Superior Tribunal de Justiça
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 72.162 - RS (2006/0216499-2)
RELATORA
AUTOR
RÉU
ADVOGADO
SUSCITANTE
SUSCITADO
:
:
:
:
:
MINISTRA LAURITA VAZ
JUSTIÇA PÚBLICA
SÉRGIO FERNANDO MENEGHEL COLLA
JOÃO OLÍMPIO DE SOUZA FILHO E OUTROS
JUÍZO AUDITOR DA 1A AUDITORIA DA 3A CIRCUNSCRIÇÃO
JUDICIÁRIA MILITAR DE PORTO ALEGRE - RS
: JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CRIMINAL DO FORO
REGIONAL DE TRISTEZA - PORTO ALEGRE - RS
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM
ESTADUAL E JUSTIÇA MILITAR FEDERAL. POSSE ILEGAL DE ARMA
DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO PRIVATIVO DAS FORÇAS ARMADAS.
INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DE CRIME MILITAR OU
DE CONOTAÇÃO POLÍTICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM
ESTADUAL. PRECEDENTES.
DECISÃO
Vistos etc.
Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Auditor da 1.ª
Auditoria da 3.ª Circunscrição Judiciária Militar de Porto Alegre/RS, em face do Juízo de Direito
da 1ª Vara Criminal do Foro Regional de Tristeza - Porto Alegre/RS.
Segundo consta dos autos, SÉRGIO FERNANDO MENEGHEL COLLA foi
preso em flagrante por ter em sua posse arma de fogo e munições, em desacordo com a
determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência. Por esses fatos, inicialmente,
teve sua prisão preventiva decretada, tendo-lhe sido concedida a liberdade provisória logo em
seguida.
Remetidos os autos ao Ministério Público Estadual, este requereu o
encaminhamento do feito à Justiça Militar Federal, no que foi atendido pelo Magistrado
processante, "em face de os objetos apreendidos serem da União" (fl. 24), o que afastaria a
competência da Justiça Estadual.
Após o cumprimento de diligências, e tendo em vista o parecer do Ministério
Público da União, o Juízo Auditor Substituto da 1.ª Auditoria da Justiça Militar do Estado do Rio
Grande do Sul houve por bem suscitar o presente conflito, aduzindo que não se trata de crime
militar, "porque o armamento nunca pertenceu as Forças Armadas e, relativamente às
granadas, não estão presentes as elementares do peculato (posse em razão do cargo),
observando-se que o indiciado declarou que RECEBEU esses artefatos (fl. 113),
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prevalecendo sobre eventual receptação, que é norma geral, dirigida à proteção do
patrimônio, a Lei n.º 10.826/03, que é especial, voltada à questão de desarmamento"
(fl. 222), declarando-se, portanto, incompetente.
O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 230/239, opinando pelo
conhecimento do conflito para declarar competente o Juízo comum estadual, em parecer que
guarda a seguinte ementa:
"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. POSSE IRREGULAR
DE ARMAS, MUNIÇÕES E ARTEFATOS BÉLICOS DE USO PERMITIDO.
ART. 12, DA LEI N.º 10.826/03.
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a
instituição do Sistema Financeiro Nacional de Armas - SINARM - pelo
Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal e com circunscrição em
todo o território nacional (art. 1.º, da Lei n.º 10.826/03) não atrai, por si só,
a competência federal para julgamento dos crimes de porte e posse de
armas, que há de se ajustar aos casos de ofensa direta a bens, serviços ou
interesses da União, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal.
Noutra vertente, a eventual apreensão de armas de fogo e munições
de uso privativo das Forças Armadas não desloca, de imediato, a
competência para a Justiça Federal, porquanto se exige conotação política
na conduta delituosa, de forma a enquadrá-la na Lei de Segurança
Nacional, tanto mais quando o simples porte ou a posse de arma de fogo
não traduz importação ou introdução fraudulenta do armamento no
território nacional.
A simples posse ilegal de arma de fogo e munição, ainda que de uso
privativo das Forças Armadas, é crime comum, que deve ser julgado pela
Justiça do Estado, visto que a conduta não está prevista no Código Penal
Militar. Precedentes.
Parecer pelo conhecimento do conflito, decidindo-se pela
competência da Justiça Estadual." (fl. 230)
É o relatório.
Decido.
Nos termos já descritos no relatório, verifica-se que o Juízo de Direito da 1ª Vara
Criminal do Foro Regional de Tristeza - Porto Alegre/RS declinou da competência em razão da
notícia de que estaria configurada, na espécie, a prática do crime de peculato, previsto no artigo
303, caput , da Lei Federal n.º 1.001/69 - Código Penal Militar -, na medida em que os artefatos
apreendidos pertenceriam à União, os quais teriam sido adquiridos pelo réu no Exército quando
servia na qualidade de oficial (fl. 24).
Entretanto, compulsando os autos, não se vislumbram até o momento indícios
suficientes à configuração da prática do crime de peculato, capitulado no art. 303, caput , da Lei
n.º 1001/69. Isso porque, consoante esclareceu o Juízo Auditor Substituto da 1.ª Auditoria da
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Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul "o armamento nunca pertenceu as Forças
Armadas e, relativamente às granadas, não estão presentes as elementares do peculato
(posse em razão do cargo), observando-se que o indiciado declarou que RECEBEU esses
artefatos (fl. 113), prevalecendo sobre eventual receptação, que é norma geral, dirigida à
proteção do patrimônio, a Lei n.º 10.826/03, que é especial, voltada à questão de
desarmamento" (fl. 222).
Tampouco se cogita, na espécie, da possibilidade de caracterização do delito
capitulado no art. 12 da Lei n.º 7.170/83, na medida em que, para tanto, não basta que o
armamento seja de uso privativo das Forças Armadas. Há que se aferir a intenção do agente,
bem como a ocorrência de lesão real ou potencial à integridade do território brasileiro, à
soberania nacional, ao regime democrático e representativo, à Federação e ao Estado de Direito
ou à pessoa dos Chefes dos Poderes da União.
Desse modo, não se vislumbrando qualquer desígnio político na prática da infração
em tela, é inadmissível concluir-se pela existência de ofensa à Lei de Segurança Nacional, de
sorte a firmar-se a competência da Justiça Federal, como muito bem observado no Parecer
Ministerial.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE
USO RESTRITO DAS FORÇAS ARMADAS. LEI Nº 7.170/83.
INAPLICABILIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
Não restando configurada, em princípio, ofensa à Lei de Segurança
Nacional, em razão da ausência de conotação política do delito praticado,
compete à Justiça Comum Estadual o processo e julgamento do crime de
porte ilegal de arma de uso restrito das Forças Armadas.
Conflito conhecido para declarar competente o MM. Juiz de Direito
da 4ª Vara Criminal de Luziânia (GO), o suscitado." (CC 38002/GO, 3.ª
Seção, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 30/06/2003.)
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. PORTE ILEGAL DE
ARMA DE USO PROIBIDO
OU RESTRITO.
AUSÊNCIA
DE
CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE CONTRABANDO. INDÍCIOS DA
PRÁTICA DO CRIME DESCRITO NO ARTIGO 10, PARÁGRAFO 2º, DA LEI
9.437/97. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A mera apreensão de armas de uso proibido ou restrito das
Forças Armadas não caracteriza, por si só, o delito de contrabando previsto
no artigo 334 do Código Penal.
2. Configurado, em princípio, o crime de porte ilegal de arma de
uso privativo ou restrito previsto no artigo 10, parágrafo 2º, da Lei
9.437/97, é de se reconhecer a competência da Justiça Estadual
relativamente ao inquérito policial.
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3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito
da 3ª Vara de Timon/MA, suscitado." (CC 34461/MA, 3.ª Seção, Rel. Min.
HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 09/12/2002.)
Ante o exposto, com base no art. 120, parágrafo único, do Código de Processo
Civil, CONHEÇO do presente conflito para DECLARAR competente o Juízo de Direito da 1.ª
Vara Criminal do Foro Regional de Tristeza/ Porto Alegre/RS, o suscitado.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília - DF, 05 de março de 2007.
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora
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