Image diagnostic tests: fetal biological effects Resumo Os exames de imagem têm grande importância no diagnóstico de possíveis patologias materno-fetais, no seu acompanhamento e na escolha da terapêutica mais adequada para cada caso. É relevante a ocorrência de efeitos deletérios sobre o feto provocados pela utilização destes métodos durante a gestação, devendo-se levar em consideração a relação risco-benefício na sua indicação e realização durante este período. Nesse contexto, a ultra-sonografia e a ressonância magnética têm trazido enormes benefícios diagnósticos com pouco ou nenhum dano embrio-fetal, enquanto os exames radiológicos devem ter sua indicação reservada aos casos onde sua contribuição diagnóstica supere a dos exames previamente citados em detrimento do risco que podem acarretar ao embrião ou feto. Este trabalho é uma atualização sobre os princípios físicos dos principais exames diagnósticos por imagem (ultra-sonografia, ressonância magnética e exames radiológicos) e seus efeitos biológicos sobre o binômio materno-fetal. Abstract The image tests are very important for the diagnosis of possible pathologies for mothers e fetuses, their follow-up and the choice of the most adequate treatment to each case. It is relevant the occurrence of harmful effects over the fetus caused by using that methods during the pregnancy and to consider the risk-benefit relationship, their indication and use in that period. Within this context, the ultrasonography and the magnetic resonance have contributed with enormous diagnostic benefits with a little or none damage to embryo or fetus, meanwhile the X-rays examinations must be indicated only in that cases where their contribution increases their risks. This report is an update for the physical principles of the image tests (ultrasonography, magnetic resonance and X-rays examinations) and their biological effects over the maternal-fetal binomial. at u a l i z a ç ã o Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto Handa Paula Barboza de Farias1 Daniela de Abreu Barra1,2 Francisco Mauad-Filho1,2 Palavras-chave Diagnóstico por imagem Ultra-sonografia Ressonância magnética Exames radiológicos Gestação Efeitos biológicos Keywords Image tests Ultrasonography Magnetic resonance X-Rays examinations Pregnancy Biological effects *Escola de Ultra-sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto (EURP) **Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 513 Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto 514 Introdução Ultra-sonografia: princípios físicos Exames por imagem são freqüentemente realizados durante a gestação para a avaliação de anomalias maternas pré-existentes, inerentes à gravidez ou relacionadas ao feto, sendo preferidos métodos que promovam pouca ou nenhuma ação deletéria sobre o feto. Esta avaliação obteve um incremento com o advento da ultra-sonografia (US), introduzida na área médica por Dussik em 1942 (Dolnikoff, 1980), propiciando valoroso aumento das informações sobre o bem-estar materno-fetal. Porém, existem situações peculiares em que a realização do exame ultra-sonográfico não permite boa avaliação, devido à obtenção de imagens de baixa qualidade, mesmo em aparelhos de última geração (Kawabata et al., 2003) e isto é importante, dada a ausência de efeitos biológicos sobre o feto. O surgimento da ressonância magnética (RM) veio auxiliar a avaliação materna e, principalmente, fetal, pois as imagens geradas são claras, podem ser obtidas a partir de múltiplos ângulos, independente da estática fetal ou da densidade do tecido adiposo materno, e também sem a exposição à radiação ionizante. Embora a RM possa proporcionar informações diferentes das obtidas por US, nem sempre é superior ao estudo ecográfico, devendo ser utilizada como complementação diagnóstica, especialmente no seguimento de problemas primariamente identificados por US, ressaltando que suas indicações clínicas durante a gestação são limitadas e bem definidas, como será descrito posteriormente (Kawabata et al., 2003; Werner et al., 2003). Os exames radiológicos convencionais (radiografias simples ou contrastadas) ou tomografia computadorizada (TC) também fazem parte da propedêutica diagnóstica por imagem. Sua realização durante a gestação gera controvérsias, devido aos possíveis efeitos deletérios das radiações ionizantes sobre o feto (teratogênese, aumento da incidência de neoplasias malignas, óbito fetal, abortamento). Os efeitos da irradiação dependem da dose utilizada e do estágio da gestação em que o exame será realizado. Em algumas situações a não realização ou o adiamento do diagnóstico, em virtude da não utilização destes métodos, podem ser mais prejudiciais que os prováveis riscos inerentes às radiações ionizantes (Foulquier et al., 1997; D’Ippolito et al., 2005) e dessa forma se faz necessário o conhecimento de tal técnica para conduta adequada. A presente revisão tem o objetivo de promover melhor conhecimento dos efeitos biológicos da US, da RM e das radiações ionizantes sobre o feto, o que permitirá aos clínicos medir riscos e benefícios de cada um desses métodos e, certamente, proporcionar melhor acompanhamento pré-natal e bem-estar materno-fetais. Todo sistema que se utiliza de ultra-sons para localizar objetos funciona basicamente conforme o mesmo princípio: há a emissão de um pulso ultra-sônico que incide no objeto a ser detectado e retorna à fonte como eco. As peculiaridades do eco permitem a determinação de características do objeto, como sua localização e velocidade. O pulso ultrasônico é uma onda mecânica que se propaga no objeto de estudo através de vibrações periódicas que se repetem em intervalos de tempo iguais. O número de vezes em que o fenômeno periódico se repete em determinada unidade de tempo é denominado freqüência (f). No Sistema Internacional de Medidas (SI) a unidade de repetições por segundo é chamada “hertz” (Hz). A US utiliza freqüências elevadas, da ordem de megahertz (MHz = 106). Quando uma onda mecânica tem características que promovem a sensibilização da audição humana, é denominada som, tendo freqüência entre 20 Hz e 20.000 Hz ou 20 KHz. Ondas com freqüência inferior a 20 KHz são muito graves para serem ouvidas e são chamadas infra-sons. Ao contrário, se a freqüência da onda é superior a 20 KHz, torna-se muito aguda e também não audível por seres humanos, sendo denominada ultra-som. As freqüências ultra-sonoras utilizadas em diagnósticos médicos são da ordem de milhões de hertz ou megahertz, variando de 1 a 20 MHz a depender do exame realizado. Potência (P) significa a quantidade de energia transportada pela onda mecânica na unidade de tempo e é medida em watt (W). Se toda potência transportada pela onda concentra-se em uma pequena área, haverá uma incidência de grande intensidade; no entanto, se a mesma potência for distribuída em uma área grande, haverá uma incidência de baixa intensidade. A intensidade (I) é a razão entre a potência (P) e a área de superfície (S). A onda propagada num meio material, cuja forma do feixe inicialmente é cilíndrica, assume posteriormente forma cônica divergente devido ao fenômeno da difração, que será mais ou menos acentuado conforme o comprimento de onda seja maior ou menor respectivamente. A divergência do feixe de ondas não é a única causa da diminuição da intensidade, pois as forças de atrito do meio material promovem dissipação, transformando parte da energia mecânica em energia térmica, levando ao aumento da temperatura do meio. Quando se promove um aumento da potência emitida pela fonte a fim de se obter uma maior penetração, pode-se produzir um aquecimento notável do meio material. Se este FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto meio é líquido e a onda se propaga com aumento importante da potência de emissão, pode haver além do aquecimento, a formação de pseudocavitação, com formação de bolhas. Se esta potência for aumentada ainda mais, pode ocorrer o fenômeno da cavitação propriamente dita, com formação de cavidades no líquido. Baseado nestas definições nasceu o conceito do efeito piezoelétrico, descrito por Curie e Curie em 1880 e 1881. Ele baseia-se na peculiaridade que alguns cristais têm de apresentarem polarização elétrica em suas faces quando submetidos a esforços mecânicos. Sabe-se que os átomos são constituídos por partículas elementares positivas e negativas que se equilibram, formando um conjunto eletricamente neutro. Se ocorrer um desequilíbrio de cargas, forma-se um íon. Os cristais que apresentam o efeito piezoelétrico são formados por íons positivos e negativos distribuídos no espaço em arranjos regulares. Quando há um desequilíbrio entre as forças negativas e positivas, as faces do cristal são polarizadas, aparecendo entre elas uma tensão elétrica. Esta tensão elétrica aplicada sobre o cristal faz com que ele vibre com a mesma freqüência inicialmente usada, promovendo a formação de uma onda mecânica. Se a freqüência utilizada for suficientemente elevada, formar-se-á uma onda ultra-sônica. Quando uma onda ultra-sônica incide no cristal, as vibrações nele produzidas promoverão o aparecimento de voltagem alternada entre suas faces, que pode ser amplificada e processada, permitindo a detecção do sinal ultra-sônico. Este é o princípio usado para a fabricação dos transdutores eletro-acústicos usados na prática médica (Dolnikoff, 1980). Ultra-sonografia: efeitos biológicos Já se passaram mais de quatro décadas desde que a primeira ultra-sonografia foi utilizada para a observação fetal. Normalmente, são realizados pelo menos três exames ultra-sonográficos durante o acompanhamento pré-natal. Atualmente, não apenas os modos B e M são utilizados para a avaliação fetal, mas também novas técnicas ultra-sonográficas como Doppler colorido, de amplitude e espectral, além da ultra-sonografia tridimensional (3D) e harmônica (Hershkovitz et al., 2002). Há uma crença geral na comunidade médica de que a ultra-sonografia não apresenta riscos para mãe e feto. No entanto, é possível que mecanismos térmicos e de cavitação possam levar a danos fetais, conforme observado por vários autores em seus estudos (Hershkovitz et al., 2002). Sabe-se que quando altas freqüências são usadas num determinado tecido, a amplitude das ondas decresce conforme atravessam estruturas mais profundas, havendo absorção de parte da energia mecânica e reflexão de outra parte na forma de eco. A porção da energia mecânica absorvida é convertida em energia térmica, o que leva a um aumento da temperatura local. Se este meio é formado por interfaces de água e ar, pode ocorrer o fenômeno da cavitação, que dificilmente é observado em fetos, devido à inexistência de interface água/ar em sua constituição. A hipertermia é comprovadamente teratogênica em experimentos com animais, porém sua teratogenicidade em humanos é controversa. Tecidos biológicos podem absorver energia térmica e convertê-la em calor, elevando a temperatura tissular. Com os modernos aparelhos de ultra-som, a elevação da temperatura tissular é menor que 1ºC e não há evidências de efeito fetal em temperaturas inferiores a 39ºC. Segundo a The World Federation for Ultrasound in Medicine and Biology, uma exposição diagnóstica que produza aumento de no máximo 1,5ºC acima dos níveis fisiológicos normais pode ser realizada, sem reservas, em relação ao mecanismo de hipertermia. A mesma federação concluiu que exposições diagnósticas que promovam elevação da temperatura acima de 41ºC no ambiente embrio-fetal por 5 minutos devem ser consideradas potencialmente prejudiciais (Hershkovitz et al., 2002; Bellieni et al., 2005). É importante salientar que é durante a organogênese que os tecidos mais sensíveis são formados. Neste caso, aumento da temperatura no ambiente fetal pode ser prejudicial. Sabe-se que com a utilização do modo B não há elevação superior a 1,5ºC. No entanto, se o embrião ou feto é submetido ao estudo Doppler no primeiro trimestre da gestação, um aumento da temperatura superior a 1,5ºC é esperado, podendo levar a danos embrio-fetais. Porém, os efeitos deste tipo de exposição ainda não são completamente conhecidos. Sabe-se que estudos Doppler que não ultrapassem elevação de temperatura resultante acima de 38,5ºC podem ser usados com reserva, já que a ocorrência de restrição crescimento intra-uterino (RCIU) pode ser atribuída ao uso da US com Doppler. Portanto, não se recomenda seu uso rotineiramente no curso do primeiro trimestre (Hershkovitz et al., 2002). Existem evidências não confirmadas de que a exposição excessiva às ondas ultra-sônicas pode ser deletéria para os fetos. Estudos realizados com animais demonstraram restrição do crescimento intra-uterino e também aumento FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 515 Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto na incidência de crianças canhotas após número excessivo de US durante a gestação (Kieler et al., 2001). Outro achado interessante é que o excesso de US pode diminuir o peso ao nascimento (Bellieni et al., 2005), embora seu estudo não tenha sido completamente conclusivo. Ressonância magnética: princípios físicos A ressonância magnética (RM) tem como princípio a representação digital da composição química dos vários tipos de tecidos expostos a um campo magnético potente. A compreensão do seu funcionamento é dependente do conhecimento sobre as propriedades magnéticas do núcleo atômico, comportamento coletivo quando excitado por uma onda de radiofreqüência e propriedades de seu relaxamento (Werner et al., 2003). A utilização do magnetismo do núcleo atômico gerou grande impulso na utilização da RM no final dos anos 80 e início dos anos 90. O átomo é constituído por prótons (P) e nêutrons (N) e estes se movimentam continuamente em seu interior. Quando um átomo é formado por número desigual de prótons e nêutrons (ímpar), há formação de um campo magnético externo – momento dipolo magnético. Na prática clínica, a RM avalia basicamente os átomos de hidrogênio (H) presentes na água, pois eles correspondem a 70% do volume corporal, possuindo sinal 1.000 vezes mais forte que qualquer outro elemento, além de possuir um próton e nenhum nêutron, o que promove a criação de um forte campo magnético (Werner et al., 2003). A força do campo magnético é medida em Tesla (1 Tesla = 15.000 Gauss). O campo magnético da Terra é de 1,5 Gauss. Na ausência de um campo magnético forte, os prótons dos núcleos de H giram em torno de si com eixo aleatório. Se estiverem sob a ação de um campo magnético potente, os prótons irão se alinhar contra ou favor deste campo. Assim, uma vez que o paciente esteja dentro do campo magnético (Bo), os núcleos de H no corpo ficarão alinhados e girarão em torno de um eixo longitudinal paralelo ao vetor deste campo magnético (Werner et al., 2003). Após a exposição ao campo magnético, é emitida uma onda de radiofreqüência (RF) específica de 90º, provocando captação de energia pelos prótons do paciente, levando a um desvio da magnetização para um plano transversal ao campo magnético. Ao final da emissão da onda de radiofreqüência, os prótons alinham-se ao campo magnético e eliminam a energia acumulada. Esta energia 516 FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 é detectada e localizada espacialmente pelo aparelho de RM, que, com os dados obtidos a partir da medida desta energia (sinal), terá a base para a formação de imagens (Werner et al., 2003). O aparelho de RM trabalha basicamente com dois parâmetros: T1 e T2. T1 – ou tempo de relaxamento longitudinal – representa a recuperação de 63% da magnetização longitudinal após a interrupção da onda de RF nos prótons examinados, que apresentam tempos de recuperação diferentes a depender do tecido em que se encontram. O contraste da RM é dado pelas diferenças nos tempos de relaxamento. T2 – ou tempo de relaxamento transversal – representa o tempo necessário para ocorrer perda da magnetização transversa durante o desvio do eixo longitudinal e ocorre simultaneamente ao retorno ao eixo principal, promovendo um desalinhamento dos prótons, também chamado de perda da coerência de fase (Westbrook e Kaut, 2000; Werner et al., 2003). T1 e T2 trabalham em sentidos opostos. Enquanto T1 é a recuperação ao eixo longitudinal, T2 é a perda do processo (defasagem). Esta perda de coerência em T2 é rápida, e uma segunda onda de pulso de RF, em 180º, é emitida em décimos de milésimos de segundos após a onda de 90º. O tempo de eco (TE) é o tempo que vai da aplicação do pulso de RF ao pico máximo do sinal induzido e indica o grau de declínio da magnetização transversa que ocorre antes de ler-se o sinal, controlando o grau de relaxamento T2 que ocorreu. O tempo de repetição (TR) é o tempo que vai da aplicação de um pulso de RF à aplicação do pulso de RF seguinte e determina o grau de relaxamento que pode ocorrer entre o término de um pulso de RF e a aplicação do próximo pulso, determinando o grau de relaxamento T1 que ocorreu. Desse modo, o TR é medido em T1 e o TE é medido em T2 (Westbrook e Kaut, 2000; Werner et al., 2003). A seqüência de pulso de RF 90º/pulso 180º/sinal de eco é repetida diversas vezes em um único estudo e constitui a seqüência spin-echo clássica. Com a evolução da RM e o aparecimento de aparelhos mais potentes e técnicas mais rápidas, novas seqüências foram desenvolvidas, maximizando estes princípios e possibilitando a obtenção de imagens de alta qualidade, permitindo a aquisição de imagens tridimensionais (3D), estudo vascular e avaliação específica de líquidos estáticos (bile, líquor e urina). Este método diagnóstico está contra-indicado para pacientes portadores de marcapasso cardíaco, clipe de aneurisma cerebral ferromagnético, prótese coclear metálica e válvula cardíaca tipo Starr-Edwards. Usuárias de Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto dispositivo intra-uterino (DIU) e tampões vaginais não apresentam contra-indicação absoluta para a realização de RM, devendo ser retirado o tampão vaginal quando o estudo for direcionado a patologias vaginas ou de fundos de saco anterior e posterior. Em pacientes grávidas o exame pode ser realizado com segurança, evitando-se apenas o uso do gadolínio – contraste paramagnético (Werner et al., 2003). Ressonância magnética: efeitos biológicos O primeiro trabalho sobre RM na gestação foi realizado por Smith em 1983. A partir desta época, o emprego desse método em Obstetrícia e Medicina Fetal cresceu progressivamente, principalmente para avaliação do sistema nervoso central (SNC) do feto, quando há dificuldade de avaliação pela ultra-sonografia (sombra pela ossificação da calota craniana, posição inadequada do feto) (Werner et al., 2003). Existem vários estudos na literatura mundial sobre os potenciais malefícios da RM sobre o feto, particularmente devido à relação – ainda não comprovada – entre exposição a campos eletromagnéticos e carcinogênese (Formica e Silvestri, 2004). Até o presente momento, não se conhece efeito biológico efetivo da RM sobre o feto. Ainda assim, muitos centros preferem evitar a realização deste estudo em pacientes no primeiro trimestre de gestação, conforme orientação do The Nacional Radiological Protection Board (NRPB) (Werner et al., 2003). A possibilidade de risco potencial da RM sobre o feto depende da potência do campo magnético gerado, do gradiente de força, das ondas de radiofreqüência (RF) utilizadas nas seqüências do exame e do tempo de exposição. Normalmente, são usados campos magnéticos de até 2T na prática clínica (De Wilde et al., 2005). Estudo experimental com exposição de camundongas grávidas entre 9 e 12 dias de gestação a campos magnéticos de 4,7 T e campos de 1,5 T durante 8 h, mostrou diminuição do peso fetal ao nascer, morte neonatal e redução na produção diária de esperma no primeiro grupo. Os fetos de camundongas expostas a campos de 1,5 T não apresentaram efeitos biológicos significativos, mesmo em relação à formação do blastocisto (Gu et al., 2001). Individualizando os componentes da RM, pode-se observar que cada um apresenta propriedades e potencialidade de riscos diferentes entre si. No que concerne aos efeitos biológicos dos campos magnéticos estáticos, estes são mais de natureza sensorial, tais como: náuseas, vertigens e gosto metálico quando da exposição a campos de 1,5 a 4 T; mais raramente, podem ocorrer cefaléia, soluços, vômitos, zumbidos e tremores. Os únicos reais danos à saúde resultantes da exposição a campos magnéticos estáticos ocorrem nos pacientes portadores de marcapassos cardíacos e próteses ferromagnéticas, pois a interação destes materiais com os campos magnéticos pode promover efeitos patológicos graves, por isso são contra-indicados (Formica e Silvestri, 2004). A exposição fetal às ondas de radiofreqüência pode levar a um aumento da temperatura tissular, o que pode ser potencialmente prejudicial, principalmente durante a organogênese, quando os tecidos mais sensíveis (SNC, ossos) estão em plena formação. Sabe-se que um incremento superior a 2ºC na temperatura pode levar a deformidades de tubo neural e defeitos crânio-faciais (De Wilde et al., 2005). Portanto, tal fato explica a cautela da não-realização de RM no primeiro trimestre da gestação. Os maiores riscos de efeitos biológicos da RM estão relacionados à exposição ao gradiente de campos eletromagnéticos pulsados – EMFs (time-varying magnetic gradient fields), sendo os principais danos os provocados pelo barulho acústico, mas também podendo ocorrer estimulação nervosa periférica, estimulação muscular periférica, estimulação cardíaca com possível fibrilação ventricular e aumento do risco de abortamento espontâneo. O maior efeito em relação ao feto é, sem dúvida, o dano acústico, embora seja difícil mensurar a real quantidade de decibéis transmitida ao feto durante a realização do exame. O barulho acústico pode também estar relacionado com baixo peso ao nascer nas pacientes submetidas à exposição excessiva à RM (De Wilde et al., 2005). Outro ponto importante a ser lembrado na realização de RM em pacientes gestantes é evitar o uso do gadolínio (contraste paramagnético), pois existem relatos da sua associação com a restrição do crescimento fetal em camundongos. O contraste atravessa a barreira placentária sendo detectado na bexiga fetal. Da bexiga, o gadolínio é excretado para o líquido amniótico, sendo depois deglutido e reabsorvido pelo trato gastrointestinal do feto, o que dificulta o conhecimento da sua meia-vida na circulação fetal (Werner et al., 2003). Em relação à permanência de funcionárias gestantes na sala de exame, não estão definidos riscos potenciais, embora, de rotina, se evite sua presença durante a emissão dos campos de radiofreqüência. Alguns centros, no entanto, recomendam que durante todo o primeiro trimestre da FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 517 Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto gestação as funcionárias não permaneçam no ambiente do campo magnético (Werner et al., 2003). No Brasil não existe legislação específica que determine a época de realização do exame de RM na gestação então, procura-se seguir o consenso internacional de não realizá-los no primeiro trimestre (Werner et al., 2003). Exames radiológicos: princípios físicos As radiações ionizantes utilizadas nos exames radiológicos são ondas eletromagnéticas de alta energia – raios X ou raios gama - que, ao interagirem com a matéria, desencadeiam uma série de ionizações, promovendo a transferência de energia aos átomos e moléculas presentes no corpo irradiado, levando a alterações físico-químicas intracelulares. A dose absorvida pela matéria submetida à emissão de radiação ionizante é expressa em “rad” (radiation absorbed dose). O Sistema Internacional de Medida (SI) utiliza a unidade “gray” (Gy) que equivale a 100 rad. Existe, ainda, a medida de “dose-equivalente”, que leva em conta a qualidade de radiação e a forma como a energia se transfere no tecido, expressa em “rem” (roentgen equivalent man) – 1 rem equivale a 1 rad. No SI, utiliza-se a unidade “sievert” (Sv) – 1 Sv equivale a 100 rem. Estas doses são importantes na prática clínica porque ajudam a estimar a radiação absorvida pelo corpo irradiado, sendo relevante nesta análise a estimativa de radiação absorvida pelo feto durante a realização de exames radiológicos em pacientes grávidas (D’Ippolito e Medeiros, 2005). Exames radiológicos: efeitos biológicos Sabe-se que as radiações ionizantes são capazes de alterar as características físico-químicas das moléculas e que estas alterações são dose-dependentes. Deve-se, ainda, considerar as características da radiação ionizante usada e a sua capacidade de produzir íons e dissipar energia em sua trajetória no meio ou tecido irradiado. Assim sendo, as células com alta taxa de proliferação são mais sensíveis aos efeitos das radiações ionizantes, e a radiossensibilidade é inversamente proporcional ao grau de diferenciação celular e inversamente proporcional ao número de mitoses necessárias para que a célula alcance a maturidade. Portanto, as células da epiderme, eritroblastos, células da medula óssea e células imaturas dos espermatozóides são muito radiossensíveis, enquanto 518 FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 as células nervosas e musculares são radiorresistentes (D’Ippolito e Medeiros, 2005). Existem dois tipos principais de efeitos biológicos produzidos pelas radiações ionizantes: os determinísticos e os estocásticos. Os primeiros são os que ocorrem em conseqüência à exposição a altas doses de radiação e dependem diretamente desta exposição – a exemplo da morte celular induzida pela radioterapia, queimaduras cutâneas, esterilidade e cataratas radio-induzidas. Os efeitos estocásticos estão relacionados a baixas doses de radiação e não aparecem ou não se manifestam após meses ou anos da exposição, o que dificulta o estabelecimento da relação causa-efeito, como a mutação e carcinogênese. Com relação ao feto, os efeitos decorrentes da exposição à radiação ionizante dividem-se em quatro categorias e merecem atenção devido a potencial gravidade, a saber: óbito intra-uterino, malformações, distúrbios do crescimento e desenvolvimento e efeitos mutagênicos e carcinogênicos. A ocorrência desses efeitos é dose-dependente e idade gestacional-dependente. O embrião é mais sensível aos efeitos biológicos das radiações nas duas primeiras semanas de gestação. O risco de morte embrionária é maior quando a exposição é superior a 10 rad (100 mGy). Durante a organogênese, o dano ao embrião/feto decorre da morte celular radio-induzida ou por distúrbio na migração e proliferação celulares, podendo, ainda acontecer graves danos ao SNC em formação, como a microcefalia e hidrocefalia. Se a exposição for a doses superiores a 100 mGy pode ocorrer retardo mental com decréscimo de 30 pontos no quociente de inteligência (QI) para cada 100 mGy acima do limite máximo tolerado. No período de 16 a 30 semanas, os riscos de retardo mental, restrição do crescimento e microcefalia ainda existem. Após a 32ª semana não há riscos significativos para o feto, exceto a possibilidade de desenvolvimento de neoplasia maligna na infância ou maturidade. No entanto, é muito difícil que, nos exames radiológicos de rotina, o embrião/feto seja exposto a radiações superiores ao limite máximo de 100 mGy, mesmo quando realizados em incidência direta sobre o útero. É importante ressaltar que a incidência natural de anomalias congênitas está entre 0,5 e 5% e a probabilidade de malformações induzidas por exposição à radiação ionizante é de cerca de 0,5% para uma dose de 10 mGy, sendo os riscos de microcefalia e retardo mental de 0,4% e 0,1%, respectivamente para esta mesma dose de radiação. Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto Não são descritos na literatura casos de retardo mental grave em crianças expostas à radiação da bomba atômica antes da 8ª e após a 25ª semanas de gestação e também não há evidências de nenhum efeito adverso no feto relacionado a doses de radiação menores que 50 mGy. Há trabalhos descrevendo um aumento do risco de desenvolvimento de câncer na infância, principalmente a leucemia, quando o útero é submetido a baixas doses de radiação (20 mGy), porém ainda não está claro se esta exposição deve ocorrer durante a gestação ou se pode precedê-la. Baseando-se nessas evidências, exames radiológicos do crânio, tórax, coluna cervical e de extremidades expõem o feto a mínimas doses de radiação. Pacientes grávidas que necessitem de avaliação radiográfica convencional ou por tomografia computadorizada (TC) podem usar protetores de chumbo sobre o abdome para diminuir a incidência de radiação sobre o útero. Nos casos em que se faz necessário o estudo radiológico do abdome, a dose de radiação pode ser reduzida, bem como o número de cortes e o intervalo entre eles também podem ser reduzidos nos exames tomográficos. Exames contrastados devem ser realizados apenas quando houver indicação absoluta, pois o contraste injetado via endovenosa atravessa a barreira placentária e pode produzir efeitos, ao que parece transitórios, sobre o desenvolvimento da tireóide fetal. Finalmente, deve-se considerar risco de interrupção da gestação quando a dose de radiação absorvida e calculada for superior a 250 mGy, o que pode acontecer durante a realização de exames combinados, já que, individualmente, nenhum estudo radiológico expõe o feto a este nível de radiação (D’Ippolito e Medeiros, 2005). Considerações finais É inegável a contribuição dos exames de imagem para o bom acompanhamento pré-natal de rotina e também para a detecção de possíveis anomalias fetais. Porém, é necessário que sejam bem indicados e que não produzam efeitos deletérios à mãe e, principalmente, ao feto. É comprovado que a ultra-sonografia (US) é o método de imagem mais inócuo ao feto, mesmo realizada diversas vezes no curso da gestação, tem boa sensibilidade diagnóstica, baixo custo quando comparado a outros métodos de imagem e praticamente nenhuma contra-indicação, podendo ser realizada em qualquer idade gestacional. No entanto, em alguns casos, não é suficiente para estabelecer o diagnóstico de anomalias fetais, principalmente na presença de oligodrâmnio, sendo necessária a complementação por outro método. O estudo Doppler no primeiro trimestre da gestação dever ser criterioso, pois o aumento da temperatura do ambiente fetal é comprovadamente nocivo nas primeiras semanas de gestação e durante a organogênese. A ressonância magnética (RM) acrescenta maior qualidade às imagens obtidas pela US e possibilita maior acurácia diagnóstica quando a US se mostra insuficiente; com a vantagem de não expor o binômio mãe-feto a radiações ionizantes. Sua maior contra-indicação está relacionada ao uso do contraste paramagnético que pode ser absorvido pelo feto e pode estar relacionado à restrição do crescimento em estudos com animais. A exposição materno-fetal aos campos eletromagnéticos gera controvérsias na literatura mundial, mas nenhum efeito biológico concreto foi realmente determinado. Entretanto, este exame é postergado para realização apenas a partir do segundo trimestre, após o término da organogênese. Os exames radiológicos normalmente são relegados a segundo plano no diagnóstico por imagem durante a gestação. Devem ser evitados durante as primeiras semanas de gestação e organogênese pelo risco potencial de óbito intra-uterino, maior incidência de malformações, anomalias fetais e possibilidade de mutações e carcinogênese. Quando bem indicados e seguindo as instruções de segurança, são de grande auxílio no diagnóstico de afecções maternas, mas deve-se levar em consideração a relação risco-benefício e a possibilidade de se estabelecer tal diagnóstico por outros meios que não exponham a gestante e o feto a radiações ionizantes. FEMINA | Agosto 2007 | vol 35 | nº 8 519 Exames de diagnóstico por imagem: efeitos biológicos no feto Leituras suplementares 1. Bellieni CV, Buonocore G, Bagnoli F et al. Is an excessive 9. Hershkovitz R, Sheiner E, Mazor M. Ultrasound in obstetrics: 2. Brown AS, Reid AD, Leamen L et al. Biological effects 10. Kawabata I, Takahashi Y, Iwagaki S, Tamaya T. MRI during number of prenatal ecographies a risk for fetal growth? Early Hum Dev 2005; 81: 689-93. of high-frequency ultrasound exposure during mouse organogenesis. Ultrasound Med Biol 2004; 30: 1223-32. 3. Buckley S. Ultrasound scans: cause of concern. Midwifery Today Int Midwife 2002; 64: 29-33. 4. De Wilde JP, Rivers AW, Price DL. A review of the current pregnancy. J Perinat Méd 2003; 31: 449-58. 11. Kieler H, Cnattingius S, Haglund B et al. Sinistrality – a side-effect of prenatal sonography: a comparative study of young men. Epidemiology. 2001; 12: 618-23. 12. Kok RD, de Vries MM, Heerschap A, van den Berg use of magnetic resonance imaging in pregnancy and safety implications for the fetus. Prog Biophys Mol Biol 2005; 87: 335-53. PP. 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