Capa
Retenção de talentos
Pelo crivo
das relações
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SuperVarejo dezembro 2012
País de tantos contrastes, o
Brasil vive um paradoxo intrigante
no mundo do trabalho: enquanto
o nível de desempregados
mantém-se alto, as empresas
reclamam da falta de qualificação
para uma infinidade de funções.
Mesmo diante dessa escassez de
mão de obra capacitada, a
grande maioria não dá a mínima
para a retenção dos talentos que
estão “em casa”. Reter é
necessário não apenas pelo fato
de que se pode demorar a
encontrar um substituto à altura,
mas por uma questão pura e
simples de matemática
[ Por Joana Gonçalves
[email protected]
]
dezembro 2012 SuperVarejo
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Capa Retenção de talentos
O
thinkstock
s atendentes de balcão da padaria em frente de
casa não sabem fazer continha básica. Se o cliente
pede quatro pães de R$ 1,20 cada, eles escrevem
quatro vezes 1,20. Não somam, não multiplicam. A
operadora de caixa recebe o papel com todos esses
números e saca a calculadora. Pensar pra quê? Este é um dos
muitos sinais do baixíssimo nível de qualificação da mão de
obra no Brasil. Há exceções. Honrosas exceções. Para a empresa, estar atenta a essas exceções, saber dar valor ao empregado
que realmente tem valor não é apenas uma questão estratégica
diante da dificuldade cada vez maior de encontrar bons profissionais, mas uma questão também de continha básica, de
somar, multiplicar, subtrair, dividir.
O talento deveria ser computado como um ativo. Não é. No
varejo supermercadista, então, é raro ver quem cogita tal raciocínio. Basta olhar para o turn-over médio de 42% ao ano,
contra os 10% médios registrados pela indústria, para saber
que há algo bem errado na política de gestão de pessoal do
segmento, o que só faz piorar a competitividade...
Ter a pessoa certa no lugar certo é
fator crítico para ser mais competitivo
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SuperVarejo dezembro 2012
Com mão de obra a rodo, a lógica é ‘não deu certo, demite’.
Poucas se dão ao trabalho de tentar descobrir e desenvolver um
profissional de primeira linha no mar de gente que se candidata
aos seus postos todos os dias. “A própria cultura da empresa
varejista reforça o espírito de descompromisso entre as partes.
Ambas sabem que a relação não tem futuro e nada fazem para
mudá-la”, denuncia a socióloga e diretora da Luzio Strategy
Consulting, Patrícia Luzio. “As empresas desconhecem os custos de perder um talento. Esses são números que não aparecem
nos balanços”, complementa o CEO da Suzlon Energia Eólica
do Brasil, Arthur Lavieri, engenheiro eletricista, pós-graduado
em Administração Industrial. Com 250 funcionários e salários que variam de R$ 3 mil a R$ 30 mil, a empresa sabe bem
quanto custa garimpar gente boa nesse crescente mercado de
geração de energia.
Para as empresas realmente preocupadas em reduzir despesas e desenvolver seus próprios talentos, o primeiro passo
é deixar de acreditar na velha máxima “ninguém é insubstituível”. “O custo da não retenção é exponencial, qualquer que
divulgação
seja o segmento de negócio”, avisa Lavieri, deixando claro que
está falando aqui de perder pessoas excelentes no que fazem.
“Perder gente ruim, na verdade, é uma bênção!”, brinca.
A tendência desse cenário de escassez de mão de obra qualificada é piorar, afinal, nunca a disputa entre empresas por
profissionais gabaritados foi tão grande. O consultor e diretor-executivo da StautRH Executive Search, consultoria de
Campinas que há 27 anos atua em recrutamento e seleção de
executivos, Luiz Alencar, evita o termo ‘apagão de mão de obra’,
mas confirma a enorme carência de mão de obra especializada.
“Quase a totalidade de nossos clientes são multinacionais em
busca de executivos e especialistas, e é sempre uma dificuldade
atendê-los. O mínimo que exigem é inglês avançado”.
Algumas posições são realmente mais críticas e profissionais
com determinadas habilidades e conhecimentos viram verdadeiras preciosidades. O mercado demanda cada vez mais um
mix sofisticado de conhecimento e habilidades, domínio de ferramentas importantes, de um segundo/terceiro idioma e para
alguns níveis gerenciais até mesmo experiência internacional.
E, à medida que aumenta o número de requisitos, reduz-se o
número de gente disponível, os passes se tornam mais caros e
a retenção, mais difícil.
Fora do eixo Rio-SP a situação é ainda pior. Quinta no mundo
em geração de energia eólica, a companhia de Lavieri, a Suzlon,
ressente-se da baixa oferta de profissionais, principalmente
no primeiro escalão, e quando os encontra, são poucos os que
querem se submeter a uma rotina de viagens ou à mudança
para a cidade sede, Fortaleza. “Fala-se muito no crescimento
do Norte e Nordeste, mas na hora de contratar gente com boa
qualidade acadêmica e na faixa de 30 a 45 anos, são poucos os
profissionais do Sul e Sudeste (regiões que concentram maior
número de boas escolas) que querem se transferir para lá. A
mobilidade é relativamente limitada”, endossa.
Mesmo no reduto das melhores universidades, o cenário é
desalentador. O Inaf Brasil 2011 (Indicador de Analfabetismo
Funcional), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG
Ação Educativa, traz dados preocupantes: 38% dos estudantes
do ensino superior não dominam habilidades básicas de leitura
e escrita, e são considerados, por isso, analfabetos funcionais. A
pesquisa, feita por meio de entrevista e teste cognitivo, aplicado
em amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos, contemplou 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como sobre o
itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto.
Assim, sem ensino de qualidade e treinamento à altura, deve
crescer o olho da concorrência sobre os melhores empregados.
Pesquisa Panorama Empresarial Deloitte 2011 apontou para a
necessidade de oito milhões de pessoas, o equivalente a 8,5% da
Lavieri, da Suzlon Energia Eólica: custos de perdas de talento são
desconhecidos pelas empresas, pois esses números não aparecem nos balanços
força de trabalho atual, até 2015. Projetou, ainda, que o varejo
precisaria ocupar 420 mil postos só em 2012. “Já foi deflagrada
uma guerra por talentos no Brasil e ela só tende a piorar. Ter
a pessoa certa no lugar certo passa a ser fator crítico para ser
mais competitivo”, diz o líder da área de Capital Humano da
Deloitte, Henri Vahdat, lembrando que a intervenção humana
se torna mais importante ainda numa economia que cada vez
mais transaciona de uma estrutura de indústria para uma de
serviço. “As economias estão migrando para sociedades baseadas em informação, conhecimento e ideias e cada vez mais o fator humano se torna fundamento para o sucesso empresarial.”
Alencar, da StautRH, recorda que a crise, em meados de 2008,
provocou congelamento de contratações, adiou projetos etc. A
crise arrefeceu, pelo menos no Brasil, em 2009, e já em 2010 o
mercado se mostrou extremamente aquecido. Resultado: muitos
profissionais se movimentaram, trocando seus empregos por outros com melhores salários e cargos de maior responsabilidade.
Nos supermercados, a histórica alta rotatividade foi exacerbada devido ao aquecimento da economia e consequente
escassez de mão de obra. Duas redes, Irmãos Russi e Enxuto
Supermercados, estão trabalhando há mais de dois anos para
minimizar os impactos desses momentos de pleno emprego nos
negócios, descobrindo e desenvolvendo sua força de trabalho
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Capa Retenção de talentos
e evitando o assédio da concorrência sobre suas melhores cabeças. A diretora de Gestão de Pessoas do Irmãos Russi, Alessandra Ditt, justifica: “Com o aumento da oferta de trabalho,
as pessoas podem escolher onde trabalhar, e nosso setor acaba
desfavorecido em sua atratividade por causa de algumas características próprias, como a necessidade de trabalhar aos
finais de semana e feriados, remuneração e benefícios menos
agressivos quando comparados à indústria, entre outras”.
O executivo da Deloitte cita mais um fator que aumenta a
complexidade da gestão dos talentos. “O Brasil continua como
o terceiro principal destino do investimento estrangeiro direto,
não um capital especulativo, que entra pela manhã na bolsa e
sai à tarde, mas um capital que chega para ficar e transformar a
indústria, alimentar a produção de bens e serviços”, diz Vahdat.
Depois da retração econômica mundial em 2008 e 2009,
o Brasil registrou em 2010 o melhor ano da década, 7% de
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SuperVarejo dezembro 2012
crescimento. As perspectivas eram de crescimento chinês nos
anos seguintes, mas já em 2011, o PIB desacelerou para 3% e,
em 2012, a previsão é de 1,5%. Não obstante esses indicadores,
as perspectivas são positivas, especialmente diante do esfriamento da economia europeia.
“Novas empresas desembarcam todo dia aqui para estabelecer alianças ou para aquisição ou fusão de empresas brasileiras,
e aumentam a pressão sobre o mercado de trabalho, porque
a oferta de mão de obra não tem conseguido acompanhar o
aumento de demanda”. O estudo Deloitte revelou, por um lado,
uma pressão por redução de preços e de margens e, por outro,
pressão por aumento de salários, justamente pela chegada de
capital estrangeiro. A competição se acirra mais e como elas
precisam contratar gente, os passes ficam mais caros. As que
chegam passam a disputar essas mesmas pessoas-chave em
suas áreas, tanto que a retenção do capital humano/talentos foi
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Capa Retenção de talentos
divulgação
citada como a principal preocupação para 54% das empresas
em 2012, e para 57% delas nos próximos três anos, segundo
pesquisa 2012 da Deloitte. Os desafios futuros, aliás, estão relacionados à retenção de capital humano, desenvolvimento de
talentos e mão de obra qualificada.
O consultor sênior da StautRH, Paulo Teixeira, conta que, recentemente, um dos candidatos finalistas de um processo seletivo
ligou para avisá-lo que estava declinando do processo porque acabara de receber um reajuste “surpresa”. “A empresa, ao perceber
que vários profissionais importantes estavam participando de
processos seletivos, convocou um a um e ofereceu ajustes funcionais e salariais na ordem de 20% para cada um deles, desencorajando-os a seguirem nos processos seletivos”, relata Teixeira.
Outro caso curioso ocorreu em uma multinacional do segmento eletrônico que enfrentava absenteísmo na área operacional na casa dos 10% e constatou que os funcionários estavam
se ausentando para participar de entrevistas, testes, dinâmica
de grupo e processos seletivos. Na tentativa de desestimulá-los a continuar buscando outras oportunidades, sacou um
reajuste salarial de cerca de 10% a todos os colaboradores dos
departamentos mais afetados.
De modo geral, as empresas se deram conta do perigo e estão
reagindo, promovendo seus melhores talentos e reajustando
Lápis e papel na mão
Os custos da não retenção podem ser quantificados das
formas mais diretas possíveis. O cálculo do engenheiro Arthur
Lavieri para descobrir quanto custa perder um talento de
primeiro nível na Suzlan pode bem ser levado para as áreas
administrativas e operacionais de um grande varejo.
Responsável por operar uma grande turbina, ou um
aerogerador, esse profissional recebe, nessa empresa, por
volta de R$ 4 mil. Se deixá-lo escapar por má política de
retenção, a Suzlan perde de cara seis meses o salário dele.
Se levar em conta que funcionários de melhor desempenho
geralmente são de 10% a 30% mais produtivos, verá que
a perda é maior.
E se botar no papel os custos para preparar outro para
a mesma função, a conta chega facilmente a dez vezes
mais essa remuneração. Some-se a isso o fato de que
se levará um bom tempo para que o substituto comece a
se aculturar, a desenvolver o trabalho sozinho e comece
a apresentar os benefícios de sua contratação. “Quando
assumi a presidência, por exemplo, fiquei cerca de seis
meses tentando administrar a empresa e, ao mesmo tempo,
entender sua situação e contingências de mercado, a cultura,
os produtos, visitando principais clientes, fornecedores,
bancos, pessoas no governo. Foi um período realmente
complicado”, confessa Lavieri.
Entram também no cálculo os custos com o RH da empresa,
com o headhunter ou a consultoria contratada para encontrar
esse substituto. Nesse primeiro nível hierárquico, as
consultorias cobram de dois a três meses do salário. “Numa
conta simples, a não retenção de um primeiro ou segundo nível
de talento técnico em nossa empresa implica seguramente
numa perda de um ano dos salários que estaríamos pagando
àquele indivíduo. Agora, se eu me descuidar de um profissional
do altíssimo nível, essa conta chega fácil a quase cinco anos
do salário desse profissional.”
Vahdat da Deloitte: guerra por talentos no Brasil já foi declarada e só deve piorar
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SuperVarejo dezembro 2012
Por tudo isso, a política de retenção na Suzlon não fica ao
sabor dos ventos. Com estratégias diferenciadas para cada
funcionário, a meta central é “o melhor para os melhores”: “o
melhor salário, aquele que deixa o cara contente, o salário
variável para o de melhor desempenho, os benefícios
alinhados com o mercado, tudo isso é obrigação. Em
nossa política de retenção temos tudo isso aliado a uma
gestão transparente, com comunicação, entendendo que as
pessoas são diferentes. É a mesma lógica de um pai com
muitos filhos, cada um tem uma personalidade diferente, um
jeito diferente, alguns querem atenção, outros dispensam
atenção, se viram sozinhos. Nas organizações é semelhante,
não se pode tratar todo mundo da mesma maneira.”
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Capa Retenção de talentos
vencimentos, realidade que ainda persiste. Para reter os melhores, estão cada vez mais recorrendo a medidas emergenciais como promoções e reajustes salariais. Com isso, admite
Alencar, o trabalho de recrutamento e seleção da StautRH tem
se tornado mais e mais difícil. Prestigiados por seus empregadores, os melhores profissionais deixam de buscar ativamente
por novas oportunidades e tornam-se mais seletivos quanto
aos convites que recebem.
Medidas paliativas, uma armadilha
Retenção de capital humano e desenvolvimento de talentos
devem ditar as estratégias para os próximos três anos para 57%
das companhias entrevistadas na Pesquisa Panorama Empresarial (Deloitte 2012). Investimento em treinamento passa a ser
foco para 66%. A verdade é que as companhias estão precisando
driblar outro inconveniente: a proliferação de universidades
tem despejado no mercado pessoas sem o mínimo ‘traquejo’
para enfrentar a realidade do mundo empresarial.
O percentual da população alfabetizada funcionalmente subiu
de 61%, em 2001, para 73%, em 2011, mas apenas um em cada
quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura,
escrita e matemática. Isso tem levado muitas empresas a assumirem um papel que não é delas: investir em um segundo ciclo
de educação para conseguir trazer o funcionário ao ponto ideal
de sua necessidade. “Algumas empresas criaram universidades
corporativas como meio de eliminar deficiências que as pessoas
trazem dos bancos universitários”, conta Vahdat, da Deloitte,
defendendo parceria maior entre o mundo corporativo e as universidades tradicionais para que estejam mais alinhadas com as
necessidades do mercado de trabalho.
Independentemente do segmento, reter talentos é tão desafiador que virou pauta permanente nos encontros do Grupo de
Recursos Humanos de Campinas e Região (GRHUS), formado
por profissionais de RH (diretores e gerentes) de mais de 40
empresas e por consultores. Criado em agosto de 1976, o GRHUS
atua no desenvolvimento das atividades relacionadas à gestão
O melhor para os melhores
“O ânimo de ir todos os dias ao trabalho depende quase
exclusivamente do relacionamento que o funcionário tem com
a chefia”, destaca o diretor-presidente / CEO da Suzlon Energia
Eólica do Brasil, Arthur Lavieri. Assim, uma boa parte do
treinamento que ele coordenou, ao lado da consultoria Velasco,
na Seves, indústria de componentes elétricos, foi dedicado a
incutir nos líderes a consciência de que cada departamento é
diferente um do outro e que cada pessoa é diferente uma da
outra. Esse tratamento “individualizado” foi um dos grandes
segredos de uma mudança que tinha tudo para ser traumática.
Por quase sete décadas sob comando familiar, era a primeira
vez que a companhia ficava sob domínio de uma multinacional.
“Passamos por uma grande reorganização. Fechamos duas
fábricas, consolidamos outras duas, fizemos um plano de
demissão voluntária, lançamos um programa de estágio e, ao
mesmo tempo, montamos programas sociais de voluntariado.
Não tivemos nenhum problema de greve ou de perda de
qualidade”, garante.
Graças às ferramentas de retenção, os gestores que foram
se tornando líderes foram cada vez mais capazes de ir
comunicando mudanças a suas equipes, pontuando os
novos objetivos, modernizando a empresa. Mensalmente,
media-se a retenção. Todos os gestores e líderes tinham que
mapear quem eram as pessoas-chave de cada departamento
e passaram a saber quanto cada um dos mais de mil
funcionários ganhava em relação à sua posição na empresa,
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descrição de cargo e competidores e em relação à geografia
de cada uma das fábricas.
Cada líder sabia onde cada um dos seus funcionários
estava nessa grande lista e conseguia, com isso, trabalhar
individualmente um benefício, um salário diferenciado para o
seu melhor colaborador. Uma vez por ano, o diretor da área
apresentava e discutia o desempenho das pessoas de melhor
desempenho em cada departamento e um colegiado de
diretores definia os próximos passos, as estratégias de retenção,
se haveria uma rotação de trabalho, um novo desafio, uma
promoção etc. Associado a isso, foi mapeado todo o mercado
no que tange a salários, benefícios e níveis de superioridade
da indústria do segmento de atuação.
Conseguir essa expertise tem impacto duplamente positivo,
primeiro, porque o melhor funcionário é reconhecido tanto
no bolso como nos desafios e, obviamente, faz de tudo para
ficar; e, segundo, porque os colegas percebem qual o tipo de
performance que recebe reconhecimento por parte daquela
empresa. Essa percepção gera, ao longo do tempo, uma
mudança cultural. “É um processo que pode levar até cinco anos,
explico, este é o tempo em que se começa a enxergar quais são
os padrões de desempenho, de atitudes, de comportamento
que aquela empresa preza, quais são reconhecidos por ela
como excelentes. E, volto a dizer, pode ser um reconhecimento
verbal, o tapinha nas costas, pode ser salários, pode ser o que
for, e isso tem impacto direto na retenção”.
de recursos humanos, apostando no auxílio mútuo entre profissionais/empresas para a modernização da gestão de negócios
e de pessoas. “O tema retenção vem sendo discutido porque é
problema de todos”, justifica a diretora da Velasco Consultoria
Organizacional Lucia Velasco, que coordena a comissão de desenvolvimento do grupo. Experiente também como gestora de
RH, ela aposta que a única forma de reter talentos é investir nas
pessoas e isso só é possível com bons líderes, o que vai contra
o que a maioria das empresas tem feito.
O cenário no Brasil ainda é de desconhecimento do que
realmente interessa aos funcionários, completa falta de planejamento e de políticas de retenção. Para os mais de 5 mil
executivos que responderam à pesquisa Empresa dos Sonhos
dos Executivos 2012, da DMRH, divulgada em julho de 2012,
as características que melhor definem as empresas dos sonhos
são crescimento intelectual, desafio profissional, estabilidade
(continuidade), ambiente profissional, causa por qual ela luta
e cultura. Contudo, para evitar que os bons sejam seduzidos
por atraentes oportunidades no mercado, a reação mais comum
tem sido estratégias isoladas, medidas emergenciais como promoções e reajustes salariais que neutralizam o assédio no curto
prazo, mas que geralmente se revelam uma armadilha mais à
frente. Lucia é taxativa: oferecer benefícios é tiro no pé quando
o desafio é evitar a perda de talentos. Muitas organizações
oferecem benefícios e a alta rotatividade persiste. “A gestão de
pessoas bem feita traz mais benefícios para a retenção do que
qualquer estratégia de premiação. Se o empregado tiver um
bom gestor, que o provoque, o desafie, vai pensar dez vezes
antes de sair da empresa e começar tudo de novo, encarar o
desconhecido”, pondera a consultora.
A consultoria StautRH apresenta os números, após comparar a movimentação de mais de mil executivos brasileiros
entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012: aumento de 27%
no número de reajustes por mérito (que não vem por acordo
coletivo) e crescimento de 17% na concessão de promoções.
Enquanto o índice dos executivos que foram promovidos ou
mudaram de cargo aumentou de 29% dos pesquisados em 2010
para 34% em 2011, o número de profissionais que receberam
aumento de salário subiu de 30% para 38% dos respondentes.
Já a porcentagem dos que foram beneficiados por algum tipo de
treinamento ou outras ações de desenvolvimento profissional
manteve-se estável em 47%.
Promoção a fórceps
Os números da StautRH são indicadores claros de que as
empresas não estão investindo mais em treinamento como
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Capa Retenção de talentos
antes. “Treinamento é importante ferramenta de retenção, de
reconhecer e prestigiar o profissional, mas é estratégia mais de
longo prazo. Ao invés de investir preventivamente, as companhias passaram a reagir ao assédio de seus funcionários com
reajustes e promoções, e isso não é bom. “O funcionário está na
iminência de ir embora e é promovido. O ideal seria retê-lo com
outra oferta de benefício ou prestigiando-o de outra forma, até
mais econômica e mais saudável”, orienta Alencar. O que ele quer
dizer é que, quando há o interesse em manter aquele profissional,
a promoção deveria ser natural. Quando vem a fórceps, porque
a empresa está na iminência de perder o bom funcionário, a
promoção não é pensada, é feita no susto, sem critérios. E geralmente os resultados tendem a ser desastrosos para ambos, além
de se tornar um mau exemplo para o restante da equipe. “Outros
funcionários podem ser levados a fazer o mesmo, ameaçar deixar
a empresa até conseguirem alguma vantagem também”, pondera.
Vale lembrar que se o funcionário recebe uma contraproposta, pode também não ser bem visto pela empresa e ter sua
carreira limitada. O empregador não sabe até quando vai conseguir segurá-lo e é rompido o laço de confiança frente ao RH
e à alta liderança. E como geralmente a informação vaza, o
ambiente pesa e sua imagem fica um tanto prejudicada junto
aos colegas e ao gestor. Como headhunter, Alencar sugere ao
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funcionário avaliar bem se a proposta da outra empresa é realmente irresistível. “Considere todos os fatores intrínsecos a
um novo trabalho. E uma vez que o aceitou, siga firme, mantenha a palavra. Será muito ruim voltar atrás, será um risco
ser convencido a ficar pelo empregador.”
Lucia, da Velasco, complementa o raciocínio e aproveita
para questionar as publicações que alardeiam “as melhores
empresas para se trabalhar”. Criam-se verdadeiros mitos: a
empresa X é maravilhosa, faz isso e aquilo; e todos passam
a sonhar em fazer parte daquele privilegiado grupo de trabalhadores... “Nem sempre é tudo isso, mas o empregado
só vai perceber que não é bem assim quando se desligar de
onde está e entrar para o time da empresa em evidência. Já
acompanhei profissionais que saíram de onde estavam por
conta de promessas e de expectativas nessas companhias
consideradas bem ranqueadas, e quando se depararam com
a realidade pediram para voltar.”
“A desilusão é mais comum do que se imagina”, comenta a
diretora da Luzio Strategy Consulting, Patrícia Luzio. Como
consultora de transformação humana nas organizações, ela
diz já ter ouvido muito empregado que trocou de empresa se
lamentando: ‘Sou tratado como um número, ninguém sabe
quem eu sou...’ “O ser humano é muito carente. Em qualquer
Para segurar o “santo de casa”
Mesmo diante dessa escassez de mão de obra qualificada, as empresas pecam no óbvio: não conseguem identificar
talentos bem ali debaixo do nariz. “As fontes de geração de
valor econômico futuro são as pessoas, não são os produtos, a
tecnologia ou os processos, embora tenham sua importância
relativa. É o capital humano”, diz Vahdat, da Deloitte, citando
como exemplo a recente contratação de Marissa Ann Mayer,
pelo Yahoo. “O grande movimento do Yahoo não foi mexer na
tecnologia, foi atrair para sua presidência a super executiva
do Google, que perdeu essa guerra por talentos. E, quando
um líder sai, leva consigo uma legião de seguidores”. Para as
empresas que não estão nem aí para as pratas que têm em
casa, ele manda mais um recado: “é preciso uma tonelada
de minério de ferro para achar um grana de ouro. Se você
o achou, cuide bem dele. A liderança é o único ativo de uma
organização que não pode ser ‘terceirizável’.”
A subutilização/desperdício dos recursos humanos é questão exaustivamente discutida entre os profissionais de RH.
Muitas vezes, os excelentes profissionais estão ali, mas, por
falta de foco no desenvolvimento humano, a empresa não os
descobre, ou não lhes dá a devida atenção, e eles vão atrás
de novas oportunidades. “Os gestores se concentram muito
no operacional porque têm dificuldade de deixar seu papel de
especialista em alguma área. A desculpa é que não têm tempo
para desenvolver pessoas, então, centralizam demais, não delegam. É um círculo vicioso. Vejo gestores que adoram o que
fazem, são comprometidos, mas optam por continuar na zona
de conforto, na área que dominam. Liderar não é pra qualquer
um, dá trabalho, exige preparo, paciência, exige coragem para
mudar o foco”, contrapõe Lucia, da Velasco.
À medida que o talento é cada vez mais um patrimônio ativo
que precisa ser desenvolvido e preservado, cresce a oferta de
ferramentas de retenção capazes de identificar os melhores
profissionais, avaliar potencial de equipe e montar estratégias
diferenciadas para esses profissionais igualmente diferenciados, afinal, não basta recrutar talentos, mas identificar os
talentos que estão dentro de casa, valorizando-os e potencializando-os para que fiquem por muito tempo trazendo-lhes retorno. “O mercado evolui de tal forma que salário é
condição para entrar no jogo, mas não para ganhar a guerra
da retenção”, avisa Vahdat.
“As empresas fariam bem se inovassem a forma de gestão de
pessoas, remuneração justa, mas ao mesmo tempo procurasse
superar a concorrência com práticas inovadoras na gestão, oferecendo benefícios tangíveis e intangíveis, como ambiente de
trabalho, clima organizacional, boa liderança, oportunidades
de carreira, habilidades internas. Se a pessoa é bem formada,
é um alto potencial, e ela se sente atraída por ambientes intelectualmente desafiadores. Isso são coisas que não se põem na
ponta do lápis”, diz o executivo.
divulgação
cultura, além da sobrevivência, precisa de escuta generosa,
feedback, reconhecimento, esperança, visão de futuro. É impressionante. Se dou cinco minutos de escuta no corredor, a
pessoa já se sente melhor”, diz.
Em seu entender, empresas varejistas com grande número
de lojas e de funcionários deveriam descentralizar o RH,
criar micro RHs nas lojas, preparando o gerente para estar
pronto a atender às necessidades de seus subordinados diretos. “Geralmente grandes redes têm um mega RH que não
dá conta de todo mundo. Descentralizar pode ser a melhor
solução”, avalia.
Alessandra, do
Irmãos Russi: aumento
da oferta de trabalho
permite que as pessoas
escolham onde trabalhar
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Capa Retenção de talentos
Assessment
Peça importante de política de gestão de talentos, os programas de assessment, também conhecidos como avaliação de
potencial, auxiliam na identificação dos profissionais considerados High Potential para que lhes sejam aplicadas políticas
de retenção seletivamente, dando à empresa a certeza de estar
investindo na pessoa certa e ajudando-a a se blindar do assédio do mercado a esses profissionais mais valorizados. Para
identificar a equipe - na totalidade ou a partir de certo nível
de liderança -, são propostos, além de testes de avaliação de
potencial, análises de perfil pessoal e psicológico e realizadas
entrevistas de competências com perguntas direcionadas a cada profissional; caso seja uma competência importante, aplica-se um teste de línguas e de conhecimentos, como raciocínio
abstrato, verbal e numérico.
Identificados os melhores, é hora de desenhar-lhes um plano de carreira mais arrojado. Alencar, da StautRH, comenta
que, nas melhores empresas, esses profissionais passam a ter
a carreira acompanhada mais de perto pelas lideranças. São
estimulados a fazer cursos de capacitação diferenciados de maneira que sintam que a empresa está investindo, apostando em
seu desenvolvimento. Outra estratégia é propor-lhes desafios
de maior complexidade para que naturalmente fiquem menos
vulneráveis ao assédio da concorrência e dos headhunters. “Aí,
vale colocá-los em projetos especiais de cunho estratégico e
alta visibilidade dentro da organização, para que não fiquem
entediados ou pensem que estão sendo subutilizados”, sugere.
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SuperVarejo dezembro 2012
divulgação
Há estratégias de retenção para todos os gostos e bolsos,
com preços a partir de 10/20 reais por pessoa. Aplicados em
grande escala, podem contemplar avaliações de personalidade
(entre R$ 100 e R$ 250 reais por pessoa). Uma estratégia
de retenção que tem se tornado componente de atração de
novos talentos, especialmente em multinacionais de porte, é
a estrutura de coaching de mensuramento. Ao ingressar na
companhia, o indivíduo ganha um mentor para acompanhá-lo na vida profissional. As melhores companhias estão buscando criar uma polivalência de seus gestores de negócios,
preparando-os para se tornarem também gestores de pessoas,
conselheiros de carreira; investem em programas com vários
dias de duração, com especialistas que ensinam como formar
pessoas, educá-las, orientar carreiras. “Imagine você saber
que tem na sua empresa um profissional preocupado com seu
desenvolvimento, que na retaguarda tem alguém com mais
vivência, experiência e acelerando sua carreira na organização”, diz Vahdat, que também conta com um mentor para
orientar sua carreira como sócio na Deloitte.
Lúcia, da Velasco Consultoria: a gestão de pessoas bem feita traz
mais benefícios para a retenção do que qualquer estratégia de premiação
Também são ‘boa pedida’ os programas job-rotation (o
profissional fica por períodos curtos em diferentes cargos).
Comum em programas de trainees e estagiários, essa estratégia lhe dá a oportunidade de conhecer diferentes trabalhos e áreas e escolher o que mais combina com seu perfil
e expectativas. Nos níveis executivos, o profissional pode
ser preparado para o lançamento de um produto, para assumir a direção ou uma filial. No caso, pode ser estimulado
a passar por várias áreas (gerência de logística, financeira
etc) de maneira que ao longo da carreira gerencial tenha vivência em cargos-chave e possa galgar um cargo mais top e
até a presidência. “Estes e outros recursos fazem com que o
ambiente interno da empresa seja tão ou mais atrativo que o
externo para o profissional, desestimulando-o a buscar novos
desafios e oportunidades fora”, explica Alencar.
FONTES DESTA MATÉRIA
Deloitte: (11) 5186-1000
DMRH: (11) 5511-3737
Enxuto Supermercados: 19-3743-4599
Luzio Strategy Consulting: (11) 3045-5651
Rede Irmãos Russi: (11) 4588-8074
StautRH Executive Search: ( 19) 2139-3016
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