa desenvolveu diferentes tipos de papelões para atender as mais diversas aplicações para vedações de fluidos, sejam líquidos ou gasosos, ácidos ou básicos, em severas condições de pressão e temperatura (Radar A- nº 7, ano 3, 1988). No que concerne aos benefícios, a fábrica de Colégio oferece: serviço médico e dentário; transporte coletivo; estacionamento gratuito; escola para crianças entre 2 e 6 anos de idade; prêmios de produção; quadra de esportes (Radar A-nº4, ano I, 1987). 3.1.3.2 - Fábrica de Belford Roxo A fábrica de Belfort Roxo é onde se produzem materiais de atrito e a linha de portas e anteparas navais corta-fogo. Situa-se no município de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. Ocupa uma área de 50.000 m2, com 10.000 m2 cobertos. 59 A fábrica de Belfort Roxo foi inaugurada em 1978, para atender o mercado de construção naval, fornecendo placas incombustíveis para proteção contra fogo, utilizadas nos alojamentos de navios e plataformas offshore (plataforma marítima para extração de petróleo); produzindo painéis para divisórias e forros e portas corta-fogo, para área naval e industrial, como também, sapatas de freios para ferrovias e disco de embreagem para a indústria automotiva (Radar A - nº13, ano IV, 1989). 3.1.3.3- A fábrica de Campinas Empresa onde são produzidas as juntas de vedação e expansão, situa-se em Campinas, S. Paulo, e possui uma área coberta de 5.500 m², num terreno de 35.000 m². A divisão foi criada em 1970, devido a necessidade da empresa em atender ao mercado de juntas industriais. A fábrica X passou a liderar o setor de vedação (Radar; A. nº 3 ano I, 1986). Seus principais produtos são: juntas de vedação (cortadas em papelão) e juntas de expansão. O primeiro tipo é usado na vedação de flanges, em tubulações de equipamentos; e o segundo na absorção de dilatação térmica e vibrações em tubulações e equipamentos (Revista Radar A- nº 3, ano I, 1986). 3.1.4 - A Exportação No que se refere à exportação dos produtos produzidos para o mercado internacional, há exportação de produtos para os Estados Unidos, através de um distribuidor exclusivo, atendendo aos distribuidores como também as empresas processadoras de matérias primas, nos Estados Unidos e Canadá. “Os produtos comercializados, pela.... são, na sua maioria, materiais não amianto, com destaque para os papelões hidráulico, as gaxetas sintéticas, os foles metálicos e as juntas ....” (Radar A- ano IV, 1989:11). 3.1.5- Novas Tecnologias e Produtos sem Amianto Observa-se através das publicações de 1986 em diante, a preocupação da empresa em substituir o amianto por novas tecnologias. Esta mudança está relacionada ao interesse do mercado internacional e ao questionamento sobre a saúde. Portanto, a 60 postura da empresa em não reverter todo o processo produtivo, sem utilizar amianto, não se relaciona ao descobrimento de novas tecnologias e de suas repercussões na sociedade. Localizado na fábrica de Colégio, o setor de Engenharia e Desenvolvimento, criado em 1977, “tem como objetivo a independência tecnológica, através da pesquisa de novas matérias primas; do desenvolvimento de novos produtos e também do aprimoramento dos processos atuais” ( Radar A, ano I, nº 2, 1986:8). O setor de Engenharia e Desenvolvimento se divide da seguinte forma: laboratório químico e o laboratório físico. Possuía no período 31 funcionários. A fábrica investiu de forma prioritária, no centro de desenvolvimento, no centro de pesquisa, que conta com uma equipe de engenheiros e técnicos especializados nas diversas tecnologias utilizadas pela empresa, como: os processos têxteis, fabricação de papéis, e papelões especiais e processamento de materiais de atrito. As publicações da empresa fazem referência ao interesse do mercado internacional em produtos sem amianto. A partir deste fato, o setor de Engenharia e Desenvolvimento teve grande impulso, passando a ser sua principal atividade o desenvolvimento de produtos sem amianto e o conseqüente domínio das tecnologias que possibilitam a fabricação destes produtos. Em todas as suas publicações a empresa ressalta a importância dos produtos sem amianto e a utilização de tecnologias alternativas, enfatizando o Setor de Engenharia e Desenvolvimento. “O trabalho da Engenharia e Desenvolvimento é de suma importância para o futuro. Daqui a 5 anos a empresa terá uma linha de produtos de tecnologia muito diferenciada em relação à atual, o que irá manter sua liderança no mercado. Estes novos produtos sairão do E. D” (Radar A, 1986:8). Percebe-se a preocupação quanto ao mercado internacional. “De alguns anos para cá, quando o mercado internacional começou a demonstrar interesse em produtos sem amianto, o setor de Engenharia e Desenvolvimento (E. D.) ganhou grande impulso. A partir de então, a principal atividade passou a ser o desenvolvimento de produtos sem amianto e o domínio das tecnologias que possibilitam a fabricação destes produtos, o que vem se seguindo” (Radar A, ano1, nº 2, 1986:8). No que concerne a questão da saúde é uma preocupação apontada pela própria empresa: 61 “Há alguns anos, só fabricava tecidos de amianto, pois até então este produto era utilizado em quase todas as aplicações de isolante térmico. Com o passar do tempo, o uso do amianto foi sendo questionado por entidades de saúde a nível nacional e internacional, e ao mesmo tempo foram surgindo outras fibras que apresentavam vantagens comparativas em classes de aplicação específicas (...)” (Radar A, nº12, ano IV, 1989:10). “Além da tradicional linha de tecidos de amianto, a empresa fabrica tecidos cerâmicos, para isolamento térmico; de fibra de vidro, para isolamento elétrico e filtração de metais fundidos; de fibras aramidas, como o KV444, para luvas e o ASA 710, à prova de bala”(Radar A, nº12, ano IV, 1989:10) A partir do setor de pesquisa, (Engenharia e Desenvolvimento) a empresa diversificou seus produtos, e hoje, lidera um grupo de empresas que fabricam e comercializam aproximadamente 4000 diferentes produtos atuando tanto no mercado interno como externo. No que diz respeito ao mercado externo, a publicação faz a seguinte ressalva: “Esta participação crescente das exportações nos negócios, assume maior significado, considerando que os produtos exportados são, na maioria, de nova tecnologia, com utilização de fibras alternativas ao amianto.” De acordo com estas publicações, constatamos a existência de diversos produtos sem amianto em todas as linhas de produção. 1- “A área têxtil, que compreende o desenvolvimento de fios, tecidos e gaxetas; as principais fibras alternativas que estão sendo empregadas são a fibra de vidro (cuja produção está sendo consideravelmente aumentada na tecelagem); a fibra aramídica e outras resistentes à temperatura. No segmento de tecidos para proteção industrial o KV-444 já conquistou a aprovação de grandes usuários como Volkswagen e General Motors” (Radar A, 1986:8). A publicação da revista Radar, em 1986, já faz referência ao primeiro papelão hidráulico nacional sem amianto, o NA-1000 (Revista Radar A, 1986). A publicação da Revista Radar de 1988 diz: “mais recentemente a......lançou no mercado interno e externo o primeiro papelão hidráulico sem asbesto, o NA 1000. Este papelão de uso geral é largamente utilizado nos Estados Unidos e na Europa, sendo muito competitivo tanto em preço quanto em qualidade. 62 Este ano, a empresa ... está lançando mais dois papelões nesta mesma linha o NA 1010 e o NA 1020, como resposta ao sucesso do NA 1000 e as crescentes expectativas do mercado consumidor”(Radar A, ano III, 1988:3). 3 - Área de material de atrito compreende o desenvolvimento de sapatas ferroviárias e revestimentos de embreagem, e em cada uma dessas linhas já existem produtos sem amianto, em fase de aprovação final junto aos clientes. É importante notar que em suas próprias publicações fazem referência à substituição do amianto, por tecnologias alternativas. No que se refere ao Centro de Pesquisa diz: “Os esforços deste grupo estão hoje concentrados em pesquisar e desenvolver o uso de fibras alternativas para atender as principais aplicações dos nossos mercados. Os resultados atingidos até o presente momento são bastante animadores, pois já oferecemos ao mercado uma gama completa de produto à base de fibras alternativas que cobrem a maioria das necessidades no nosso campo específico de aplicação” ( Radar A- edição Prateada:7). O resultado desta política de investimento contínuo resultou na posição que tem hoje, nos setores em que atua, sendo responsável por um volume de negócios superior a 60 milhões de dólares/ ano.” ( Radar A, edição prateada:2). Outra área de ação importante é a Engenharia de Projetos, que se dedica ao projeto e montagem de máquinas, equipamentos e instalações industriais. Um dos itens a ser estudado pela engenharia de projetos é a melhoria da qualidade do ar ambiental em várias seções de produção, através da redução das partículas em suspensão (Radar A, nº2, ano I, 1986). Diante do que foi exposto pelas publicações da própria empresa, fica constatado o conhecimento e adoção de novas tecnologias alternativas ao amianto pela própria empresa e o uso de produção diferenciada tanto para o mercado nacional como para o mercado internacional. Esta diferenciação relaciona-se ao fato do mercado internacional não aceitar produtos contendo amianto na sua fabricação. Portanto, esta postura é resultado de uma política econômica prejudicial aos interesses dos trabalhadores e favorável ao lobby empresarial e corporativista de manutenção da fibra de amianto na produção nacional. 63 3.2 – A Pesquisa A pesquisa com os trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto foi a base dos dados referentes à realidade objetiva e subjetiva dos trabalhadores, sobre a qual foi construído o conhecimento da realidade concreta. A partir do real, como o tempo de serviço, atividades desenvolvidas e o diagnóstico de saúde, elaborado pelo médico da equipe foi possível realizar as relações e correlações dos dados que possibilitaram a análise das condições de saúde e trabalho. O significado do trabalho também abordado será tratado especialmente no último capítulo da tese. 3.2.1- A Metodologia A metodologia da pesquisa e o trabalho social se desenvolveram através de entrevistas individuais, possibilitando a criação de um banco de dados e, ao mesmo tempo, o desenvolvimento do trabalho em grupo. Foram realizadas 41 entrevistas, com trabalhadores atendidos pelo ambulatório do CESTEH, As entrevistas foram feitas através de questionário, com questões fechadas e abertas, abordando os seguintes termos: Dados pessoais, sociais, situação de trabalho atual, condições em que exerceram seu trabalho, condições de saúde e riscos de trabalho, significado do trabalho, relações sociais, relações de gênero, etc. O estudo se deu através do acompanhamento dos trabalhadores e trabalhadoras demitidos de uma fábrica de amianto, possibilitando um estudo epidemológico descritivo, e pretende contribuir para a elaboração de medidas preventivas para este setor da produção, através de órgãos competentes, como o Ministério da Saúde, as Secretarias Estaduais e Municipais e a própria Fundação Oswaldo Cruz. 64 3.2.2- Os Dados Sociais A pesquisa que deu origem ao presente relatório foi realizada com 41 trabalhadores demitidos de uma fábrica têxtil de amianto no Rio de janeiro e teve a seguinte distribuição: foram entrevistadas 23 mulheres e 18 homens durante o ano de 1998 e início de janeiro de 1999 (Gráfico 1). 57% Mulheres Homens-18 Mulheres-23 Frequência 43% Homens Gráfico 1 Amianto- Rio de Janeiro, 1998/1999 Distribuição dos trabalhadores por sexo de uma indústria têxtil de A população estudada correspondeu a 57% do sexo feminino e 43% do sexo masculino. Na época da pesquisa, os trabalhadores encontravam-se na faixa etária entre 33 a 68 anos de idade, correspondendo a uma média de 51 anos. 3.2.2.1- A Entrada na Fábrica A idade inicial que os trabalhadores deram entrada na fábrica variava de 18 a 42 anos e a admissão média dos trabalhadores foi de 28 anos de idade. 3.2.2.2- A Saída da Fábrica A saída dos trabalhadores, incluía trabalhadores de 22 a 61 anos, entre demitidos e aposentados da fábrica. A idade média na época da demissão foi de 43 anos de idade. Excluindo-se os 8 trabalhadores aposentados, que compreende 15,5% da amostra, a idade média dos trabalhadores demitidos foi de 40 anos 65 3.2.2.3- Ocupação na Empresa Quadro 1 – Ocupação na Empresa - Trabalhadores da Indústria textil do amianto Rio de Janeiro, 1998-1999. Setor Freqüência Percentual % 19 46.4% Papelão Hidráulico ( P H ) 7 17.0% Tecelagem 9 22.0% Eletricista de máquinas 1 2.4% Copeiro 1 2.4% Manutenção de parte elétrica 1 2.4% Gaxeta 3 7.4% Total: 41 100.0% Fiação Entre os trabalhadores entrevistados, o setor de produção que concentra o maior número de trabalhadores é a fiação, com 46.4%, em segundo lugar temos a tecelagem com 22%; setores predominantemente femininos. Em seguida vem o PH, que corresponde a 17%, setor predominantemente masculino. (Quadro 1 e Gráfico2). 66 Gráfico 2 Distribuição dos trabalhadores segundo setor de produção em uma Indústria Têxtil de Amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. copa 19 20 manutenção de parte elétrica 18 16 eletricista de máquinas 14 gacheta 12 9 10 7 8 PH tecelagem 6 3 4 2 2,4% 2,4% 22,0% 46,4% 7,4% 2,4% 17,0% 1 1 fiação 1 0 A maioria dos trabalhadores desenvolveram diversas atividades na fábrica, passando por setores distintos, que exigiam do trabalhador conhecimento de diversas funções. 3.2.2.4- O Tempo de Serviço Pelo gráfico 3 observa-se que o tempo de serviço situa-se entre 3 e 27 anos de contrato, na mesma empresa. A maior concentração dos trabalhadores se dá no período de 10 a 15 anos de trabalho, período em que a maioria foi demitida. A média de permanência na atividade laborativa gira em torno de 15 anos de trabalho. 67 Gráfico 3 Distribuição dos trabalhadores por tempo de serviço em uma indústria têxtil Amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. 40 35 30 25 39% 20 32% 15 17% 10 16 trab. 5 13 trab. 12% 7 trab. 5 trab. 0 tempo de serviço 3-9 anos 10-15 anos 16-21 anos 22-27 anos Entre os trabalhadores com onze anos de serviço, três distribuem-se da seguinte forma: 11 anos, 11 anos e 2 meses e 11 anos e 6 meses. Os demais tem 13,14,14 anos e 6 meses,17 anos , 18 e 19 anos. Acima de 20 anos, distribuem-se entre: 20,21,24,25 e 27 anos de trabalho na fábrica. 68 Gráfico 4 Níveis de Escolaridade de trabalhadores de uma indústria têxtil. Rio de Janeiro, 1998-1999. 1º grau incompleto 34,1% Alfabetizado 2,5% 1º grau completo 63,4% 3.2.2.5- A Escolaridade O nível de escolaridade dos trabalhadores concentra-se em sua grande maioria, no 1º grau incompleto, situado em torno do 3º ano do antigo primário. Vinte e seis trabalhadores (63.4 %) incluem-se nessa faixa; um trabalhador (2,5%) tem apenas a alfabetização, e, quatorze trabalhadores (34.1%), possuem o 1º grau completo. É importante ressaltar, que nenhum trabalhador entrevistado possui o 2º ou 3º grau completos. (Gráfico 4). Na fábrica todos os trabalhadores tiveram "treinamento." Embora, não tenha sido este treinamento qualificado e fornecido por profissionais responsáveis para essa função. Os trabalhadores aprendiam com outro colega, que já estava na fábrica há mais tempo, era orientado também, em alguns casos, pelo contramestre. Na maioria das vezes, o período de treinamento variava de uma a duas semanas. 69 3.2.2.6 - O Estado Civil Quadro 2: Estado Civil dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. Estado Civil Freqüência Percentual Casados 28 68.3% Viúvos 3 7.3% Divorciados 1 2.4% 2º Casamento 3 7.3% Desquitados 1 2.4% Solteiros 5 12.3% 41 100.0% Total: Dos quarenta e um trabalhadores entrevistados, consideramos aqueles que moram com companheiros ou companheiras como casados. O quadro da situação civil dos trabalhadores descreve como 68.3% casados e 12.3 como solteiros. Encontra-se dividido da seguinte forma: 3.2.2.7- A Moradia: Dos 41 trabalhadores entrevistados, a totalidade dos trabalhadores moram no subúrbio e na baixada fluminense do Rio de Janeiro. (Gráfico 5) 70 Gráfico 5 Distribuição de moradia dos trabalhadores de uma indústria têxtil por bairros da periferia e suburbio do RJ. 1998-1999 Honório Gurgel Rocha Miranda Bento Ribeiro Percentual 30,0% São João de Meriti Colégio 27,0% Coelho Neto 25,0% Irajá 17,1% Anchieta 20,0% Barros Filho 15,0% 9,8% 9,8% 10,0% 4,9%4,9% 4,9% 2,4% 4,9%4,9%4,9%4,9% 4,9%4,9% 4,9% 4,9% Engenho da Rainha Guadalupe 5,0% 0,0% Coelho da Rocha Costa Barros 1 Bairros Magalhães Bastos Realengo Santíssimo Um número expressivo de trabalhadores reside nas proximidades da fábrica. Cerca de 17.1% dos trabalhadores são vizinhos da fábrica, no bairro de Colégio. Este é um dado que deve levar-se em conta, devido a possibilidade de poluição do meio ambiente pela fibra do amianto, prejudicando não somente os trabalhadores, que manipulam diretamente o amianto, como suas famílias e moradores que se encontram dentro da área exposta à esta poluição. Observa-se também a rede de relações de amizades, pois 27% dos trabalhadores residem em São João de Meriti, sugerindo o emprego na fábrica por relações de vizinhança, amizade ou parentesco. 71 3.2.2.8- A Propriedade da Moradia Gráfico 6 Distribuição dos trabalhadores de uma indústria têxtil quanto à propriedade de moradia. Rio de Janeiro, 1998,1999. Mora c/ a sogra 2,4% Alugada 7,5 Própria não quitada 2,4% Própria Fundo da casa de familiares Mora c/ a sogra Fundo da casa de familiares 4,8% Própria 82,9% Alugada Própria não quitada Quanto a propriedade de moradia observa-se através do gráfico 6, que 82.9% dos trabalhadores residem em casa própria quitada, mas algumas situadas no terreno de casas de parentes. De acordo com os relatos dos trabalhadores todas as residências possuem água, luz e esgoto ligadas à rede oficial. 72 3.2.2.9- O Estado de Origem Gráfico 7 Naturalidade dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. 2,4% 2,4% 2,4% Rio de Janeiro 7,3% Espirito Santo 7,3% Bahia 53,9% Minas Gerais Paraíba 24,3% RGN Alagoas Embora a totalidade dos trabalhadores morem no Rio de Janeiro, percebe-se uma grande diversidade em suas naturalidades. O gráfico 7 apresenta a distribuição dos trabalhadores, segundo estado de origem. Outro fato de suma importância, levantado pela pesquisa, é a ligação dos trabalhadores que residem no Rio de Janeiro, com outras pessoas, parentes ou amigos de seu estado de origem, que são incentivados pela direção da empresa a chamá-los para trabalhar na mesma. O percentual de 24.3% de trabalhadores naturais do Espírito Santo, revela a rede de relações familiares que a empresa utiliza para contratar os trabalhadores. 3.2.3- Os Dados Epidemiológicos Os dados epidemiológicos foram fundamentais para a elaboração da análise, permitindo a correlação entre o diagnostico, tempo de serviço, posto de trabalho, a história ocupacional, que nos permitiu, junto com a análise do trabalho, ter um quadro das condições de trabalho e saúde dos trabalhadores. 73 3.2.3.1- O Diagnóstico Gráfico 8 Trabalhadores com diagnóstico de asbestose em uma indústria têxtil de amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. Trabalhadores com diagnóstico de asbestose 36% Normais 64% Dos quarenta e um trabalhadores entrevistados, 15 foram diagnosticados como portadores de asbestose e 26 foram considerados normais, correspondendo a 36% da pesquisa (Gráfico 8). 74 Gráfico 9 Distribuição por sexo dos Trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto com diagnóstico de Asbestose. Rio de Janeiro, 1998-99. Masculino 40% Feminino 60% Entre os trabalhadores com diagnóstico de asbestose 60% corresponde a 9 trabalhadores do sexo feminino e 40 %, corresponde a 6 trabalhadores do sexo masculino. (Gráfico 9). 3.2.3.2 - O Diagnóstico e Tempo de Serviço Dos quinze casos diagnosticados com asbestose, correspondendo a 36% da amostra, o tempo médio de serviço na empresa foi de 17 anos (Gráfico 10). No entanto, isso ocorre porque três trabalhadores tem mais de vinte anos de trabalho na empresa, elevando dessa forma a média do tempo de serviço. 75 Quadro 3: Trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto com diagnóstico de asbestose segundo tempo de serviço e função. Rio de Janeiro, 1998-1999. Nome ( Iniciais ) Tempo de Serviço Função na Trabalho Atual Diagnóstico Empresa C. M. A . 25 anos Tecelã D. P. S. 13 anos Eletricista Aposentada Asbestose de Aposentado Asbestose máquinas D. C. A . 21 anos Fiandeira Aposentada Asbestose E S. 11 anos e 6 meses calandrista, Trabalha na GE Asbestose Aposentado, Asbestose trabalhou no PH I. D. O . 18 anos Gaxeta/ fiação trabalha na feira. M. L.C. 11 anos Fiandeira Merendeira no Asbestose município de Paraty. M. A . G. S. 19 anos Tecelã Aposentada Asbestose M. L. V. 9 anos Fiandeira Desempregada Asbestose N. S. S. 20 anos Gaxeta / fiação Desempregado, faz Asbestose trabalhos informais e trabalha em barraca de bebidas. O .S. 24 anos Calandrista Aposentado, tem Asbestose barraca de bebidas. R. A . A . 14 anos R. M. N. V. C. Fiandeira Aposentada Asbestose 11 anos e 2 meses Fiandeira Desempregada Asbestose 27 anos Aposentado Asbestose Asbestose Fiação/ Cardista V. M. 17 anos Fiandeira Desempregada W. F. 14 e 6 meses Fiandeira Licenciada pelo INSS Asbestose Total: 15 Trabalhadores. Freqüência = Mulheres: 9 Homens: 6 (três na fiação; um eletricista de máquinas; dois no PH) 76 Gráfico 10 Tempo de serviço dos trabalhadores e diagnóstico de asbestose dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto . Rio de Janeiro,1998-1999. 7 9-15 anos 5 16-21 anos 3 22-27 anos 46,7% 33,3% 20,0% Observa-se que 46,7% dos casos, em número de 7 trabalhadores, situa-se entre 9 a 15 anos de serviço. É importante ressaltar, que uma trabalhadora apresenta o diagnóstico de asbestose com apenas 9 anos de serviço. Estes dados revelam a intensificação da exposição dos trabalhadores ao asbesto, através do posto de trabalho. A realização de horas extras, aumentando o tempo de exposição à fibra, significa também o maior dispêndio de energia, e o esforço físico . De 41 trabalhadores, 15 tem o diagnóstico de asbestose. (quadro 3) Os trabalhadores que não tem o diagnóstico de asbestose, reclamam em sua totalidade de falta de ar e demais problemas, tais como dores nas articulações, sistema nervoso abalado, dores de cabeça, problemas dermatológicos, etc. Dentre estes trabalhadores que desenvolveram algum tipo de problema de saúde, podemos citar o exemplo de quatro trabalhadores, que assim que retornaram de suas internações médicas foram demitidos. Estes trabalhadores apresentavam o diagnóstico de Tuberculose e pneumonia. 77 3.2.3.3- Diagnóstico de Asbestose e Posto de Trabalho: A Fiação a Tecelagem e o Papelão Hidráulico (PH) : Gráfico 11 Diagnóstico de asbestose e Posto de Trabalho dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. PH 13% Tecelã 13% Eletricista de máquina 6% Fiação 68% Frequência Fiação-10 Elet. de máquina-1 Tecelã-2 PH-2 Pelo gráfico 11 observa-se que dez trabalhadores com diagnóstico de asbestose desenvolveram suas atividades na Fiação, dos quais 7 eram mulheres e três homens que desenvolviam suas atividades, um na calandra e dois na gaxeta. A fiação é o setor considerado como um dos mais poluídos devido a presença excessiva poeira de amianto no ambiente. Os demais trabalhadores distribuem-se da seguinte forma: duas trabalhadoras da tecelagem, um eletricista de máquina; dois calandristas, cuja função é exercida no setor denominado PH (papelão hidráulico), que junto a fiação é considerado um dos setores mais insalubres e perigoso, pois além do amianto, existe também a exposição a solventes químicos. 78 3.2.3.4 – O Diagnóstico de abestose, Distribuição por Sexo e Posto de Trabalho. Gráfico 12 Diagnóstico de asbestose por Sexo e Posto de Trabalho dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto- Mulheres. Rio de Janeiro, 1998-1999. Tecelagem 22% Fiação 78% Frequência Tecelagem- 2 Fiação- 7 A fiação é o setor considerado pelos trabalhadores como o mais poluído, e é o setor de produção que mais adoece e aloca o maior número de trabalhadores. É um setor predominantemente feminino. 79 Gráfico 13 Diagnóstico de asbestose por Sexo e Posto de Trabalho dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto- Homens. Rio de Janeiro, 1998-1999. Eletricista de máquina 17.7% Fiação + uma função 50% PH 33.3% Frequência Fiação- 3 PH-2 Eletricista de máquina-1 Pelo gráfico 13, observa-se que entre os trabalhadores homens com diagnóstico de asbestose três trabalharam na fiação, dois no PH e um exercia a função de eletricista de máquina. A distribuição por sexo desses setores produtivos, segue a racionalidade da divisão sexual do trabalho nas empresas, onde os postos de trabalho femininos, como a fiação, exige uma atividade repetitiva e intensa, com habilidade, destreza manual, além de força e atenção, e os postos de trabalho masculinos, como o PH (papelão hidráulico), onde a insalubridade e o perigo são predominantes. O setor denominado PH, é o setor considerado por todos trabalhadores como o mais perigoso e é predominantemente masculino. 80 3.2.3.5 - A História Ocupacional Gráfico 14 Ocupações anteriores dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. Não tiveram ocupações anteriores 17,0% 48,7% Empregadas domésticas e agricultura Tecelagem 29,5% 4,8% Outrasatividades atividades (comerciário,servente Outras ( comerciário, de obra, trocador de ônibus, deservente obra, tracador de ônibus, metalurgia, metalurgia, auxiliar de auxiliar de produção, etc.) produção,etc.) Observa-se pelo gráfico 14, a história ocupacional dos trabalhadores onde 17.0% não tiveram nenhuma experiência de trabalho anterior à fábrica de amianto. As atividades de emprego doméstico e trabalho na agricultura correspondem a 29.5%. Apenas três trabalhadores, correspondendo a 4.8 % da amostra, desenvolveram atividades em tecelagem, fiação e de auxiliar de produção em um moinho. As demais atividades, em número de vinte trabalhadores, tais como metalúrgico, trocador de ônibus, comerciário, servente de obra, auxiliar de produção, etc, correspondem a 48.7% dos trabalhadores. Portanto, a história ocupacional não relata nenhuma atividade anterior com asbesto, sendo a morbidade dos trabalhadores, resultante do trabalho desenvolvido nesta única indústria. 81 3.2.3.6 - Trabalhadores que possuem familiares trabalhando na fábrica Trabalhadores com familiares empregados em uma indústria têxtil de amianto I. Rio de Janeiro 1998-1999. Grafico 15 39% 61% Outro fato que é de suma importância, levantado pela pesquisa, é a ligação dos trabalhadores que residem no Rio de Janeiro, com outras pessoas, parentes ou amigos, de seu estado de origem, que são incentivados pela direção da fábrica a chamá-los para trabalhar na mesma. O percentual de 24.3 % de trabalhadores naturais do Espirito Santo, revela, a rede de relações entre eles. Dos 41 trabalhadores entrevistados, 16 tem ou tiveram familiares que trabalharam na empresa, correspondendo a 39 % dos trabalhadores. Vinte e cinco trabalhadores não possuem parentes trabalhando na fábrica, correspondendo a 61% dos entrevistados. 82 Gráfico 16: Trabalhadores com familiares em uma indústria têxtil de Amianto II. Rio de Janeiro 1998-1999. 60% 50,0% 50% 40% 30% 25,0% 25,0% 20% 10% 0% 4 trabalhadores possuem mais de 4 trabalhadores possuem de dois a 8 trabalhadores possuem apenas quatro familiares na fábrica quatro familiares na fábrica um parente na fábrica É importante observar que, desses, 25% em número de 4, tem mais de quatro familiares na fábrica. Temos ainda 25% que possuem de 2 a 4 familiares na empresa. Ressalta-se a situação de quatro trabalhadores, cujos familiares que trabalharam na fábrica, apresentam o diagnóstico de asbestose. Três trabalhadores, entrevistados pela pesquisa, que são irmãos, possuem o diagnóstico de asbestose; relatam ainda que mais dois irmãos, dois primos e um cunhado, possuem o mesmo diagnóstico. Com o tempo de trabalho que varia de 11 a 25 anos de trabalho. Sobre os demais parentes que trabalharam ou trabalham na fábrica eles desconhecem o diagnóstico. Outra trabalhadora, com 21 anos de trabalho, e com o diagnóstico de asbestose tem o marido com estágio avançado da doença, o cunhado e a irmã também com diagnóstico de asbestose. 83 3.2.3.7- Situação de Trabalho Atual Por ocasião da saída da fábrica dos 41 trabalhadores entrevistados, apenas 8, correspondendo a 19.5% da amostra, foram aposentados, os demais foram demitidos da empresa, e, com o decorrer do tempo muitos trabalhadores completaram o tempo de aposentadoria. A situação de trabalho atual apresenta o seguinte quadro (quadro 4): 10 trabalhadores, correspondendo a 24% do total, estão demitidos e desenvolvem atividades de trabalho informal. Oito trabalhadores, correspondendo a 19.5%, estão empregados no mercado formal; 6 trabalhadores, correspondendo a 14.6%, estão aposentados com outras fontes de renda, desenvolvendo trabalhos no mercado informal; 12 trabalhadores, correspondendo a 29.4%, estão aposentados e não possuem outras fontes de renda, e, finalmente 5 trabalhadoras, todos do sexo feminino, correspondendo a 12.1%, estão demitidas e impossibilitadas de trabalhar devido as precárias condições de saúde, resultantes dos anos de trabalho na indústria têxtil do amianto, principalmente no setor da fiação. Quadro 4 - Situação de trabalho atual dos trabalhadores da Indústria têxtil do amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999 Trabalhadores Trabalhadores Trabalhadores Trabalhadores Trabalhadores Demitidos/Fora do Empregados Aposentados c/ Aposentados s/ Demitidos mercado de (Merc. Formal) outras fontes de outras fontes de Impossibilitados formal trabalho renda. renda. de Total Geral trabalhar devido à saúde 10 8 6 12 5 41 24.4% 19.5% 14.6% 29.4% 12.1% 100% 84 - 10 Gráfico 17: Situação de Trabalho atual dos trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto. Rio de Janeiro, 1998-1999. Trabalhadores demitidos fora do Mercado Formal de trabalho 24.4% -8 Trabalhadores empregados no Mercado Formal de trabalho 19.5% 12% 24% -6 Trabalhadores aposentados com outras fontes de renda 14.6% 29% 20% 15% - 12 Trabalhadores aposentados sem outras fontes de renda 29.4% -5 Trabalhadores demitidos impossibilitados de trabalhar devido a saúde 12.1% Entre os dez trabalhadores demitidos que desenvolvem atividades no mercado informal de trabalho, seis são mulheres e quatro são homens. As atividades femininas distribuem-se entre: duas costureiras, uma artesã, uma vendedora de doces em barraca, (camelô) e duas trabalham como dona de casa exclusivamente. As atividades masculinas dividem-se em: vendedores em barracas de bebidas e doces como trabalhadores ambulantes, alguns também desenvolvem paralelamente a atividade de ajudante de pedreiro e eletricista. 85 Os trabalhadores demitidos e inseridos no mercado formal, no total de oito, dividem-se em seis homens e duas mulheres. Entre as mulheres, uma trabalha como merendeira em uma escola municipal e a outra trabalhadora é caixa de uma loja comercial. Entre os homens, um é marceneiro, dois são operários em fábrica de lâmpada e indústria de alimentos e os três trabalham em firma de limpeza. Dos trabalhadores aposentados, em número de dezoito, doze não possuem outra fonte de renda e seis possuem outros rendimentos. Dos que possuem outra fonte de renda, as atividades de trabalho se dividem em: um operário em fábrica de papel, três trabalham com barracas de bebidas e roupa, e outro trabalha como eletricista. É importante esclarecer que uma trabalhadora aposentada pela empresa X, continua a trabalhar na mesma fábrica como líder de produção. Entre as trabalhadoras demitidas e sem condições de trabalhar devido, suas condições de saúde, encontram-se 5 mulheres. Todas desenvolveram seu trabalho na fiação. Quanto à sua sobrevivência econômica, recebem ajuda dos familiares. 3.2.3.8 - Síntese das Condições de Saúde e Trabalho. Correlacionando o diagnóstico com o tempo de serviço constatamos que dos 15 trabalhadores com o diagnóstico de asbestose, 07 trabalhadores tiveram a concentração por tempo de serviço entre 9 e 15 anos, correspondendo a 47% do total de trabalhadores doentes, revelando assim a grande morbidade causada pela indústria do amianto. Começam a aparecer neste período os sintomas da doença: cansaço, dificuldades respiratórias com conseqüente redução da produtividade. Os sintomas e o tempo de serviço, são os sinais a partir dos quais os trabalhadores são demitidos. Esta forma de gerenciamento dos recursos humanos da empresa, demonstra que a lógica da demissão já está dada no próprio momento da admissão dos trabalhadores. A morbidade é esperada, porém não é nunca anunciada. A empresa não presta informação sobre os danos causados pelo amianto e não fornece nenhum diagnóstico aos trabalhadores. Além disso, nega-se a reconhecer o nexo causal da asbestose relacionada a atividade na indústria, após comprovação do diagnóstico feito pelo CESTEH. Assim, periodicamente, um grupo de trabalhadores com tempo de serviço entre 10 e 15 anos, e com os sintomas assinalados acima, é demitido. 86 Os dados relativos a Fiação, Tecelagem e Papelão Hidráulico, com grande número de trabalhadores doentes, revelam a intensificação do trabalho e a excessiva exposição a que estiveram submetidos os trabalhadores nos setores de produção. Somase ainda a realização de horas extras, aumentando o tempo de exposição à fibra, o dispêndio de energia e o esforço físico. A distribuição por sexo desses setores produtivos, segue a racionalidade da divisão sexual do trabalho nas empresas, onde os postos de trabalho feminino, como a fiação, exige uma atividade repetitiva, intensa, com habilidade, destreza manual, além de força e atenção no caso dos postos de trabalho masculino, como o PH, onde a insalubridade e o perigo são predominantes. A política de recursos humanos da empresa é perversa, estimulando a contratação de parentes que, corresponde, na amostra, a 24.3% de trabalhadores naturais do Espírito Santo, que possuem relações de parentesco ou amizade entre si. A empresa não tem preocupação em adoecer e incapacitar apenas um trabalhador, mas famílias inteiras como observamos na pesquisa. Os trabalhadores residentes na proximidade da fábrica, estão expostos a maior contaminação. Estes dados revelam a tripla contaminação dos trabalhadores: nos postos de trabalho, no ambiente em torno da empresa e no local de moradia. Além disso, estas situações de risco podem atingir também suas famílias e outros moradores que se encontram dentro da área exposta à poluição. Os resultados da pesquisa contribuirão de forma significativa para tornar visível as doenças causadas pelo amianto, sendo importante fonte de informação para a intervenção na área de saúde pública no estado do Rio de Janeiro, como também no Brasil. Contribuirá de forma efetiva para o início de um estudo epidemiológico no Rio de Janeiro, que somado aos estudos iniciados em São Paulo, trarão visibilidade aos agravos causados pelo amianto, nos processos produtivos bem como a poluição do meio ambiente causada por esta substância. O perfil de morbi-mortalidade dos trabalhadores é significativo para intervenção na área de Saúde Pública, no que diz respeito aos aspectos preventivos, tratamento dos indivíduos afetados e contribuição à elaboração de uma política nacional para o setor. 3.3 - A Fiação A fiação é o setor, que no processo produtivo da indústria têxtil do amianto inicia uma longa teia de processamentos pelo qual, passa a matéria prima amianto, que é 87 transformado em fios para a produção de tecidos, laminados, preparando os fios de formas variadas, que irão compor o processo produtivo da indústria como um todo. A fábrica de Colégio, que é a fábrica em questão, onde analisamos o processo produtivo, divide suas atividades em: produção têxtil, cujos produtos são fios, tecidos e gaxetas; laminados, utilizados para material de vedação, como o papelão hidráulico e o setor de engenharia e pesquisa. Na análise da atividade real de trabalho, iremos focalizar a descrição das atividades de trabalho da fiação, setor que tem maior exposição ao amianto e onde a maioria dos trabalhadores participantes da pesquisa apresentada exerceu suas atividades laborativas. 3.3.1- A Ergonomia A finalidade principal da ergonomia é analisar o trabalho para transformá-lo, observando na concepção das situações, a preservação da saúde dos trabalhadores e a valorização de suas capacidades. A ergonomia francesa se desenvolveu em estreita relação com os médicos higienistas e a psicologia do trabalho, privilegiando a experiência de campo, em detrimento das experiências de laboratórios, valorizando a “realidade do trabalho.” Esta nova abordagem avança na concepção da gênese das doenças e acidentes e pela constituição da questão saúde e trabalho em torno da atividade real do trabalho. Lima (1992) ao definir o objeto da ergonomia afirma que este é o funcionamento do homem em atividade profissional. Na ergonomia francesa predomina os estudos sobre o funcionamento psicológico (cognitivo) do homem em situação de trabalho, havendo atualmente ênfase em sua totalidade bio-psíquica e social, com questões relacionadas ao trabalho coletivo, à organização do trabalho e os aspectos éticos presentes em toda ação humana. Wisner aponta a necessidade de focalizar-se um modelo multidimensional do homem no trabalho, ressaltando a considerável necessidade social de uma mudança radical das relações do homem com o seu trabalho. Ressalta que essas mudanças não devem limitar-se às recomendações ergonômicas atuais, mesmo que elas constituam um grande progresso relativamente às representações a priori do Homem, que ainda dominam a concepção dos sistemas técnicos e a organização do trabalho. Portanto, a visão de Wisner sobre a necessidade de ampliação do pensamento sobre o homem e sua 88 relação com o trabalho, coloca a reflexão que fazemos nesta tese sobre o sentido do trabalho, como um dos pontos fundamentais para a organização deste pensamento (Wisner, 1994 a). Para a Ergonomia francesa a análise ergonômica do trabalho, origina-se do livro de A. Ombredane e J. M. Faverge, intitulado A Análise do Trabalho, publicado em 1955. Ombredane escreve que “Não se trata mais de fazer com que a tarefa seja descrit a pela direção e sim de analisar as atividades de trabalho. Os altos e baixos do rendimento já não são atribuídos à inépcia dos trabalhadores (o que questiona a seleção então triunfante) O sucesso do trabalhador é relacionado com o surgimento oportuno de indíces ou de informações fiéis” (Wisner, 1994 b:93). Faverge e Ombredane colocam que certos aspectos da tarefa estão prescritos na própria formação profissional dos trabalhadores, outros, em grande número, e que não estão previstos, são resultado da descoberta dos trabalhadores, chamados de macetes e artifícios, que muitas vezes os trabalhadores não tem uma clara consciência dessa atividade. Para os autores aí está a razão da realização das análises do trabalho, das observações diretas no campo, dirigida não apenas às ações mas também às observações e às informações prestadas pelos trabalhadores. Insistem que todas as atividades devem ser observadas, tanto as prescritas como as imprevistas ou até inconscientes por parte dos trabalhadores. Wisner sublinha que, no entanto, a palavra não era valorizada neste período, embora o método adotado pelos autores seja o da teoria das comunicações de Shannon, que era predominante. A ausência da palavra vai persistir por 20 anos, resultado da desconfiança dos comportamentalistas, na época único quadro aceitável de produção do saber na psicologia, com a palavra, considerada como veículo de ilusão, ou de todas as mentiras (Wisner, 1994 b). Assim, Leplat, assistido por Browaeys, num estudo da atividade de trabalho de trabalhadoras de fiação contínua, propõe um quadro teórico vindo da psicologia cognitiva, o que no entanto, não resolveu todos os problemas, uma vez que os cognitivistas experimentais quando tratam da palavra o fazem com tal precaução, que a relação com a análise do trabalho é mínima. Desta forma, os psicólogos analista do trabalho se relacionam com os psicolinguistas, os sociolinguistas e os antropólogos cognitivistas, enfim com um conjunto de especialistas das ciências cognitivas de campo. 89 Se a teoria das ciências cognitivas é essencial para a análise ergonômica do trabalho não é porém suficiente, pois as exigências físicas, a diversidade dos trabalhadores e as variações de seu estado fisiológico e psíquico não podem ser desprezados e decorrem de modelos teóricos bem diferentes do modelo cognitivo. Apesar da metodologia da análise ergonômica do trabalho variar de um autor para outro, nos últimos 15 anos, pode-se apresentar uma metodologia coerente, cuja coerência tem se firmado ao longo de vários estudos. Essa metodologia comporta 5 etapas: - análise da demanda e proposta de contrato; - análise do ambiente técnico, econômico e social; - análise das atividades e da situação de trabalho e restituição dos resultados; - validação da intervenção e eficiência das recomendações (Wisner, 1994 b:96). Para Wisner, a análise das atividades e da situação de trabalho é essencial do trabalho do ergonomista. O autor destaca três objetivos propostos por Duraffourg: um inventário não exaustivo das atividades humanas no trabalho; uma indicação das principais inter-relações entre essas atividades; e uma descrição do trabalho em sua totalidade. O autor acrescenta ainda as evoluções mais recentes da metodologia ergonômica. O acréscimo dos aspectos demográficos, biológicos e antropológicos à análise da ambiente; metodologia das análises das atividades de trabalho; metodologia das soluções, que assim supera o nível das recomendações; e extensão e aprofundamento dos critérios de êxito da intervenção. Wisner refere-se ainda a abordagem epidemiológica do trabalho, que trata das condições e conteúdo do trabalho tanto quanto sobre os efeitos patológicos ou de intolerância do trabalho. Esta abordagem conhece um desenvolvimento considerável em relação à análise ergonômica do trabalho, tendo ênfase na perspectiva do envelhecimento diferencial em função das situações sócio-profissionais (Wisner,1994 b). Acentuamos que no estudo em questão, abordagem epidemiológica através do estudo epidemiológico descritivo, somado à análise da atividade, foram fundamentais para a interpretação das condições de saúde e trabalho dos trabalhadores da indústria têxtil estudada. Catherine Teiger no artigo intitulado “O trabalho, esse obscuro objeto da ergonomia” coloca o ponto de vista de uma ergonomista, ressaltando que não se trata de 90 fazer uma síntese das diferentes tensões que se colocam atualmente na disciplina. Mas, ressalta que entre as questões que se coloca atualmente, à disciplina, deve-se distinguir o ponto de vista do investigador e do cidadão, ocorrendo aí a eleição do ponto de vista profissional e cívico. Para a autora a associação ou dissociação dessas dimensões vai definir o lugar do trabalho e da relação dos pesquisadores com o objeto trabalho no plano científico e social. (Teiger, 1998). Segundo Teiger, “para os ergonomistas orientados para a transformação do trabalho, a eleição das prioridades de investigação é imposta por considerações de ordem científica, fundada em critérios epistemológicos e por convicções de ordem cívica, apoiadas, por sua vez, por critérios éticos. Toda a investigação ergonômica sobre a situação de trabalho está, de fato, entremeada pelas relações sociais. O objeto de negociação que o ergonomista faz leva em conta regras deontológicas que colocam em jogo, entre outras coisas, sua concepção, na maior parte do tempo, implícita do homem e da sociedade” ( Teiger, 1998:142). No que concerne às questões sociais, Teiger coloca que o seu “tratamento” é de natureza política, onde devemos atuar como cidadão para uma ação no sentido de Hanna Arendt. Teiger refere-se ainda a resistência do político no tratamento de tais questões, e a necessidade de se ter uma “vigilância científica” sobre estes temas. Recordando que o termo ergonomia foi inventado por um psicólogo depois da Segunda Guerra Mundial (1949), no momento em que se constituía na Grã-Bretanha, a primeira associação que reunia sob esta denominação, psicólogos, fisiólogos e alguns engenheiros que elegem como sua primeira questão, a fadiga. Assim, a ergonomia é filha da guerra e foi transferida para o mundo industrial onde se colocavam problemas de natureza similar. A ergonomia colocava-se como disciplina integradora e ao mesmo tempo como solucionadora de questões bem reais como a fadiga, acidentes inexplicáveis em determinada população de trabalho, bastante particular. Existindo portanto a tradição de segurança, fiabilidade e erro humano. No que diz respeito ao objetivo e objeto da ergonomia, a autora refere-se ao trabalho como sendo seu objeto e objetivo e cita a proposta de Guérin, que vê a ergonomia como “compreensão do trabalho para transformá-lo”. 91 Para a autora “o trabalho é uma atividade finalizada, realizada de maneira individual ou coletiva em um determinado tempo, por um homem ou mulher, situado em um contexto particular que fixa suas limitações imediatas na situação, Esta atividade não é neutra, compromete, transforma a si mesmo e quem a realiza” (Teiger, 1998:144). A autora, entende o trabalho como um conceito encarnado e não abstrato, e a idéia de trabalho não está dissociada de quem a realiza, portanto, implica em interrelações em três âmbitos: a atividade, suas condições e suas conseqüências. Focalizando na atividade o ponto nodal destas relações. “A atividade é um conceito intermediário, um termo mediador, manifestação da interação entre o sujeito que trabalha e seu ambiente, no sentido mais amplo, os dois elementos que representam um elemento da realidade, a materialidade do trabalho. Comprometendo em todo momento a pessoa integral, com seu corpo biológico, sua inteligência e sua afetividade, desenvolvida ao longo de sua história e suas relações com os outros (ainda que na análise da atividade se tenha focalizado tradicionalmente, muito mais sobre os aspectos biológicos e cognitivos, também leva em conta essas três dimensões e tenta descreve-las e compreender suas relações, enriquecendo-as sobretudo com as abordagens recentes da psicologia dinâmica do trabalho e da sociologia” (Teiger,1998:145). Para a autora, parece existir na atividade humana, algo irredutível, sem previsão possível, sem nenhuma prescrição, sem regularidade strictu sensu, sendo que toda atividade é a cada instante, um compromisso que deve encontrar-se entre uma intenção inscrita em uma história e um projeto de demandas e limitações exógenas (que provêm do ambiente material e relacional mais ou menos estável) e endógenas (que provêm do estado funcional instantâneo não estável). A dimensão “estratégica” no sentido amplo é contínua e obrigatoriamente presente, inclusive se são estratégias que tratam de pequenos interesses”. Para analisar esta diferença a autora coloca mais três níveis para analisar a dicotomia entre o trabalho prescrito e o trabalho real: - O trabalho teórico, isto é, o trabalho como existe nas representações sociais mais conhecidas, compreendendo-se entre estas a dos engenheiros e as do que em geral o planejam; 92 - O trabalho prescrito ou esperado no nível local da organização do trabalho que fixa regras, bem como objetivos que correspondam também às representações relacionadas com as precedentes, porém que considera, especificidades locais; - O trabalho real, o que se refere à atividade de uma pessoa (inclusive se considera-se um coletivo) em um lugar, em um tempo (critérios que definem também a tragédia clássica) ali onde se revelam o saber fazer e os conhecimentos dos trabalhadores, onde se coloca em ação todo o corpo, para realizar compromissos operativos e onde se constroem a relação subjetiva com o trabalho” (Teiger, 1998:150). Os conceitos de tarefa e atividade são fundamentais em ergonomia. A tarefa indica o que deve ser feito. O que é prescrito pela empresa. A atividade indica o que se faz realmente. Esta noção inclui que o homem dispõe de seu corpo, sua personalidade e competências para realizar o trabalho (Telles, 1995). Esta distinção é fundamental para a ação transformadora em ergonomia. Pois a análise ergonômica do trabalho deve levar em conta as atividades, ou seja, o que realmente é feito pelos trabalhadores no ato produtivo, em vez do que é prescrito, objetivando melhores condições de trabalho e saúde. Segundo Leplat e Jean Michel Hoc, a tarefa indica o que deve ser feito, a atividade, o que se faz. A noção de tarefa se relaciona com a idéia de prescrição, ou de obrigação. A noção de atividade reenvia o que coloca em jogo o sujeito para executar as prescrições, para cumprir suas obrigações. (Leplat.,Holl,1998). Para Teiger, o trabalho é ao mesmo tempo objetivo e objeto da investigação dos ergonomistas. Esta dupla função leva a pensar a relação entre o conhecimento, ação e compreensão como uma relação dialética, e não uma relação cronológica, de momentos que se sucedem no tempo, ou como uma relação de dependência, sendo a ação a própria aplicação do conhecimento. Esta relação foi teorizada em psicologia genética por Piaget que afirmava que “o fato fundamental de todo conhecimento está relacionado à uma ação” e que de fato conhecer não significa copiar o real, mas atuar sobre ele, transformá-lo (na aparência ou na realidade, de maneira que se possa compreende-lo em função dos sistemas de transformações a que estão ligadas estas ações”(Teiger 1998:159). 93 O fato de articular ou de tentar articular, logo de início, os objetivos da ação e conhecimento proporciona à ergonomia uma posição original que não é de uma ciência aplicada, mas da ação, uma ocasião de conhecimento e não a aplicação do conhecimento (Teiger, 1998). Para a autora “a ação ergonômica consiste em realizar, partindo das atividades dos sujeitos, um deslocamento dos pontos de vista, uma mudança de olhar, uma desconstrução da representação estereotipadas, podendo renovar a filosofia que sustenta a concepção de sistemas técnicos e organizacionais, da formação, etc” (Teiger, 1998:160). A autora faz uma proposta bastante ampla e profunda do papel da Ergonomia . afirmando que esta reflexão deve conduzir, iluminada pelo debate interdisciplinar, remeter à ação ergonômica as teorias de mudança social e da ação coletiva, submetendo à critica as teorias sobre as quais se apóia que, muitas vezes, vem de um racionalismo utópico, do que de uma análise profunda das relações sociais, nas quais se inscreve, assim como das condições da mobilização coletiva das pessoas. Desta forma, Catherine Teiger diz que a Ergonomia toca seus próprios limites. Centrada inicialmente, sobre a análise dos processos sensório-motores e cognitivos, o que se chamou durante longo tempo de cargas físicas e mentais do trabalho, e sobre as transformações nos dispositivos materiais, no ambiente físico e inclusive das características da tarefa e da organização do trabalho; acrescenta-se atualmente, nova dimensão desta abordagem. Para a autora a Ergonomia proporciona as condições parcialmente necessárias, embora insuficientes para que se produza a “mobilização subjetiva” de homens e mulheres em uma atividade que permita sua realização pessoal. A autora refere-se também ao bom funcionamento da economia como um dos objetivos da ação ergonômica. Desta forma, a visão de Catherine Teiger, amplia o trabalho, como objeto e objetivo da ergonomia, focalizando-o como forma de realização de homens e mulheres (Teiger, 1998:160). No caso específico da indústria têxtil do amianto, a análise da atividade, não tem como finalidade imediata melhorar as condições de trabalho, uma vez que a empresa contesta qualquer intervenção por parte da equipe, e a demanda de estudo partiu da procura de uma trabalhadora ao serviço médico do CESTEH. Neste sentido foi encaminhada denúncia à Secretaria de Saúde e ao Ministério Público, e devido às questões políticas e econômicas, referidas anteriormente, não se tem nenhuma decisão. 94 A transformação que se pretende é contribuir para uma conscientização ampla dos trabalhadores e da população sobre a questão do amianto e fornecer subsídios para transformar a política brasileira sobre este tema. Portanto, a análise da atividade tem como objetivo conhecer o real do trabalho desenvolvido pelos trabalhadores e explicitar a relação entre seu trabalho com suas condições de saúde. Talvez possa vir a ser um importante instrumento nas transformações das condições de trabalho, que pode ser proposta à empresa até modificação da tecnologia. É importante ressaltarmos que somente o banimento do amianto, ou seja, o uso de novas tecnologias, é a medida efetiva de proteção aos trabalhadores e à população em geral. Confirmando desta forma a contribuição da Ergonomia como instrumento de análise das condições de trabalho, assim como de sua contribuição para a mudança social, no que diz respeito à conscientização e formação dos trabalhadores, e a discussão para a transformação na adoção de uma política de banimento do amianto e substituição por outras tecnologias. Segundo Dejours na ergonomia o conceito de trabalho real é definido como “o que no mundo se faz conhecer por sua resistência ao poder técnico e ao conhecimento científico.” O real é onde falha a técnica, após o uso correto de todos os seus recursos, o real é, portanto, substancialmente, ligado ao insucesso é o que no mundo escapa e torna-se sempre um enigma a decifrar. Parafraseando Wisner ressalta que a grande contribuição da ergonomia à teoria do trabalho, é ter feito surgir o caráter incontornável, inexorável e sempre renovado do real no trabalho (Dejours,1999:40). A análise ergonômica demonstra que a tarefa, o que se deseja fazer, não pode ser atendida exatamente, o real do trabalho leva a admitir que a atividade real contém uma parte de insucesso, frente ao qual o operador procura ajustar os objetivos e as técnicas. Portanto, segundo o autor, o insucesso parcial está sempre presente no conceito de eficácia e utilidade. Desta forma, o autor, propõe, o uso de uma outra definição de trabalho. No lugar de “atividade coordenada útil”, sugere: “o trabalho é a atividade coordenada desenvolvida por homens e mulheres para enfrentar aquilo que, em uma tarefa utilitária, não pode ser obtido pela execução estrita da organização prescrita” e insiste sobre a dimensão humana do trabalho (Dejours, 1999:43). É neste espaço que se dá a interação entre o homem e o posto de trabalho, nas quais as condições objetivas e o processo subjetivo se dão mutuamente. 95 Portanto, o conceito de atividade em ergonomia que implica o conceito de subjetividade constitui o ponto de partida da inteligência prática dos operadores. O ato técnico e toda atividade de trabalho são submetidas a uma regulação pela interação entre as pessoas; as interações entre os sujeitos (ego-outros) que implica, portanto, uma análise da dinâmica intersubjetiva (Dejours, 1999). A inteligência prática traz implícita a idéia de artifício, que é um artifício em relação ao real, introduzindo a imaginação criativa, a invenção, a inovação. Baseia-se na mobilização subjetiva, que passa pela familiarização do processo de trabalho. O artifício é também, uma falta à prescrição, se realiza fora da tradição, fora das normas. Necessitando, portanto, de discrição, de um espaço privado, onde os experimentos, a bricolagem, os ensaios e tentativas estão fora da supervisão e controle. Os artifícios, ou truques, conferem aos que os detém uma posição de autonomia em relação aos colegas e à hierarquia, tendo maiores vantagens na produção e em ganhos salariais. No entanto, o autor ressalta que o segredo possui uma dimensão contraditória. O sujeito trabalha na solidão e dissimulação e é condenado a assumir seus truques solitariamente, assim como, assumir a responsabilidade pelo que faz, em relação aos riscos com a segurança, a confiança e a qualidade. Para fazer face a estes inconvenientes é necessário que o segredo se torne público. É importante recorrer-se a publicidade. E a engenhosidade é, assim, atravessada pela discrição e visibilidade ao mesmo tempo. Entendendo-se a visibilidade como o ato voluntário de mostrar publicamente as descobertas da engenhosidade. Assim, torna-se necessário, ter condições intersubjetivas e sociais para dar visibilidade as suas descobertas, que é chamada de retorno de experiência. Para que esta condição seja possível, é necessário a existência da confiança entre as pessoas. “O conceito de fator humano não pode se restabelecido somente sobre a dimensão individual da relação sujeito-tarefa. Ele deve ser pensado a partir da intersubjetividade e das interações no coletivo de trabalho. Mas não há aqui coletivo que não seja fundado sobre a dinâmica da confiança entre seus membros...” (Dejours, 1999:53). A confiança não se fundamenta nas competências psicológicas mas nas competências éticas. “A confiança está, fundamentalmente, ligada à efetividade de uma congruência no tempo, entre uma palavra dada e o comportamento que lhe segue” (Dejours,1999:53). 96 O autor coloca então algumas questões tais como: a visibilidade da engenhosidade e o problema da confiança, as formas de julgamento do trabalho, o reconhecimento, a arbitragem e cooperação, como pontos fundamentais para a compreensão do fator humano no mundo do trabalho. A vivência de Simone Weil, também nos auxiliou a analisar o trabalho desenvolvido na indústria têxtil do amianto, através de seus sentimento e reflexões, possibilitando também o conhecimento do humano no trabalho. 3.3.2 - A Experiência Operária de Simone Weil A experiência vivida por Simone Weil, filósofa francesa cristã, que optou viver a condição operária no período de 1934 a 1935, nas usinas Renault, a fim de conhecer a vida real dos trabalhadores, tem nesta vivência e reflexão um poderoso instrumento em sua luta pela justiça social. Através de seus escritos fizemos a correlação com a experiência relatada pelos trabalhadores da Indústria Têxtil do Amianto que nos auxiliou de forma significativa. Seus escritos sobre “A Condição Operária” (BOSI, 1996)”, é um dos mais significativos estudo de ergonomia, enriquecido pela reflexão filosófica sobre a fábrica, o cansaço, o sofrimento, a fome, o medo, a ordem e a rapidez, a sujeição, o trabalho monótono, o amor, a alegria, a alegria de uma greve, a solidariedade, a velocidade, o tempo e o ritmo, a racionalização, as máquinas, a técnica, a possibilidade de transformação deste concreto, muito desses sentimentos são expressos pelos trabalhadores na presente pesquisa. A vida de Simone Weil se distingue pela correspondência entre pensamento e vivência. Nasceu no ano de 1909 e faleceu em 1943. Através do magistério leciona filosofia aos seus alunos, aos trabalhadores ensina, ortografia, francês e marxismo, auxiliando-os a refletirem sobre a opressão social e liberdade. Interrompe suas aulas e vai trabalhar como operária na Renault. Esta experiência é relatada nos estudos sobre “A Condição Operária.” Participa da guerra civil espanhola lutando ao lado dos anarquistas em 1936. Na Resistência francesa, contra os nazistas. Participa em Londres dos Comitês de Resistência, analisando os projetos para reorganizar a França depois da Guerra. Neste período escreve o “Enraizamento”, um estudo sobre os direitos humanos. Neste estudo, sua necessidade de participação no mundo é expressa por este pensamento: 97 “Um ser humano tem uma raiz pela sua participação real, ativa, natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro” (Bosi,1966:411). Para sentir a dor do mundo, vive a experiência concreta dos operários, trabalha nas fábricas. Escrevendo à sua amiga Albertine Thévenon, Simone Weil fala de sua vivência na fábrica “onde a gente se choca duramente, dolorosamente, mas mesmo assim alegremente com a verdadeira vida” (Bosi, 1996:77). Ao relatar a amiga seu primeiro serviço diz: “Pense em mim diante de um enorme fogo que cospe labaredas para fora, bafos de brasa direto no meu rosto. Fogo saindo por cinco ou seis buracos na base do forno. Eu bem na frente para pôr lá dentro cerca de trinta bobinas grossas de cobre que uma operária italiana, de fisionomia corajosa e franca (...) Na minha frente um soldador, sentado, de óculos azuis, rosto sério trabalha minuciosamente; cada vez que a dor vinca meu rosto, ele me manda um, sorriso triste, cheio de simpatia fraterna, Que bem que isso me faz! Do outro lado um grupo de caldeireiros trabalha em volta de grandes mesas; trabalho de equipe, cuidadoso, sem pressa; trabalho muito especializado que depende de saber calcular, ler desenhos muito complicados, aplicar noções de geometria descritiva (...) Tudo isso num canto, na ponta da oficina, onde a gente se sente em casa, aonde o chefe, a equipe e o contramestre praticamente nunca vêm. Passei neste ambiente duas ou três horas por quatro vezes.... Da primeira vez, no fim de hora e meia, o calor, o cansaço, a dor me fizeram perder o controle dos movimentos; não conseguia mais abaixar a tampa do forno. Vendo isso, um dos caldeireiros (gente boa) se precipitou imediatamente para abaixá-la para mim. Olhe eu voltaria para este cantinho da fábrica se pudesse (ou pelo menos assim que tivesse recuperado minhas forças). Nessas noites é que sentia a alegria de comer um pão ganho e bem ganho” (Bosi, 1996:78,79). Observa-se o sentimento de se pudesse eu voltaria para este cantinho, onde se está livre do controle e da pressão das chefias, onde há possibilidade de liberdade dos caldeireiros para um trabalho criativo de imaginação e inteligência, a solidariedade dos companheiros de trabalho e, onde se sente a alegria e utilidade e um pão bem ganho. “Os chefes nunca vêm aqui. Atmosfera livre fraterna, nada de servil ou mesquinho. O garotinho adorável é que serve de regulador...O soldador...o 98 jovem italiano de cabelos louros... “.meu noivo”... o seu mano...a italiana...o rapagão forte da maça..”. “Enfim uma oficina alegre, Trabalho em equipe. Caldeiraria, ferramentas: principalmente a maça; fazemos os cotovelos com uma maquininha manual, depois os arrumamos com a marreta; é indispensável uma mão jeitosa. Inúmeros cálculos para medir - colocam-se as caixas juntas, etc. A maior parte do tempo se trabalha em dois ou até mais ” (Bosi, 1996:93). Ao referir-se a sua vivência na fábrica como uma experiência única, diz que os motivos exteriores nos quais se apoiavam seu sentimento de dignidade e respeito por si própria, foram radicalmente arrasados pelo “golpe de uma pressão brutal e cotidiana.”e o que mais a espantava é que, ao contrário do sentimento de revolta, se deu a ultima coisa que esperava, um sentimento de docilidade, docilidade resignada de besta de carga. “É a espécie de sofrimento que nenhum operário fala; dói demais, só de pensar”(Bosi,1966:79). Para Simone dois fatores são responsáveis por esta escravidão: a rapidez e a ordem. A rapidez é responsável por uma cadência que impede o pensamento a reflexão e o devaneio. Frente à maquina é preciso matar a alma, o pensamento e o sentimento por 8 horas. Refere-se à solidariedade: Nesse ambiente, “ um sorriso uma palavra de bondade, um instante de contato humano, tem mais valor do que as mais dedicadas amizades entre os privilegiados, grandes ou pequenos. Só aí se sabe o que é fraternidade humana..”. (Bosi, 1996:80). Não há possibilidade de ser “consciente” isto, para os trabalhos não especializados, sobretudo para as mulheres que são submetidas a um trabalho totalmente maquinal, entendendo-se por maquinal, um trabalho absolutamente rápido sem dar espaço ao pensamento ou a reflexão. O embotamento reconhecido hoje como principal causa de acidentes, é descrito intimamente. O operário imagina uma repetição ininterrupta de peças sempre idênticas, regiões tristes e desérticas que o pensamento não pode percorrer. As peças circulam com suas fichas, a indicação do nome da matéria prima; pode-se acreditar que elas é que são as pessoas e os operários são peças intercambiáveis. Sobre este aspecto, Bosi, diz que Simone gostaria de um estudo aprofundado dos instrumentos de trabalho, não do ponto de vista técnico, mas enquanto relação com as mãos e o pensamento humano. Estuda para isso arduamente a matemática e a geometria 99 Sobre o método diz que há método nos movimentos do trabalho, mas não no pensamento do trabalhador. O método, produto de uma das mais nobres qualidades do espírito humano-o pensamento, é arrancado do interior do homem, que dele fica desprovido e cada vez mais exterior ao homem submete-o erigindo sua coisificação. O método transferiu sua sede do espírito sobre a matéria. É disso que as máquinas falam... (Bosi, 1996). ... “Estamos diante do estranho espetáculo de máquinas no qual o método se cristalizou tão perfeitamente em metal que parece que são elas que pensam e os homens atados a seu serviço é que estão reduzidos ao estado de autômatos” (Bosi, 1996: 335). Para Simone Weil quase todo homem está no trabalho apartado do seu pensamento. “A partir de então não há mais nenhuma correspondência entre os gestos a executar e as paixões; o pensamento precisa subtrair-se ao desejo e ao medo, e aplicar-se unicamente em estabelecer uma relação exata entre movimentos impressos nos instrumentos e a finalidade perseguida” (Bosi, 1996: 333). A tragédia maior do trabalhador contemporâneo reside no fato de que, expropriado do pensamento em seu fazer cotidiano mantém ele acesa em seu espírito, dado ser um dom a ele concedido, a chama da liberdade (Leite,1996). Simone observa a diferença nas relações de trabalho entre homens e mulheres trabalhadores. Na fiação da indústria que analisamos, constata-se diferenças nas relações de gênero. No que diz respeito ao trabalho feminino, a diferença entre os operadores das máquinas homens e as operadoras de máquinas, mulheres reside no fato de que os homens devem montar suas próprias máquinas, devem saber ler o desenho. As mulheres, no entanto, apenas conhecem as ciladas que cada máquina tem para produzir erroneamente uma peça. Percebem que alguma coisa não vai bem, e isto depois de vários anos de fábrica. “O chefe de seção não gosta que as operárias que esporadicamente estejam sem trabalho se reúnam com outras para conversar”. Sem dúvida receia que surja assim qualquer mau espírito. As operárias não estranham este comportamento, dizendo que os chefes são feitos para mandar (Bosi,1996:108). O espaço de criação que fala Dejours, o conhecimento do que se faz são espaços de liberdade e realização do trabalhador. A partir do momento em que não há possibilidade de negociação tem início o sofrimento, ou a luta contra o sofrimento. “A 100 máquina dispensa o pensamento de intervir, por pouco que seja, até mesmo na mera consciência das operações realizadas; o ritmo o proíbe” (Bosi, 1996:111). Simone refere-se ao trabalho em que não se tem o conhecimento do que se faz, como altamente desmoralizante. “Não se tem o sentimento de que um produto resulta dos esforços que se está fazendo. A gente não se sente, de forma alguma, no número de produtores. Também não se tem o sentimento da relação entre o trabalho e o salário. A atividade parece arbitrariamente imposta e arbitrariamente retribuída”(Bosi, 1996:109). O sentimento de responsabilidade de participação numa produção é fundamental. Para Simone, os teóricos da revolução nunca trabalharam numa fábrica. Mesmo num regime socialista continuaria o sistema de escravidão se as condições de trabalho continuassem as mesmas. Identificamos numa citação da autora a comparação entre trabalho prescrito e o trabalho real, como uma realidade que acompanha os trabalhadores. “As ficções são muito poderosas nas fábricas. Há regras que não são nunca observadas, mas que estão perpetuamente em vigor. As ordens contraditórias não existem, dentro da lógica da fábrica. Através de tudo isso, é preciso que o trabalho seja feito. O operário, ele que se arranje, sob pena de ser despedido. E ele se vira” (Bosi,1996: 157). A autora fala da alegria, mesmo quando reduzem o salário, no caso de pequenos incidentes em que se tem o testemunho de camaradagem e quando o operário consegue se virar sozinho, quando cria, se esforça, aprende a ser malicioso com o obstáculo, “a alma está ocupada com um futuro que só depende de nós” (Bosi, 1996:161). Ao relatar uma greve dos metalúrgicos, Simone fala da alegria de ser recebida com tantas palavras de acolhimento fraterno, alegria de em vez de ouvir o barulho impiedoso das máquinas, símbolo patente da necessidade dura que os dobrava. Ouvia-se cantos e risos, Alegria de passar por estas máquinas que durante tantas horas foi-se dada o melhor da substância vital. “Deixamos por fim, de ter que lutar a cada instante para conservar a dignidade aos próprios olhos, contra um a tendência quase invencível de se submeter de corpo e alma” (Bosi,1966:127). A exposição sobre a experiência de Simone Weil é semelhante a dos trabalhadores da indústria têxtil de amianto, no que diz respeito a opressão; a velocidade, o ritmo e as cadências das máquinas, o sofrimento. A separação do ato de 101 pensar, do método da produção, a distância entre o pensar e o agir, a impossibilidade de criação em determinados postos de trabalho, e principalmente a racionalização da produção, método dito científico, que fragmenta o ato de pensar e elaborar, a fim de controlar o tempo dos trabalhadores, é uma fonte de sofrimento que deve ser repensada e que abordaremos no próximo capítulo. A fim de visualizarmos o desenvolvimento do trabalho de uma maneira geral, procuramos descrever como se dá o processo de trabalho na fiação, através da descrição da atividade real de trabalho que os trabalhadores desenvolvem em cada máquina que compõe o setor, por considerarmos que esta forma de descrição facilitará a compreensão do processo como um todo e da atividade do trabalho, desenvolvida pelos trabalhadores. Ressaltamos que a descrição da atividade real de trabalho relaciona-se ao período em que os trabalhadores estavam empregados, alguns cerca de dez anos atrás. Atualmente, o processo de produção já sofreu diversas modificações, em determinadas partes do trabalho, com a utilização de novas tecnologias, segundo o depoimento de trabalhadores que saíram recentemente da fábrica. No entanto, ao analisar as condições de saúde dos trabalhadores o que é determinante é a exposição concreta aos riscos que estavam submetidos os trabalhadores. 3.3.3 - Descrição Geral do Trabalho na Fiação O início do processo produtivo se dá com a mistura. O amianto chegava, em sacos de 60 Kg; os trabalhadores desfiavam com as mãos as fibras de amianto, que eram colocadas na mistura. O fluxo da fiação se inicia com a mistura depois de processado vai para o boxe de fricção, daí é levado para as cardas e em seguida, depois de processado vai para o filatório, onde o amianto sofre a primeira torção e é transformado em fios. Segue para as retorcedeiras onde se transformam em novos fios. E em seguida vai para as rocas mudando para embalagens menores sendo, posteriormente, encaminhados para os setores de gaxeta, papelão hidráulico ou para a fabrica de Belfort Roxo. 102 3.3.3.1- A Chegada do Amianto O amianto chegava na fábrica através de caminhões em sacos de 60 kg. Os sacos eram descarregados por um grupo de trabalhadores, que transportava os sacos na cabeça e depositavam-nos no armazém. “Os sacos chegavam em carretas, carretão fechado. “Na nossa época chegavam oito a dez”. “Virava a noite descarregando...Eu pegava na fábrica às sete. Às vezes eram três caminhões ou 4 carretas e aí eles seguravam a gente e virávamos a noite descarregando (...) Os sacos vazavam muito. Daí eles iam para cada sessão, um pouco aqui outro ali”. “De 1974 a 1982 a gente carregava na cabeça. Os sacos eram levados para o armazém no FP, aí daí ele ia ser recolhido e distribuído para as sessões (...) era feito o pedido deste material e a gente levava estes sacos para perto das máquinas. A partir de 1984 os sacos eram levados por empilhadeiras” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). A medida que havia solicitação do amianto, eles eram transportados através dos sacos ou dos carrinhos e eram colocados ao lado das máquinas. De acordo com o pedido da produção, tais como o tecido para laminados, material para embreagem. O amianto necessitava da adição de novos produtos, como o rayon, cerâmica, etc. 3.3.3.2 - A Mistura Os sacos de amianto iam para mistura, cuja função era unir o amianto a outros produtos, fazendo desta forma com que o fio adquirisse maior resistência e força, no caso da adição do rayon que era usado para a fabricação de juntas e freios de carro. Outros materiais são adicionados ao amianto de acordo com a especificidade dos produtos que serão produzidos de acordo com a solicitação do cliente. “Na mistura o trabalhador cortava o saco de amianto, tirava com a mão, virava o saco de amianto e jogava no misturador, pegávamos o pó com as mãos e jogávamos na máquina, daí ele ia ser misturado com outros produtos: solventes, toluentes, estas coisas...daí ia para a máquina, para o PH ” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). 103 “A mistura já está falando mistura. Lá, a gente trabalhava na época, com amianto e rayon. A gente misturava estes dois fios, mas depois veio a cerâmica e mais outras coisas. Eles abriam os sacos de amianto e colocavam em uma máquina chamada carregador. Aí colocava a quantidade de amianto e uma quantidade bem menor de rayon...já com o amianto puro, quando trabalhávamos com o 4a, era só para fazer roupas de bombeiro, esse aí não entrava mistura nenhuma era 100% amianto, só o amianto. Mas ele não tinha resistência a pressão, a resistência dele era contra o fogo. Tudo de alta caloria era com o amianto puro” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). O amianto puro é usado para os tecidos que não pegam fogo, como roupas para bombeiros, luvas industriais, etc. O carregador de máquinas abria as fibras e juntava os diversos produtos que eram “misturados” com o amianto. A colocação do amianto na mistura era feito com as mãos e sem nenhuma proteção para os trabalhadores, além de muita poeira. O trabalho na mistura envolvia umas seis pessoas (seis de manhã, seis de tarde e seis de noite), “o trabalho na mistura era geralmente masculino, mas quando eles achavam que tinha uma mulher sem fazer nada, eles mandavam ajudar na mistura”. Para cada tipo de material, gaxeta ou laminado é preciso ser feito uma mistura diferenciada que vai ser levada para determinada máquina. O carregador de máquina, através da sucção automática, faz com que o “algodão ou véu” resultante da mistura, caia no boxe de fricção. 3.3.3.3 - O Boxe de Fricção Depois que as fibras são unidas no processo da mistura, em forma de véu, elas caem diretamente no boxe de fricção. O boxe de fricção é um cômodo onde é depositado automaticamente o amianto processado na mistura. “O boxe de fricção é um cômodo fechado, lá dentro no centro tinha uma boca que despejava o amianto ali. Então aquilo ali enchia. Só abria a porta para encher o carrinho ou banheiras, e aquilo ali estava funcionando, não parava não!” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). 104 “O carrinho tinha três rodas, uma no meio e duas na ponta e era de plástico e o formato parecia de uma banheira. A gente pode tirar a banheira do carrinho e colocá-la de novo” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). “O material recolhido nos carrinhos, ou banheiras, era levado manualmente para as cardas. Era levado até a boca das cardas,... aí abríamos a tampa e despejávamos ali dentro. O material era colocado atrás das cardas” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). Os trabalhadores recolhem manualmente no boxe de fricção o algodão, e enchem as banheiras ou “carrinhos”, para serem levados até as máquinas. Os carrinhos também eram carregados manualmente. “Tirava o amianto, fibra de vidro, do boxe e abastecia as máquinas. (...) ficava exposto diretamente a poeira, coçava muito. Mesmo quando estava de roupas maiores, estas não impediam a passagem dos fios. (...) trabalhava na fiação com o amianto. Carregando o carrinho cheio de fibras de amianto, levava até as máquinas da fiação. Carregava cerca de 80 carrinhos por dia. Os trabalhadores descarregavam o carrinho enquanto outros trabalhadores carregavam outros carrinhos. Só atendia a fiação e cada operação desta demorava cerca de 10 minutos” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). “Eu pegava o amianto no boxe, em fibras, como se fosse algodão, todo desorganizado e colocava no carrinho. Desta forma, o amianto soltava muita poeira.” “Este algodão vai para as cardas, que são responsáveis em transformar o algodão em fios, chamados de “pavios” ou “barbantes”” (Trabalhador da indústria têxtil de amianto). 3.3.3.4 - A Carda As cardas são responsáveis em fazer o fio do amianto, chamado pavio ou barbante. As cardas “são esteiras que recebem a mistura em forma de véu. Eram máquinas grandes, numeradas, espalhavam os fios de amianto e lá na frente saiam os queijos” (trabalhador a indústria têxtil do amianto) 105 Este barbante, que no resultado final da produção, segundo os trabalhadores, a forma de um queijo, vai para o filatório, onde sofre a primeira torção; enchendo as espulas. 3.3.3.5 - O Filatório “O filatório é igualzinho a máquina retorcedeira só que a função do filatório é dar a primeira torção e a retorcedeira é retorcer os cabos que o filatório dá a torção”. “Cada espula ficava dentro de um quadrado que agente colocava um viajante, que é uma peça pequena, embrenhava o fio na mexa e levava até o viajante para enrolar na canela ou espulas, que as canelas estavam vazias, colocava o viajante embaixo das canelas, socava ela para ficar bem presas e ligava a máquina aonde começa a girar e fazia essa espula, quando a espula esta cheia a máquina vai e arreia automaticamente ou se estiver perto de arrear a funcionária tem ordem ou a operária que nos ensina (a líder) esta na hora de arrear para deixar a máquina limpa ai, nós arreamos a máquina, ai, a funcionário ou nós mesmas, tiramos todas as espulas que estão prontas colocamos nas banheiras, aonde vai ser pesada para ir para retorcedeira, cada uma com o peso certo, para fazer este trabalho aqui” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto) As espulas depois de pesadas pelos pesadores são colocadas nas banheiras e levadas para a retorcedeira. 3.3.3.6- A Retorcedeira “As espulas vão para a retorcedeira cuja função e retorcer o amianto que sofre a primeira torção, para transformá-los em fios, também chamados de canelinhas e canelões. A canelinha é a máquina retorcedeira com 42 fusos e o canelão é a máquina retorcedeira com 72 fusos. Após a passagem pela retorcedeira, as canelas vão para a roca, outra máquina para mudança de embalagem, onde as espulas são transformadas em pequenos rolos e 106 encaminhadas para tecelagem, para gaxeta.” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). A gaxeta faz cordas de segurança, cordas para o fundo do mar, vedações para tubulações de alta caloria. Depois de sofrer a primeira torção no filatório, enchendo as espulas, o amianto vai ser transformado em fio, através da retorcedeira. Quando as trabalhadoras do setor da fiação chegavam ao trabalho, para trabalhar com a retorcedeira, inicialmente, pegavam a banheira ou caixote cheio de canelinhas e os carregavam até às máquinas. “Tira das banheiras (as espulas), colocamos na máquina no alto e abastecemos, alguns fios eram reforçados com arame e latão, encaixávamos no canelão e abastecia as máquinas todas. Para abastecer as máquinas, a máquina tinha de estar parada” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto) “Colocava os fios nas máquinas, nos fusos, onde colocava as canelas, a máquina pequena tinha 42 e a grande 72. Amarrava os fios nas canelas. Passava óleo no anel, de cada fuso, amarrava. Ligava a máquina e começava a encher tudo. Aí arreava quando acendia a lâmpada. Quando era um material mais grosso, demorava uns 40 minutos, e quando era um material mais fino demorava cerca de 3 horas, só dávamos duas arreadas. Depois íamos emendando os fios, colocava-se junto com os fios arame (latão), e fazíamos este tipo de serviço sem luva (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Depois que arreia, e está tudo cheio, tem de tirar os fusos e colocar outros.” “ (...) Cada máquina tem 72 fusos, era para trabalhar 2 funcionários em cada máquina, num corredor. Para poder melhorar para eles, eles tiraram uma. Uma ficava em cada máquina e a outra ajudando as duas...” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). 107 3.3.3.7 - A Gardela A gardela era uma máquina italiana que atualmente não é mais utilizada. Segundo a trabalhadora, a gardela é semelhante à retorcedeira, no entanto “o fio que rodava na gardela não podia rodar na retorcedeira porque arrebentava.” “Transformava a fibra do amianto em fio. Recebia as mechas de fibra de amianto, colocava-as na gardela. Enrolava os fios nos carretéis (em média 150 por dia). Depois colocava os carretéis no carrinho com pontas de ferro, onde os carretéis eram enviados para outros setores”. Esta operação era repetida cerca de 8 a 10 vezes por dia, esta tarefa exigia movimentos de mãos e braços num ritmo intenso, além de exigir movimentos de abaixar e levantar o corpo por muitas vezes, descarregava de 20 em 20 minutos. A fibra de amianto possui, em determinados casos, um mistura com Rayon para dar a liga, quando esta mistura é fraca, a fibra arrebenta com grande facilidade. Assim, como os fios arrebentavam constantemente, também tinha a tarefa de emendá-los. Para isso, subia dois degraus várias vezes durante o processo de trabalho, e de 10 em 10 minutos desligava a máquina e limpava-a (tirava o acúmulo de material que nela se instalava). Este material (resíduo) era grosso e se não limpasse a máquina ela podia quebrar e as trabalhadoras assumiriam a culpa (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). “A gardela era uma máquina muito perigosa, eu não gosto nem de falar dela... Recebia os queijos das cardas, colocava os fusos da gardela para fazer os canelões... ela tinha umas lâminas para puxar o fio que se não tivesse cuidado ela podia arranhar o braço... ela já me machucou uma vez” “A gardela foi tirada porque a manutenção era muito cara, as peças eram todas italianas... o xodó da ... era a gardela” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). 108 A trabalhadora descreve o processo de trabalho na retorcedeira da forma mais minuciosa possível: “Eu pegava os barbantes fininhos e frágeis, cujo nome eram C-16 ( sem arame), que rodava com 2 pontas, e arreava mais rápido; M-10 ( cordas), rodava com 8 pontas em uma máquina especial e SC-17, que era reforçado com fio de latão e cobre. Onde um era mais grosso que o outro e tinham finalidades diferentes, dali os fios iam para Gaxeta ou para Tecelagem. Chegava a espula, eu arrumava na máquina. Eram 72 fusos de 3 pontas (todos enrolados com os fios), era necessário duas funcionárias para colocar as espulas” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Quando as trabalhadoras do setor de fiação chegavam ao trabalho, inicialmente pegava a banheira ou caixote cheio de canelinhas. Carregava até as máquinas. “As vezes a máquina já estava cheia, tínhamos que passar um óleo no anel com uma bucha, feita do próprio amianto, para que a máquina rodasse sem apresentar problemas. Cada vez que arrebentava o barbante tínhamos que parar para emendalos” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Existe um freio para cada fuso, ou seja, a máquina trabalha de forma independente de um fuso para o outro, proporcionando meios de se emendar os fios que arrebentam sem ter de parar a máquina. “Fazíamos as emendas dos barbantes alguns com nós, outros com cola (acima de 4 pontas), e a máquina continuava a rodar” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Algumas vezes as canelinhas caiam de ponta em cima dos trabalhadores e a velocidade com que elas rodavam era muito grande, proporcionando um grande risco de acidentes graves. No desenrolar do trabalho as espulas ou canelinhas, se esvaziavam na parte de cima da máquina, o que acontecia a todo instante, devendo ser trocadas; o que exigia um ritmo intenso de trabalho. Além disso, devido a altura da máquina, as trabalhadoras deviam subir uns degraus de madeira para alcançar as espulas, que ficavam no alto da máquina, para serem constantemente substituídas. Quando os canelões estavam cheios se fazia a “arreada” das máquinas. Os canelões que levam mais fios de várias pontas, se enchem mais rapidamente fazendo a 109 “arreada” da máquina mais rápido. Cada “arreada” pesava cerca de 80 a 100kg, Dependendo da espessura dos fios se fazia um número maior ou menor de “arreada.” Entende-se por “arreada”, o processo em que todos os canelões ou espulas estão completos. Assim as trabalhadoras retiravam as espulas, colocando-as em um carrinho, que eram levados para serem pesados. Esta tarefa de transportar os carrinhos era executada somente por homens. A atividade de retirar as espulas cheias, após a “arreada”, exigia muita força física das trabalhadoras, pois, pesavam em média, três quilos cada uma. “ Era um esforço direto de oito horas de trabalho” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). “Quando era um material mais grosso, demorava una quarenta minutos e quando era um material mais fino, demorava cerca de 3 horas e neste caso, só dávamos duas “arreadas”.... Depois que arreia, e está tudo cheio, tem de tirar os fusos e colocar outros”(Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Indagada sobre as dificuldades do trabalho com a retorcedeira, uma trabalhadora responde: “Era na velocidade e na quantidade de fio, porque um corredor tinha a distância de uma máquina a outra, de um braço, se fosse sb17 de um lado e C16 a3 de outro, tinha de ter duas funcionárias para cada máquina, mas para sacrificar mais, o encarregado tirou uma do corredor e deixou três, então ao mesmo tempo que uma tinha que trabalhar com o C17, ficava eu em uma máquina sozinha, e a outra em outra máquina, e uma nas duas. Tinha que ajudar os dois lados, tínhamos que dar produção. Se deixássemos a máquina cheia, no dia seguinte, o encarregado ia... a gente, ele ia aumentar a velocidade da máquina para aumentar a produção. Nós tínhamos que saber emendar, o nó para cada tipo de fio tinha de ser diferente, não podia deixar ponta. Nós trabalhávamos com uma tesoura no guarda pó e quando a tesoura estava cega e não dava para cortar tinha que ir até a oficina para amolar. Os fusos paravam individualmente, mais a máquina continuava. Os fusos, conforme arrebentava os fios a gente ia parando 110 os fusos. O problema é quando rodava o fio de amianto misturado com cobre ou arame, furava os nossos dedos entrava na nossa pele, na perna, no braço, espetava nossa mão, então quando uma colega ia ao banheiro e arrebentava um fuso lá embaixo, nós tínhamos que ir correndo e parar a máquina, pois se não dava uma bagunça que podia quebrar até a máquina, nós tínhamos que ter muita atenção à velocidade” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Da retorcedeira as canelas eram pesadas e levadas para a roca, pelos pesadores. O fio vai para Roca para mudança de embalagem. Na Roca o produto não passa por nenhuma transformação, para poder ir para tecelagem. 3.3.3.8 - A Roca “A Roca era uma máquina pequenininha com 6 fusos que a gente colocava estes queijos em cima da máquina, passava o fio e enrolávamos em um canudinho de papelão e ele vai enchendo” (Trabalhadora da indústria têxtil do amianto). 3.4 - Condições de Trabalho Os sacos de amianto eram provenientes do Canadá, eram todos escritos em inglês, contudo as trabalhadoras observavam impressos nos sacos a figura de uma caveira. Através de relatos das trabalhadoras, elas ouviam dizer que o amianto brasileiro não era bom, gostavam mais do amianto canadense, pois tinham as fibras menores. 3.4.1 - O Horário de Trabalho A fábrica funcionava em três turnos: 1º turno- 5:45 às 14:00, 2º turno: 14:00 as 22:15 e 3º turno – 22:15 as 5:45. O trabalho era desenvolvido de segunda a sábado; os trabalhadores faziam horas extras aos domingos. Um dos turnos de trabalho (três turnos) era de 5:45 as 14:00h, mas deviam bater o ponto 4:50, pois senão eram descontadas meia hora de seu dia de trabalho, e dois atrasos significavam a perda do domingo. 111 3.4.2 - O Horário das refeições As trabalhadoras não possuíam horário para as refeições, elas próprias traziam de casa seu café e seu pão, comendo junto às máquinas, e suas refeições eram cobertas de poeira de amianto. Após o horário de trabalho poderiam almoçar. Somente depois de 1986, foi implementado o horário de almoço com a construção do refeitório, passou-se então a ter 45 minutos para refeição. Os trabalhadores tinham que entrar 15 minutos mais cedo para compensar este horário. Outra peculiaridade da fábrica refere-se a questão dos uniformes, onde as próprias trabalhadoras levavam seus uniformes para serem lavados em suas casas, expondo seus familiares à contaminação do amianto. 3.4.3 - O Equipamento de Proteção A partir de 1983, começou-se a usar EPI (Equipamento de Proteção Individual), as máscaras. A partir de 1985, era exigido o uso das máscaras, o protetor auricular só foi implantado muito tempo depois. “Mais o ruído era muito e o protetor auricular não adiantava mais” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). “Neste período não conseguia mais suportar as mascaras, pois já tinha dificuldades em respirar” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). O calor e o ruído na fábrica é de muita intensidade, não existindo ventilação necessária, e o exaustor da fábrica, segundo a fala das trabalhadoras, era apenas de enfeite. “O calor era terrível, (a fiação) era o pior setor, tudo fechado, não podia ventar por causa da poeira (de amianto) e ninguém enxergava quase nada, a poeira ficava no teto. Havia um bebedouro para cada setor, no verão a água era quente e não dava vazão, muita gente passava mal” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). 112 3.5 - Trabalho Feminino A divisão sexual do trabalho distribui os gêneros para as atividades desiguais onde umas são mais valorizadas que outras, dividindo o mundo da produção e da reprodução. Justifica-se essa fragmentação pela ideologia, onde as relações sociais são representadas como coisas em si, existentes por si mesmas, e não como conseqüência das relações humanas. Segundo Kartchevsky (1986), Neves (1988) e Lobo (1991), a posição que a mulher ocupa no mundo do trabalho está relacionada à subordinação das mulheres no conjunto da sociedade, portanto, o estudo de gênero, vem contribuir na construção desse conhecimento. As pesquisas sobre a divisão sexual, social e internacional do trabalho são múltiplas, mas o ponto comum é justamente a persistência da subordinação. As práticas sociais, familiares, culturais e de trabalho das mulheres são simultaneamente apresentadas nas relações de trabalho, propriamente, capitalista ou não, formais ou informais. As relações que se estabelecem entre homens e mulheres não são puro reflexo das relações econômicas, mas se traduzem em representações e símbolos com que homens e mulheres enfrentam sua vida cotidiana. São relações assimétricas, são suas relações com a sociedade. São também relações de poder, regidas por leis e normas, tradições e hábitos. A divisão sexual do trabalho produz e reproduz a assimetria entre práticas femininas e masculinas e reproduz a subordinação de gênero (Lobo, 1991). Para J. Scott (1989) o gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, o gênero é basicamente o caminho de relações significativas de poder. “porque quando a gente é mulher existe um tempo de serviço que nunca é valorizado, nunca sai daquilo ali. Eu entendia muito. Eu dava valor a empresa. Fazia serão, dava muitas horas extras, trabalhava 40 horas semanais. Valorizavam mais os homens porque, mulher trabalha mais que os homens e em termos de salário e chefia eles sempre estavam por cima. Mandam e mandam, e as meninas ficavam ralando. No final do 113 ano quem ganha os prêmios são eles” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). 3.5.1 - As Relações de Gênero na Fábrica de Amianto As trabalhadoras fazem referências às diferenças no tratamento dado pelo contramestre às mulheres e aos homens. Há uma relação de poder em que as trabalhadoras estão subordinadas ao cargo de contramestre, como também subordinadas, em relação ao gênero. A hierarquia fabril não se dá da mesma forma para homens e mulheres. Como por exemplo, o aumento da velocidade da máquina, significando um aumento da carga de trabalho, é tratada de forma diferenciada para mulheres e homens. Para as mulheres não havia argumento possível que fizesse o contramestre retroceder. Com os homens, a situação é diferente. Eles negociam, conversam, e há uma mudança na velocidade das máquinas. “Quando eles reclamavam da velocidade. Eles conversavam. Eles não faziam nem cara feia e diminuíam”.Quando as trabalhadoras reclamavam da velocidade diziam: Que nada, a velocidade está baixa! Vocês não emendam porque não querem! Uma questão que existia era a falta de consideração. (...) Cada máquina tem 72 fusos, era para trabalhar 2 funcionários em cada máquina, num corredor. Para poder melhorar para eles, eles tiraram uma. Uma ficava em cada máquina e a outra ajudando as duas. (...) Com os homens eles não faziam isso. Não tinham como fazer. Tinha medo de apanhar na rua. As mulheres já eram mais frágeis. Ai agente quase não tinha tempo de ir ao banheiro. Não tinha como deixar a máquina. Trabalhava quase oito horas sem ir ao banheiro” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). Uma das questões mais contundentes da nossa pesquisa junto aos trabalhadores é a questão da velocidade da máquina e toda a negociação em torno deste tema, objetivando a redução na velocidade para que o trabalhador possa desenvolver sua 114 atividade, sem tanto desgaste físico e mental, que se caracteriza por ser repetitivo e intenso. Ao dar uma palestra para os trabalhadores em 1937, sobre a racionalização do trabalho ou taylorização, Simone Weil diz que “o aumento da velocidade da cadência da máquina é uma espoliação maior que o aumento das horas da jornada de trabalho. A especialização e fragmentação das tarefas que Taylor conseguiu, roubaram do operário a habilidade manual, a inteligência da sua obra. Com Ford, a jornada extensa é substituída pela jornada intensa pela expropriação da força de trabalho mais eficaz. Os recordes na rapidez são gratificados individualmente, procurando-se destruir a solidariedade operária e criando se possível for, a solidão moral dentro da equipe onde os gestos se completam e as mãos se estendem uma para outra” (Bosi, 1996:45). A trabalhadora se refere à fiação como sendo a alma da fábrica. Somente às relações de amizade e aos artifícios para melhor desenvolver sua atividade diz o seguinte: “Tinha boas amizades. A gente sempre procurava ajudar. Quando eles aumentavam a velocidade da máquina, eu ia lá e diminuía. ...Pedia ao mecânico para ensinar como destravar a máquina, pois eles colocavam um parafuso para que ninguém pudesse mexer nela...Ele ensinava a destravar. Era o encarregado que entrava com o parafuso. Às vezes ele desconfiava ia lá travava de novo e ficava de cara feia.....Às vezes a gente tentava à vezes, não...” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). No que diz respeito ao comportamento sedutor, o contramestre utilizava atitudes tais como reduzir a velocidade da máquina, colocar um fio de melhor qualidade na máquina da trabalhadora que ele estava interessado. Caso a trabalhadora não demonstrasse interesse, esse comportamento do contramestre era modificado. Como havia redução da velocidade, algumas máquinas produziam menos que as outras, e assim o contramestre atribuía a produção menor a outra trabalhadora, fazendo o uso de seu poder de chefia. 115 No que concerne às condições de trabalho essas são consideradas pelas trabalhadoras, como muito penosas. Com muito calor, barulho e a excessiva poeira do amianto. As máquinas com muita velocidade e os fios de amianto que se arrebentam com freqüência, obrigando a várias interrupções para dar prosseguimento ao trabalho. Mesmo vivenciando condições tão penosas de trabalho e reconhecendo os danos causados a sua saúde pela atividade laborativa em questão, as trabalhadoras consideram o trabalho importante para sua sobrevivência mas, principalmente, por possibilitar atuar no mundo como pessoas independentes. Gostariam de não ter trabalhado na fábrica estudada e ter perdido a saúde, mas valorizam o trabalho e as relações afetivas que ali construíram. No desenvolver das reuniões de grupo, observa-se a referência ao sentimento de isolamento por ocasião da demissão do trabalho, apontando dessa forma a relevância dada pelas trabalhadoras às relações sociais desenvolvidas no trabalho e, paralelamente o sentimento de não terem sido reconhecidas como pessoas e não poderem exercer atividade profissional alguma em decorrência do seu estado de saúde. As relações de gênero são apontadas e vivenciadas no cotidiano do trabalho. A diferença no tratamento dado a homens e mulheres é percebida e analisada pelas trabalhadoras através da suas falas e reflexões. É importante observar como se dá concretamente a exposição das mulheres trabalhadoras na fábrica em questão. Trabalhadoras expostas ao amianto, exposição que não tinham condições de modificar, nem pela reivindicação de uma velocidade menor para as máquinas, que significaria um trabalho mais lento sem necessidade de um esforço físico tão intenso, assim como a impossibilidade de utilização de um fio de barbante mais sólido. Essas circunstâncias e o não atendimento as suas reivindicações estão relacionadas diretamente à sua condição de gênero numa atividade que reflete a posição subordinada que as mulheres tem no mundo do trabalho. 116 4- O SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA OS OPERÁRIOS DA INDÚSTRIA TÊXTIL DE AMIANTO NO RIO DE JANEIRO O objetivo deste capítulo é compreender o significado que o trabalho tem para aqueles que trabalham. No caso específico, os trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto no Rio de Janeiro. Para a compreensão do sentido do trabalho torna-se necessário uma abordagem sobre o trabalho, na tentativa de apreensão do seu caráter ontológico. Esta análise se dará através dos conceitos de trabalho, alienação, trabalho abstrato, trabalho concreto, e reino da necessidade e liberdade, possibilitando uma reflexão que permita esclarecer o significado do trabalho em sua fundamentação filosófica. Algumas questões se impõem: a análise da relação entre o sentido econômico e filosófico do trabalho; seu sentido ontológico e a alienação do trabalho e sua superação. Em seu aspecto econômico, o trabalho cria mercadorias, dá valor às mercadorias e estabelece as relações sociais concretas do fazer humano. Para Marx, a análise do trabalho como atividade econômica é uma atividade dirigida a um fim, que através do objeto de trabalho, a matéria-prima, e através dos meios de trabalho, seus instrumentos, cria valores de uso e de troca, através das mercadorias. O valor de qualquer mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho materializado em seu valor de uso e pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção (Marx, 1980). A reflexão sobre o sentido do trabalho só pode ser realizada a partir de uma discussão filosófica da fundamentação do conceito geral de trabalho, sua posição e sentido no âmbito da existência humana (Marcuse, 1998). Marx elabora o conceito de trabalho a partir de Hegel. Em Hegel, o trabalho é um conceito central no sistema de análise da sociedade; o autor apreendeu a natureza do trabalho; o homem é resultado do seu trabalho, é o ato de auto elaboração, de auto-objetivação do homem (Marcuse, 1998). Interpretando Hegel, Marcuse sintetiza seu conceito de trabalho. "A atividade de mediação nada mais é do que a ação do trabalho. Através de seu trabalho o homem vence a separação entre o mundo objetivo e subjetivo: ele transforma a natureza em um meio adequado ao seu próprio desenvolvimento. Quando os objetos são tomados e fabricados pelo trabalho, tornam-se parte do sujeito que está apto para neles reconhecer suas 117 necessidades e desejos. Através do trabalho o homem sai de sua existência atomizada, no qual como um indivíduo, se opunha a todos os outros indivíduos, ele torna-se membro de uma comunidade" (Marcuse, 1969:80). Assim desenvolve-se a dimensão social do trabalho, em suas mais variadas formas. 4.1 - O Conceito de Trabalho Para Marx, o trabalho é a relação do homem com a natureza. "É um processo de que participam o homem e natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas cabeças e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza imprimindolhes formas útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza desenvolve as potencialidades adormecidas e submete ao seu domínio suas forças naturais ” (Marx, 1980:202). A necessidade de idealizar em sua mente, a forma que terá o seu trabalho, a concepção de sua intenção, resulta em ato criativo, através da definição de seus objetivos na materialidade dos objetos, que atende suas necessidades e desejos. Para o autor, o processo de trabalho é a atividade dirigida com o fim de criar valores de uso, cuja finalidade é o atendimento às necessidades humanas úteis e necessárias; é condição natural e eterna da vida humana, sendo comum a todas as formas de vida social (Marx, 1980). Esta é a forma ideal do trabalho, a criação de valores de uso. O trabalho é condição que o homem não poderá se furtar em nenhuma modalidade de organização social. No entanto, na sociedade capitalista, o trabalho cria os valores de troca, transformando o mundo do trabalho em uma atividade alienada. Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, Marx identifica a verdadeira dimensão que o trabalho assumiu para os homens, em sua maioria, na sociedade capitalista. Tomou a forma do trabalho alienado. Constatando que o trabalho "não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades" (Marx, 1993:162). O trabalho tornou-se apenas um meio de 118 sobrevivência, de manutenção da existência humana, e a não realização do reino da liberdade. A alienação do trabalho se dá em dois aspectos, tanto na relação do trabalhador com o produto do seu trabalho como também no próprio processo produtivo. "A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que existe independentemente fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição com ele, que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica" (Marx, 1993:160). No que concerne alienação no próprio processo produtivo, afirma que o trabalho "é exterior ao trabalhador, quer dizer, não pertence a sua natureza; portanto ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si mesmo, não se sente bem, mas infeliz, não desenvolve livremente as energias físicas e mentais, mas esgota-se e arruina o espírito... Assim o seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado... A exterioridade do trabalho para o trabalhador aparece no fato de que ele não é o seu trabalho, mas de outro, o fato de que não lhe pertence, de que no trabalho ele não pertence a si mesmo, mas a outro . Pertence a outro e é a perda de si mesmo" (Marx,1993:162). Na análise do trabalho alienado, Marx a partir dos dois aspectos mencionados o trabalhador em relação ao seu produto e no próprio processo de produção, refere-se também a um terceiro fator: a universalidade do homem. O homem é um ser genérico e portanto livre. Para ele, o trabalho alienado transforma a vida genérica, vida universal, em vida individual. "A vida produtiva, porém é a vida genérica. É a vida criando vida. No tipo de atividade vital reside todo o caráter de uma espécie, o seu caráter genérico; e a atividade livre, consciente constitui o caráter genérico do homem.... Mas o homem faz da atividade vital o objeto da vontade e da consciência.....A atividade vital consciente distingue o homem da atividade vital dos animais. Só por essa razão que ele á um ser genérico. Unicamente por isso, que sua atividade surge como atividade livre. O trabalho alienado inverte a relação, uma vez que o homem, enquanto ser consciente, transforma sua atividade vital, o seu ser, em simples meio de sua existência. É precisamente na ação sobre o mundo objetivo que o homem se manifesta como ser genérico" (Marx, 1993:163,164,165). 119 Outro aspecto referido pelo autor é a relação do homem com os outros homens, como conseqüência de sua alienação, com o produto do seu trabalho, com o processo e de produção e sua vida genérica. "Quando o homem entra em contraposição a si mesmo entra igualmente em oposição aos outros homens."... De modo geral, a afirmação de que o homem se encontra alienado de sua vida genérica significa que um homem está alienado dos outros, e que cada um dos outros se encontra igualmente alienado de sua vida humana'.... Assim, na relação do trabalho alienado cada homem olha os outros homens segundo o padrão e a relação em que ele próprio enquanto trabalhador se encontra" (Marx, 1993:166). Desta proposição, Marx afirma que a alienação do trabalhador em sua vida produtiva, se reflete nas suas relações sociais com os outros homens e com a sociedade em geral. O conceito fundamental para a compreensão do homem em sua relação concreta de vida é a liberdade.A compreensão do significado do trabalho para os seres humanos e conceito de alienação ligado ao próprio trabalho, nos remete ao conceito de liberdade. A análise de Marcuse sobre a Fenomenologia do Espírito de Hegel, destaca que "a natureza do homem exige a liberdade e a liberdade é uma forma de razão, baseando este principio na própria história do homem" (Marcuse, 1969:100). O homem se auto elabora e se objetiva através do trabalho, segundo o autor ''o trabalho é práxis da existência humana no mundo, através da relação entre trabalho e objetividade: o homem se ''objetiva'' e o seu objeto se torna o ''seu'' humano (...) só através do cumprimento dessa tarefa a existência humana pode de fato se tornar para si, chegar a si mesma'' (Marcuse, 1998:14). ''os objetos de seu trabalho não serão mais coisas mortas, mas produtos do seu trabalho e como tal parte integrante do seu próprio ser, através da mediação que o homem realiza através da apropriação de qualquer situação. O processo de mediação é chamado de produção e reprodução. É no acontecer da vida humana que se realiza a práxis, o homem precisa fazer sua existência, enquanto a existência dos animais é um mero deixar acontecer” (Marcuse, 1998:19). Na Ideologia Alemã, Marx, afirma que: ''O primeiro pressuposto de toda história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal desses indivíduos e, por meio disto sua relação dada com o resto da 120 natureza (...) eles próprios começam a se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida (...) produzindo seus meios de vida, os homens produzem indiretamente sua própria vida material. O modo pelo qual os homens produzem a seus meios de vida, depende antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que tem que reproduzir. (...) Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (Marx, 1999:27). Enfatizando a condição histórica dos homens, Marx afirma ''que os homens devem estar em condições de viver para poder fazer historia, e para viver devem trabalhar, transformar a natureza e se transformar. ''A produção da vida tanto da própria, no trabalho, como da alheia, na procriação, aparece agora como dupla relação: de um lado, como relação natural, de outro como relação social - social no sentido de que se entende por isso a cooperação de vários indivíduos, quaisquer que sejam as condições, o modo e a finalidade'' (Marx, 1999:42). A partir da Ideologia Alemã, Marx, dá ênfase à história, às relações sociais estabelecidas entre os homens, resultando daí toda organização social. Baseando-se em Marx e Hegel, Marcuse reflete sobre o lugar do trabalho na existência humana como o modo de ser dos homens enquanto ser histórico, que através de sua história, sua práxis, faz acontecer a sua própria existência, por meio da produção e reprodução material e espiritual, que se dá num determinado tempo e lugar, portanto condicionada pela realidade social e econômica desenvolvida pelo processo histórico dos homens, objetivando a continuidade da vida humana, sua permanência e plenitude. A práxis é entendida, segundo Vázquez, como a categoria central da filosofia e se concebe ela mesma, como interpretação do mundo, mas também como guia de transformação. Para o autor, a práxis é entendida como atividade material humana transformadora do mundo e do próprio homem. Essa atividade real, objetiva, é ao mesmo tempo ideal, subjetiva e consciente (Vázquez, 1977:5). A formação da consciência do homem se dá através de sua práxis. Para Hegel, o conceito de trabalho e a auto-consciência dos homens se dá na relação senhor-escravo, desenvolvido na Fenomenologia do Espírito. O indivíduo só pode tornar-se o que ele é através de outro indivíduo, numa relação que é conflituosa, indivíduos livres, que na 121 busca de seus interesses promovem o interesse comum. É uma luta de vida e de morte, entre indivíduos essencialmente diferentes, um é senhor e outro escravo. Ao mesmo tempo o trabalho é o veículo que transforma essa relação. As coisas produzidas pelo trabalho ocupam o mundo social do homem, e aí funcionam como objetos do trabalho. O trabalhador sabe que seu trabalho perpetua esse mundo (....) O processo de trabalho cria autoconsciência não somente no trabalhador, mas também no senhor (...) (Marcuse, 19 69:113). "Este é o processo mesmo da história. O sujeito consciente de si não atinge sua liberdade na forma de Eu e sim na de Nós, o nós associado que aparecerá pela primeira vez como resultado da luta entre senhor e escravo" (Marcuse 1969:118). A distinção entre o reino da necessidade e o reino da liberdade é fundamental para a discussão que desenvolvemos a seguir e constitui o ponto central de nossa reflexão, uma vez que o significado que o trabalho tem para os homens e mulheres, numa dada organização social, estará comprometida com a racionalidade econômica que a direciona. Marx divide o conceito geral de trabalho em dois planos: o primeiro chamado de reino da necessidade, o que é necessário para sobrevivência dos homens, e que corresponde a produção e reprodução material. O segundo, chamado por Marx do reino da liberdade, que é a práxis existencial além da produção e reprodução material, expressando ao mesmo tempo, a necessidade de integração desses dois planos. "O reino da liberdade só começa, de fato, onde cessa o trabalho que é determinado pela necessidade e por objetivos externos; por conseqüência, em virtude da sua natureza, encontra-se fora da esfera da produção material propriamente dita. Assim como o selvagem tem de lutar com a natureza para satisfazer as suas necessidades, para manter e reproduzir a vida, assim também tem de o fazer o homem civilizado em todas as formas de sociedade e com todos os modos de produção possíveis. Com o seu desenvolvimento, dilata-se o reino da necessidade natural, porque também as suas privações se intensificam, mas ao mesmo tempo amplificam-se igualmente as forças de produção, pelas quais se justificam estas privações. A liberdade neste campo só pode consistir no fato de a humanidade socializada, os produtores associados, regularem racionalmente o intercâmbio com a natureza, submetendo-a ao seu comum controle, em vez de serem governados por ela como por um poder cego, e cumprindo a sua tarefa com o menor dispêndio de 122 energia possível e em condições tais que sejam próprias e dignas de seres humanos. No entanto, aqui encontramo-nos no reino da necessidade. Para além dele começa o desenvolvimento da potencialidade humana com fim em si mesma, o verdadeiro reino da liberdade que, no entanto, só pode florescer tendo como base o reino da necessidade. A redução do dia de trabalho é a sua condição prévia fundamental" (Marx, 1993:12). O reino da liberdade acontece quando o homem está livre da necessidade imediata da existência, podendo se tornar livre para suas possibilidades, suas potencialidades. Além do urgente e das necessidades há, também, práxis, trabalho a desenvolver; seu caráter se transforma. ''O que a existência precisa assumir e fazer acontecer é ela mesma no que lhe é próprio: precisa descobrir a verdade e a plenitude de seu ser e se manter na verdade e plenitude assim descobertas - ser aquilo que em último sentido pode ser. Assim, a práxis no ''reino da liberdade'' é a práxis propriamente dita,.. o livre desdobramento da existência em suas verdadeiras possibilidades" (Marcuse, 19 98:37). Para Marx, a divisão da sociedade em classes, a apropriação dos meios de produção pela classe dominante, reduz o fazer acontecer da existência, apenas para dimensão da necessidade, para a maioria dos homens. A separação da produção e reprodução, ou seja do reino da necessidade, ao reino da liberdade, que confere plenitude a existência, faz com que a dimensão econômica, ou a racionalidade econômica absorva o todo existencial em seu interior e objetifica a práxis livre da existência. A superação dessa divisão entre a produção e reprodução do todo existencial através da possibilidade de descobrir a plenitude do ser na existência dos homens, constitui a condição para que seja devolvida à existência, seu trabalho próprio e para que o trabalho libertado da alienação e coisificação se torne novamente aquilo que é conforme sua essência: a realização efetiva, plena e livre do homem como um todo em seu mundo histórico (Marcuse, 1998:44). A definição do trabalho abstrato também é fundamental como categoria de análise do estudo em questão. Em Hegel, o trabalho é considerado uma atividade universal , por sua própria natureza, por isso, o trabalhador torna-se um universal, os produtos resultantes do trabalho são permutáveis entre todos os indivíduos. É este universal do trabalho que torna o trabalho abstrato, e através do trabalho que o 123 indivíduo satisfaz suas necessidades. O objeto do trabalho passa a ser um objeto universal, torna-se uma mercadoria. Assim, o trabalho torna-se o trabalho abstrato universal, o trabalho só tem valor como atividade universal: seu valor é determinado pelo que o trabalho representa para todos e não pelo que representa para o indivíduo. Marcuse citando Hegel, afirma que o indivíduo satisfaz suas necessidades por meio do trabalho; este último para chegar a satisfazer as necessidades do indivíduo, tem de se transformar em algo distinto do que é ''o objeto particular, pelo processo do trabalho, passa a ser um objeto universal, torna-se mercadoria. A universalidade transforma também o sujeito do trabalho, o trabalhador, e sua atividade individual. Ele é forçado a por de lado suas faculdades e desejos particulares. Nada conta na distribuição do produto do trabalho senão o ''trabalho abstrato e universal.'' ''O trabalho de cada um, com relação ao conteúdo, é um universal com relação às necessidades de todos. '' O trabalho só tem ''valor'' como ''atividade universal'': seu valor é determinado '' pelo que o trabalho representa para todos e não pelo que representa para o indivíduo'' (Marcuse, 1969:81). Este trabalho abstrato universal liga-se às necessidades concretas individuais pelas ''relações de troca'' do mercado. Em virtude da troca, os produtos do trabalho são distribuídos entre os indivíduos segundo o valor do trabalho abstrato. É por isso que Hegel denomina a troca de ''volta a concretude;'' por meio dela são satisfeitas, na sociedade, as necessidades concretas dos homens. Marcuse acentua dois pontos: a subordinação do homem ao trabalho abstrato, e o caráter cego de uma sociedade perpetuada pelas relações de troca. "O trabalho abstrato não pode desenvolver as verdadeiras faculdades do indivíduo. A mecanização, que poderia ser o instrumento de libertação do homem do trabalho penoso torna-o um escravo do seu próprio trabalho (...) Este sistema move-se daqui para lá, de modo cego e elementar, e, tal como um animal selvagem, exige rigoroso e permanente controle e repressão" (Marcuse, 1969:81). Ao contrário, o trabalho concreto é o caráter útil do trabalho, produz o valor de uso das mercadorias, o trabalho que cria coisas úteis e necessárias. A definição dos conceitos centrais do trabalho apontados anteriormente, é a base para uma reflexão sobre o significado do trabalho para os homens em sua realidade concreta. 124 Na tentativa de apreensão do conceito de ontologia do ser social, objetivamos a elucidação do caráter ontológico do trabalho, para que tenhamos maior clareza do que acontece com o homem no ato produtivo. 4.2- O Caráter Ontológico do Trabalho Procurando desvendar os fundamentos ontológicos do trabalho, farei referência a autores cujas obras tratam do trabalho numa perspectiva ontológica do ser social, como também elaboram "propostas," no sentido de indicações da superação do caráter alienado, estranhado e abstrato do trabalho. O entendimento do conceito de ontologia é fundamental para nossa reflexão sobre o significado do trabalho. "A ontologia, é termo de origem recente na filosofia, data do século XVII,... designando o estudo da questão mais geral da metafísica, a do "ser enquanto ser", isto é do ser considerado independente das suas determinações particulares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria" (Japiassu, 1993:184). A fundamentação filosófica do conceito de trabalho se sustenta na dimensão ontológica do ser, possibilitando dessa forma uma visão ampliada da existência humana e situando o trabalho além da esfera econômica. Para Marcuse, baseado em Hegel, o trabalho é um conceito ontológico, um conceito que apreende o ser da própria existência social. Para Hegel o caráter ontológico do trabalho aparece como acontecimento fundamental da existência humana, como acontecimento que domina permanente e continuamente todo o ser do homem e, concomitante a isso algo acontece com o ser do homem, ele se transforma (Marcuse, 1998:10). Para Lukács, o trabalho é a protoforma do ser social. A base original do homem está fundada no trabalho, na contínua realização de suas posições teleológicas. O autor entende o trabalho como um ato consciente com um fim determinado. Antunes cita Lukács: "Portanto, pode-se falar racionalmente do ser social tão somente quando se compreende que sua gênese, sua separação da base originária e sua emancipação, estão fundadas no trabalho, ou seja, na contínua realização de finalidades colocadas" (Antunes, 1995:122). Continuando a citar Lukács, Antunes aponta “o trabalho como momento fundante da realização do ser social, condição para sua existência; é o ponto de partida para a humanização do ser social e o motor decisivo do processo de 125 humanização do homem" (Antunes, 1995:123) Através do trabalho ocorre uma dupla transformação, ele atua sobre a natureza, desenvolve as potências nela oculta e, o homem é transformado pelo trabalho. O trabalho permite num processo dialético, o crescimento e desenvolvimento da pessoa como um ser criativo, possibilitando tornar-se sujeito, na realização de sua potência, ao longo de uma vida, mas também na grande maioria das vezes a realidade econômica da sociedade capitalista viabiliza situações de espoliações, alienação e sofrimento. Sobre este aspecto, Antunes cita Marx, para quem o trabalho é o elemento chave da humanização do ser social, no entanto na sociedade capitalista ele é degradado, estranhado, e em vez de ser meio de realização de homens e mulheres, se transforma em meio de subsistência (Antunes, 1995:123). "se na formulação marxiana o trabalho é o ponto de partida do processo de humanização do ser social, também é verdade que, tal como se objetiva na sociedade capitalista, o trabalho é degradado e aviltado. Torna-se estranhado. O que deveria se constituir na finalidade básica do ser social - a realização no e pelo trabalho - é pervertido e depauperado"(Antunes, 1995:124). Antunes citando Lukács, diz que o conceito de trabalho "na ontologia do ser social é uma categoria qualitativamente nova'' (Antunes, 1995:123). O ato teleológico é seu elemento constitutivo central A consciência humana deixa de ser mera adaptação ao meio ambiente e torna-se uma atividade auto-governada. Em sua origem, o trabalho ontològicamente, conduz o processo de humanização do homem em seu sentido amplo. Segundo Lukács, a transformação interior do homem consiste em atingir um controle sobre si mesmo. A discussão que se segue, desenvolvida por Antunes, de uma vida cheia de sentido, está fundamentado no caráter ontológico do trabalho, na possibilidade que ele tem em si, de favorecer ao homem, o seu desenvolvimento como ser criativo e desenvolver sua potência. Antunes inicia a discussão sobre a busca de uma "vida cheia de sentido", situando tal questão na relação existente entre trabalho alienado e trabalho concreto, entre reino da necessidade e reino da liberdade. Referindo-se a "vida cheia de sentido" ao trabalho concreto, ao reino da liberdade. Para Antunes “a consciência humana se torna um momento ativo e essencial da vida humana. É um fato ontológico objetivo. E a busca de uma vida cheia de sentido, dotada de autenticidade, encontra no trabalho seu locus primeiro de 126 realização. A própria busca de uma vida cheia de sentido é socialmente empreendida pelos seres sociais para sua auto realização individual e coletiva. É uma categoria genuinamente humana, que não se apresenta na natureza. "Vida, nascimento e morte como fenômenos da vida natural são destituídos de sentido (...) Somente quando o homem em sociedade busca um sentido para sua própria vida e falha na obtenção desse objetivo é que isso dá origem à sua antítese, a perda de sentido" (Antunes, 1999:143). Antunes chama atenção na distinção ao referir-se a uma vida cheia de sentido, que encontra, no plano do trabalho seu primeiro momento de realização, e a afirmação de que uma vida cheia de sentido se reserve exclusivamente ao trabalho. A arte, a poesia, a pintura, a literatura, a música, o momento de criação, o tempo de liberdade, tem um significado muito especial. São por esses meios que o ser social poderá se humanizar e emancipar em seu sentido mais profundo. Ressaltando a importância de trabalho e da liberdade, "podemos dizer que a liberdade é um ato de consciência que (...) consiste numa decisão concreta entre diferentes possibilidades concretas" (Antunes, 1999:144). Para Lukács o conteúdo da liberdade é essencialmente distinto nas formas mais avançadas. (...) O ato teleológico, expresso por meio da colocação de finalidades é, portanto, uma manifestação intrínseca de liberdade, no interior do processo de trabalho. É um momento efetivo de interação entre subjetividade e objetividade, causalidade e teleologia, necessidade e liberdade. O autor coloca ainda que na interação entre o trabalho e as formas mais complexificadas da práxis social interativa, existe uma relação de prolongamento, de distanciamento, não de separação e disjunção porque: "Pelo trabalho o ser social produz-se a si mesmo como gênero humano; pelo processo de auto atividade e autocontrole o ser social salta da sua origem natural baseada nos instintos para uma produção e reprodução de si como gênero humano, dotado de auto controle consciente, caminho imprescindível para a realização da liberdade” (Antunes, 1999, 145). Refletindo sobre a crise do trabalho na sociedade atual, em que muitos autores colocam em discussão a questão da centralidade do trabalho, Antunes localiza a referida crise como a crise do trabalho abstrato, aquele que não pode desenvolver as várias faculdades do ser social. 127 Entende o trabalho abstrato como dispêndio da força humana de trabalho, que cria o valor das mercadorias, e o trabalho concreto como dispêndio da força humana dirigida para um determinado fim e, nessa qualidade de trabalho útil e concreto produz o valor de uso das mercadorias. Assim o trabalho concreto é o caráter útil do trabalho, o trabalho criado, que cria coisas realmente úteis e necessárias. O trabalho abstrato é o sentido genérico do trabalho, enquanto dispêndio da força produtiva, física ou intelectual, socialmente determinada, perdendo as formas de trabalho concreto. Na sociedade capitalista o fim básico é a criação de valores de troca, reduzindo assim, o valor de uso das mercadorias, a dimensão concreta das mercadorias à sua dimensão abstrata. A partir dessa polêmica, Antunes insere o debate em torno da questão do tempo de trabalho e tempo livre, que é um dos temas centrais do debate colocado por André Gorz em Adeus ao Proletariado. Significando lutar pela redução da jornada de trabalho, implica lutar pelo controle (e redução) do tempo opressivo de trabalho. Hoje, na crise do trabalho, na sociedade contemporânea, cujo ponto central é o desemprego e a exclusão social, a redução da jornada de trabalho, tanto nos países avançados como nos países do terceiro mundo tem como finalidade aumentar a capacidade de emprego para um maior número de pessoas. A discussão que Antunes desenvolve sobre "a vida cheia de sentido" está relacionada a sua proposta de caminhar para a sociedade do trabalho concreto, não alienado, não podendo restringir-se apenas a maior disponibilidade de tempo livre. Para o autor uma vida cheia de sentido fora do trabalho supõe uma vida dotada de sentido no trabalho” Não é possível compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e estranhado com tempo (verdadeiramente) livre. Uma vida desprovida de sentido no trabalho é incompatível com uma vida cheia de sentido fora do trabalho. Em alguma medida, a esfera fora do trabalho estará maculada pela desefetivação que se dá no interior da vida laborativa (Antunes,1999:175). Passamos a citar Roszak, que caminha na mesma linha de reflexão dos autores já citados, no que concerne ao sentido do trabalho e sua visão ontológica. "Nossa condição de pessoa se realiza no trabalho responsável ...Se há algo a salvar é o conceito mesmo de que o trabalho é uma necessidade da condição humana, não um simples meio de sobrevivência, mas um meio essencial de descobrimento de si mesmo. Temos uma necessidade de trabalhar, temos o direito de trabalhar, e nem a necessidade, nem o direito tem que justificar-se demonstrando sua rentabilidade ou produtividade, da mesma 128 maneira que nossa maneira de amar, julgar ou crescer não tem porque apresentar sua credenciais de custo benefício. Nosso trabalho é nossa vida, e não podemos exercitar nosso direito ao descobrimento de nós mesmos em um mundo que nos priva da nossa vocação natural " (Roszak, 1984:298). Para o autor uma economia que não está preocupada com o significado da vocação não atende as necessidades das pessoas. Mais uma vez a discussão que se coloca, então, diz respeito a distinção que se dá entre o reino da necessidade e o reino da liberdade, entre trabalho abstrato e trabalho concreto. Então se coloca a seguinte pergunta: existe o trabalho não alienado, a humanidade é capaz de produzir uma sociedade onde o trabalho é a realização do ser social? Para Roszak, o trabalho é um meio essencial de desenvolvimento de si mesmo. “O trabalho somos nós mesmos. Somos um com ele, devido a tudo que se desenvolve a partir do que decidimos a ser nessa vida. É nosso emblema pessoal e nos enche de orgulho diante do mundo” (Roszak, 1984:277). O trabalho é o encontrar-se a si mesmo, constitui a identidade da pessoa e, se isso não acontece coloca em questão tudo aquilo que proporciona diferenciação e significado à nossa vida. Para o autor a verdadeira essência da alienação é o distanciamento das pessoas do seu trabalho, a retirada da ação, a perda da realização por parte da pessoa. A alienação, para o autor, não é apenas o estranhamento dos meios e dos frutos da produção, mas o estranhamento da atividade que nos permite negar nossa responsabilidade pelo que fazemos (Roszak, 1984). Falando da vocação, o autor, afirma que ter vocação é trabalhar com responsabilidade, com a identificação de nosso trabalho conosco mesmo. A vocação relaciona-se a responsabilidade, para um trabalho bem feito, e pela boa utilização do mesmo. O que impulsiona a responsabilidade é o amor, o amor pelo que fazemos; caso contrário, o trabalho é apenas um meio de sobrevivência, um salário para viver. "O trabalho responsável é a encarnação de amor, e o amor é a única disciplina que serve para conformar a personalidade, a única que proporciona a mente inteireza e constância para toda uma vida e esforço. Sobre uma verdadeira vocação se encerra o paradoxo de todo conhecimento significativo de si próprio, nossa capacidade de nos encontrarmos a nós mesmos e nos 129 perdermos. Nos perdermos em nosso amor pela tarefa que temos ante nós mesmos e, nesse momento, tomamos conhecimento de uma identidade que radica dentro como além de nós" (Roszak, 1984:279). Para ele o trabalho é nossa vida, nos dedicamos a ele muitos anos do tempo que dispomos para nossa salvação. Refere-se ao dom que todos possuímos, uma vocação que encontra muito prazer mesmo quando suamos e sofremos para alcançar sua realização (Roszak,1984:280). No seu livro Adeus ao Proletariado, Gorz coloca que o tema central do ensaio é a discussão da liberdade do tempo e a abolição do trabalho. Distingue o trabalho entre atividade heterônoma e atividade autodeterminada. O trabalho heterônomo é feito visando um salário, e a atividade autodeterminada ela é, em si mesma, seu próprio fim. Cria objetos destinados ao consumo ou à utilização das próprias pessoas que a produzem ou que lhe são próprias. O autor entende a abolição do trabalho não como a necessidade da abolição do esforço, desejo de atividade, amor à obra, e necessidade de cooperar com os outros, se tornar útil. A proposta de liberação do tempo objetiva a posse por parte dos indivíduos de se tornar senhores do seu corpo, do emprego que fazem de si, de suas atividades, seus objetivos, suas obras,. Significando trabalhar menos para viver mais, não para descansar mais (Gorz, 1987:11). O autor vê duas possibilidades em curso na situação da sociedade atual: a que leva ao desemprego e a que leva a sociedade do tempo liberado. A realização da auto produção e a liberação do tempo levará a superação da lógica capitalista o enfraquecimento do assalariamento e das relações de mercado. O autor ressalta que abolição do trabalho, não é para todos, pois para aqueles que se realizam no seu trabalho, que se identificam com o mesmo, que fazem do trabalho o centro de suas vidas esta questão não se coloca, no entanto, é fundamental para aqueles que acham que seu trabalho jamais constituirá para eles uma fonte de realização pessoal. O autor chama essa categoria da não-classe, dos não trabalhadores. O autor coloca que não se trata de abolir o trabalho ou fazer renascer ofícios completos em que cada um possa se realizar. A escolha se dá entre abolição libertadora e socialmente controlada do trabalho, ou sua abolição opressiva e anti-social. Afirmando que o trabalho não é e nem deve ser o essencial da vida, Gorz identifica nos movimentos sociais, o movimento das pessoas que se recusam a ser 130 somente trabalhadores, uma dominante libertária: é a negação da ordem, do sistema social em nome do direito de cada um sobre a sua vida. No entanto, reconhece que numa sociedade produtora de mercadorias, do lucro, e da acumulação do capital, a primazia das atividades autônomas sobre as heterônomas é impossível. Por esse motivo, aponta como questão política, a transformação da sociedade de acordo com os objetivos do movimento social citado, pressupondo um pensamento, uma ação e uma vontade específica, ou seja, política...não integrada, complexa, libertária, pluralista, o que é apontada pelo autor como mais uma possibilidade de realização de sociedades imagináveis, e que requer uma ação consciente. O autor deixa a questão em aberto, considerando a possibilidade de levantar problemas cuja solução ainda não existe (Gorz, 1987). Na busca de caminhos, retornamos a Antunes, para quem "a superação da sociedade do trabalho abstrato se dá no reconhecimento do papel central do trabalho assalariado, da classe que vive do trabalho, como sujeito, potencialmente capaz de caminhar, objetiva e subjetivamente, além do capital" (Antunes, 1995:80). "O salto para além do capital será aquele que incorpore as reivindicações presentes na cotidianidade do mundo do trabalho como a redução radical do tempo livre sob o capitalismo, desde que esteja articulada com o fim da sociedade do trabalho abstrato e sua conversão em uma sociedade produtora de coisas úteis, na construção de uma organização societária que caminhe para a realização do reino da liberdade, momento de identidade entre o indivíduo e o gênero humano" (Antunes, 1995:81). Assim, a luta pela redução da jornada de trabalho é insuficiente, pois deve estar articulada com o projeto global e alternativo da organização societária. O autor ressalta que o trabalho não é o único e totalizante momento da construção da vida do ser social, mas, através do trabalho concreto se dará o ponto de partida, a base de sustentação para instauração de uma nova sociedade. As outras formas de realização do ser social como a arte, a ética, a filosofia, a ciência, e outros constituem também o momento e omnilateralidade humana, e devem ser levados em conta. "Com justa razão se deve designar o homem que trabalha...como um ser que dá respostas. Com efeito é inegável que toda atividade laborativa surge como solução de resposta ao carecimento que a provoca (...) o homem torna-se 131 um ser que dá respostas precisamente, a medida que (...) ele generaliza transformando em perguntas seus próprios carecimentos e suas possibilidades de satisfazé-los (...). Só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser "não apenas meio de vida, mas o primeiro carecimento da vida" só quando a humanidade tiver superado seu caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o caminho social da atividade humana como fim autônomo" (Antunes, 1995:83,84). A nova proposta societal de uma vida cheia de sentido, baseia-se em dois princípios básicos para Antunes: 1º- O atendimento às necessidades humanas societais, que é considerada pelo autor como o mais profundo desafio da humanidade, pois o capital instaurou um sistema de autovalorização que independe das reais necessidades autoreprodutivas da humanidade, e que devem ser recuperadas, e, 2º- A conversão do trabalho em atividade livre, auto-atividade com base no tempo disponível, significando a recusa a dicotomia existente entre tempo de trabalho necessário para a reprodução social e tempo de trabalho necessário para a reprodução do capital. "E esse mesmo trabalho autodeterminado que tornou sem sentido o capital, gerará as condições sociais para o florescimento de uma subjetividade autêntica e emancipada, dando um novo sentido ao trabalho" (Antunes, 1999:182). O autor compreende a classe trabalhadora hoje, como o “conjunto heterogêneo e complexificado do trabalho, incorporando tanto os segmentos minoritários e mais qualificados, como também os segmentos assalariados, os trabalhadores temporários, os terceirizados, os sub-contratados, etc. que compõem a totalidade do trabalho social” (Antunes,1999: 183). A forma de ver o trabalho de dois autores cristãos, como Henrique Cláudio de Lima Vaz e Simone Weil, amplia o conhecimento sobre a questão fornecendo subsídios para uma reflexão sobre o sentido do trabalho para os seres humanos. Para Henrique Cláudio de Lima Vaz, o ser no mundo é para o homem ser em trabalho. “Pelo trabalho, o mundo torna-se um mundo para o homem. E toda forma de trabalho desde o ato de liberdade que não é espontaneidade pura, mas encarnação num dado, ou ato de inteligência que não é intuição imediata e totalizante, mas esforço de compreensão de um objeto inicialmente enigmático, 132 até o gesto manual que se aplica a vencer a resistência da matéria” (Leite, 1996:34). O trabalho é visto não como expropriação da natureza, mas por um modelo baseado na relação homem/natureza fundada no trabalho como uma mediação entre o homem e os fins que lhe correspondam como pessoa, transcendentes à natureza. “A natureza deixa de ser considerada inimiga do homem e passa a ser vista como parceira na sua relação entre o homem e os fins que lhe correspondem como pessoa. Tais fins, se não elimina a luta homem/natureza, situam essa luta em um patamar que tem como principal sustentáculo o valor da preservação da natureza, posto que sua destruição implicaria necessariamente, a destruição do próprio homem. O trabalho passa a ser feito não somente contra a natureza – contra, aqui, no sentido da luta humana para recriar o mundo à sua imagem e semelhança, o que sempre implica a transformação da natureza sob uma humana finalidade-, mas também a seu favor, tendo em conta a indispensabilidade de sua preservação” (Leite, 1996: 35). Situando o trabalho em transcendência à natureza, para o homem, segundo Vaz, esses fins devem situar-se na esfera mesma do pessoal. Só a pessoa finaliza a pessoa. Assim pelo aspecto do “finis operis” o trabalho é uma relação de compreensão e transformação do homem com o mundo dos objetos, que é constitutiva da sua situação de ser no mundo e que poderia ser chamada de relação objetiva. Mas pelo aspecto do “finis operantis”, ele prolonga-se na direção do outro, refere-se ao universo espiritual das pessoas, torna-se uma forma de relação intersubjetiva. Só assim na medida em que insere o homem na comunidade dos homens, o trabalho o realiza e se mostra como trabalho humano. "Entretanto, o ser do homem só alcança plenitude em razão e liberdade quando o trabalho humano não opera a unanimização dos homens, mas quando assume a forma de uma relação intersubjetiva, de um relação finalizada pela pessoa. (Leite, 1996:36 ). “Não apenas o trabalho é uma dessas mediações, pelas quais se realiza a socialidade e a historicidade do homem... A mediação familiar, a mediação política, a atividade lúdica, a ciência, a moral, a arte, a religião, gozam com 133 relação ao trabalho de primazia na ordem indicado o lugar privilegiado por Vaz conferido ao trabalho, não mais formal... A significação humana do trabalho atesta a ordenação do homem a Deus. Aqui se encontra meramente em luta com a natureza – mas transcendente a ela – palavra que interpela o outro e é pelo trabalho corporificada, forma de finalização da pessoa” (Leite, 1996:37,39). Segundo Leite, uma vez conhecida a significação dada por Vaz a esfera da relação intersubjetiva, torna-se possível conhecer o verdadeiro sentido e o caminho para a crítica e superação da alienação do trabalho. “Todo trabalho é – deve ser – realizador do homem, Como tal mergulha nas fontes mesmas da alegria criadora, na medida em que o ato do homem que trabalha confere uma significação humana ao objeto trabalhado. Essa significação é a ponte lançada em direção ao outro, seu encontro, seu acolhimento seu reconhecimento. Ao contrário o trabalho alienado é aquele em que desaparece a alegria criadora, o gesto é mecânico e sem ressonância humana, o objeto predomina sobre o ato, de tal sorte que o próprio ato vem a se tornar objeto, a coisificar-se e como tal é tratado. Na alienação do trabalho, dá-se a inversão da dialética do “finis operis” e “finis operantis”. Nela, o “finis operis” torna-se um fim em si mesmo e impõe tiranicamente as suas exigências: a utilidade, o lucro. Então o trabalho deixa de ser um mediador autêntico, pois já não fundamenta uma verdadeira relação social. “O elemento específico da alienação do trabalho. É finalmente a inversão da relação de poder que dirigida originariamente do homem ao mundo, se volta agora do mundo ao homem” (Leite, 1996:39). “Será possível deste modo, afirmando a significação fundamental da relação do trabalho para a compreensão da essência do homem ser no mundo, mostrar que ela não é finalizada, em último termo, pela natureza a ser transformada (finis operis), mas sim pela auto-realização do homem que trabalha, no desdobramento da sua capacidade criadora, na sua inserção na comunidade humana pelo reconhecimento do outro através da natureza humanizada e, finalmente, na sua busca e no seu encontro com Deus no contexto mesmo da história urdido pelo trabalho” (Leite, 1996: 43). 134 Ao refletir sobre o trabalho Simone Weil afirma: “O segredo da condição humana é que não há equilíbrio entre o homem e as forças da natureza circundantes, que ultrapassam infinitamente na inação; só há equilíbrio na Ação pela qual o homem recria sua própria vida no trabalho” (Weil, 1993: 201). “A grandeza do homem é sempre recriar sua vida. Recriar o que lhe é dado. Forjar aquilo mesmo que sofre. Pelo trabalho, ele produz sua própria existência natural. Pela ciência, recria o universo por meio de símbolos. Pela arte recria a aliança entre o seu corpo e sua alma. Notar que cada uma dessas três coisas é pobre, vazia, fútil, tomada em si mesma e sem relação com as outras duas. União das três: cultura operária” (Weil, 1993: 201). A partir de sua vivência na fábrica e refletindo sobre a vida dos operários Simone elabora a forma como deveriam ser as indústrias que respeitassem os trabalhadores. Afirma que a “fábrica poderia encher a alma com o poderoso sentimento de vida coletiva” pela participação de todos no trabalho (Bosi,1966:156). “Todos os ruídos tem um sentido, todos são ritmados, fundem-se numa espécie de grande respiração do trabalho comum no qual é inebriante tomar-se parte. Tão mais inebriante quanto mais inalterado é o sentimento de solidão. Só os ruídos metálicos, rolamentos que giram, mordidas no metal; ruídos que não falam da natureza, nem da vida, mas da atividade séria, mantida ininterrupta do homem sobre as coisas. Fica-se perdido neste grande rumor, mas, ao mesmo tempo dominamo-lo porque sobre esta nota grave, permanente e sempre em mudança o que sobressai candente é o ruído da máquina que cada um maneja, Não é possível sentir-se pequeno dentro de uma multidão, vem o sentimento de indispensabilidade de cada um. As correias de transmissão, onde elas existem, permitem que se beba com os olhos esta unidade de ritmo que todo o corpo sente através dos barulhos e pela ligeira vibração de todas as coisas. Nas horas sombrias das manhãs e nas tardes de inverno, quando só a luz elétrica brilha, todos os sentidos participam de um universo no qual nada lembra a natureza, no qual nada é gratuito, no qual tudo é choque, choque duro e ao mesmo tempo conquistador, do homem sobre a matéria. As lâmpadas, as correias, os ruídos a 135 dura e fria ferragem, tudo concorre para a transmutação do homem em operário” (Bosi,1996:156,157). Simone reconhece que se a vida na fábrica fosse assim, seria belo demais, pois estas são alegrias de homens livres, e os operários não sentem essas alegrias, pois não são homens livres a não ser nos raros momentos, quando esquecem que não são livres. A raiz do mal, segundo Simone, reside no fato de que na nossa sociedade, os homens ocupam o lugar das coisas e as coisas o lugar dos homens. Simone Weil localiza o tempo e o ritmo como um dos problemas mais sério dos operários. Focalizando o trabalho monótono. Reconhece que nada é feito sem monotonia e aborrecimento. Sugere a transformação na máquinas para impedir que o tempo dos operários se assemelhe a relógios. “Mas isto não basta é preciso que o futuro se abra ante o operário com uma certa possibilidade de previsão, a fim de que ele tenha o sentimento de progredir no tempo, de caminhar a cada esforço, na direção de um certo acabamento” (Bosi,1996:173). A proposta de um futuro para os trabalhadores inclui, além de um certo conhecimento do funcionamento da fábrica em seu conjunto, e uma organização que garanta uma certa autonomia das seções em relação à empresa, e de cada operário em relação à sua seção. Cada operário deveria antever o que fará nos próximos dias, e ter uma certa escolha quanto à ordem de realização das tarefas. “E, quanto ao futuro longínquo, projetar algumas marcas que lhe determinem o caminho (...) Assim (...).participará desse sentimento de enraizamento de que o coração do homem tem sede, e que, sem diminuir a dor, suprime o desgosto (Bosi.1966: 173). (...) A solução ideal seria uma organização do trabalho tal que cada fim de tarde saíssem ao mesmo tempo o maior número possível de produtos bem feitos e de trabalhadores felizes. Se, por um acaso providencial pudéssemos encontrar este método de trabalho suficientemente perfeito para tornar o trabalho alegre, não haveria mais problema. Mas este método não existe, e o que acontece é exatamente o contrário. E se tal solução não é praticamente realizável, é justamente porque as necessidades da produção e as necessidades dos produtores não coincidem forçosamente. Seria bom demais que os processos de trabalho mais produtivo fossem os mais agradáveis. Mas, pelo menos podemos aproximarmo-nos dessa solução procurando métodos que conciliem ao 136 máximo os interesses das empresas e os direitos dos trabalhadores. Em princípio poderíamos resolver contradições por meio de um compromisso baseado num meio termo, de tal forma que nem uns nem outros fossem sacrificados, nem os interesses da produção nem os dos produtores. Uma fábrica deve ser organizada de forma que a matéria prima que ela utiliza se transforme em produtos que não seja nem muito raros, nem muito caros, nem defeituosos, e que, ao mesmo tempo os homens que nela trabalham não saiam dela diminuídos física ou moralmente à noite, ao final de um dia, de um ano, ou de 20 anos ” (Bosi,1996:139). Pouco antes de morrer escrevendo sobre o desenraizamento volta ao tema: “Minha utopia: Oficinas espalhadas. Operários, ao mesmo tempo desenhistas, controladores, mantenedores... Camponeses instruídos na mecânica. Máquinas simples em suas casas, para os meses de inverno. Participação dos operários nos trabalhos dos campos, nos meses de verão. Corpo de professores tendo praticado um e outro...” (Bosi,1996; 45). Aí está o verdadeiro problema, o mais grave problema que a classe operária tem: encontrar um método de organização do trabalho que seja aceitável ao mesmo tempo para a produção, para o trabalho e para o consumo. A crítica de Simone Weil ao trabalho na sociedade, centraliza-se principalmente no método. Um método que separa pensamento e ação, transformando os homens em apêndices de máquinas, automatizados, sem exercerem sua condição fundamental de pessoa humana: o pensamento e a razão. Em uma palestra sobre racionalização do trabalho, fala sobre este método no qual se baseia em grande parte, a produção. 137 4.3 - O Método do Trabalho - Pensamento e Ação O método de Taylor ou a organização científica do trabalho tinha como finalidade tirar dos trabalhadores a possibilidade de determinar por si os processos e os ritmos de seu trabalho, e colocar nas mãos da direção a escolha do movimento a executar no decorrer da produção. Sua preocupação primordial era encontrar os meio de forçar os operários a darem a fabrica o máximo de sua capacidade de trabalho. “O método de Taylor consiste essencialmente nisto: primeiro estudar cientificamente os melhores procedimentos e empregar em qualquer trabalho, mesmo o trabalho braçal, mesmo o trabalho de manutenção ou trabalhos deste gêneros, depois estudar os tempos decompondo cada trabalho em movimentos elementares que se reproduzem em trabalhos muito diferentes conforme diversas combinações e, uma vez medido o tempo necessário para cada movimento elementar chega-se facilmente ao tempo necessário para operações muito variadas. Vocês sabem que o método da medida dos tempos é a cronometragem. É inútil insistir neste ponto, Finalmente intervém a divisão do trabalho entre os chefes técnicos. Antes de Taylor um contramestre fazia tudo, vigiava tudo. Atualmente nas fábricas há vários chefes para uma mesma seção há o controlador, há o mestre, etc.(...) Depois de Taylor não houve muita inovação (Bosi,1966:144). Primeiro houve o trabalho em cadeia, inventado por Ford, que suprimiu até certo ponto, o trabalho por peças e prêmios até mesmo nas suas fábricas. A cadeia é originalmente um processo de manutenção mecânica. Praticamente tornou-se um método aperfeiçoado para extrair dos trabalhadores o máximo de trabalho num tempo determinado” (Bosi, 1996: 146). O que o sistema de montagens faz na realidade é retirar a especialização dos trabalhadores e transformá-los em trabalhadores em série; o operário só executa um determinado número de gestos mecânicos e repetitivos. “É um aperfeiçoamento do sistema Taylor que consegue tirar do operário a escolha do seu método e a inteligência do seu trabalho, transferindo para a seção de planejamento e de estudos. Este sistema de montagens também faz desaparecer a habilidade manual necessária ao operário especializado...(Bosi,1966:146). 138 “Este sistema produziu a monotonia no trabalho......Felizmente não alcançam nunca um êxito total porque nunca a racionalização é perfeita e porque graças a Deus, o chefe da oficina não conhece nunca tudo. Restam meios de tirar o corpo fora, mesmo para um operário não qualificado, Mas se o sistema fosse estritamente aplicado, seria exatamente isso” (Bosi, 1996: 151,152). Esta afirmação de Simone Weil mostra a distância entre o trabalho prescrito e o real, e o espaço de criatividade de que fala a ergonomia, ressaltado por Dejours como espaço de liberdade. A autora considera que este sistema nada tem de científico, e torna a ciência um instrumento de pressão. Para ela, o verdadeiro papel da ciência em matéria de organização do trabalho é o de encontrar melhores técnicas. Em geral, o fato de ser tão fácil explorar, cada vez mais, a força operária, cria uma espécie de preguiça nos chefes existindo negligência em relação aos problemas técnicos. Simone Weil aponta a necessidade de corrigir os males que surgiram nas fábricas. Seria preciso primeiro que os especialistas, engenheiros se dedicassem não só construir objetos, bem como não destruir homens. Não torná-los dóceis nem mesmo torná-los felizes, mas, simplesmente, não obrigar nenhum deles a se aviltar (Leite, 1996). A relação entre a opressão social e o progresso nas relações do homem com a natureza é, segundo Weil, o problema fundamental na análise da opressão. “O homem apesar do progresso não saiu da condição servil em que se achava desde o início dos tempos, tendo apenas transferido da natureza para a sociedade o poder que o sustenta” (Leite, 1996:98). Apesar desta situação Simone Weil não aceita a servidão como condição humana. Nunca o homem pode aceitar a servidão porque ele pensa. Nunca deixou de sonhar com a liberdade. “Mas a liberdade perfeita não pode ser concebida como o desaparecimento da necessidade, posto que enquanto o homem viver a pressão da necessidade não se afrouxará nunca um só momento. A verdadeira liberdade não se define como uma relação entre o desejo e a satisfação. Mas como uma relação entre o pensamento e a ação; seria totalmente livre o homem cujas ações, todas elas procedessem de um juízo prévio sobre o fim que ele se propõe e o encadeamento dos meios próprios que levam a esse fim. 139 O homem é um ser limitado a quem não é dado ser como o Deus dos teólogos autor direto de sua própria existência, mas o homem possuiria o equivalente humano desse poder divino, se as condições materiais que lhe permitem a existência fossem exclusivamente a obra do seu pensamento dirigindo o esforço de seus músculos. Esta seria a verdadeira liberdade. Essa liberdade não é senão um ideal, mas será útil para conceber se podemos perceber ao mesmo tempo o que nos separa dele e que circunstâncias nos podem afastar ou aproximar dele” afirma Weil (Leite,1996:99). Para Simone Weil “...o único modo de produção plenamente livre seria aquele em que o pensamento metódico estivesse em ação no decorrer do trabalho. As dificuldades a vencer deveriam ser tão variadas de sorte que nunca fosse possível aplicar regras já feitas; não bem entendido que o papel dos conhecimentos adquiridos deva ser nulo; mas é preciso que o trabalhador seja obrigado a conservar sempre presente no espírito a concepção diretriz do trabalho que executa, de forma a poder aplicá-la inteligentemente em casos particulares sempre novos” (Bosi,1996:337). Simone Weil através de suas reflexões e vivência em torno da condição operária, em seus desdobramentos como opressão, liberdade, e a ação relacionada ao pensamento e ao método na realização do trabalho, traz grande contribuição para a reflexão sobre o caminho trilhado pelos trabalhadores, trazendo elementos com propostas de transformação da organização do trabalho e da realidade vivenciada pelos trabalhadores. 4.4 - A Subjetividade no Trabalho A psicopatologia do trabalho é a análise dinâmica dos processos psíquicos mobilizados pela confrontação do sujeito com a realidade do trabalho. Dinâmica significa que a análise toma como centro de gravidade os conflitos que surgem do encontro entre um sujeito, de uma história singular, pré-existente a este encontro e uma situação de trabalho cujas características são em grande parte fixadas independente da vontade do sujeito (Dejours, 1994). Priorizando a intersubjetividade, o autor privilegia a relação com outros sujeitos e com o coletivo, considera que não existe uma relação estritamente técnica, cognitiva, 140 ela passa pelo sujeito situado num contexto inter subjetivo. A intersubjetividade é a referência para construção do sentido pelo sujeito, onde a palavra ocupa lugar central, para a análise direta da realidade. Ao situar “a palavra”, como instrumento privilegiado na análise da psicopatologia do trabalho e da organização do trabalho, Dejours nos fornece elementos de confirmação da metodologia utilizada por nós na presente pesquisa, através das reuniões que desenvolvemos com os trabalhadores. A intersubjetividade é a referência para a construção do sentido pelo sujeito onde a palavra ocupa o lugar central, em lugar da ação, utilizada na análise da atividade. As condições de trabalho, através das pressões físicas, químicas e biológicas, atinge preferencialmente o corpo dos trabalhadores, causando desgaste, doença e envelhecimento. A organização do trabalho apresenta duas vertentes: a divisão de trabalho, que se caracteriza pela divisão das tarefas entre os operadores, ritmo, cadência e modo operatório prescrito e a divisão de homens, que se caracteriza pela repartição das responsabilidades, pela hierarquia e pelo controle. Neste caso o alvo da organização do trabalho é o funcionamento psíquico. Dejours define o funcionamento psíquico da seguinte forma: "Entre a organização do trabalho e partindo de um modelo teórico que faz de cada indivíduo, um indivíduo sem outro igual, portador de desejos e projetos enraizados em sua história singular, que de acordo com aquilo que caracteriza a organização de sua personalidade, reage à realidade de maneira estritamente original" (Dejours, 1994:126). Existe um espaço de liberdade que possibilita uma negociação, invenção e formas diferentes de realizar o modo operatório, isto é, a invenção do trabalhador sobre a própria organização do trabalho para adaptá-las as sua próprias necessidades e tornálas mais de acordo com seu desejo. O sofrimento começa quando esta negociação é conduzida ao último limite e não é possível de se realizar. Começa o domínio do sofrimento e a luta contra o sofrimento. É na divisão das tarefas e no modo operatório que se dá o sentido e o interesse do trabalho para o sujeito. A divisão de homens mobiliza as relações entre as pessoas, mobiliza investimentos afetivos, o amor, o ódio, a amizade e a solidariedade. O autor considera a normalidade como um enigma e se pergunta como agem os trabalhadores para resistirem as pressões psíquicas do trabalho. Para ele, o equilíbrio psicológico 141 implica em uma série de procedimentos de regulação. Insiste no aspecto dinâmico do sofrimento, estado de luta do sujeito que o empurra em direção a doença mental, o sofrimento vai emergir quando todas as possibilidades de adaptação à organização do trabalho foram utilizadas e a realização subjetiva com a organização do trabalho está bloqueada. O sofrimento leva desenvolver estratégias defensivas construídas, organizadas individual e coletivamente. Na construção do sentido se dá o fortalecimento da identidade. Para o trabalhador o reconhecimento de sua capacidade com respeito aos seus limites, fortalece sua identidade e leva a construção de um sentido para o trabalho na vida mental do trabalhador. Sem este sentido será impossível a mobilização de sentimentos e inteligência para sublimação e criatividade. É no registro do ser que o sujeito tira o benefício para si. O reconhecimento traz o beneficio para sua identidade naquilo que o torna único, sem nenhum igual. O homem é um sujeito pensante e não um joguete pacífico das pressões organizacionais. Pensa sua relação com trabalho, produz interpretação de sua situação e de suas condições e socializa esta em atos subjetivos. Reage e organiza-se mentalmente, afetiva e fisicamente em função de suas interpretações. Age sobre o processo de trabalho e traz sua contribuição à construção e evolução das relações sociais de trabalho. Para o autor a construção do sentido na relação intersubjetiva leva em conta a teoria psicanalista, ou seja: "o sentido que o sujeito constrói é fortemente singularizado pela forma através da qual, a situação atual de trabalho se encaixa, faz ressonância com as experiências passadas e expectativas atuais do sujeito. Ou ao contrário, pela situação na qual tudo é novo para ele, inédito, desprovido de sentido com respeito as expectativas advindas em virtude de sua vida afetiva e que ele procura transpor para o teatro do presente sob a forma de um projeto de trabalho e de um projeto de vida. Esta ressonância simbólica é através de sua sublimação operacionalizada em inteligência astuciosa e em criatividade, mas em certas condições pelo contrário, o contexto social histórico chega a paralisar a aptidão de interpretação do sujeito, sendo que certas condições de trabalho contribuem para destruir o funcionamento psíquico do sujeito e fazê-lo oscilar na doença mental e na somatização” (Dejours, 1994:141). 142 Dejours coloca que o trabalho aparece definitivamente como operador fundamental na própria construção do sujeito. O trabalho não é apenas "um teatro aberto ao investimento subjetivo” ele é também um espaço de construção do sentido, portanto da conquista da identidade, continuidade e da historicização do sujeito (Dejours,1994:143). Diante da realidade concreta dos trabalhadores em questão, e da reflexão colocada por Ricardo Antunes, desenvolvida no capítulo anterior, da possibilidade de uma "vida cheia de sentido" tanto dentro do trabalho, como fora do trabalho; na realização do trabalho concreto, útil, na realização do reino da liberdade, para além da necessidade, nos perguntamos: é possível, numa sociedade capitalista, o trabalho alienado ser fonte de realização pessoal, de auto- transformação do homem, do preenchimento do seu vazio, a expressão de seu ser no mundo? Tentaremos apontar alguns pontos de reflexão a essas indagações a partir da pesquisa desenvolvida junto aos trabalhadores. 4.5 - O Sentido do Trabalho na Experiência Concreta dos Trabalhadores Procuramos situar a realidade concreta dos trabalhadores da indústria têxtil de amianto, objeto de nossa pesquisa, e a partir desta realidade fazer a reflexão do sentido do trabalho. Ao serem indagados sobre o significado do trabalho para suas vidas os trabalhadores apontam como primeira motivação a necessidade econômica de sobrevivência. No entanto, é ressaltada a importância do trabalho, trabalhar é sinônimo de ter saúde. "O trabalho é tudo" (trabalhador da indústria têxtil do amianto). A maioria dos trabalhadores, homens e mulheres, gostavam do seu trabalho. Podemos observar o aspecto ontológico do trabalho, seu aspecto relevante, como auto realização humana, na busca de uma vida com sentido. “Todo trabalho que a gente gosta é importante. Gostava do trabalho e do salário”... “Fazer o que se gosta preenche uma satisfação, conseguir realizar o que se gosta, preenche uma satisfação”... 143 “O trabalho enobrece o homem, preenche o seu espaço. Se sente útil para vida.” “O trabalho te dá forças inclusive para resolver outros problemas. Em tudo. Incorporado num bloco. Ciente de tudo que está acontecendo, Incorporado nas situações.” “O Trabalho é responsabilidade” “Quanto ao desemprego, acho uma coisa muita dura chegar para o funcionário e dizer! Assina aqui sua demissão, você não faz mais parte da empresa. Você se prepara para isso. Acho meio radical. Você tem um plano de trabalho, você tem aquela meta, do trabalho, da vida.” (trabalhadores de uma indústria têxtil de amianto) Para Simoni, o trabalho, no saber tradicional, é um meio de transcendência, não apenas a relação entre homem e natureza; mas a busca, a realização de cada pessoa com sua origem divina. O trabalho passa então a suprir necessidades, não só desse mundo , mas do mundo originário da espécie humana (Simoni,1996:43). O aspecto ontológico do trabalho e seu significado são expressos pelos trabalhadores através de suas falas. “Só saí porque me mandaram embora. Eu gostava do meu serviço. Eu fazia um serviço que era muito útil a certas áreas. Fazia sapata de freio trem, gaxeta para navio, etc. Eu era mais empresa do que eu. Vê os bombeiros, tão importantes” (Trabalhadora da indústria têxtil de amianto). A interpretação da trabalhadora sobre seu trabalho revela a importância que o trabalho adquire para ela, com repercussões úteis e positivas para outras pessoas. Tal proposição "transcende o sentido meramente instrumental da atividade produtiva.” Além de servir o outro no caminho de sua busca pessoal (Simoni, 1996:14,21). “O trabalho é você ganhar o pão de cada dia, ocupar o seu espaço. Quando fico sem fazer nada não me sinto bem, trabalho desde os treze anos. Chego em casa e faço a obra da casa” 144 “Aprendi a ter mais independência, parei de estudar para trabalhar e ajudar a família. Cria independência e passa a ter maior responsabilidade, e dar mais valor as pessoas. Através do trabalho, consegui ter muitas coisas” “Na época, fui ficando muito feliz. Meu pai ganhava muito pouco. Meu pai trabalhava na universidade. O salário dele era muito baixo. A gente passava por muitas dificuldades.” (trabalhadores da indústria têxtil de amianto) As trabalhadoras se sentem muito importante como pessoas, e principalmente por ajudar a família. Muitos trabalhadores fazem referência ao trabalho, apenas pelo aspecto econômico. "Quem não trabalha, não come.” “ importante porque dependia dele.” “Trabalho em função do dinheiro, senão eu não trabalharia.” (trabalhadores da indústria têxtil de amianto) Existe de forma acentuada uma preocupação com a autonomia econômica e a autonomia psíquica que influencia sua visão como sujeitos atuantes na construção de sua própria vida e da família. “Quando comecei a trabalhar tinha o significado de sacrifício meu. Minha mãe não deixava a gente trabalhar só quem trabalhava era ela.(...) Ali tinha um significado. Era para ajudar a prestações da casa. Ali tinha prazer eu gostava! Eu era muito vaidosa. Quando eu me arrumava era como um passeio. Eu gostava quando eu ia para o trabalho e quando eu voltava do trabalho. Porque para mim eu ia passear! Sei lá, eu me sentia mais livre. Ah! Mas como eu me arrumava quando eu saía as 6 horas da tarde. Eu 145 trabalhava tão satisfeita, eu gostava” (trabalhadora da indústria têxtil de amianto). O fato de se sentirem úteis e produtivas como pessoa assume uma relevância muito grande. Observamos também que a questão da identidade construída pelo trabalho é ressaltada nas falas dos trabalhadores. “Se eu não trabalhasse ia ser o quê?” “Quem não trabalha não é nada." “A pessoa que não trabalha não é nada.” “O trabalho me faz ser íntegro e posso dizer que nunca roubei. Tudo que sou foi do suor do meu rosto.” “Me sentia muito importante porque eu trabalhava.” (trabalhadores da indústria têxtil de amianto) Com relação a construção da identidade e o reconhecimento o trabalhador relata que sentia seu trabalho valorizado, pois trabalhava em um setor denominado gaxetas, onde muitas vezes o pedido era solicitado e ia para casa pensando como atender tal solicitação. Desenvolvia alguns métodos e ensinava para os colegas. Sentia o reconhecimento pelo seu trabalho pelos colegas e chefias imediatas. Algumas vezes ia à empresa de S. Paulo para ensinar a metodologia utilizada. No depoimento do trabalhador se identifica a reflexão de Simone Weil, o pensamento metódico em ação no decorrer do trabalho. Este é o trabalho livre, que não deveria constituir exceção, mas ser a tônica do trabalho. As relações de amizade, são vivenciadas como muito importantes no ambiente de trabalho, e se apresentam como ampliação ao mundo do trabalhador. “'Eu gostava do trabalho e gostava das colegas” “Encontrar com as colegas me distraia muito, sinto muita falta” 146 “Quando fui demitido o encarregado chorava feito uma criança. Ele não teve coragem de me dizer” (trabalhadores da indústria têxtil de amianto) Simoni reconhece o local de trabalho como espaço a compartilhar com os companheiros, que, implica em assumir o caráter pessoal e coletivo do trabalho. “Aí ocorrem as verdadeiras relações humanas perpassadas pela responsabilidade, respeito e solidariedade” (Simoni, 1996:24). No que diz respeito as condições de saúde, após ter conhecimento do diagnóstico, as falas das trabalhadoras expressam decepção e tristeza. “Se eu soubesse que trabalhando naquela firma, ia acontecer o que aconteceu, se eu tivesse conhecimento eu não teria trabalhado lá não! (...) Não sabia que ia chegar ao ponto que cheguei. Podendo trabalhar mais doze anos, talvez até mais. Talvez até me aposentar por tempo de serviço. Não tive essa oportunidade. (...) Significa que foram doze anos de minha vida estragados, porque se eu não tivesse trabalhado na firma esse tempo todo, hoje em dia minha vida seria outra.(...) Hoje em dia você sabe o risco que está correndo lá (...) Sabe porque vê o estado que chegou as colegas. Elas tem conhecimento disso. Inclusive tem pessoas trabalhando lá, que está pele e osso. Pessoas na fiação. Tiraram da fiação e botaram na creche e praticamente está condenada à morte” (trabalhadora da indústria têxtil de amianto). “Se eu consegui ajudar a comprar a casa é coisa boa. Mas se eu soubesse que ia causar isso aqui, eu não ia trabalhar lá. Meu corpo não era isso. Eu entrei uma pessoa e saí outra” (trabalhadora da indústria têxtil de amianto). O fato de não poderem trabalhar mais, por problemas de saúde, traz um sentimento de tristeza e de utilização como objeto. Junto à questão da saúde, a demissão é outro motivo de sofrimento. “Porque eu já estava acostumada ali.(...) Eu fiquei muito triste porque uma pessoa de idade quando para de trabalhar fica muito triste. Eu gostei muito de 147 trabalhar lá. Fiquei muito triste de sair. Era muito sacrifício. Mas, eu gostei muito, fiquei contente” (trabalhadora da indústria têxtil de amianto). A partir da experiência dos trabalhadores, constatamos que mesmo em condições tão opressivas de trabalho, os trabalhadores encontram pequenos espaços para situar o sentido para o seu trabalho. Primeiramente, no início de nossa indagação, levantávamos a hipótese que no trabalho estranhado e com alto nível de exploração, os trabalhadores dariam importância apenas à questão da sobrevivência. Entretanto, confirmamos pela fala dos trabalhadores, que mesmo sob más condições de trabalho, que não exclui sofrimento, esforço e dor, existe a alegria da realização, da criação de um fazer humano e do sentimento de participação no mundo. No entanto o que considero muito importante ressaltar que este é um espaço, apenas uma brecha encontrada na organização opressiva do trabalho, que demonstra a relevância do trabalho enquanto esfera de criação, relação com os outros, reconhecimento e transcendência. Entretanto, estes fins que o trabalho contempla e que é seu destino fundamental é negado enquanto proposta coletiva para a sociedade como um todo; é esta finalidade que sugerimos para todas as pessoas numa organização societária, diferente da que existe, que contemple uma “vida cheia de sentido”. 148 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa desenvolvida junto aos trabalhadores entrevistou 41 trabalhadores, em sua maioria demitidos, da indústria têxtil do amianto no Rio de Janeiro; sendo 23 mulheres e 18 homens, correspondendo respectivamente, a 57% do sexo feminino e 43% do sexo masculino, durante o ano de 1998 e janeiro de 1999. O tempo de serviço situa-se de 3 a 27 anos na mesma empresa e a média de permanência na atividade laborativa gira em torno de 15 anos. O amianto é uma fibra natural de origem mineral que acarreta elevada morbidade aos trabalhadores, desenvolvendo pneumopatias, entre as quais destacamos a asbestose como uma das patologias principais que afetam os trabalhadores. O prolongado tempo de exposição dos trabalhadores à fibra é um dos motivos principais do adoecimento. No panorama nacional e internacional a questão do amianto é bastante polêmica, havendo um debate em torno do banimento ou do “uso seguro” ou controlado da fibra de amianto no processo produtivo; da utilização dos produtos finalizados, através da exposição indireta da população no uso desses produtos, e através da poluição ao meio ambiente. Em vários países do mundo a utilização da fibra de amianto já foi proibida e a diretiva da União Européia é que até 2005, todos os países membros terão banido a produção e uso do amianto em seus Estados. Dos 41 trabalhadores entrevistados 15 tem o diagnóstico de asbestose e 26 tem o diagnóstico normal. Entre maio de 1999 a setembro de 2000 ocorreram cinco óbitos entre os trabalhadores entrevistados, sendo as causas da mortalidade diagnosticado pelos hospitais da rede pública:asbestose e câncer de pulmão. Dos 15 trabalhadores com diagnóstico de asbestose, 7 trabalhadores, correspondendo ao percentual de 36%, tem a concentração por tempo de serviço entre 9 e 15 anos, correspondendo a 47% do total de trabalhadores doentes, revelando assim a grande morbidade causada pela indústria do amianto e sua relação com o tempo de exposição. Este é o período em que os sintomas da doença começam a aparecer: cansaço, dificuldades respiratórias com conseqüente redução da produtividade. Ressaltamos que o tempo de serviço é um dado bastante significativo, uma vez que o tempo de latência para o surgimento das doenças relacionadas ao amianto é longo, e na empresa estudada este tempo é menor, sugerindo uma maior exposição às fibras e um esforço físico 149 intenso, como podemos observar pelas descrições das atividades relatadas pelos trabalhadores. Os sintomas e o tempo de serviço são os sinais para a empresa, a partir dos quais os trabalhadores são demitidos. Esta forma de gerenciamento dos recursos humanos demonstra que a lógica da demissão já está dada no próprio momento da admissão. A empresa não fornece nenhuma informação sobre os danos causados pelo amianto, e não fornece nenhum diagnóstico aos trabalhadores do serviço médico da empresa. Além disso, nega-se a reconhecer o nexo causal da asbestose, relacionado à atividade na indústria, após comprovação do diagnóstico feito pela equipe médica do CESTEH. Assim, periodicamente, um grupo de trabalhadores com tempo de serviço entre 10 a 15 anos com sintomas característicos da exposição ao amianto, são demitidos. Dos 15 trabalhadores com diagnóstico de asbestose, 10 trabalharam na fiação (7 mulheres e 3 homens); 2 trabalhadoras da tecelagem; 2 trabalhadores do papelão hidráulico e 1trabalhador que tinha a função de eletricista de máquina. Do total de trabalhadores com diagnóstico de asbestose, 9 eram do sexo feminino, correspondendo a 60% dos trabalhadores doentes e 6 eram do sexo masculino, correspondendo a 40% do total de trabalhadores com diagnóstico de asbestose. O fato de 10 trabalhadores com diagnóstico de asbestose terem desenvolvido seu trabalho na fiação é revelador do grau de exposição à poeira do amianto naquele setor , assim como da intensificação do trabalho. Entre os 10 trabalhadores da fiação, 7 eram mulheres e 3 eram homens. As relações e inter-relações entre o diagnóstico, posto de trabalho, tempo de serviço, atividades desenvolvidas, a exposição à poeira do amianto, a distribuição por sexo dos setores produtivos e dos diagnóstico de saúde, foram variáveis que contribuíram de forma significativa para a efetivação da análise da realidade e da compreensão do objeto estudado. O estudo da indústria têxtil de amianto que diagnosticou diversos casos de asbestose traz uma contribuição significativa para a área de saúde, uma vez que era uma realidade desconhecida pelas autoridades sanitárias no Rio de Janeiro. Os dados relacionados à história ocupacional, condições de trabalho e diagnóstico de saúde, compõem um quadro das relações entre os diversos fatores que resultaram na atual condição de saúde dos trabalhadores. 150 Outro tema relevante é a conjuntura política econômica de manutenção na produção de um país, de uma fibra de alta patogenicidade, inclusive cancerígena que coloca em risco a vida dos trabalhadores e da população em geral. Principalmente, quando esta matéria prima, o amianto, já foi proibido em diversos países. Esta é mais uma conduta da lógica da acumulação capitalista de expropriação dos homens e da natureza, que no caso particular, exige uma solução em âmbito não apenas econômico, mas político e de esclarecimento da população. É importante considerar que os trabalhadores não tinham conhecimento das doenças causadas pelo amianto, portanto a própria informação dos trabalhadores e da população torna-se importante, principalmente através da organização da Associação dos Trabalhadores Expostos ao Amianto (ABREA), que se inicia no Rio de Janeiro. A fonte principal de nossa pesquisa foi a realidade dos trabalhadores, através do diagnóstico de saúde e a vivência da condição opressiva de trabalho, direcionada por uma organização rígida cujo ritmo e cadência das máquinas exigem um grande esforço e sofrimento dos trabalhadores, intensificando o trabalho, relacionado com o diagnóstico médico elaborado pela equipe médica do CESTEH. Quanto às condições de saúde, frente à morbidade e mortalidade dos trabalhadores atendidos no CESTEH, com esta dura realidade, concreta de adoecimento e morte, fica mais uma vez comprovada a nocividade do amianto. Paralelamente, os estudos epidemiológicos realizados em vários países, inclusive no Brasil, dá a dimensão da nocividade desta fibra, que é mantida na produção industrial apenas para atender aos interesses econômicos e políticos do empresariado, responsável pela manutenção da matéria prima na produção. O argumento utilizado pelos empresários do desemprego, repassado aos trabalhadores como uma ameaça, não se justifica, uma vez que a própria empresa já tem tecnologia alternativa ao amianto, comprovada através de suas publicações e há muitos anos faz uso da mesma para seus produtos de exportação. Pelos dados revelados por este estudo e pelas pesquisas que se desenvolvem no CESTEH pela equipe de saúde, sobre os trabalhadores da indústria em questão, consideramos inaceitável a proposta do uso seguro do amianto crisotila, comprovadamente estudada por pesquisadores internacionais que revelam seus efeitos patológicos e cancerígenos. Portanto, não existe uso seguro do amianto e a recomendação deve ser de banimento total de toda e qualquer fibra de amianto. A partir dos dados concretos referentes à saúde e as condições de trabalho, levantamos a indagação sobre o sentido do trabalho para esses trabalhadores. 151 A questão que coloco ao desenvolver a pesquisa está relacionada à importância que os trabalhadores dão ao seu trabalho, não apenas como meio de vida, de sobrevivência, mas sobretudo como sentido para suas vidas. E, o que é mais importante, é como se dá, no desenvolvimento do trabalho alienado, abstrato e estranhado, o trabalho com significação, com sentido para os trabalhadores. Para Dejours o fator humano não pode ser visto apenas na relação sujeito-tarefa, ele deve ser pensado a partir da intersubjetividade e das interações do coletivo de trabalho, que só se estabelece baseado na confiança entre seus membros. Outros pontos fundamentais para a compreensão do fator humano nas situações de trabalho são: o julgamento, a arbitragem, a cooperação e principalmente o reconhecimento. O reconhecimento do seu trabalho pelo outro, da qualidade de sua contribuição à gestão e evolução da organização do trabalho. este é o ponto essencial. É a retribuição moral-simbólica entre o ego e sua contribuição ao desenvolvimento do trabalho, do comprometimento da sua subjetividade e inteligência. Na nossa pesquisa, no que diz respeito ao significado do trabalho para os trabalhadores da indústria têxtil do amianto, este é o ponto que consideramos fundamental. Os trabalhadores, durante as entrevistas, relatavam sua experiência com o real do trabalho; as formas como eram solucionadas o insucesso com as tarefas prescritas, a inovação e criatividade para atender o real do trabalho e, principalmente, o sentimento agradável ou não, do reconhecimento de seu trabalho, de sua contribuição efetiva, pelas chefias e direção da empresa. São estes os pontos que ressalto na pesquisa que desenvolvi, procurando estabelecer as relações e interações, entre as questões teóricas e práticas entre o vivido e o refletido nas relações dos trabalhadores, mulheres e homens da indústria têxtil do amianto. Observamos o aspecto estruturante que o trabalho tem em suas vidas e, concomitantemente, verifica-se o aspecto contraditório do fazer laborativo: as más condições de trabalho, o calor e o ruído excessivo, a intensificação do trabalho, as formas de controle pela gerência, o risco à saúde dos trabalhadores e o conseqüente adoecimento. Ao desenvolver o estudo pude perceber que mesmo o trabalho estranhado, tem a marca do trabalhador ele se coloca no trabalho, considera-o parte de sua vida, dá sentido a mesma. O trabalhador, a trabalhadora desenvolvem o caráter ontológico do trabalho, a partir dos fundamentos teleológicos de sua ação, embora limitados pela organização do 152 trabalho, ele, tem um mínimo de liberdade. Quando este mínimo de liberdade não existe começa o sofrimento e a luta contra o sofrimento. Ao lado da efetivação da atividade de trabalho como uma "necessidade para satisfazer outras necessidades" como afirma Marx, o trabalhador busca sua realização e valorização pessoal, se sente útil. No ato de transformação da natureza, ele se transforma, segundo Hegel, se objetiva, participa do mundo real. O trabalho como protoforma do ser social é considerado o ato que separa o homem de sua base originária, segundo Lukács, através do sentido teleológico do trabalho, que busca sua finalidade em uma ação, idealizando em sua consciência o ato laborativo antes de efetivá-lo. Um ato criativo com fim idealizado. Com sua ação o homem ao transformar a natureza ele próprio se transforma. Passa do ser puramente instintivo para o ser social, e essa transformação interior se dá através do auto-controle, de uma atividade auto governada, que o possibilita tornar-se sujeito na realização de sua potência. Aí reside a base ontológica do homem. Para Marx, o homem é um ser genérico e portanto livre, sendo esta a universalidade do homem, no entanto, o trabalho alienado transforma a vida genérica, universal em vida individual. A proposta do reino da liberdade se dá quando cessa o trabalho determinado pela necessidade e por objetivos externos. Para Marx, o reino da liberdade é a práxis existencial além da produção e reprodução material, havendo a necessidade de integração desses dois planos. Ao colocar no trabalho concreto a realização de “uma vida cheia de sentido,” entendida aqui como a busca dos seres sociais para a sua realização individual e coletiva, Antunes não exclui as outras esferas de humanização e emancipação do homem como a arte, a poesia, a pintura, a literatura e a música. Afirma ser um erro considerar apenas o trabalho como o “locus” de realização humana. Para Roszak o trabalho é encontrar-se consigo mesmo, onde a condição de pessoa se realiza no trabalho responsável. Afirma que o trabalho é nosso emblema pessoal, que é feito de responsabilidade e amor pelo que se faz. Coloca uma nova ética e uma nova forma de ver o trabalho: da descoberta do verdadeiro sentido do trabalho na vida das pessoas, como uma necessidade para o ser humano, um direito, o encontro de sua vocação, sua realização e seu fazer no mundo. Para ele o que as pessoas buscam realmente é a oportunidade de criar uma identidade, através de seu trabalho, que alcance a sua mais elevada aspiração pessoal. Para o autor, há trabalho que são úteis e bons e 153 outros não, desperdiçando a vida das pessoas e os recursos da terra. Situamos o caso específico da indústria do amianto como um trabalho que desperdiça a vida das pessoas. No que concerne ao uso da máquina, Roszak diz que ela também não veio para melhorar a vida de trabalho, ao invés de unir-se à tradição artesã, foi imposta de modo agressivo sem nenhuma preocupação pela dignidade e integridade do trabalho das pessoas. Ressalta que na sociedade pré-moderna não existia o trabalho não qualificado. Este é um dado importante, pois vemos a construção da história, como um dado, como a possibilidade de outras construções. Ricardo Antunes, na proposta de construção de uma nova sociedade, vê a realização da “vida cheia de sentido” tanto dentro quanto fora da esfera do trabalho, através de uma nova organização societária que responda às necessidades humanas, no lugar da valorização constante do Capital. Pela mudança da sociedade e da lógica do mercado, para uma sociedade que dê o salto para além do capital, através da transformação do trabalho em atividade livre, e que em contraposição ao trabalho fetichizado, estranhado e abstrato se realize a sociedade do trabalho concreto, com a produção de coisas úteis, transformando o reino da necessidade em que se encontram os trabalhadores, para o reino da liberdade. Henrique Cláudio de Lima Vaz, vê a auto-realização do homem que trabalha no desdobramento de sua capacidade criadora, na sua inserção na comunidade humana pelo reconhecimento do outro e na sua busca e seu encontro com Deus. Para Simone Weil a grandeza do homem é sempre recriar sua vida. Para ela a alma dos que trabalham na fábrica poderia estar cheia do sentimento da vida coletiva; e que cada fim de tarde saíssem produtos bem feitos e trabalhadores felizes. Para isto é necessário a integração do ato de pensar, de elaborar, aliado à execução, com o ato de produzir. Para ela, o único modo de produção livre é aquele em que o pensamento metódico estivesse junto à ação na execução do trabalho. Pensamento e ação, o que a racionalização do trabalho não permite realizar. Todos esses autores vêm o trabalho como realização, como fonte de criação para o homem. Proposta distinta de uma sociedade voltada para uma economia de mercado e de consumo que não hesita em prejudicar a vida de milhares de pessoas. Entretanto a própria valorização que os trabalhadores dão ao seu trabalho, o sentido que encontram na sua vida de trabalho, mesmo em condições adversas; apontam para superação desta realidade e a construção de um outro modo de sociedade, apontam para a construção de uma “vida cheia de sentido.” 154 Na experiência concreta dos trabalhadores, constatamos o valor atribuído pelos trabalhadores ao seu trabalho. Inicialmente, no princípio de nossa pesquisa levantávamos a hipótese que no trabalho estranhado e com alto nível de exploração, os trabalhadores apenas davam importância à questão da sobrevivência. Entretanto confirmamos pela fala dos trabalhadores, que mesmo sob más condições de trabalho que não exclui sofrimento, esforço e dor, existe a alegria de sua realização, da criação de um fazer humano, do sentimento de participação no mundo. Observamos que através do trabalho, os trabalhadores encontram espaços de realizar o seu modo de ser no mundo, encontram sentido para sua vida. O reconhecimento de sua atuação profissional é muito valorizada pelos trabalhadores, sua auto-estima, se dá pelo reconhecimento de seu trabalho. Paralelamente, as relações de amizade, as relações afetivas são consideradas como muito importantes em suas vidas de trabalho, ampliando seu mundo e colocando-os num universo coletivo. O estudo da psicopatologia do trabalho, que tem como objeto a dinâmica da situação de trabalho, que leva ora ao sofrimento ora ao prazer, ao ampliar esta abordagem para a psicodinâmica do trabalho prioriza além da dinâmica saúde e doença, os processos intersubjetivos e interativos que se desenvolvem no lugar de trabalho. Ao mesmo tempo o aspecto contraditório do trabalho é vivenciado de forma acentuada. O caráter opressivo, o sofrimento do trabalho é uma das características mais marcantes na sociedade capitalista, no trabalho alienado. Dejours localiza na organização do trabalho a responsabilidade de todos as pressões sofridas pelos trabalhadores. Tal sofrimento é relatado na velocidade da máquina, no ritmo intenso de trabalho, nas temperaturas elevadas no excesso de ruído, nas condições precárias da matéria prima...o barbante que arrebenta, exigindo mais atenção, mais interrupção, num fazer laborativo que tem uma produtividade a ser alcançada, exigindo a intensificação dos gestos e movimentos; como também nas relações de gênero, que acontecem através do tratamento diferenciado dado às mulheres. O sofrimento, a dor, é relatada também, através da demissão. Muitos trabalhadores foram demitidos após muitos anos de serviço e dedicação à empresa. Sentem não terem sido levados em consideração, e serem tratados como um número, um objeto, e não como pessoa. A lógica da demissão já está dada, no próprio momento da contratação. À medida que os trabalhadores começam a sentir os primeiros sinais de 155 cansaço, indicando o início de problemas de saúde são demitidos sem nenhuma informação sobre suas condições de saúde. O cansaço do corpo, a opressão, e o diagnóstico das doenças causadas pelo amianto, reduzindo sua capacidade respiratória, modificando suas vidas, algumas vezes, incapacitando-os para o desenvolvimento de qualquer atividade laborativa, limita a vida desses trabalhadores e trazem sofrimento pelo não reconhecimento do trabalho desenvolvido anos a fio na empresa e mais recentemente, pelo conhecimento da patogenicidade do amianto e da morte de vários trabalhadores com diagnóstico de asbestose. Portanto, colocamos como indagação: se em condições tão adversas de trabalho, é possível encontrar um sentido para o trabalho, embora este sentido se dê em pequenas brechas, podemos imaginar o quanto de possibilidade existe numa outra organização social voltada para o sentido da vida, do trabalho, das pessoas? Assim, diante do que foi exposto é bastante possível a proposta colocada por Ricardo Antunes de uma vida cheia de sentido, em outra organização societária com base no trabalho livre, concreto, onde a racionalidade não estará dirigida para o mercado, para o capital, mas para atender às necessidades humanas e a realização do trabalhador. Nestas condições, a atividade criativa será bastante ampliada trazendo maior alegria para homens e mulheres, e o trabalho será um espaço fundamental de criação e realização. 156 BIBLIOGRAFIA ABREA (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) Boletim do 3º ano, Osasco/São Paulo, 1997. ABREA (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) Boletim do 7º ano, Osasco/São Paulo, 2001. Algranti, E., “Epidemiologia das Doenças Ocupacionais Respiratórias no Brasil.” In Epidemiologia das Doenças Respiratórias,v.1, Serie Epidemiologia das Doenças Respiratórias, Rio de Janeiro, Editora Revinter, pp. 119 – 143, 2001. Antunes, R., Adeus ao Trabalho? Ensaios sobre as Metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho. São Paulo, Editora Cortez, 1995. Antunes, R., Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a Afirmação e a Negação do Trabalho. 1ed. São Paulo, Boi Tempo Editoral, 1999. Bachelard, G., O Novo Espírito Científico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,1985. Beauchesne, M, N., L’Amiante, un exempledu conflit entre logique marchande et logique sociale. IN: Le Volet Social – De La Reglementation De L’Union Européenne _ en Matière de Santé et De Sécurité Des Traveilleurs – Deuxième Partie. Paris, Ed. BTS, 2000. Bosi, E., Simone Weil: A Condição Operária e Outros Estudos sobre a Opressão. 2 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1996. Castro, H., D'Acri, V., Marques, M. B., Reis, K., Novello, C., Estudo das Condições de Saúde, trabalho e Vida dos trabalhadores de um Indústria Têxtil de Amianto no Rio de Janeiro. In: Pesquisa Estratégica, ENSP/ FIOCRUZ (Mimeografado), Rio de Janeiro, 1999. 157 Castro, H., Gomes, V. R., “Doenças do Aparelho Respiratório Relacionadas à Exposição ao Asbesto.” In: Revista Pulmão, jan,mar. Rio de Janeiro- 1998. Castro, H., Lemle, A., “Doenças do Aparelho Respiratório relacionadas à Exposição ao Asbesto.” In: Vieira, Sebastião Ivone (org.), Medicina Básica do Trabalho, v. III,Curitiba, Editora Genesis, 1995. Castro, H. A., Busca de Marcadores Inflamatórios IL - 1B, IL-6 e TNFα em Trabalhadores Expostos a Poeiras Minerais. Tese de D. Sc., ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2000. Castro, H. A., et al - Implantação de um Sistema Integrado de Vigilância em Saúde do Trabalhador para Áreas que Utilizam o Amianto no Brasil. (Mimeo), CESTEH/ENSP, 2001. Cellier, J. M., Curie, J., “Stratégie de la recherche en psychologie du travail;” in Leboyer, G.L., Sperandio, J.C., in: Traité de Psycologie du Travail , Paris, Press Universitaires de France, 1987. Cury, C. R. J., Educação e Contradição. 3 ed. São Paulo, Editora Cortez, 1987. Dejours, C. Abdoucheli, E., Jayet, C., Psicodinâmica do Trabalho: Contribuições da Escola Dejouriana à Análise da Relação Prazer, Sofrimento e Trabalho.1 ed. São Paulo, Editora Atlas, 1994. Dejours, C., O Fator Humano. 2 ed. Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas Editora, 1999. Demo, P., Introdução à Metodologia da Ciência. 2 ed. São Paulo, Editora Atlas, 1985. Eagleton, T., Marx e a Liberdade, São Paulo, Editora UNESP,1999. 158 ECO/OPS - OMS - “El Asbesto Hace Camino Inexorable al Andar,” Amianto, Salud y Trabajo, ano 1, n1, Lima , pp. 9- 11, 1996. Ferreira, L.L., “Análise Coletiva do Trabalho: O Trabalho no Centro do Debate.” In: Congresso Nacional da Saúde Ocupacional. Póvoa de Varzim, Portugal, out. 1998. Ferreira, L L. Iguti A., O Trabalho dos Petroleiros - Perigoso, complexo, contínuo e coletivo. São Paulo, Editora Scritta, 1996. Ferreira, L. L., “Análise Coletiva do Trabalho,” Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, nº 78, vol.21; abril, maio, junho 1993. Foà, V., Basilico, S., “Caratteristiche chimico-fisiche e tossicologica delle fibre minerali artificiali”, Med. Lavoro, v. 90, n. 1, pp. 10-52, 1999. Freitas, J. B. P., Doença Pleural em Trabalhadores da Industria do Cimento-Amianto. Tese de M.Sc., FSP/USP, São Paulo, S. P. Brasil, 2001. Giannasi, F. “A Construção de Contra -Poderes no Brasil na Luta Contra o Amianto: A Globalização por Baixo.” In Congresso Mundial do Asbesto: Passado, Presente e Futuro, São Paulo, set. 2000. Giannasi, F., Scavone, L, Mony, A.T., “Doenças Laborais Provocadas pelo Amianto e a Construção de uma Cidadania de Protesto - uma abordagem interdisciplinar em saúde do trabalho, meio ambiente e gênero”, Revista CIPA, v.235, n.20, pp. 54 – 57, 1999. Gibbs G. W., “Synthetic fibres and health: an overview”, J. Pneumol , v.20, n.4, pp 21929, 1994. Gorz, A., Adeus ao Proletariado: para Além do Socialismo. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1987. 159 Harrison, P. T. C., Levy, L, S., Patrick, Graham., et al., “Comparative Hazards of Chrysotile Asbestos and its Substitutives: A European Perspective”, Environmental Health Perspectives v.107, n.8, pp. 607-611, Aug. 1999. Japiassu, H., Marcondes, D., Dicionário Básico da Filosofia. 2 ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,1993. Kartchevsky, B. A., “Trabalho Feminino, trabalho das mulheres: Forças em jogo nas abordagens dos especialistas.”In: O Sexo do Trabalho. V 1. coleção Mulheres em Movimento. pp.13 a 22, Rio de Janeiro, Paz e Terra.1986. Konder, L., O Que é Dialética. 17 ed. São Paulo, Editora Brasiliense, 1987. Kosik, K., Dialética do Concreto. 4 ed. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1989. Le Moigne, J. L., Les Epistemologies Constructivistes - Que sais-je? Paris, Presses Universitaires de France, 1995. Leite, J. V., Contemplativo Na Ação – Notas Sobre A Questão do Sentido No Trabalho Contemporâneo. Tese de D. Sc., COPPE/ UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1996. Leplat, J., Hoc, J. M.,“Tarea y actividad en el análisis psicológico de situaciones”. In: Castillo, J. J., Villena, J. (eds), Ergonomia:conceptos y métodos, capítulo10, Madri, Editorial Complutense, 1998. Lima, F. P. A., “Introdução à Análise Ergonômica do Trabalho”. In: Curso de Especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho. Departamento de Engenharia de Produção, Escola de Engenharia da UFMG – Belo Horizonte,1992 ( mimeo). Lobo, E. S., A Classe Operária Tem Dois Sexos: Trabalho, Dominação e Resistência. 1 ed. São Paulo, Brasiliense, 1991. 160 Lowy, M., As Aventuras de Karl Marx contra o Barão de Muncchausen: Marxismo e Positivismo na Sociologia do Conhecimento. 5 ed. São Paulo, Cortez Editora, 1994. Marcuse, H., Razão e Revolução. Rio de Janeiro, Editora Saga, 1969. Marcuse, H., “Sobre os Fundamentos Filosóficos do Conceito de Trabalho da Ciência Econômica”. In: Cultura e Sociedade,v. 2, Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 7-50, 1998. Marx, K., O Capital. (Crítica da Economia Política). Livro primeiro, Volume 1, 5 ed. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1980. Marx, K., Contribuição à Crítica da Economia Política. 2 ed. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1983. Marx, K., Engels, F., A Ideologia Alemã. 11 ed. São Paulo. Editora Hucitec,1999. Marx, K., Os Manuscritos Econômicos e Filosóficos. Textos filosóficos. Lisboa, Edições 70 1993. Mendes, R., “Asbesto (Amianto) e Doença: Revisão do Conhecimento Científico e Fundamentação para uma Urgente Mudança da Atual Política Brasileira sobre a Questão,” Cadernos de Saúde Pública V.17 n.1, pp. 7-29, Jan-Fev. 2001. Mendes, R., “Efeitos Sobre a Inalação de Fibra de Amianto sobre a Saúde Humana”. In: Anais do Congresso Mundial do Asbesto: Passado, Presente e Futuro, documento elaborado para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, IDEC, São Paulo, set. 2000. Meyer, A., Le Bâcle, C., “Affections Profissionnelle Liées à L´Amiante,” Documents pour le Médecin du Travail, Institut National de Recherche et Securité - Ministére du Travail - Direction des Relations du Travail, Special Amiante, n. 78, Paris, pp.103 – 135, 1999. 161 Mogami, R., Marchiori, E., Castro, H. A., Ribeiro, P., Capone. D., “Correlação entre radiografia convencional computadorizada de alta resolução de tórax em trabalhadores da indústria têxtil do asbesto” Revista Imagem, v23, n4, pp.233-238. Neves, Magda de Almeida. Divisão Social do Trabalho e Relações de Gênero: anotações em torno de um tema. XIII encontro ANPOCS (mimeo.), Águas de São Pedro. São Paulo, 1988. Resende, F. T. de, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais- Legislação actualizada, coordenada e anotada – 2ª edição. Coimbra, Livraria Almedina, 1998. Revista Radar A . Edição Prateada Revista Radar A. n.º1, Ano I. Abril/maio de 1986 Revista Radar A. n.º 3, Ano I, 1986. Revista Radar A. n.º 2, Ano I, Junho/Julho, 1986. Revista Radar A. n.º 4, Ano II, 1987. Revista Radar A. n.º 5, Ano II, 1987. Revista Radar A. n.º 7 , Ano III. Janeiro, 1988. Revista Radar A. n.º 11, Ano IV. Março, 1989. Revista Radar A. n.º 12, Ano IV. Junho, 1989. Revista Radar A. n.º 13, Ano IV. Dezembro, 1989. Teiger, Catherine., “El Trabajo, ese oscuro objeto de la Ergonomia”. In Castillo, J. J. , Villena, J. ( eds), Ergonomia: conceptos y métodos, cap.9 , Madri, Editorial Complutense, 1998. Telles, A. L C. , A Ergonomia na Concepção e Implantação de Sistemas Digitais de Controle Distribuído – Algumas Considerações a partir de um Estudo de Caso na Fábrica Carioca de Catalisadores. Tese M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, R J.Brasil, 1996. 162 Roos, F., Phisiopathologie des maladies liés à l´amiante”, Documents pour le Médecin du Travail, Institut National de Recherche et Securité - Ministére du Travail - Direction des Relations du Travail, Special Amiante , Paris, pp.91 – 102, 1999. Roszak, T., Persona Planeta- Hacia um nuevo paradigma ecologico. Barcelona, Editorial Kairós, 1984. Silvestri, S., “Criteri di Ordine Tecnico da Utilizzare per la Sostituzione dell’Amianto nell’Industria”. In: Giornata di Aggiornamento sul tema Amianto : problematiche sanitarie negli ambienti di vita e di lavoro, Regione de Veneto – Assessorato alla Sanità, Venezia, pp. 61 – 69, 1993. Simoni, M. de, Trabalhar é Preciso- Reflexões sobre o Conceito de Trabalho Humano e suas Implicações para a Engenharia de Produção. Tese de D.Sc. COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.1996. Scott, J., “Gender an useful category of historical analyses.” In: Gender and Politcs of History. New York. Columbia University Press. 1989. Gênero: Uma Categoria Útil para Análise Histórica. Tradução: SOS Corpo, por Chistine Rufino Dalot e Maria Betânia Ávila. Vázquez, A. S., Filosofia da Práxis. 2 ed. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977. Weil, S., A Gravidade e a Graça. 1 ed. S. Paulo, Martins Fontes, 1993. Wisner, A., “Ergonomia e Psicopatologia do trabalho”.In:Ferreira.L.L.,(org), A Inteligência no trabalho - textos selecionados de ergonomia, capítulo 7, S. Paulo, Fundacentro, Editora. Unesp, 1994 a. Wisner, A., “A Metodologia na Ergonomia: Ontem e Hoje”. In: Ferreira.L.L., (org), A Inteligência no trabalho - textos selecionados de ergonomia, capítulo 8, S. Paulo, Fundacentro, Editora Unesp, 1994 b. 163 ANEXOS Anexo I - Questionário Anexo II - Resumo do Estado Atual do Conhecimento dos Efeitos sobre a Saúde Causados pela Exposição Ocupacional às Fibras Sintéticas. Anexo III - Apelo de Milão Anexo IV - Declaração de São Paulo Anexo IV - Carta do Rio 164 Anexo I: Questionário FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE PÚBLICA CENTRO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO TRABALHADOR E ECOLOGIA HUMANA Projeto de Pesquisa: As Condições de Saúde e Trabalho dos Trabalhadores de uma Indústria Têxtil de Amianto no Rio de Janeiro. 1 - Dados Pessoais 1) Nome Completo : ______________________________________________________________ 2) Sexo: Feminino Masculino 3.1) Data de Nascimento: / 3) Idade: / 4) Naturalidade: 5) Endereço: Bairro : __________________________ Cep : ________-____ 6) Escolaridade : (AN) (AL) Município : _____________________________ Tel : ______________ (1º GI) (1º GC) (2º GI) recado (2º GC) (TEC) próprio (SI) (SC) CONDIÇÕES DE MORADIA 7) Imóvel : próprio quitado próprio não quitado 8) Tipo de construção : alvenaria 9) Luz estuque alugado madeira : rede oficial outro : _____________________ 10) Água : rede oficial poço 11) Esgoto : outros: _______________ outros: _________________ outro: _____________________ rede oficial fossa rudimentar (não tem saída) fossa séptica (sai p/ a rede pluvial) outro: _____________________ 12) Tempo de Moradia : ____ ano(s) e ____ meses 13) Situação conjugal : solteira(o) 3º casamento 1º casamento (civil ou não) 2º casamento separada(o) desquitado/divorciado viúvo 165 14) Quadro da situação familiar Nome: Famil Grau de Parentesco Idade: Escolaridade: Salário: Contr. no orç. Obs.: 15) Salário Atual :_______________ 16) Outras Fontes de Renda :__________________________________________________ 2- SITUAÇÃO DE TRABALHO ATUAL 17) ativa aposentada 18) Ano Admissão : _________ demitida licenciada 19) Ano Demissão/Aposentadoria : ________ 20) Tempo de Serviço : _________________________________ 21) Desenvolve alguma atividade de trabalho no momento: 22) Qual era o produto do seu trabalho?_________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______ 23) O que você faz ou fez no trabalho (descrever atividades) ?_______________________ ______________________________________________________________________ ___ 166 24) Tem ou teve alguma dificuldade para realizar o seu trabalho ? Quais? 25) Utiliza alguma máquina ou equipamento especial ? sim não não utiliza Quais? 26) Quais as exigências das atividades que realiza ? postura estática movimentos repetitivos força habilidade manual concentração e esforço visual atenção memória raciocínio responsabilidade criatividade ritmo intenso Explicar : _________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ___ 27) Você considera o seu trabalho ? Exige esforço: normal sim pesado não 28) Alguma “coisa”no trabalho causa preocupação, ansiedade, angústia ? sim não O quê ? __________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______ 167 4 - TREINAMENTO Admissão: 29) Qual a exigência que a fábrica faz no processo de admissão das mulheres? É diferente para os homens? (atestado de esterilidade, não permissão de casamento, etc..) 30) Os salários femininos são iguais aos salários masculinos, por quê? 31) Houve treinamento na fábrica ? sim não 32) Mulheres e homens recebem treinamento para desenvolver seu trabalho ? 33) Há possibilidade de crescimentoprofissional para as mulheres na fábrica ? E para homens? 34) Criou algum método próprio para desempenhar as atividades ? sim não 35) Como era utilizado o tempo durante a jornada ? (pausas, folgas, ritmo) Turno : _____________ Jornada de trabalho : início : _______h término : _______ h 5- CONTROLE NA FÁBRICA 36) Tem liberdade para se movimentar na fábrica ? sim não (o que impede a movimentação? Tem curiosidade? Quais os espaços visitados?) 168 37) Os homens tem o mesmo controle que as mulheres, tanto no acesso ao banheiro, quanto à locomoção na fábrica ? sim não Que tipo (chefia, proporcionado pelos instrumentos de trabalho) ? 38) (Formas de controle da produção , liberdade ou não para definir as formas de realização das tarefas, trabalho muito ou pouco parcelado, integração com o grupo, divisão do trabalho) trabalho individual trabalho em equipe liberdade p/ definir as formas de realização das tarefas executa uma tarefa executa mais de uma tarefa Subordinação 39) Como você sente o controle desenvolvido pela gerência da fábrica? 40) Você considera que seu trabalho é valorizado na fábrica? Por quê? 41) Recebe adicionais ? insalubridade periculosidade penosidade sim sim sim não não não 42) Você sofre ou sofreu algum tipo de ameaça ou agressão verbal, física, de maus tratos ou discriminação ? 6 – Trajeto 43) Qual o transporte que utilizava para ir e voltar do trabalho ? 169 44) Qual o tempo era gasto neste deslocamento ? 45) O trajeto é seguro e confortável ? Como se sentia ou sente neste trajeto ? 7- HISTÓRIA OCUPACIONAL 46) Idade Função Tempo de Serviço Empresa Risco percebido Condições de Saúde e Riscos 47) Seu trabalho (na Empresa) tem (teve) riscos ? Quais ? explicar todas as situações. 48) Perguntar sobre cada risco, após o item anterior ruído umidade campo eletromagnéticos 170 49) Quais as substâncias mais perigosas utilizadas em seu trabalho ? 50) São (eram ) utilizados equipamentos de proteção individual e/ou coletiva ? sim não outros Quais ? luvas máscaras exaustores 51) Como poderiam ser evitados os riscos do seu trabalho? 52) E na vida de seus colegas ? Relatos : 53) Já sofreu algum acidente ? Onde ? Registrou ? Afastamento ? sim não na trabalho atual sem registro sem afastamento trabalhos anteriores com registro com afastamento 54) O que ocorreu ? _______________________________________________________________ queda corte queimadura intoxicação trajeto doméstico choque elétrico explosão outros Quais ? 55) Já sofreu algum tipo de violência ? sim assalto agressão sexual 171 56) Já teve alguma doença que você relaciona ao trabalho ? Onde ? na trabalho atual sim trabalhos anteriores não não sabe trabalho doméstico Registrou ? sem registro com registro Relato :_______________________________________________________________________ 57) Teve problemas de saúde ? doenças de pele doenças do coração prob.reprodutivos antes Asberit depois Asberit perda de força nas mãos dores nas articulações das mãos e dedos tosse/falta de ar outros ____________________________________ 58) Como cuida da saúde ? 172 62 - Quais os sintomas que você sente e relaciona com seu trabalho? dor de cabeça dor de coluna cólica dor nas pernas problemas na pele (dermatológicos) problemas respiratórios (pulmonares) tosse - falta de ar 63 - Que outros fatores você considera que podem estar afetando sua saúde? trabalho doméstico transportes problemas econômicos problemas emocionais problemas familiares relações de trabalho relações com a chefia outros 64-Você conhece seu diagnóstico de saúde? Qual o sentimento que você tem em relação a ele? 65- impede de dar prosseguimento a sua vida profissional? 173 Serviço Médico 64 - A empresa presta serviço médico aos trabalhadores? 65 - De que forma? 66 - Se você sente algum problema de saúde, o que faz o serviço médico? O atendimento é satisfatório? 67 - A empresa se preocupa ou se preocupava com a saúde dos trabalhadores? Por quê? De que forma era manifestada essa representação? 68- Diagnóstico Atual do Trabalhador: Exames médicos realizados no CESTEH/ENSP/FIOCRUZ 69- Observações quanto ao quadro médico do Trabalhador: 174 9 - TRABALHO DOMÉSTICO 70) Qual a participação no serviço doméstico, e as dificuldades para realizá-lo, e o tempo que gasta para a execução? 71) O que isto implica para a sua vida ? 72) Conta com alguém para ajudá-la ? (marido, mãe,etc) _______________________________________________ 10- Significado do Trabalho 73- Você considera o seu trabalho importante? Por quê? 74- Qual o motivo que levou-a a trabalhar? 75-Qual o significado que o trabalho tem para você ? 11- Autonomia 76- O trabalho trouxe independência econômica para você? Fora a questão econômica, o trabalho fez você sentir-se diferente psicologicamente? 175 77- O trabalho trouxe a possibilidade de se sentir senhora de si, ou dona de seu nariz? 12- Organização do Trabalho 78 - Existem diferenças nos ambientes e na segurança do trabalho desenvolvido por homens e mulheres na fábrica? 79 - Você considera que seu trabalho é criativo? 80 - O trabalho que você desenvolve é: repetitivo monótono exaustivo insalubre perigoso outros leve realizador saudável 81 - Como você classifica o trabalho dos homens? repetitivo monótono exaustivo insalubre perigoso pesado outros leve realizador saudável 13- Relações Sociais 82 - As relações sociais desenvolvidas no seu trabalho, com as outras pessoas, tais como: chefias e amigos, são importantes para você, por quê? 176 83 - Se não considera importante, dizer por que? 84- O trabalho possibilitou, para você, uma visão maior do mundo, resultando na participação em sindicatos, cipas, comissão de fábrica? 85 - Como você vê essa maior visão de mundo? 86- Você considera que nas relações de trabalho foram construídas relações sociais e afetivas significativas para você? 87- O seu trabalho possibilita ou possibilitava a comunicação com os seus colegas? 88 - Como é ou era a relação com a direção com a chefia ? 14- Religião: 89- Qual a sua religião ? 90- O que a religião influencia na sua vida? 177 91- O que a religião influenciou ou influencia em seu trabalho? 14- Vida Reprodutiva 92 - Quais os cuidados que você mantêm para sua saúde ginecológica? Consulta regularmente o ginecologista? 93- Que meios anticonceptivos usa para não engravidar? (o próprio ou o cônjuge) 94 - Quantas gestações teve? E se foi desejado engravidar? Fez tratamento para engravidar? 95 - Você já fez algum aborto? Por quê? 96 - Você considera importante usar preservativos hoje? Por quê? 97- Você trabalhou durante a gestação? 98 - Amamentação ? 178 15 - Sexualidade 99 - Como está a sua sexualidade hoje? Por quê? 100 - Você considera diferente a sexualidade para homens e mulheres? Por quê? 101 - Considera que o trabalho tem ou teve alguma influência na sua vida afetiva e sexual? 102 - Considera sua vida sexual prazerosa? Por quê? 103- O que na sua educação familiar teve influência na construção de sua sexualidade? 104 - O que considera que na sociedade influenciou sua sexualidade ? 105- O que considera que foi construção sua? 16 - Subjetividade 106 - Você considera que o trabalho foi importante para a construção de sua personalidade? 179 107 - O que considera que no trabalho é importante para seu desenvolvimento e crescimento como pessoa? 108 - O que é personalidade? 109 - Você considera que a posição que a mulher ocupa na sociedade e na família influenciou de alguma forma o seu jeito de ser no mundo? 17 – Relações de Gênero 110- O que acha da posição da mulher na Sociedade? Assédio Sexual 111 - Na fábrica há assédio sexual por parte das chefias, colegas e amigos junto às trabalhadoras? 112 - Na sua opinião, por que isso ocorre? Representação como mulher e trabalhadora: 180 113 - Qual o trabalho mais valorizado na fábrica, o dos homens ou das mulheres? Por quê? 114 - E na sociedade em geral, qual o trabalho mais valorizado, o dos homens ou das mulheres? Por quê? 115 - E na família qual o trabalho mais valorizado? 116 - Você considera que a posição que a mulher ocupa na sociedade e na família influenciou de alguma forma o seu jeito de ser no mundo? 117- Quais modificações você faria na situação da mulher trabalhadora? 18- Satisfação Profissional e Realização Pessoal 118 - Você se sente realizada com o seu trabalho? Por quê? 181 119 - Ele lhe traz ou trouxe alegria ou sofrimento? 120 - Se você pudesse, você deixaria de trabalhar? Por quê? 121 - O trabalho é um projeto pessoal para toda uma vida, por quê? 122- Você se considera uma pessoa feliz? 123 - O que você gostaria que mudasse em sua vida para se sentir mais feliz ? 124 - Se você fosse rever sua vida, você diria que a mesma piorou ou melhorou nos últimos anos? 125 - Que mudanças você planeja em sua vida para o futuro? 126- O que você modificaria nessa situação? 182 127- Quais modificações você faria na situação da mulher trabalhadora? 128 - Quais modificações você faria na empresa em que trabalha ou trabalhou? 129- Você gostaria de participar de atividades na luta contra a utilização do amianto nos processos de trabalho e na sociedade como um todo? Lazer: 130 - Como você usa seu tempo livre, destinado para o descanso e para o lazer? 131 - O que achou da entrevista ? 183 Anexo II: Resumo do Estado Atual do Conhecimento dos Efeitos sobre a Saúde Causados pela Exposição Ocupacional às Fibras Sintéticas. RESUMO DO ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO DOS EFEITOS SOBRE A SAÚDE CAUSADOS PELA EXPOSIÇÃO OCUPACIONAL ÀS FIBRAS SINTÉTICAS, CONSOLIDADO A PARTIR DAS REVISÕES REALIZADAS POR Gibbs (1994) e Foà & Basilico (1999) NOME OU TIPO DE FIBRA SINTÉTICA ARTIFICIAL Fibras Cerâmicas Refratárias de Óxido de Alumínio Fibras de Carbono ou Grafite Fibras de aramida e paraaramida (Kevlar) Fibras Cerâmicas Refratárias de Carbeto de Silício Fibras de Vidro de Filamento Contínuo NATUREZA OU COMPOSIÇÃO ESTADO ATUAL DO CONHECIMENTO Em condições de alta temperatura, as fibras de alumínio silicato podem ser alteradas para sílica livre, cristobalita e mulita, tornando-se potencialmente produtoras de Óxido de alumínio cristalino. Cerca silicose. de 90% das fibras têm menos de 3 Existem na literatura registros de fibrose pulmonar e produção de µm de diâmetro, o que as torna pneumoconiose respiráveis. A IARC concluiu pela existência de evidências de carcinogenicidade em animais de experimentação, e que estas fibras são possivelmente carcinogênicas para o homem. Conhecimento ainda inadequado. Estudos experimentais e in vitro têm O piche carbonáceo e fibras de observado efeitos mutagênicos raion ou poli-acrilonitrila, aquecidas resultantes da inalação das fibras a 1.200 oC formam fibras de feitas a partir do piche, mas não da carbono amorfo, e quando poli-acrilonitrila. Até o momento, o aquecidas acima de 2.200 C fibras os estudos epidemiológicos não têm grafite cristalino detectado efeitos adversos em trabalhadores. As fibras de aramida são uma classe de fibras poliamídicas aromáticas, Estudos em animais de laboratório caracterizadas pela tolerância a altas mostram a produção de discreta temperaturas. As fibras são de fibrose pulmonar, em resposta às aproximadamente 12-15 µm de exposições a altas concentrações. diâmetro, em forma curva, com Estima-se que o risco em fibrilas de 1 µm saindo de sua trabalhadores seja muito baixo, mas superfície. Utilizadas para reforçar ainda faltam estudos plásticos, tecidos e borracha, e epidemiológicos mais profundos. como material de fricção para a indústria automobilística. Fibras de SiC obtidas como subTal como no carborundo (cristais de produto da produção de cristais de SiC) há registros de efeitos adversos carbeto de silício (carborundo). em animais e no ser humano, com Fibras de 1 a 2 µm de diâmetro e 3 a fibrogênese definitivamente confirmada e possível carcinogênse. 30 µm de comprimento. Produzidas a partir da SiO2 e várias concentrações de estabilizadores e Por seu diâmetro, estas fibras são pouco respiráveis. Os poucos relatos 184 modificadores, por processo rotatório, que resulta em fibras com diâmetro nominal de 6 a 15 µm de diâmetro médio Fibras de Lã de Vidro Produzidas a partir da SiO2 e várias concentrações de estabilizadores e modificadores, por processo rotatório, que resulta em fibras de 3 a 10 µm de diâmetro médio. São aglomeradas com resinas fenólicas e depois submetidas a um processo de polimerização. Representam 90% da produção mundial de fibras sintéticas minerais, e destinam-se, em sua maioria, ao isolamento acústico ou térmico. Fibras de Lã de Rocha Produzidas a partir de rochas ígneas. Fibras de diâmetro em torno de 3,5 a 7 µm, na faixa respirável. Fibras de Escória Mineral Produzidas a partir de escórias de minérios de metais. Fibras de diâmetro em torno de 3,5 a 7 µm, na faixa respirável. Fibras de Vidro de Finalidades Especiais Produzidas a partir da SiO2, por fibrização por chama, têm diâmetro nominal entre 1 e 3µm, sendo, portanto respiráveis. referem-se exclusivamente a efeitos sobre as vias respiratórias altas (irritação), sem produção de pneumoconiose. Os estudos para investigação de câncer pulmonar e/ou mesotelioma mostram-se, até o momento negativos. Estudos experimentais mostram a possibilidade de produção de fibrose pulmonar, dependente do comprimento das fibras. Alguns estudos epidemiológicos mostram manifestações radiológicas e alterações funcionais, obrigando a que as investigações continuem. Para a IARC, existe suficiente evidência da carcinogenicidade da lã de vidro em animais, mas inadequada evidência de carcinogenicidade em humanos. A agência classifica a lã de vidro em 2B: “possível carcinogênico em humanos” Os estudos epidemiológicos sobre mortalidade por câncer respiratório têm tendido a mostrar um discreto aumento em trabalhadores expostos, quando comparados com não expostos. Outras várias exposições concomitantes têm sido aventadas (traços de metais tóxicos, fibras de anfibólios e outras impurezas). A IARC classifica tanto a lã de rocha como a lã de escórias de metal, como possivelmente carcinogênicas (2B). Os estudos epidemiológicos sobre mortalidade por câncer respiratório têm tendido a mostrar um discreto aumento em trabalhadores expostos, quando comparados com não expostos. Outras várias exposições concomitantes têm sido aventadas (traços de metais tóxicos, fibras de anfibólios e outras impurezas). A IARC classifica tanto a lã de rocha como a lã de escórias de metal, como possivelmente carcinogênicas (2B). Até o momento, os estudos epidemiológicos em trabalhadores expostos não demonstraram evidências de doença respiratória não-maligna. Estudos sobre câncer pulmonar mostram resultados eventualmente conflitantes, predominando a compreensão da não-carcinogenicidade destas fibras, em função de seu tamanho. 185 REFERÊNCIAS: Gibbs GW. Synthetic fibres and health: an overview. J Pneumol 1994;20(4):219-29. Foà V, Basilico S. Caratteristiche chimico-fisiche e tossicologica delle fibre minerali artificiali. Med Lavoro, 1999;90(1):10-52. 186 Anexo III: “Apelo de Milão” Aprovado durante o Seminário Internacional BASTAMIANTO Milão 17- 18 de Abril de 1993 O amianto é perigoso em qualquer forma, independente da quantidade e em todas as etapas do processo produtivo: extração, transporte, transformação, utilização e eliminação. É conhecido há décadas como sendo uma substância cancerígena, seja inalado ou ingerido: não existem valores limites abaixo dos quais não haja riscos para saúde. O amianto provoca graves doenças e será a causa de numerosas mortes ainda por muitos anos, por seus efeitos se manifestarem após um longo período de latência. É portanto urgente proibir-se imediatamente todos os tipos de uso de amianto. Deve ser buscada a reconversão das fábricas que utilizam este material mediante a sua substituição por outras matérias-primas reconhecidamente menos nocivas à saúde, preservando-se de qualquer forma os postos de trabalho. Alguns países já baniram o amianto, outros apressam-se em fazê-lo. Esta lei de banimento não disciplinará todos os problemas causados pelo amianto. A descontaminação dos locais afetados, a vigilância epidemiológica das populações expostas e a indenização das vítimas estarão ainda por muito tempo na ordem do dia. É claro que esta proibição não deve estar circunscrita à Europa. È inadmissível que os grandes industriais do amianto continuem a transferir riscos aos países do terceiro mundo, onde a ausência de leis e de vigilância favorecem o ataque à saúde de grande parcela da população. A proibição é urgente não só na Europa, mas em todo planeta. Os cientistas, médicos, sindicalistas, ecologistas, associações e vítima do amianto, reunidos hoje em Milão, reivindicam à Comunidade Econômica Européia (CEE) que promulgue uma diretiva que proíba o amianto em todos os seus usos, nos países da CEE, e do governo destes países de acolherem estes elementos em suas legislações nacionais. Esta diretiva poderá ser utilizada como modelo legislativo por todos os países, desenvolvidos ou não, a fim de poder alcançar-se rapidamente a viver num mundo sem amianto. 187 Anexo IV: “Declaração de São Paulo” Aprovado no Seminário Internacional do Amianto: Uso Controlado ou Banimento? São Paulo, 28-30/03/1994. Os cientistas, técnicos, sindicalistas, associações, políticos e cidadãos de todos os países presentes no Seminário Internacional do Amianto: • Estamos convencionados de que a produção, transformação e uso de todos os tipos de amianto ou Asbesto representam um grande perigo para a saúde dos trabalhadores e da população em geral; • Respaldamos a nova dinâmica iniciada em São Paulo entre as diversas centrais sindicais, os partidos políticos presentes, as ONG’s de defesa do meio ambiente, os cientistas e representantes das vítimas do amianto, que, superando as diversidades geográficas, lingüísticas e políticas, buscam conseguir a curto prazo um mundo SEM AMIANTO; • Denunciamos com indignação as multinacionais do amianto e seus métodos de intimidação e de desinformação que se mostram mais evidentes ainda com a mistificação do conceito do “ uso controlado do amianto”. • Pedimos aos governos, que ainda não o fizeram, que proíbam com urgência todas as utilizações do amianto; que apoiem os produtos substitutos que tenham demostrados ser menos danosos à saúde , mantendo e criando novos empregos; que efetuem a descontaminação sem risco de todas as instalações que contenham amianto; que ponham em prática meios de atendimento médico, vigilância e os mecanismos legais de indenização das vítimas do amianto. São Paulo, 30 de março de 1994. 188 Anexo V: “Carta do Rio” Nós técnicos, cientistas, sindicalistas, trabalhadores, parlamentares, pesquisadores, ambientalistas, etc, reunidos no Seminário sobre o Amianto, promovido pela FIOCRUZ no Rio de Janeiro em 15 e 16 de maio de 1997, e respaldados: 1. Pelo apelo de Milão e Declaração de São Paulo, documentos referendados em Seminários Internacionais ocorridos, respectivamente, em 1993 em Milão e 1994 em São Paulo; 2. No conhecimento atual de que todos os tipos de amianto representam comprovadamente um risco à saúde dos trabalhadores e da população como um todo; 3. Na proibição em vários países do uso desta matéria-prima e na lógica globalizante de transferência de riscos para os países que ainda não dispõem de legislação própria, como o nosso; 4. Em relatórios de pesquisadores nacionais que mostram a necessidade de uma abordagem interdisciplinar, que contemple os aspectos clínicos, sócio-culturais, tecnológicos, jurídicos e legais, extensivos às famílias dos trabalhadores e expostos em geral; 5. Nas experiências relatadas por trabalhadores e trabalhadoras, que embora expostos a processos de trabalho diversos e em indústrias diferentes, relatam semelhantes condições precárias a quem vêm sendo submetidos, contrariando os dispositivos legais vigentes, e evidenciando a capacidade do Estado em controlar a situação atual e na própria inexequibilidade do “uso controlado”, proposto pelos produtores e utilizadores do amianto; 6. Na necessidade de aprofundamento e amadurecimento do papel do Estado em suas diversas esferas de poder a nível nacional, estadual e municipal; 7. Na experiência dos movimentos sociais, como ABREA – Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, Organizações Não Governamentais como a Rede BanAsbesto, e das ações sindicais e na necessidade de articulação com a Fundação Interuniversitária de Estudos sobre o Trabalho- UNITRABALHO e o Ministério da Saúde; Comprometemo-nos neste Encontro Nacional, que demarca o processo de discussão e ações no Estado do Rio de Janeiro; A apoiar o desenvolvimento de ações conjuntas com o poder legislativo, movimentos sindical e social, ONG’s e instituições públicas em geral, no sentido de substituir gradativamente o amianto; preservando a saúde dos trabalhadores. 189