PROPOSTA DE APLICAÇÃO DA TEORIA DOS CAMPOS SEMÂNTICOS NA ELABORAÇÃO
DE UM MÉTODO PRÁTICO DE CRIAÇÃO PUBLICITÁRIA
Resumo: O presente trabalho apresenta um método prático de criação publicitária baseado na aplicação
da teoria dos campos semânticos. Através deste método, é possível chegar a um ou mais temas para uma
campanha publicitária, partindo-se das características do produto a ser anunciado, de forma rápida e
sistemática, dispensando-se o recurso ao acaso e à “inspiração”. Mediante o princípio da associação de
idéias, pode-se criar desde o tema da campanha até o slogan, o nome do produto e mesmo a concepção
visual da peça publicitária.
Palavras-Chave: Criatividade; Criação publicitária; Campos semânticos; Associação de idéias.
Abstract: This paper presents a practical method for the creation of advertisements based on the
application of the theory of semantic fields. Through this method, it is possible to reach one or more
themes for an advertising campaign, departing from the features of the product to be advertised, in a fast
and systematic way, what dispenses resorting hazard and “inspiration”. By means of the idea-association
principle, it is possible to create the theme of the campaign, the slogan, the name of the product and even
the visual conception of the advertisement.
Keywords: Creativity; advertising creation; semantic fields; idea association.
Introdução
No presente trabalho, pretendemos realizar uma aplicação prática da lingüística estrutural no
domínio da comunicação social, através da proposição de um método de criação publicitária com base na
teoria dos campos semânticos. O modelo aqui apresentado foi testado através da aplicação de exercícios
de criação publicitária a alunos do segundo ano do Curso de Propaganda e Marketing da Universidade
Paulista. Os resultados dessa experiência foram absolutamente satisfatórios, tendo-se chegado à criação
de campanhas publicitárias completas, partindo-se apenas do briefing do produto, em duas ou três aulas,
num prazo, portanto, bastante reduzido.
O que é a criatividade
Um dos principais processos de criação — se não o principal — é a associação de idéias. Com
efeito, não se pode criar a partir do nada, mas, na verdade, o que se convenciona chamar de “criatividade”
é a capacidade que o ser humano possui de recombinar informações e conceitos preexistentes em sua
mente, estruturados na forma de linguagem. Em determinadas atividades profissionais, em que o processo
criativo faz parte da própria rotina de trabalho, como as atividades artísticas (música, poesia, etc.), o
jornalismo e a propaganda, dentre outras, não se pode contar apenas com a inspiração no momento da
produção criativa. (Na verdade, a inspiração nada mais é do que um estado de criatividade espontânea,
isto é, não controlada pela razão, e que, portanto, não é desencadeada voluntariamente.) Por isso, faz-se
necessário o uso de um método que estimule e facilite o trabalho do cérebro no processamento da
informação. Se soubermos como o cérebro funciona quando está criando, podemos auxiliá-lo nessa tarefa
e, com isso, obter resultados mais rápidos e eficientes, com menor gasto de tempo, de esforço mental e
com a otimização dos recursos materiais e intelectuais disponíveis.
A atividade básica da mente humana é a de processar a informação que chega até ela através dos
sentidos. Porém tal informação somente pode ser processada se estiver codificada na forma de linguagem.
Desse modo, tudo o que pensamos, imaginamos ou sentimos constitui-se de signos, verbais ou não
verbais, aos quais subjazem conceitos, abstrações mentais, que formam a representação simbólica que
construímos do mundo à nossa volta. Assim, enquanto unidade processadora de informação
semioticamente tratada, a estrutura da mente contém uma complexa rede semântica conceptual, composta
de eixos que se cruzam, de tal sorte que em cada um desses cruzamentos temos um conceito, uma idéia,
representada no plano da manifestação lingüística por uma palavra. Poderíamos visualizar tal rede como
uma malha de fios que se trançam formando nós, a cada nó correspondendo um conceito. Cada um desses
eixos, a que se dá o nome de campo semântico, ou campo associativo, constitui-se num paradigma que
reúne conceitos ligados entre si por relações de similaridade (relações metafóricas), isto é, conceitos
pertencentes à mesma classe semântica (por exemplo, os conceitos navio, veleiro, canoa, jangada, etc.,
pertencem todos ao campo semântico das embarcações). Entre campos semânticos próximos (isto é, eixos
paralelos ou perpendiculares da rede semântica) estabelecem-se relações de contigüidade (relações
metonímicas), como, por exemplo, entre veleiro, vela, casco, leme, etc.
A criatividade consiste, portanto, na capacidade de associação de idéias (isto é, de conceitos)
similares ou contíguas, preexistentes em nossa rede semântica, para, através de uma combinação inédita,
gerar novos enunciados. Quando se cria, por exemplo, um texto verbal, o que se faz é realizar uma
combinatória inédita dos signos verbais (palavras) mediante regras inerentes ao próprio sistema
lingüístico (aquilo a que chamamos de gramática).
A criação publicitária através do emprego dos campos semânticos
O método de criação publicitária aqui apresentado parte das características do produto a ser
anunciado (características físicas, qualidades, propriedades funcionais, diferenciais do produto em relação
aos concorrentes, perfil do público-alvo, etc., enfim, toda aquela informação concernente ao produto que
se pretenda veicular através da mensagem publicitária, e que constitui o briefing do produto) e utiliza tais
características como ponto de partida para a construção de campos semânticos em que irá entrar o maior
número possível de idéias correlatas. Trabalhando-se com vários campos ao mesmo tempo, e abrindo-se
progressivamente o leque de conceitos abrangidos por esses campos, chega-se após algum tempo a uma
convergência de idéias, já que na rede semântica todos os conceitos estão interligados na intrincada malha
de fios e nós.
A finalidade da aplicação de tal método é a obtenção de um conceito — o qual será o tema da
campanha publicitária — que se encontre na intersecção semântica das características do produto e
demais informações a seu respeito que se quer anunciar. Como esse conceito se localiza justamente no
cruzamento de vários campos semânticos, ele será necessariamente plurissignificativo (polissêmico),
conduzindo a um fenômeno bastante desejável no discurso publicitário, por sua força poética e seu alto
poder persuasivo, que é a pluriisotopia da mensagem, isto é, a propriedade que um enunciado possui de
admitir mais de uma interpretação ao mesmo tempo, como, por exemplo, no slogan a seguir, extraído de
um comercial de filtro de papel para pó de café:
A nova medida econômica da Melitta
em que podemos interpretar medida econômica tanto como um ato governamental referente à economia
do País quanto como a quantidade de pó de café utilizada no filtro, que é econômica por implicar menor
consumo de pó.
Na figura abaixo, representamos esquematicamente o processo de construção e cruzamento dos
campos semânticos até a obtenção do conceito que deve ser o tema da campanha. Para tanto,
convencionamos que c1, c2 e c3 são os conceitos (isto é, as características do produto) que servem de
ponto de partida para a construção de campos semânticos. Os leques que se abrem a partir de c1, c2 e c3
são os respectivos campos semânticos desses conceitos. Os traços horizontais representam palavras que
designam conceitos pertencentes a esses campos semânticos. Temos, assim, vários conceitos localizados
na intersecção c1∩c2, bem como na interseção c2∩c3. Finalmente, na interseção de todos os campos semânticos (c1∩c2∩c3), encontramos o tema da campanha, simbolizado por T.
c1
c1
c2
T = c1
c2
c3
c2
c3
c2
c3
Alguns exemplos de aplicação do método semântico à criação publicitária
A seguir, procuraremos explicar o processo de aplicação dos campos semânticos à criação de
campanhas publicitárias mediante alguns exemplos de campanhas reais, cujos temas não foram,
obviamente, obtidos através do presente método. No entanto, o que desejamos demonstrar é como se
poderia ter chegado ao mesmo resultado utilizando-se um procedimento sistemático, que dispensaria em
grande parte o recurso ao acaso e à inspiração.
Analisemos em primeiro lugar a campanha da Poupança Fácil Bradesco. Trata-se de uma caderneta
de poupança cuja característica principal é a possibilidade de se fazer depósitos diariamente, com
rendimento garantido, e não apenas na data de aniversário da caderneta. Poderíamos ter partido, por
exemplo, dos campos semânticos poupança e diário, que sintetizam as principais idéias relacionadas ao
produto em questão. Teríamos então:
Poupança → poupar → guardar riqueza → guardar alimento → abelha → favo
Diário → todo dia → calendário
A campanha em questão tem como símbolo a abelha, que poupa sua riqueza (o mel), depositando-o
a cada dia num alvéolo diferente. Explora-se aí a semelhança visual entre o favo de abelhas e o
calendário.
Tomemos agora a campanha do anti-ácido Gelmax, cujo tema é um dragão que sofre de gastrite. O
referido medicamento serve para combater a acidez no estômago. Assim, podemos partir justamente de
acidez e estômago:
Acidez → queimação → queimar → fogo
Estômago → esôfago → garganta → boca
Do cruzamento de fogo e boca obtemos a figura do dragão, animal que expele fogo pela boca.
Os dois exemplos acima são bastante simples e servem apenas para ilustrar o processo.
Evidentemente, cada campo semântico possui um número ilimitado de elementos, de modo que a
derivação de idéias a partir de um conceito inicial pode tender ad infinitum. Por simplicidade,
apresentamos apenas os conceitos principais de cada campo semântico.
Cumpre observar que cada um dos elementos de um campo semântico pode dar origem a um novo
campo, de tal sorte a termos a possibilidade de realizar um sem-número de bifurcações, de que resulta um
esquema “em árvore”. Cumpre observar igualmente que, em virtude de, conforme dissemos no início
deste trabalho, a rede semântica constituir-se num emaranhado de fios e nós, os campos semânticos
podem cruzar-se em vários pontos, resultando daí vários possíveis subtemas da campanha, que de toda
maneira convergem para um tema principal.
Gostaríamos de apresentar, por último, um exemplo de campanha criada por dois alunos do Curso
de Propaganda e Marketing da Universidade Paulista, empregando o método dos campos semânticos. Foilhes dada a incumbência de criar um comercial para uma bolsa de couro dirigida a mulheres pertencentes
às classes A e B+, com idades entre 25 e 40 anos, especialmente executivas e profissionais liberais. A
associação de idéias foi a seguinte:
Bolsa → guardar → guardar dinheiro → riqueza → status
Bolsa → bolsa de valores → ações → riqueza → status
Classes A e B+ → riqueza → independência financeira → independência em geral → liberdade
Classes A e B+ → preferência por símbolos internacionais → status
Independência → Independência do Brasil→ Independência dos Estados Unidos
Status → estátua
Liberdade → Estátua da Liberdade
Símbolos internacionais → Estátua da Liberdade (em inglês, Statue of Liberty)
Note-se que a associação entre status e estátua se deu por similaridade sonora. A marca escolhida
para o produto foi Status of Liberty. O símbolo da campanha é a imagem da Estátua da Liberdade
portando uma bolsa a tiracolo. Como se vê, este método permite desde a criação do nome do produto até a
concepção de todas as peças publicitárias, destinadas às diversas mídias, e utilizando várias formas de
linguagem (verbal, visual, etc.). No exemplo citado, é interessante notar como o nome do produto evoca
ao mesmo tempo as idéias de status, de liberdade e de internacionalidade.
Conclusão
Como vimos, o método de criação aqui proposto procura simular o próprio processo que a mente
utiliza ao exercer sua atividade criativa. Sabendo-se como o subconsciente opera em tal situação, pode-se
colocar o consciente a serviço dessa operação, auxiliando o subconsciente e fornecendo-lhe pistas para
que este, por sua vez, realimente nossa consciência com mais e mais idéias, num movimento iterativo. Tal
método visa a tornar a criação um ato controlado pela consciência e a permitir que se trabalhe com várias
idéias ao mesmo tempo. Observe-se que certas técnicas de estímulo à criatividade a partir da associação
de idéias similares, como o brainstorm por exemplo, utilizam um princípio semelhante, porém de forma
não sistemática, o que impossibilita, muitas vezes, um controle absoluto e consciente sobre o próprio
processo de criação. Um algoritmo como este, que se baseia na associação de idéias por similaridade e
por contigüidade, encontra aplicações não só na publicidade, mas também em qualquer outro campo de
atividade que requeira o uso da criatividade ou em que seja necessária a busca de novas idéias.
Bibliografia
BALDINGER, K. Teoría semántica: Hacia una semántica moderna. Madri, Alcalá, 1970.
LOPES, E. Fundamentos da lingüística contemporânea. São Paulo, Cultrix, 1976.
LYONS, J. Eléments de sémantique. Paris, Larousse, 1978.
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