Image diagnostic tests: fetal biological effects
Resumo
Os exames de imagem têm grande importância no diagnóstico de possíveis patologias
materno-fetais, no seu acompanhamento e na escolha da terapêutica mais adequada
para cada caso. É relevante a ocorrência de efeitos deletérios sobre o feto provocados
pela utilização destes métodos durante a gestação, devendo-se levar em consideração a
relação risco-benefício na sua indicação e realização durante este período. Nesse contexto,
a ultra-sonografia e a ressonância magnética têm trazido enormes benefícios diagnósticos
com pouco ou nenhum dano embrio-fetal, enquanto os exames radiológicos devem ter
sua indicação reservada aos casos onde sua contribuição diagnóstica supere a dos exames
previamente citados em detrimento do risco que podem acarretar ao embrião ou feto. Este
trabalho é uma atualização sobre os princípios físicos dos principais exames diagnósticos
por imagem (ultra-sonografia, ressonância magnética e exames radiológicos) e seus efeitos
biológicos sobre o binômio materno-fetal.
Abstract
The image tests are very important for the diagnosis of possible pathologies for mothers
e fetuses, their follow-up and the choice of the most adequate treatment to each case. It
is relevant the occurrence of harmful effects over the fetus caused by using that methods
during the pregnancy and to consider the risk-benefit relationship, their indication and use
in that period. Within this context, the ultrasonography and the magnetic resonance have
contributed with enormous diagnostic benefits with a little or none damage to embryo
or fetus, meanwhile the X-rays examinations must be indicated only in that cases where
their contribution increases their risks. This report is an update for the physical principles
of the image tests (ultrasonography, magnetic resonance and X-rays examinations) and
their biological effects over the maternal-fetal binomial.
at u a l i z a ç ã o
Exames de diagnóstico por imagem:
efeitos biológicos no feto
Handa Paula Barboza de Farias1
Daniela de Abreu Barra1,2
Francisco Mauad-Filho1,2
Palavras-chave
Diagnóstico por imagem
Ultra-sonografia
Ressonância magnética
Exames radiológicos
Gestação
Efeitos biológicos
Keywords
Image tests
Ultrasonography
Magnetic resonance
X-Rays examinations
Pregnancy
Biological effects
*Escola de Ultra-sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP)
**Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo
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Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
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Introdução
Ultra-sonografia: princípios físicos
Exames por imagem são freqüentemente realizados durante a
gestação para a avaliação de anomalias maternas pré-existentes,
inerentes à gravidez ou relacionadas ao feto, sendo preferidos
métodos que promovam pouca ou nenhuma ação deletéria
sobre o feto. Esta avaliação obteve um incremento com o
advento da ultra-sonografia (US), introduzida na área médica
por Dussik em 1942 (Dolnikoff, 1980), propiciando valoroso
aumento das informações sobre o bem-estar materno-fetal.
Porém, existem situações peculiares em que a realização do
exame ultra-sonográfico não permite boa avaliação, devido à
obtenção de imagens de baixa qualidade, mesmo em aparelhos
de última geração (Kawabata et al., 2003) e isto é importante,
dada a ausência de efeitos biológicos sobre o feto.
O surgimento da ressonância magnética (RM) veio auxiliar a
avaliação materna e, principalmente, fetal, pois as imagens geradas são claras, podem ser obtidas a partir de múltiplos ângulos,
independente da estática fetal ou da densidade do tecido adiposo
materno, e também sem a exposição à radiação ionizante. Embora
a RM possa proporcionar informações diferentes das obtidas por
US, nem sempre é superior ao estudo ecográfico, devendo ser
utilizada como complementação diagnóstica, especialmente no
seguimento de problemas primariamente identificados por US,
ressaltando que suas indicações clínicas durante a gestação são
limitadas e bem definidas, como será descrito posteriormente
(Kawabata et al., 2003; Werner et al., 2003).
Os exames radiológicos convencionais (radiografias simples ou contrastadas) ou tomografia computadorizada (TC)
também fazem parte da propedêutica diagnóstica por imagem.
Sua realização durante a gestação gera controvérsias, devido
aos possíveis efeitos deletérios das radiações ionizantes sobre
o feto (teratogênese, aumento da incidência de neoplasias
malignas, óbito fetal, abortamento). Os efeitos da irradiação
dependem da dose utilizada e do estágio da gestação em que
o exame será realizado. Em algumas situações a não realização
ou o adiamento do diagnóstico, em virtude da não utilização
destes métodos, podem ser mais prejudiciais que os prováveis riscos inerentes às radiações ionizantes (Foulquier et al.,
1997; D’Ippolito et al., 2005) e dessa forma se faz necessário
o conhecimento de tal técnica para conduta adequada.
A presente revisão tem o objetivo de promover melhor
conhecimento dos efeitos biológicos da US, da RM e das
radiações ionizantes sobre o feto, o que permitirá aos clínicos medir riscos e benefícios de cada um desses métodos e,
certamente, proporcionar melhor acompanhamento pré-natal
e bem-estar materno-fetais.
Todo sistema que se utiliza de ultra-sons para localizar
objetos funciona basicamente conforme o mesmo princípio:
há a emissão de um pulso ultra-sônico que incide no objeto
a ser detectado e retorna à fonte como eco. As peculiaridades do eco permitem a determinação de características do
objeto, como sua localização e velocidade. O pulso ultrasônico é uma onda mecânica que se propaga no objeto de
estudo através de vibrações periódicas que se repetem em
intervalos de tempo iguais. O número de vezes em que o
fenômeno periódico se repete em determinada unidade de
tempo é denominado freqüência (f).
No Sistema Internacional de Medidas (SI) a unidade de
repetições por segundo é chamada “hertz” (Hz). A US utiliza
freqüências elevadas, da ordem de megahertz (MHz = 106).
Quando uma onda mecânica tem características que promovem a sensibilização da audição humana, é denominada
som, tendo freqüência entre 20 Hz e 20.000 Hz ou 20 KHz.
Ondas com freqüência inferior a 20 KHz são muito graves
para serem ouvidas e são chamadas infra-sons. Ao contrário, se a freqüência da onda é superior a 20 KHz, torna-se
muito aguda e também não audível por seres humanos,
sendo denominada ultra-som. As freqüências ultra-sonoras
utilizadas em diagnósticos médicos são da ordem de milhões
de hertz ou megahertz, variando de 1 a 20 MHz a depender
do exame realizado.
Potência (P) significa a quantidade de energia transportada pela onda mecânica na unidade de tempo e é medida
em watt (W). Se toda potência transportada pela onda
concentra-se em uma pequena área, haverá uma incidência
de grande intensidade; no entanto, se a mesma potência for
distribuída em uma área grande, haverá uma incidência de
baixa intensidade. A intensidade (I) é a razão entre a potência
(P) e a área de superfície (S).
A onda propagada num meio material, cuja forma do feixe
inicialmente é cilíndrica, assume posteriormente forma cônica
divergente devido ao fenômeno da difração, que será mais
ou menos acentuado conforme o comprimento de onda seja
maior ou menor respectivamente. A divergência do feixe de
ondas não é a única causa da diminuição da intensidade, pois
as forças de atrito do meio material promovem dissipação,
transformando parte da energia mecânica em energia térmica,
levando ao aumento da temperatura do meio.
Quando se promove um aumento da potência emitida
pela fonte a fim de se obter uma maior penetração, pode-se
produzir um aquecimento notável do meio material. Se este
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Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
meio é líquido e a onda se propaga com aumento importante
da potência de emissão, pode haver além do aquecimento,
a formação de pseudocavitação, com formação de bolhas.
Se esta potência for aumentada ainda mais, pode ocorrer o
fenômeno da cavitação propriamente dita, com formação de
cavidades no líquido.
Baseado nestas definições nasceu o conceito do efeito
piezoelétrico, descrito por Curie e Curie em 1880 e 1881.
Ele baseia-se na peculiaridade que alguns cristais têm de
apresentarem polarização elétrica em suas faces quando
submetidos a esforços mecânicos. Sabe-se que os átomos
são constituídos por partículas elementares positivas e
negativas que se equilibram, formando um conjunto eletricamente neutro. Se ocorrer um desequilíbrio de cargas,
forma-se um íon. Os cristais que apresentam o efeito
piezoelétrico são formados por íons positivos e negativos
distribuídos no espaço em arranjos regulares. Quando há
um desequilíbrio entre as forças negativas e positivas, as
faces do cristal são polarizadas, aparecendo entre elas uma
tensão elétrica. Esta tensão elétrica aplicada sobre o cristal
faz com que ele vibre com a mesma freqüência inicialmente
usada, promovendo a formação de uma onda mecânica.
Se a freqüência utilizada for suficientemente elevada,
formar-se-á uma onda ultra-sônica. Quando uma onda
ultra-sônica incide no cristal, as vibrações nele produzidas
promoverão o aparecimento de voltagem alternada entre
suas faces, que pode ser amplificada e processada, permitindo a detecção do sinal ultra-sônico. Este é o princípio
usado para a fabricação dos transdutores eletro-acústicos
usados na prática médica (Dolnikoff, 1980).
Ultra-sonografia: efeitos biológicos
Já se passaram mais de quatro décadas desde que a
primeira ultra-sonografia foi utilizada para a observação
fetal. Normalmente, são realizados pelo menos três exames
ultra-sonográficos durante o acompanhamento pré-natal.
Atualmente, não apenas os modos B e M são utilizados para
a avaliação fetal, mas também novas técnicas ultra-sonográficas como Doppler colorido, de amplitude e espectral,
além da ultra-sonografia tridimensional (3D) e harmônica
(Hershkovitz et al., 2002).
Há uma crença geral na comunidade médica de que a
ultra-sonografia não apresenta riscos para mãe e feto. No
entanto, é possível que mecanismos térmicos e de cavitação
possam levar a danos fetais, conforme observado por vários
autores em seus estudos (Hershkovitz et al., 2002).
Sabe-se que quando altas freqüências são usadas
num determinado tecido, a amplitude das ondas decresce
conforme atravessam estruturas mais profundas, havendo
absorção de parte da energia mecânica e reflexão de outra
parte na forma de eco. A porção da energia mecânica absorvida é convertida em energia térmica, o que leva a um
aumento da temperatura local. Se este meio é formado
por interfaces de água e ar, pode ocorrer o fenômeno da
cavitação, que dificilmente é observado em fetos, devido
à inexistência de interface água/ar em sua constituição.
A hipertermia é comprovadamente teratogênica em experimentos com animais, porém sua teratogenicidade em
humanos é controversa.
Tecidos biológicos podem absorver energia térmica e
convertê-la em calor, elevando a temperatura tissular. Com
os modernos aparelhos de ultra-som, a elevação da temperatura tissular é menor que 1ºC e não há evidências de
efeito fetal em temperaturas inferiores a 39ºC. Segundo a
The World Federation for Ultrasound in Medicine and Biology,
uma exposição diagnóstica que produza aumento de no
máximo 1,5ºC acima dos níveis fisiológicos normais pode
ser realizada, sem reservas, em relação ao mecanismo de
hipertermia. A mesma federação concluiu que exposições
diagnósticas que promovam elevação da temperatura acima
de 41ºC no ambiente embrio-fetal por 5 minutos devem
ser consideradas potencialmente prejudiciais (Hershkovitz
et al., 2002; Bellieni et al., 2005).
É importante salientar que é durante a organogênese
que os tecidos mais sensíveis são formados. Neste caso,
aumento da temperatura no ambiente fetal pode ser prejudicial. Sabe-se que com a utilização do modo B não há
elevação superior a 1,5ºC. No entanto, se o embrião ou
feto é submetido ao estudo Doppler no primeiro trimestre da gestação, um aumento da temperatura superior a
1,5ºC é esperado, podendo levar a danos embrio-fetais.
Porém, os efeitos deste tipo de exposição ainda não são
completamente conhecidos. Sabe-se que estudos Doppler
que não ultrapassem elevação de temperatura resultante
acima de 38,5ºC podem ser usados com reserva, já que a
ocorrência de restrição crescimento intra-uterino (RCIU)
pode ser atribuída ao uso da US com Doppler. Portanto,
não se recomenda seu uso rotineiramente no curso do
primeiro trimestre (Hershkovitz et al., 2002).
Existem evidências não confirmadas de que a exposição
excessiva às ondas ultra-sônicas pode ser deletéria para
os fetos. Estudos realizados com animais demonstraram
restrição do crescimento intra-uterino e também aumento
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Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
na incidência de crianças canhotas após número excessivo
de US durante a gestação (Kieler et al., 2001). Outro achado
interessante é que o excesso de US pode diminuir o peso
ao nascimento (Bellieni et al., 2005), embora seu estudo
não tenha sido completamente conclusivo.
Ressonância magnética: princípios físicos
A ressonância magnética (RM) tem como princípio a
representação digital da composição química dos vários
tipos de tecidos expostos a um campo magnético potente.
A compreensão do seu funcionamento é dependente do
conhecimento sobre as propriedades magnéticas do núcleo
atômico, comportamento coletivo quando excitado por uma
onda de radiofreqüência e propriedades de seu relaxamento
(Werner et al., 2003).
A utilização do magnetismo do núcleo atômico gerou
grande impulso na utilização da RM no final dos anos 80 e
início dos anos 90. O átomo é constituído por prótons (P) e
nêutrons (N) e estes se movimentam continuamente em seu
interior. Quando um átomo é formado por número desigual
de prótons e nêutrons (ímpar), há formação de um campo
magnético externo – momento dipolo magnético. Na prática
clínica, a RM avalia basicamente os átomos de hidrogênio
(H) presentes na água, pois eles correspondem a 70% do
volume corporal, possuindo sinal 1.000 vezes mais forte
que qualquer outro elemento, além de possuir um próton
e nenhum nêutron, o que promove a criação de um forte
campo magnético (Werner et al., 2003).
A força do campo magnético é medida em Tesla
(1 Tesla = 15.000 Gauss). O campo magnético da Terra
é de 1,5 Gauss. Na ausência de um campo magnético
forte, os prótons dos núcleos de H giram em torno de si
com eixo aleatório. Se estiverem sob a ação de um campo
magnético potente, os prótons irão se alinhar contra ou
favor deste campo. Assim, uma vez que o paciente esteja
dentro do campo magnético (Bo), os núcleos de H no
corpo ficarão alinhados e girarão em torno de um eixo
longitudinal paralelo ao vetor deste campo magnético
(Werner et al., 2003).
Após a exposição ao campo magnético, é emitida
uma onda de radiofreqüência (RF) específica de 90º, provocando captação de energia pelos prótons do paciente,
levando a um desvio da magnetização para um plano
transversal ao campo magnético. Ao final da emissão da
onda de radiofreqüência, os prótons alinham-se ao campo
magnético e eliminam a energia acumulada. Esta energia
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é detectada e localizada espacialmente pelo aparelho de
RM, que, com os dados obtidos a partir da medida desta
energia (sinal), terá a base para a formação de imagens
(Werner et al., 2003).
O aparelho de RM trabalha basicamente com dois parâmetros: T1 e T2. T1 – ou tempo de relaxamento longitudinal
– representa a recuperação de 63% da magnetização longitudinal
após a interrupção da onda de RF nos prótons examinados,
que apresentam tempos de recuperação diferentes a depender
do tecido em que se encontram. O contraste da RM é dado
pelas diferenças nos tempos de relaxamento. T2 – ou tempo
de relaxamento transversal – representa o tempo necessário
para ocorrer perda da magnetização transversa durante o
desvio do eixo longitudinal e ocorre simultaneamente ao
retorno ao eixo principal, promovendo um desalinhamento
dos prótons, também chamado de perda da coerência de fase
(Westbrook e Kaut, 2000; Werner et al., 2003).
T1 e T2 trabalham em sentidos opostos. Enquanto T1 é
a recuperação ao eixo longitudinal, T2 é a perda do processo
(defasagem). Esta perda de coerência em T2 é rápida, e uma
segunda onda de pulso de RF, em 180º, é emitida em décimos
de milésimos de segundos após a onda de 90º. O tempo de
eco (TE) é o tempo que vai da aplicação do pulso de RF ao
pico máximo do sinal induzido e indica o grau de declínio da
magnetização transversa que ocorre antes de ler-se o sinal,
controlando o grau de relaxamento T2 que ocorreu.
O tempo de repetição (TR) é o tempo que vai da aplicação
de um pulso de RF à aplicação do pulso de RF seguinte e
determina o grau de relaxamento que pode ocorrer entre
o término de um pulso de RF e a aplicação do próximo
pulso, determinando o grau de relaxamento T1 que ocorreu. Desse modo, o TR é medido em T1 e o TE é medido
em T2 (Westbrook e Kaut, 2000; Werner et al., 2003). A
seqüência de pulso de RF 90º/pulso 180º/sinal de eco é
repetida diversas vezes em um único estudo e constitui a
seqüência spin-echo clássica.
Com a evolução da RM e o aparecimento de aparelhos
mais potentes e técnicas mais rápidas, novas seqüências
foram desenvolvidas, maximizando estes princípios e
possibilitando a obtenção de imagens de alta qualidade,
permitindo a aquisição de imagens tridimensionais (3D),
estudo vascular e avaliação específica de líquidos estáticos
(bile, líquor e urina).
Este método diagnóstico está contra-indicado para
pacientes portadores de marcapasso cardíaco, clipe de
aneurisma cerebral ferromagnético, prótese coclear metálica e válvula cardíaca tipo Starr-Edwards. Usuárias de
Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
dispositivo intra-uterino (DIU) e tampões vaginais não
apresentam contra-indicação absoluta para a realização
de RM, devendo ser retirado o tampão vaginal quando o
estudo for direcionado a patologias vaginas ou de fundos
de saco anterior e posterior. Em pacientes grávidas o exame
pode ser realizado com segurança, evitando-se apenas
o uso do gadolínio – contraste paramagnético (Werner
et al., 2003).
Ressonância magnética: efeitos biológicos
O primeiro trabalho sobre RM na gestação foi realizado
por Smith em 1983. A partir desta época, o emprego desse
método em Obstetrícia e Medicina Fetal cresceu progressivamente, principalmente para avaliação do sistema nervoso
central (SNC) do feto, quando há dificuldade de avaliação pela
ultra-sonografia (sombra pela ossificação da calota craniana,
posição inadequada do feto) (Werner et al., 2003). Existem
vários estudos na literatura mundial sobre os potenciais malefícios da RM sobre o feto, particularmente devido à relação
– ainda não comprovada – entre exposição a campos eletromagnéticos e carcinogênese (Formica e Silvestri, 2004).
Até o presente momento, não se conhece efeito biológico efetivo da RM sobre o feto. Ainda assim, muitos
centros preferem evitar a realização deste estudo em
pacientes no primeiro trimestre de gestação, conforme
orientação do The Nacional Radiological Protection Board
(NRPB) (Werner et al., 2003).
A possibilidade de risco potencial da RM sobre o feto
depende da potência do campo magnético gerado, do
gradiente de força, das ondas de radiofreqüência (RF) utilizadas nas seqüências do exame e do tempo de exposição.
Normalmente, são usados campos magnéticos de até 2T na
prática clínica (De Wilde et al., 2005). Estudo experimental
com exposição de camundongas grávidas entre 9 e 12 dias
de gestação a campos magnéticos de 4,7 T e campos de
1,5 T durante 8 h, mostrou diminuição do peso fetal ao
nascer, morte neonatal e redução na produção diária de
esperma no primeiro grupo. Os fetos de camundongas
expostas a campos de 1,5 T não apresentaram efeitos
biológicos significativos, mesmo em relação à formação do
blastocisto (Gu et al., 2001).
Individualizando os componentes da RM, pode-se
observar que cada um apresenta propriedades e potencialidade de riscos diferentes entre si. No que concerne
aos efeitos biológicos dos campos magnéticos estáticos,
estes são mais de natureza sensorial, tais como: náuseas,
vertigens e gosto metálico quando da exposição a campos de 1,5 a 4 T; mais raramente, podem ocorrer cefaléia,
soluços, vômitos, zumbidos e tremores. Os únicos reais
danos à saúde resultantes da exposição a campos magnéticos estáticos ocorrem nos pacientes portadores de
marcapassos cardíacos e próteses ferromagnéticas, pois
a interação destes materiais com os campos magnéticos
pode promover efeitos patológicos graves, por isso são
contra-indicados (Formica e Silvestri, 2004).
A exposição fetal às ondas de radiofreqüência pode
levar a um aumento da temperatura tissular, o que pode
ser potencialmente prejudicial, principalmente durante a
organogênese, quando os tecidos mais sensíveis (SNC, ossos) estão em plena formação. Sabe-se que um incremento
superior a 2ºC na temperatura pode levar a deformidades
de tubo neural e defeitos crânio-faciais (De Wilde et al.,
2005). Portanto, tal fato explica a cautela da não-realização
de RM no primeiro trimestre da gestação.
Os maiores riscos de efeitos biológicos da RM estão
relacionados à exposição ao gradiente de campos eletromagnéticos pulsados – EMFs (time-varying magnetic
gradient fields), sendo os principais danos os provocados
pelo barulho acústico, mas também podendo ocorrer
estimulação nervosa periférica, estimulação muscular
periférica, estimulação cardíaca com possível fibrilação
ventricular e aumento do risco de abortamento espontâneo.
O maior efeito em relação ao feto é, sem dúvida, o dano
acústico, embora seja difícil mensurar a real quantidade
de decibéis transmitida ao feto durante a realização do
exame. O barulho acústico pode também estar relacionado
com baixo peso ao nascer nas pacientes submetidas à
exposição excessiva à RM (De Wilde et al., 2005).
Outro ponto importante a ser lembrado na realização
de RM em pacientes gestantes é evitar o uso do gadolínio
(contraste paramagnético), pois existem relatos da sua
associação com a restrição do crescimento fetal em camundongos. O contraste atravessa a barreira placentária
sendo detectado na bexiga fetal. Da bexiga, o gadolínio é
excretado para o líquido amniótico, sendo depois deglutido
e reabsorvido pelo trato gastrointestinal do feto, o que
dificulta o conhecimento da sua meia-vida na circulação
fetal (Werner et al., 2003).
Em relação à permanência de funcionárias gestantes
na sala de exame, não estão definidos riscos potenciais,
embora, de rotina, se evite sua presença durante a emissão
dos campos de radiofreqüência. Alguns centros, no entanto, recomendam que durante todo o primeiro trimestre da
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Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
gestação as funcionárias não permaneçam no ambiente
do campo magnético (Werner et al., 2003).
No Brasil não existe legislação específica que determine
a época de realização do exame de RM na gestação então,
procura-se seguir o consenso internacional de não realizá-los
no primeiro trimestre (Werner et al., 2003).
Exames radiológicos: princípios físicos
As radiações ionizantes utilizadas nos exames radiológicos são ondas eletromagnéticas de alta energia –
raios X ou raios gama - que, ao interagirem com a matéria,
desencadeiam uma série de ionizações, promovendo a
transferência de energia aos átomos e moléculas presentes
no corpo irradiado, levando a alterações físico-químicas
intracelulares. A dose absorvida pela matéria submetida
à emissão de radiação ionizante é expressa em “rad” (radiation absorbed dose). O Sistema Internacional de Medida
(SI) utiliza a unidade “gray” (Gy) que equivale a 100 rad.
Existe, ainda, a medida de “dose-equivalente”, que leva em
conta a qualidade de radiação e a forma como a energia se
transfere no tecido, expressa em “rem” (roentgen equivalent
man) – 1 rem equivale a 1 rad. No SI, utiliza-se a unidade
“sievert” (Sv) – 1 Sv equivale a 100 rem. Estas doses são
importantes na prática clínica porque ajudam a estimar a
radiação absorvida pelo corpo irradiado, sendo relevante
nesta análise a estimativa de radiação absorvida pelo feto
durante a realização de exames radiológicos em pacientes
grávidas (D’Ippolito e Medeiros, 2005).
Exames radiológicos: efeitos biológicos
Sabe-se que as radiações ionizantes são capazes de
alterar as características físico-químicas das moléculas
e que estas alterações são dose-dependentes. Deve-se,
ainda, considerar as características da radiação ionizante usada e a sua capacidade de produzir íons e dissipar
energia em sua trajetória no meio ou tecido irradiado.
Assim sendo, as células com alta taxa de proliferação são
mais sensíveis aos efeitos das radiações ionizantes, e a
radiossensibilidade é inversamente proporcional ao grau
de diferenciação celular e inversamente proporcional ao
número de mitoses necessárias para que a célula alcance
a maturidade. Portanto, as células da epiderme, eritroblastos, células da medula óssea e células imaturas dos
espermatozóides são muito radiossensíveis, enquanto
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as células nervosas e musculares são radiorresistentes
(D’Ippolito e Medeiros, 2005).
Existem dois tipos principais de efeitos biológicos
produzidos pelas radiações ionizantes: os determinísticos
e os estocásticos. Os primeiros são os que ocorrem em
conseqüência à exposição a altas doses de radiação e dependem diretamente desta exposição – a exemplo da morte
celular induzida pela radioterapia, queimaduras cutâneas,
esterilidade e cataratas radio-induzidas. Os efeitos estocásticos estão relacionados a baixas doses de radiação e
não aparecem ou não se manifestam após meses ou anos
da exposição, o que dificulta o estabelecimento da relação
causa-efeito, como a mutação e carcinogênese.
Com relação ao feto, os efeitos decorrentes da exposição
à radiação ionizante dividem-se em quatro categorias e
merecem atenção devido a potencial gravidade, a saber: óbito
intra-uterino, malformações, distúrbios do crescimento e
desenvolvimento e efeitos mutagênicos e carcinogênicos.
A ocorrência desses efeitos é dose-dependente e idade
gestacional-dependente.
O embrião é mais sensível aos efeitos biológicos das
radiações nas duas primeiras semanas de gestação. O risco
de morte embrionária é maior quando a exposição é superior
a 10 rad (100 mGy). Durante a organogênese, o dano ao
embrião/feto decorre da morte celular radio-induzida ou
por distúrbio na migração e proliferação celulares, podendo,
ainda acontecer graves danos ao SNC em formação, como
a microcefalia e hidrocefalia. Se a exposição for a doses
superiores a 100 mGy pode ocorrer retardo mental com
decréscimo de 30 pontos no quociente de inteligência (QI)
para cada 100 mGy acima do limite máximo tolerado. No
período de 16 a 30 semanas, os riscos de retardo mental,
restrição do crescimento e microcefalia ainda existem. Após
a 32ª semana não há riscos significativos para o feto, exceto
a possibilidade de desenvolvimento de neoplasia maligna
na infância ou maturidade. No entanto, é muito difícil
que, nos exames radiológicos de rotina, o embrião/feto
seja exposto a radiações superiores ao limite máximo de
100 mGy, mesmo quando realizados em incidência direta
sobre o útero.
É importante ressaltar que a incidência natural de anomalias congênitas está entre 0,5 e 5% e a probabilidade de
malformações induzidas por exposição à radiação ionizante é
de cerca de 0,5% para uma dose de 10 mGy, sendo os riscos
de microcefalia e retardo mental de 0,4% e 0,1%, respectivamente para esta mesma dose de radiação.
Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
Não são descritos na literatura casos de retardo mental
grave em crianças expostas à radiação da bomba atômica
antes da 8ª e após a 25ª semanas de gestação e também não
há evidências de nenhum efeito adverso no feto relacionado
a doses de radiação menores que 50 mGy.
Há trabalhos descrevendo um aumento do risco de desenvolvimento de câncer na infância, principalmente a leucemia,
quando o útero é submetido a baixas doses de radiação
(20 mGy), porém ainda não está claro se esta exposição deve
ocorrer durante a gestação ou se pode precedê-la.
Baseando-se nessas evidências, exames radiológicos do
crânio, tórax, coluna cervical e de extremidades expõem o
feto a mínimas doses de radiação. Pacientes grávidas que
necessitem de avaliação radiográfica convencional ou por
tomografia computadorizada (TC) podem usar protetores de
chumbo sobre o abdome para diminuir a incidência de radiação
sobre o útero. Nos casos em que se faz necessário o estudo
radiológico do abdome, a dose de radiação pode ser reduzida,
bem como o número de cortes e o intervalo entre eles também
podem ser reduzidos nos exames tomográficos.
Exames contrastados devem ser realizados apenas quando houver indicação absoluta, pois o contraste injetado via
endovenosa atravessa a barreira placentária e pode produzir
efeitos, ao que parece transitórios, sobre o desenvolvimento
da tireóide fetal.
Finalmente, deve-se considerar risco de interrupção da
gestação quando a dose de radiação absorvida e calculada
for superior a 250 mGy, o que pode acontecer durante a
realização de exames combinados, já que, individualmente,
nenhum estudo radiológico expõe o feto a este nível de
radiação (D’Ippolito e Medeiros, 2005).
Considerações finais
É inegável a contribuição dos exames de imagem para o
bom acompanhamento pré-natal de rotina e também para a
detecção de possíveis anomalias fetais. Porém, é necessário
que sejam bem indicados e que não produzam efeitos deletérios à mãe e, principalmente, ao feto.
É comprovado que a ultra-sonografia (US) é o método
de imagem mais inócuo ao feto, mesmo realizada diversas
vezes no curso da gestação, tem boa sensibilidade diagnóstica, baixo custo quando comparado a outros métodos
de imagem e praticamente nenhuma contra-indicação,
podendo ser realizada em qualquer idade gestacional.
No entanto, em alguns casos, não é suficiente para
estabelecer o diagnóstico de anomalias fetais, principalmente na presença de oligodrâmnio, sendo necessária a
complementação por outro método. O estudo Doppler no
primeiro trimestre da gestação dever ser criterioso, pois
o aumento da temperatura do ambiente fetal é comprovadamente nocivo nas primeiras semanas de gestação e
durante a organogênese.
A ressonância magnética (RM) acrescenta maior qualidade
às imagens obtidas pela US e possibilita maior acurácia
diagnóstica quando a US se mostra insuficiente; com a
vantagem de não expor o binômio mãe-feto a radiações
ionizantes. Sua maior contra-indicação está relacionada ao
uso do contraste paramagnético que pode ser absorvido
pelo feto e pode estar relacionado à restrição do crescimento
em estudos com animais. A exposição materno-fetal aos
campos eletromagnéticos gera controvérsias na literatura
mundial, mas nenhum efeito biológico concreto foi realmente determinado. Entretanto, este exame é postergado
para realização apenas a partir do segundo trimestre, após
o término da organogênese.
Os exames radiológicos normalmente são relegados
a segundo plano no diagnóstico por imagem durante a
gestação. Devem ser evitados durante as primeiras semanas de gestação e organogênese pelo risco potencial de
óbito intra-uterino, maior incidência de malformações,
anomalias fetais e possibilidade de mutações e carcinogênese. Quando bem indicados e seguindo as instruções
de segurança, são de grande auxílio no diagnóstico de
afecções maternas, mas deve-se levar em consideração a
relação risco-benefício e a possibilidade de se estabelecer
tal diagnóstico por outros meios que não exponham a
gestante e o feto a radiações ionizantes.
FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8
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Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto
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Para o envio e submissão
de artigos para a Femina
Av. Professor Alfredo Balena, 190 – Térreo
Santa Efigênia – 30130-100 – Belo Horizonte - MG
A/C: Dr. Aroldo Fernando Camargos
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