Jornal Valor --- Página 3 da edição "30/12/2013 1a CAD D" ---- Impressa por edazevedo às 29/12/2013@17:08:02 Jornal Valor Econômico - CAD D - EU - 30/12/2013 (17:8) - Página 3- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto Segunda-feira, terça-feira, 30 e 31 de dezembro de 2013 e quarta-feira, 1 de janeiro de 2014 | Valor | D3 EU& | Carreira MERCADO Estrangeiros são atraídos por altos salários Remuneração acima da média e experiência em país emergente fazem executivos mudarem para o Brasil. Por Edson Valente , de São Paulo REGIS FILHO/VALOR Muitos estrangeiros não vêm ao Brasil só a passeio — apesar das atrações turísticas do país — e ficam muito mais tempo que o correspondente ao período de férias. Segundo o estudo Top Executive Compensation 2013, realizado pelo Hay Group, das 322 empresas pesquisadas no país, 38% disseram ter executivos vindos do exterior em seus quadros. Foram computados, ao todo, 163 profissionais do exterior — 9% deles ocupando a presidência e 91% nos cargos de diretoria e vice-presidência. Entre as companhias que relataram contar com estrangeiros, 89% são multinacionais e 11% nacionais. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que o número de autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros não variou muito na comparação dos três primeiros trimestres de 2012 (51.002) com o mesmo período de 2013 (50.088). Entram nessa conta autorizações temporárias sem vínculo empregatício, como as de artistas e desportistas. Na categoria de autorizações permanentes para administradores, diretores, gerentes e executivos com poderes de gestão, no entanto, houve alta de 1.276 para 1.360. A invasão de nossas “praias” corporativas tem muitas razões de ser, a começar pelos salários. Segundo Daniela Simi, diretora do Hay Group, o Brasil se tornou atrativo devido às remunerações. “É um dos países que pagam melhor no mundo os executivos.” O estudo mostra que 41% das empresas adotam a modalidade de remuneração “host based pay”, pela qual salários e bônus são balizados pelo mercado local. Em geral, esse tipo de pagamento é usado quando a permanência é de cinco anos ou mais. As que trabalham com valores orientados pelo país de origem, em moeda estrangeira — método “home based pay” —, somam 34%. No que diz respeito à procedência dos executivos, 32% são oriundos da própria América Latina, e 31% vêm da Europa. Em função da crise no velho continente, o percentual de europeus tem aumentado — não só daqueles que são enviados para trabalhar em uma empresa. “Muitos investidores de Portugal e da Espanha também têm se mudado para cá para abrir um negócio”, afirma Fabiano Kawai, sócio da Emdoc, consultoria de mobilidade global. Os gestores chegam por motivos diversos. De acordo com Daniela, muitas vezes o executivo é designado para passar um tempo em uma economia emergente em razão da necessidade de desenvolvimento de determinadas habilidades. “Outra razão se refere a uma demanda do negócio, que não encontra no mercado local alguém com o perfil re- O francês Philippe Enaud, que se considera “brasileiro de alma”, diz que existem muitas oportunidades no país e que as pessoas são mais ágeis que na Europa Longe de casa 38% das empresas no Brasil contam com profissionais de outros países em seus quadros Cargo Região de origem 9% Presidente 13% Ásia/Oceania Tipo de programa 6% África 8% Transferência definitiva 7% Transferência de curto prazo 14% Remuneração global 28% Carreira internacional 57% Transferência de longo prazo 34% Com base no país de origem 18% América do Norte 91% VP/diretor 31% Europa 32% América Latina Forma de pagamento 11% Outro 41% Orientado pelo mercado local Fonte: Hay Group querido para o cargo. A empresa, nesse caso, prefere realocar um profissional de seu quadro em outro país”, afirma. Há ainda as ocasiões em que a matriz quer controlar mais de perto a operação, reforçar valores de sua cultura na filial ou redefinir diretrizes. “No caso específico do Brasil, como os resultados lá fora estão em baixa, é importante acompanhar mais de perto os lucros gerados por aqui”, diz Luiz Gustavo Mariano, sócio da Flow Executive Finders. A missão do francês Philippe Enaud em território brasileiro, no entanto, foi outra. Hoje com 50 anos, sua primeira incursão no país ocorreu em 1997, para abrir uma filial da Dalkia, empresa especializada em eficácia energética da qual foi diretor geral regional até 2006. A empresa, então, o enviou para atuar na Espanha, onde, de 2006 a 2012, diz ter conhecido “quatro anos de felicidade e dois de inferno, devido à crise”. Foi convidado a retornar para cá e ser o protagonista na venda da companhia para o fundo de private equity Axxon. “Quando desci do avião, é como se o tempo não tivesse passado”, conta. “Já conhecia os clientes e os executivos. A readaptação foi muito fácil. Mais difícil foi para a minha mulher [uma advo- gada brasileira], que estava acostumada com a vida em Madri. Em termos de mobilidade urbana, lá se faz qualquer deslocamento em 15 ou 20 minutos, em São Paulo é bem mais complicado.” Em setembro, Enaud passou a integrar o controle acionário da nova empresa, Vivante, que segue atuando no mesmo segmento de sua predecessora, a Dalkia. Embora o executivo diga ser um “brasileiro de alma” e seus três filhos tenham nascido aqui, sua volta tem razões que não sentimentais. “Além do desafio profissional, há o dinamismo da economia. As pessoas são mais ágeis que na Europa e existem muitas oportunidades a serem realizadas”, afirma. Se ter uma família brasileira foi um fator que favoreceu sua vinda, em muitos casos a acomodação do cônjuge e das crianças joga contra essa movimentação na carreira. “O profissional até se adapta mais facilmente, mas sua mulher geralmente não terá visto de trabalho, mesmo se for uma executiva no país de origem”, diz Fabio Araujo Frauches, diretor de estratégia e desenvolvimento da MRS Global, especializada no deslocamento de profissionais. Também podem ser entraves a ambientação dos filhos na escola e achar uma residência dentro das expectativas do estrangeiro. “Às vezes, o que a empresa determina como orçamento não é suficiente para a realidade atual de cidades como o Rio e São Paulo.” O espanhol Jordi Torroella está desde junho no país como diretor de RH para a América Latina e o Brasil da Reckitt Benckiser (RB), empresa de bens de consumo de saúde, higiene e casa. Sua esposa chegou em agosto e essa mudança implicou que ela parasse de trabalhar. Torroella veio de Barcelona para capitalizar o crescimento do negócio da companhia. “A RB é uma empresa multicultural. Em seus cargos de nível executivo, existem profissionais de 44 nacionalidades diferentes. Nosso desafio é detectar talentos no mundo todo e movimentá-los para que se desenvolvam.” Prova dessa mobilidade é que o brasileiro Roberto Funari é o atual vice-presidente para a América Latina e Pacífico da multinacional de origem inglesa. Por já ter trabalhado antes no México e considerar seu país natal como culturalmente próximo ao Brasil, Torroella diz que não enfrentou grandes dificuldades de adaptação por aqui. “O ritmo e as formas de trabalho são parecidas e há a proximidade do idioma. Os salários e benefícios também são compatíveis, mas o mercado está mais movimentado que lá fora”, diz. O prazo de sua estadia não foi precisado pela Reckitt Benckiser, mas, normalmente, o tempo nesses casos varia entre três e quatro anos, dependendo da evolução do trabalho. De acordo com o estudo do Hay Group, o período de permanência de executivos estrangeiros é determinado em 75% das empresas — contratos com prazo de até dois anos correspondem a 29% dos casos, e os com duração de três a cinco anos somam 38%. Em 10% das companhias, o tempo que o executivo ficará no mercado brasileiro equivale à validade do seu visto. Em 25% das ocorrências, o prazo é indeterminado. Empresas nacionais, e não só as multi, também contratam estrangeiros eventualmente. “Em setores como o de internet, as companhias buscam profissionais de vanguarda no exterior”, afirma Mariano, da Flow. Mas essa não é a regra. Segundo ele, paradoxalmente às oportunidades oferecidas para os executivos de outros países no Brasil, muitos profissionais de fora encontram dificuldades para se recolocarem entre nossas companhias. Ele se refere a muitos que, por gostarem do país, resolvem se estabelecer em nossa pátria independentemente do vínculo com a empresa que os enviou. Nem sempre é um bom negócio, a despeito “da liberdade, das opções de lazer, do calor, das pessoas receptivas”. Na hora de preencher novas vagas, dificilmente as corporações brasileiras privilegiam estrangeiros. Os cartões de Natal das empresas pioram a cada ano Banda executiva Lucy Kellaway N os velhos tempos, as empresas costumavam mandar cartões postais de Natal. Eram peças dobráveis que muitas vezes traziam fotos de flocos de neve ou de arranjos. Na ausência de lareiras onde colocá-los, eram prendidos a fios pendurados no teto dos escritórios. Era um costume bizarro e ligeiramente feio, mas era o que as pessoas faziam. Então, veio a internet e as empresas passaram a enviar “cartões eletrônicos”. Traziam as mesmas imagens de flocos de neve e afins, dizendo que os centavos economizados na postagem e papel haviam sido doados para instituições beneficentes. De certa forma, era melhor. Os cartões não precisavam ficar pendurados por qualquer lugar. Mas eram ainda mais sem graça. Há alguns anos, os cartões eletrônicos começaram a trazer figuras em movimento. Isso trouxe a desvantagem adicional de levar mais tempo para vê-los. O mais recente do Bank of America Merrill Lynch traz um Taj Mahal se transformando em um grupo de crianças caminhando por florestas nevadas, “celebrando tudo o que nos conecta”. O da Fiat é ainda menos sazonal e forma uma figura com o nome da empresa a partir de pequenos recortes de carros. Não me importo que os cartões sejam pouco festivos, nem que sejam comercialmente grosseiros. O que me importa é que te façam investir tanto tempo em troca de tão pouco. Os cartões com animações, no entanto, já são coisa do passado: os mais novos são interativos e exigem ainda mais esforço dos destinatários. O grupo francês de publicidade Publicis surgiu com algo chamado “Quanto mais, melhor”, que exige uma câmera de internet — um inconveniente para quem não tiver uma e precisar caçar quem tenha. Você, então, vê o CEO Maurice Lévy em sua mesa, falando sobre a fusão com a Omnicom. A parte engenhosa é que, quanto mais colegas você conseguir reunir em frente à câmera, mais tola fica a cena em torno de Levy, com balões, fitas e bichos estranhos. Parece que a Publicis esperava ver a enfadonha saudação virando algo imenso. Infelizmente, cometeu o erro de pensar que, por ser Natal, as pessoas achariam divertido algo que não é. O que é embaraçoso continua sendo durante os 365 dias do ano. Em contraste, a empresa acertou com a Westjet. Mais de 30 milhões de pessoas assistiram ao vídeo da empresa aérea canadense em que um Papai Noel virtual pergunta aos passageiros, na hora do embarque, o que gostariam de ganhar de Natal. Quando chegam ao destino da viagem, os presentes pedidos já estão embrulhados e à espera deles. Não é difícil perceber porque todos gostam dessa peça um tanto melosa. No Natal, ansiamos por ver aquela expressão de deslumbramento, que constantemente não se materializa nos rostos de nossos próprios filhos. Aqui, ela estava nos rostos dos passageiros surpreendidos: de verdade. A única outra saudação a tornar-se viral neste ano o conseguiu por motivos diferentes. Quando Jamie Dimon convidou um fotógrafo a sua elegante sala para tirar uma foto com sua mulher, cachorro e três filhas brincando com bolas de tênis, o chefe do JPMorgan não imaginou que seu cartão pessoal acabaria na internet. Ou que o site Quartz diria que parecia um anúncio da Ralph Lauren. Para mim, porém, a ostentação não estava no interior ridiculamente rico nem nas figuras esbeltas em seus jeans casualmente rasgados. Não estava nos dentes fabulosos das mulheres Dimon, enquanto gargalhavam ao brincar desordenadamente de tênis dentro de casa, alegremente inconscientes aos caríssimos vasos de cerâmica e à imensa tela que parecia um Jackson Pollock. Não me importo que banqueiros sejam muito ricos. Tanto dinheiro não é merecido e é vulgar, mas isso não me incomoda. É essa exibição gratuita (e provavelmente fingida) de felicidade exagerada que me faz ranger meus, menos que perfeitos, dentes. É infeliz produzir imagens de seus próprios filhos em uma época do ano em que uma importante religião do mundo tem como foco o nascimento de outra criança. Pior do que isso, entretanto, é a falta de tato em ostentar tanto prazer. As festas de fim de ano são tradicionalmente marcadas também por disputas familiares incendiárias. Enviar uma foto da felicidade do lar é indelicado com os amigos que se preparam para seu Armagedon doméstico anual. “Tudo o que você precisa é amor”, diz a inscrição no verso do cartão. Se isso for verdade, é uma pena que o executivo tenha passado a vida trabalhando em um banco, quando ele e sua família poderiam ter passado décadas amando uns aos outros em, digamos, um estábulo, repletos de alegria e quase sem dinheiro, divertindo-se com os animais do curral. Lucy Kellaway é colunista do “Financial Times”. Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira