Capa Retenção de talentos Pelo crivo das relações 38 SuperVarejo dezembro 2012 País de tantos contrastes, o Brasil vive um paradoxo intrigante no mundo do trabalho: enquanto o nível de desempregados mantém-se alto, as empresas reclamam da falta de qualificação para uma infinidade de funções. Mesmo diante dessa escassez de mão de obra capacitada, a grande maioria não dá a mínima para a retenção dos talentos que estão “em casa”. Reter é necessário não apenas pelo fato de que se pode demorar a encontrar um substituto à altura, mas por uma questão pura e simples de matemática [ Por Joana Gonçalves [email protected] ] dezembro 2012 SuperVarejo 39 Capa Retenção de talentos O thinkstock s atendentes de balcão da padaria em frente de casa não sabem fazer continha básica. Se o cliente pede quatro pães de R$ 1,20 cada, eles escrevem quatro vezes 1,20. Não somam, não multiplicam. A operadora de caixa recebe o papel com todos esses números e saca a calculadora. Pensar pra quê? Este é um dos muitos sinais do baixíssimo nível de qualificação da mão de obra no Brasil. Há exceções. Honrosas exceções. Para a empresa, estar atenta a essas exceções, saber dar valor ao empregado que realmente tem valor não é apenas uma questão estratégica diante da dificuldade cada vez maior de encontrar bons profissionais, mas uma questão também de continha básica, de somar, multiplicar, subtrair, dividir. O talento deveria ser computado como um ativo. Não é. No varejo supermercadista, então, é raro ver quem cogita tal raciocínio. Basta olhar para o turn-over médio de 42% ao ano, contra os 10% médios registrados pela indústria, para saber que há algo bem errado na política de gestão de pessoal do segmento, o que só faz piorar a competitividade... Ter a pessoa certa no lugar certo é fator crítico para ser mais competitivo 40 SuperVarejo dezembro 2012 Com mão de obra a rodo, a lógica é ‘não deu certo, demite’. Poucas se dão ao trabalho de tentar descobrir e desenvolver um profissional de primeira linha no mar de gente que se candidata aos seus postos todos os dias. “A própria cultura da empresa varejista reforça o espírito de descompromisso entre as partes. Ambas sabem que a relação não tem futuro e nada fazem para mudá-la”, denuncia a socióloga e diretora da Luzio Strategy Consulting, Patrícia Luzio. “As empresas desconhecem os custos de perder um talento. Esses são números que não aparecem nos balanços”, complementa o CEO da Suzlon Energia Eólica do Brasil, Arthur Lavieri, engenheiro eletricista, pós-graduado em Administração Industrial. Com 250 funcionários e salários que variam de R$ 3 mil a R$ 30 mil, a empresa sabe bem quanto custa garimpar gente boa nesse crescente mercado de geração de energia. Para as empresas realmente preocupadas em reduzir despesas e desenvolver seus próprios talentos, o primeiro passo é deixar de acreditar na velha máxima “ninguém é insubstituível”. “O custo da não retenção é exponencial, qualquer que divulgação seja o segmento de negócio”, avisa Lavieri, deixando claro que está falando aqui de perder pessoas excelentes no que fazem. “Perder gente ruim, na verdade, é uma bênção!”, brinca. A tendência desse cenário de escassez de mão de obra qualificada é piorar, afinal, nunca a disputa entre empresas por profissionais gabaritados foi tão grande. O consultor e diretor-executivo da StautRH Executive Search, consultoria de Campinas que há 27 anos atua em recrutamento e seleção de executivos, Luiz Alencar, evita o termo ‘apagão de mão de obra’, mas confirma a enorme carência de mão de obra especializada. “Quase a totalidade de nossos clientes são multinacionais em busca de executivos e especialistas, e é sempre uma dificuldade atendê-los. O mínimo que exigem é inglês avançado”. Algumas posições são realmente mais críticas e profissionais com determinadas habilidades e conhecimentos viram verdadeiras preciosidades. O mercado demanda cada vez mais um mix sofisticado de conhecimento e habilidades, domínio de ferramentas importantes, de um segundo/terceiro idioma e para alguns níveis gerenciais até mesmo experiência internacional. E, à medida que aumenta o número de requisitos, reduz-se o número de gente disponível, os passes se tornam mais caros e a retenção, mais difícil. Fora do eixo Rio-SP a situação é ainda pior. Quinta no mundo em geração de energia eólica, a companhia de Lavieri, a Suzlon, ressente-se da baixa oferta de profissionais, principalmente no primeiro escalão, e quando os encontra, são poucos os que querem se submeter a uma rotina de viagens ou à mudança para a cidade sede, Fortaleza. “Fala-se muito no crescimento do Norte e Nordeste, mas na hora de contratar gente com boa qualidade acadêmica e na faixa de 30 a 45 anos, são poucos os profissionais do Sul e Sudeste (regiões que concentram maior número de boas escolas) que querem se transferir para lá. A mobilidade é relativamente limitada”, endossa. Mesmo no reduto das melhores universidades, o cenário é desalentador. O Inaf Brasil 2011 (Indicador de Analfabetismo Funcional), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, traz dados preocupantes: 38% dos estudantes do ensino superior não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, e são considerados, por isso, analfabetos funcionais. A pesquisa, feita por meio de entrevista e teste cognitivo, aplicado em amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos, contemplou 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como sobre o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto. Assim, sem ensino de qualidade e treinamento à altura, deve crescer o olho da concorrência sobre os melhores empregados. Pesquisa Panorama Empresarial Deloitte 2011 apontou para a necessidade de oito milhões de pessoas, o equivalente a 8,5% da Lavieri, da Suzlon Energia Eólica: custos de perdas de talento são desconhecidos pelas empresas, pois esses números não aparecem nos balanços força de trabalho atual, até 2015. Projetou, ainda, que o varejo precisaria ocupar 420 mil postos só em 2012. “Já foi deflagrada uma guerra por talentos no Brasil e ela só tende a piorar. Ter a pessoa certa no lugar certo passa a ser fator crítico para ser mais competitivo”, diz o líder da área de Capital Humano da Deloitte, Henri Vahdat, lembrando que a intervenção humana se torna mais importante ainda numa economia que cada vez mais transaciona de uma estrutura de indústria para uma de serviço. “As economias estão migrando para sociedades baseadas em informação, conhecimento e ideias e cada vez mais o fator humano se torna fundamento para o sucesso empresarial.” Alencar, da StautRH, recorda que a crise, em meados de 2008, provocou congelamento de contratações, adiou projetos etc. A crise arrefeceu, pelo menos no Brasil, em 2009, e já em 2010 o mercado se mostrou extremamente aquecido. Resultado: muitos profissionais se movimentaram, trocando seus empregos por outros com melhores salários e cargos de maior responsabilidade. Nos supermercados, a histórica alta rotatividade foi exacerbada devido ao aquecimento da economia e consequente escassez de mão de obra. Duas redes, Irmãos Russi e Enxuto Supermercados, estão trabalhando há mais de dois anos para minimizar os impactos desses momentos de pleno emprego nos negócios, descobrindo e desenvolvendo sua força de trabalho dezembro 2012 SuperVarejo 41 Capa Retenção de talentos e evitando o assédio da concorrência sobre suas melhores cabeças. A diretora de Gestão de Pessoas do Irmãos Russi, Alessandra Ditt, justifica: “Com o aumento da oferta de trabalho, as pessoas podem escolher onde trabalhar, e nosso setor acaba desfavorecido em sua atratividade por causa de algumas características próprias, como a necessidade de trabalhar aos finais de semana e feriados, remuneração e benefícios menos agressivos quando comparados à indústria, entre outras”. O executivo da Deloitte cita mais um fator que aumenta a complexidade da gestão dos talentos. “O Brasil continua como o terceiro principal destino do investimento estrangeiro direto, não um capital especulativo, que entra pela manhã na bolsa e sai à tarde, mas um capital que chega para ficar e transformar a indústria, alimentar a produção de bens e serviços”, diz Vahdat. Depois da retração econômica mundial em 2008 e 2009, o Brasil registrou em 2010 o melhor ano da década, 7% de 42 SuperVarejo dezembro 2012 crescimento. As perspectivas eram de crescimento chinês nos anos seguintes, mas já em 2011, o PIB desacelerou para 3% e, em 2012, a previsão é de 1,5%. Não obstante esses indicadores, as perspectivas são positivas, especialmente diante do esfriamento da economia europeia. “Novas empresas desembarcam todo dia aqui para estabelecer alianças ou para aquisição ou fusão de empresas brasileiras, e aumentam a pressão sobre o mercado de trabalho, porque a oferta de mão de obra não tem conseguido acompanhar o aumento de demanda”. O estudo Deloitte revelou, por um lado, uma pressão por redução de preços e de margens e, por outro, pressão por aumento de salários, justamente pela chegada de capital estrangeiro. A competição se acirra mais e como elas precisam contratar gente, os passes ficam mais caros. As que chegam passam a disputar essas mesmas pessoas-chave em suas áreas, tanto que a retenção do capital humano/talentos foi dezembro 2012 SuperVarejo 43 Capa Retenção de talentos divulgação citada como a principal preocupação para 54% das empresas em 2012, e para 57% delas nos próximos três anos, segundo pesquisa 2012 da Deloitte. Os desafios futuros, aliás, estão relacionados à retenção de capital humano, desenvolvimento de talentos e mão de obra qualificada. O consultor sênior da StautRH, Paulo Teixeira, conta que, recentemente, um dos candidatos finalistas de um processo seletivo ligou para avisá-lo que estava declinando do processo porque acabara de receber um reajuste “surpresa”. “A empresa, ao perceber que vários profissionais importantes estavam participando de processos seletivos, convocou um a um e ofereceu ajustes funcionais e salariais na ordem de 20% para cada um deles, desencorajando-os a seguirem nos processos seletivos”, relata Teixeira. Outro caso curioso ocorreu em uma multinacional do segmento eletrônico que enfrentava absenteísmo na área operacional na casa dos 10% e constatou que os funcionários estavam se ausentando para participar de entrevistas, testes, dinâmica de grupo e processos seletivos. Na tentativa de desestimulá-los a continuar buscando outras oportunidades, sacou um reajuste salarial de cerca de 10% a todos os colaboradores dos departamentos mais afetados. De modo geral, as empresas se deram conta do perigo e estão reagindo, promovendo seus melhores talentos e reajustando Lápis e papel na mão Os custos da não retenção podem ser quantificados das formas mais diretas possíveis. O cálculo do engenheiro Arthur Lavieri para descobrir quanto custa perder um talento de primeiro nível na Suzlan pode bem ser levado para as áreas administrativas e operacionais de um grande varejo. Responsável por operar uma grande turbina, ou um aerogerador, esse profissional recebe, nessa empresa, por volta de R$ 4 mil. Se deixá-lo escapar por má política de retenção, a Suzlan perde de cara seis meses o salário dele. Se levar em conta que funcionários de melhor desempenho geralmente são de 10% a 30% mais produtivos, verá que a perda é maior. E se botar no papel os custos para preparar outro para a mesma função, a conta chega facilmente a dez vezes mais essa remuneração. Some-se a isso o fato de que se levará um bom tempo para que o substituto comece a se aculturar, a desenvolver o trabalho sozinho e comece a apresentar os benefícios de sua contratação. “Quando assumi a presidência, por exemplo, fiquei cerca de seis meses tentando administrar a empresa e, ao mesmo tempo, entender sua situação e contingências de mercado, a cultura, os produtos, visitando principais clientes, fornecedores, bancos, pessoas no governo. Foi um período realmente complicado”, confessa Lavieri. Entram também no cálculo os custos com o RH da empresa, com o headhunter ou a consultoria contratada para encontrar esse substituto. Nesse primeiro nível hierárquico, as consultorias cobram de dois a três meses do salário. “Numa conta simples, a não retenção de um primeiro ou segundo nível de talento técnico em nossa empresa implica seguramente numa perda de um ano dos salários que estaríamos pagando àquele indivíduo. Agora, se eu me descuidar de um profissional do altíssimo nível, essa conta chega fácil a quase cinco anos do salário desse profissional.” Vahdat da Deloitte: guerra por talentos no Brasil já foi declarada e só deve piorar 44 SuperVarejo dezembro 2012 Por tudo isso, a política de retenção na Suzlon não fica ao sabor dos ventos. Com estratégias diferenciadas para cada funcionário, a meta central é “o melhor para os melhores”: “o melhor salário, aquele que deixa o cara contente, o salário variável para o de melhor desempenho, os benefícios alinhados com o mercado, tudo isso é obrigação. Em nossa política de retenção temos tudo isso aliado a uma gestão transparente, com comunicação, entendendo que as pessoas são diferentes. É a mesma lógica de um pai com muitos filhos, cada um tem uma personalidade diferente, um jeito diferente, alguns querem atenção, outros dispensam atenção, se viram sozinhos. Nas organizações é semelhante, não se pode tratar todo mundo da mesma maneira.” dezembro 2012 SuperVarejo 45 Capa Retenção de talentos vencimentos, realidade que ainda persiste. Para reter os melhores, estão cada vez mais recorrendo a medidas emergenciais como promoções e reajustes salariais. Com isso, admite Alencar, o trabalho de recrutamento e seleção da StautRH tem se tornado mais e mais difícil. Prestigiados por seus empregadores, os melhores profissionais deixam de buscar ativamente por novas oportunidades e tornam-se mais seletivos quanto aos convites que recebem. Medidas paliativas, uma armadilha Retenção de capital humano e desenvolvimento de talentos devem ditar as estratégias para os próximos três anos para 57% das companhias entrevistadas na Pesquisa Panorama Empresarial (Deloitte 2012). Investimento em treinamento passa a ser foco para 66%. A verdade é que as companhias estão precisando driblar outro inconveniente: a proliferação de universidades tem despejado no mercado pessoas sem o mínimo ‘traquejo’ para enfrentar a realidade do mundo empresarial. O percentual da população alfabetizada funcionalmente subiu de 61%, em 2001, para 73%, em 2011, mas apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática. Isso tem levado muitas empresas a assumirem um papel que não é delas: investir em um segundo ciclo de educação para conseguir trazer o funcionário ao ponto ideal de sua necessidade. “Algumas empresas criaram universidades corporativas como meio de eliminar deficiências que as pessoas trazem dos bancos universitários”, conta Vahdat, da Deloitte, defendendo parceria maior entre o mundo corporativo e as universidades tradicionais para que estejam mais alinhadas com as necessidades do mercado de trabalho. Independentemente do segmento, reter talentos é tão desafiador que virou pauta permanente nos encontros do Grupo de Recursos Humanos de Campinas e Região (GRHUS), formado por profissionais de RH (diretores e gerentes) de mais de 40 empresas e por consultores. Criado em agosto de 1976, o GRHUS atua no desenvolvimento das atividades relacionadas à gestão O melhor para os melhores “O ânimo de ir todos os dias ao trabalho depende quase exclusivamente do relacionamento que o funcionário tem com a chefia”, destaca o diretor-presidente / CEO da Suzlon Energia Eólica do Brasil, Arthur Lavieri. Assim, uma boa parte do treinamento que ele coordenou, ao lado da consultoria Velasco, na Seves, indústria de componentes elétricos, foi dedicado a incutir nos líderes a consciência de que cada departamento é diferente um do outro e que cada pessoa é diferente uma da outra. Esse tratamento “individualizado” foi um dos grandes segredos de uma mudança que tinha tudo para ser traumática. Por quase sete décadas sob comando familiar, era a primeira vez que a companhia ficava sob domínio de uma multinacional. “Passamos por uma grande reorganização. Fechamos duas fábricas, consolidamos outras duas, fizemos um plano de demissão voluntária, lançamos um programa de estágio e, ao mesmo tempo, montamos programas sociais de voluntariado. Não tivemos nenhum problema de greve ou de perda de qualidade”, garante. Graças às ferramentas de retenção, os gestores que foram se tornando líderes foram cada vez mais capazes de ir comunicando mudanças a suas equipes, pontuando os novos objetivos, modernizando a empresa. Mensalmente, media-se a retenção. Todos os gestores e líderes tinham que mapear quem eram as pessoas-chave de cada departamento e passaram a saber quanto cada um dos mais de mil funcionários ganhava em relação à sua posição na empresa, 46 SuperVarejo dezembro 2012 descrição de cargo e competidores e em relação à geografia de cada uma das fábricas. Cada líder sabia onde cada um dos seus funcionários estava nessa grande lista e conseguia, com isso, trabalhar individualmente um benefício, um salário diferenciado para o seu melhor colaborador. Uma vez por ano, o diretor da área apresentava e discutia o desempenho das pessoas de melhor desempenho em cada departamento e um colegiado de diretores definia os próximos passos, as estratégias de retenção, se haveria uma rotação de trabalho, um novo desafio, uma promoção etc. Associado a isso, foi mapeado todo o mercado no que tange a salários, benefícios e níveis de superioridade da indústria do segmento de atuação. Conseguir essa expertise tem impacto duplamente positivo, primeiro, porque o melhor funcionário é reconhecido tanto no bolso como nos desafios e, obviamente, faz de tudo para ficar; e, segundo, porque os colegas percebem qual o tipo de performance que recebe reconhecimento por parte daquela empresa. Essa percepção gera, ao longo do tempo, uma mudança cultural. “É um processo que pode levar até cinco anos, explico, este é o tempo em que se começa a enxergar quais são os padrões de desempenho, de atitudes, de comportamento que aquela empresa preza, quais são reconhecidos por ela como excelentes. E, volto a dizer, pode ser um reconhecimento verbal, o tapinha nas costas, pode ser salários, pode ser o que for, e isso tem impacto direto na retenção”. de recursos humanos, apostando no auxílio mútuo entre profissionais/empresas para a modernização da gestão de negócios e de pessoas. “O tema retenção vem sendo discutido porque é problema de todos”, justifica a diretora da Velasco Consultoria Organizacional Lucia Velasco, que coordena a comissão de desenvolvimento do grupo. Experiente também como gestora de RH, ela aposta que a única forma de reter talentos é investir nas pessoas e isso só é possível com bons líderes, o que vai contra o que a maioria das empresas tem feito. O cenário no Brasil ainda é de desconhecimento do que realmente interessa aos funcionários, completa falta de planejamento e de políticas de retenção. Para os mais de 5 mil executivos que responderam à pesquisa Empresa dos Sonhos dos Executivos 2012, da DMRH, divulgada em julho de 2012, as características que melhor definem as empresas dos sonhos são crescimento intelectual, desafio profissional, estabilidade (continuidade), ambiente profissional, causa por qual ela luta e cultura. Contudo, para evitar que os bons sejam seduzidos por atraentes oportunidades no mercado, a reação mais comum tem sido estratégias isoladas, medidas emergenciais como promoções e reajustes salariais que neutralizam o assédio no curto prazo, mas que geralmente se revelam uma armadilha mais à frente. Lucia é taxativa: oferecer benefícios é tiro no pé quando o desafio é evitar a perda de talentos. Muitas organizações oferecem benefícios e a alta rotatividade persiste. “A gestão de pessoas bem feita traz mais benefícios para a retenção do que qualquer estratégia de premiação. Se o empregado tiver um bom gestor, que o provoque, o desafie, vai pensar dez vezes antes de sair da empresa e começar tudo de novo, encarar o desconhecido”, pondera a consultora. A consultoria StautRH apresenta os números, após comparar a movimentação de mais de mil executivos brasileiros entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012: aumento de 27% no número de reajustes por mérito (que não vem por acordo coletivo) e crescimento de 17% na concessão de promoções. Enquanto o índice dos executivos que foram promovidos ou mudaram de cargo aumentou de 29% dos pesquisados em 2010 para 34% em 2011, o número de profissionais que receberam aumento de salário subiu de 30% para 38% dos respondentes. Já a porcentagem dos que foram beneficiados por algum tipo de treinamento ou outras ações de desenvolvimento profissional manteve-se estável em 47%. Promoção a fórceps Os números da StautRH são indicadores claros de que as empresas não estão investindo mais em treinamento como dezembro 2012 SuperVarejo 47 Capa Retenção de talentos antes. “Treinamento é importante ferramenta de retenção, de reconhecer e prestigiar o profissional, mas é estratégia mais de longo prazo. Ao invés de investir preventivamente, as companhias passaram a reagir ao assédio de seus funcionários com reajustes e promoções, e isso não é bom. “O funcionário está na iminência de ir embora e é promovido. O ideal seria retê-lo com outra oferta de benefício ou prestigiando-o de outra forma, até mais econômica e mais saudável”, orienta Alencar. O que ele quer dizer é que, quando há o interesse em manter aquele profissional, a promoção deveria ser natural. Quando vem a fórceps, porque a empresa está na iminência de perder o bom funcionário, a promoção não é pensada, é feita no susto, sem critérios. E geralmente os resultados tendem a ser desastrosos para ambos, além de se tornar um mau exemplo para o restante da equipe. “Outros funcionários podem ser levados a fazer o mesmo, ameaçar deixar a empresa até conseguirem alguma vantagem também”, pondera. Vale lembrar que se o funcionário recebe uma contraproposta, pode também não ser bem visto pela empresa e ter sua carreira limitada. O empregador não sabe até quando vai conseguir segurá-lo e é rompido o laço de confiança frente ao RH e à alta liderança. E como geralmente a informação vaza, o ambiente pesa e sua imagem fica um tanto prejudicada junto aos colegas e ao gestor. Como headhunter, Alencar sugere ao 48 SuperVarejo dezembro 2012 funcionário avaliar bem se a proposta da outra empresa é realmente irresistível. “Considere todos os fatores intrínsecos a um novo trabalho. E uma vez que o aceitou, siga firme, mantenha a palavra. Será muito ruim voltar atrás, será um risco ser convencido a ficar pelo empregador.” Lucia, da Velasco, complementa o raciocínio e aproveita para questionar as publicações que alardeiam “as melhores empresas para se trabalhar”. Criam-se verdadeiros mitos: a empresa X é maravilhosa, faz isso e aquilo; e todos passam a sonhar em fazer parte daquele privilegiado grupo de trabalhadores... “Nem sempre é tudo isso, mas o empregado só vai perceber que não é bem assim quando se desligar de onde está e entrar para o time da empresa em evidência. Já acompanhei profissionais que saíram de onde estavam por conta de promessas e de expectativas nessas companhias consideradas bem ranqueadas, e quando se depararam com a realidade pediram para voltar.” “A desilusão é mais comum do que se imagina”, comenta a diretora da Luzio Strategy Consulting, Patrícia Luzio. Como consultora de transformação humana nas organizações, ela diz já ter ouvido muito empregado que trocou de empresa se lamentando: ‘Sou tratado como um número, ninguém sabe quem eu sou...’ “O ser humano é muito carente. Em qualquer Para segurar o “santo de casa” Mesmo diante dessa escassez de mão de obra qualificada, as empresas pecam no óbvio: não conseguem identificar talentos bem ali debaixo do nariz. “As fontes de geração de valor econômico futuro são as pessoas, não são os produtos, a tecnologia ou os processos, embora tenham sua importância relativa. É o capital humano”, diz Vahdat, da Deloitte, citando como exemplo a recente contratação de Marissa Ann Mayer, pelo Yahoo. “O grande movimento do Yahoo não foi mexer na tecnologia, foi atrair para sua presidência a super executiva do Google, que perdeu essa guerra por talentos. E, quando um líder sai, leva consigo uma legião de seguidores”. Para as empresas que não estão nem aí para as pratas que têm em casa, ele manda mais um recado: “é preciso uma tonelada de minério de ferro para achar um grana de ouro. Se você o achou, cuide bem dele. A liderança é o único ativo de uma organização que não pode ser ‘terceirizável’.” A subutilização/desperdício dos recursos humanos é questão exaustivamente discutida entre os profissionais de RH. Muitas vezes, os excelentes profissionais estão ali, mas, por falta de foco no desenvolvimento humano, a empresa não os descobre, ou não lhes dá a devida atenção, e eles vão atrás de novas oportunidades. “Os gestores se concentram muito no operacional porque têm dificuldade de deixar seu papel de especialista em alguma área. A desculpa é que não têm tempo para desenvolver pessoas, então, centralizam demais, não delegam. É um círculo vicioso. Vejo gestores que adoram o que fazem, são comprometidos, mas optam por continuar na zona de conforto, na área que dominam. Liderar não é pra qualquer um, dá trabalho, exige preparo, paciência, exige coragem para mudar o foco”, contrapõe Lucia, da Velasco. À medida que o talento é cada vez mais um patrimônio ativo que precisa ser desenvolvido e preservado, cresce a oferta de ferramentas de retenção capazes de identificar os melhores profissionais, avaliar potencial de equipe e montar estratégias diferenciadas para esses profissionais igualmente diferenciados, afinal, não basta recrutar talentos, mas identificar os talentos que estão dentro de casa, valorizando-os e potencializando-os para que fiquem por muito tempo trazendo-lhes retorno. “O mercado evolui de tal forma que salário é condição para entrar no jogo, mas não para ganhar a guerra da retenção”, avisa Vahdat. “As empresas fariam bem se inovassem a forma de gestão de pessoas, remuneração justa, mas ao mesmo tempo procurasse superar a concorrência com práticas inovadoras na gestão, oferecendo benefícios tangíveis e intangíveis, como ambiente de trabalho, clima organizacional, boa liderança, oportunidades de carreira, habilidades internas. Se a pessoa é bem formada, é um alto potencial, e ela se sente atraída por ambientes intelectualmente desafiadores. Isso são coisas que não se põem na ponta do lápis”, diz o executivo. divulgação cultura, além da sobrevivência, precisa de escuta generosa, feedback, reconhecimento, esperança, visão de futuro. É impressionante. Se dou cinco minutos de escuta no corredor, a pessoa já se sente melhor”, diz. Em seu entender, empresas varejistas com grande número de lojas e de funcionários deveriam descentralizar o RH, criar micro RHs nas lojas, preparando o gerente para estar pronto a atender às necessidades de seus subordinados diretos. “Geralmente grandes redes têm um mega RH que não dá conta de todo mundo. Descentralizar pode ser a melhor solução”, avalia. Alessandra, do Irmãos Russi: aumento da oferta de trabalho permite que as pessoas escolham onde trabalhar dezembro 2012 SuperVarejo 49 Capa Retenção de talentos Assessment Peça importante de política de gestão de talentos, os programas de assessment, também conhecidos como avaliação de potencial, auxiliam na identificação dos profissionais considerados High Potential para que lhes sejam aplicadas políticas de retenção seletivamente, dando à empresa a certeza de estar investindo na pessoa certa e ajudando-a a se blindar do assédio do mercado a esses profissionais mais valorizados. Para identificar a equipe - na totalidade ou a partir de certo nível de liderança -, são propostos, além de testes de avaliação de potencial, análises de perfil pessoal e psicológico e realizadas entrevistas de competências com perguntas direcionadas a cada profissional; caso seja uma competência importante, aplica-se um teste de línguas e de conhecimentos, como raciocínio abstrato, verbal e numérico. Identificados os melhores, é hora de desenhar-lhes um plano de carreira mais arrojado. Alencar, da StautRH, comenta que, nas melhores empresas, esses profissionais passam a ter a carreira acompanhada mais de perto pelas lideranças. São estimulados a fazer cursos de capacitação diferenciados de maneira que sintam que a empresa está investindo, apostando em seu desenvolvimento. Outra estratégia é propor-lhes desafios de maior complexidade para que naturalmente fiquem menos vulneráveis ao assédio da concorrência e dos headhunters. “Aí, vale colocá-los em projetos especiais de cunho estratégico e alta visibilidade dentro da organização, para que não fiquem entediados ou pensem que estão sendo subutilizados”, sugere. 50 SuperVarejo dezembro 2012 divulgação Há estratégias de retenção para todos os gostos e bolsos, com preços a partir de 10/20 reais por pessoa. Aplicados em grande escala, podem contemplar avaliações de personalidade (entre R$ 100 e R$ 250 reais por pessoa). Uma estratégia de retenção que tem se tornado componente de atração de novos talentos, especialmente em multinacionais de porte, é a estrutura de coaching de mensuramento. Ao ingressar na companhia, o indivíduo ganha um mentor para acompanhá-lo na vida profissional. As melhores companhias estão buscando criar uma polivalência de seus gestores de negócios, preparando-os para se tornarem também gestores de pessoas, conselheiros de carreira; investem em programas com vários dias de duração, com especialistas que ensinam como formar pessoas, educá-las, orientar carreiras. “Imagine você saber que tem na sua empresa um profissional preocupado com seu desenvolvimento, que na retaguarda tem alguém com mais vivência, experiência e acelerando sua carreira na organização”, diz Vahdat, que também conta com um mentor para orientar sua carreira como sócio na Deloitte. Lúcia, da Velasco Consultoria: a gestão de pessoas bem feita traz mais benefícios para a retenção do que qualquer estratégia de premiação Também são ‘boa pedida’ os programas job-rotation (o profissional fica por períodos curtos em diferentes cargos). Comum em programas de trainees e estagiários, essa estratégia lhe dá a oportunidade de conhecer diferentes trabalhos e áreas e escolher o que mais combina com seu perfil e expectativas. Nos níveis executivos, o profissional pode ser preparado para o lançamento de um produto, para assumir a direção ou uma filial. No caso, pode ser estimulado a passar por várias áreas (gerência de logística, financeira etc) de maneira que ao longo da carreira gerencial tenha vivência em cargos-chave e possa galgar um cargo mais top e até a presidência. “Estes e outros recursos fazem com que o ambiente interno da empresa seja tão ou mais atrativo que o externo para o profissional, desestimulando-o a buscar novos desafios e oportunidades fora”, explica Alencar. FONTES DESTA MATÉRIA Deloitte: (11) 5186-1000 DMRH: (11) 5511-3737 Enxuto Supermercados: 19-3743-4599 Luzio Strategy Consulting: (11) 3045-5651 Rede Irmãos Russi: (11) 4588-8074 StautRH Executive Search: ( 19) 2139-3016 Suzlon Energia Eólica do Brasil: (11) 4314-7434 Velasco Consultoria Organizacional: (19) 3365-3715