Notas sobre o Método dos Elementos Finitos- Versão beta Estevam Barbosa de Las Casas 3- O Método dos Elementos Finitos 3.1- Origens O método dos elementos finitos tem sua origem em processos de análise de estruturas propostos nos séculos XVIII e XIX, e em sua configuração atual resulta da confluência de desenvolvimentos na mecânica, matemática, análise numérica e computação. Em 1795 Gauss propôs o uso de funções de aproximação para a solução de problemas matemáticos. Estas funções deveriam ser baseadas na expectativa do comportamento da função que se deseja determinar de forma aproximada, e o processo numérico se encarrega de encontrar alguns parâmetros que ajustem a função de aproximação à solução do problema. Por exemplo, para se determinar os deslocamentos de uma placa quadrada simplesmente apoiada submetida a uma pressão constante, espera-se, com base em conhecimentos de mecânica dos sólidos (ou bom senso) que os deslocamentos máximos ocorram no centro da placa, sejam nulos nas bordas e variem suave e continuamente entre estes pontos. Pode-se utilizar então uma função qualquer com estas características. Como restrição a este procedimento, existe o problema de se definir uma função apropriada. Para problemas minimamente complexos, a escolha de uma boa aproximação pode ser difícil ou mesmo impossível, já que requer uma boa idéia da solução do problema. Uma das técnicas utilizadas dentro deste princípio é a da regressão linear, ou mínimos quadrados. Durante o século XIX boa parte dos problemas básicos de mecânica dos sólidos foram equacionados por matemáticos, sendo porém que soluções analíticas eram possíveis apenas para casos específicos, exigindo um grande número de simplificações. Com base em trabalhos de cientistas como Bernoulli, Lagrange e Stevin, que assentaram as bases para o princípio dos trabalhos virtuais ainda no século XVIII, foram elaborados as bases que sustentam a formulação dos métodos energéticos na engenharia estrutural. Tornava-se possível a análise de estruturas hiperestáticas, desde que se enfrentasse a aritmética trabalhosa requerida para os sistemas algébricos obtidos. A estas técnicas denominou-se análise matricial de estruturas, sendo os métodos das forças e dos deslocamentos suas principais variantes. Em 1943 o matemático Courant propôs, modificando a idéia inicial de Gauss, que não se tentasse utilizar uma única função para aproximar a solução em toda a região de interesse (ou domínio) mas que se partisse para funções válidas apenas em uma pequena parte do domínio. Assim, por exemplo, para se aproximar um problema (figura 2) cuja solução, a priori desconhecida (em preto), fosse dada por uma parábola, utilizando-se um número determinado de retas poder-se-ia chegar a uma razoável aproximação. A solução u representa a incógnita de interesse, seja um campo de deslocamentos ao longo de um eixo, uma distribuição de temperatura na espessura de um corpo, etc. A técnica para obtenção da solução aproximada (em azul) requer que a aproximação utilizada mantenha a continuidade em cada trecho, de forma que não existam dois valores da solução para um mesmo ponto. Notas sobre o Método dos Elementos Finitos- Versão beta Estevam Barbosa de Las Casas Toda a informação necessária para se conhecer a solução aproximada em azul são os valores de u nos 5 nós que definem os 4 trechos (elementos), a partir dos quais se pode traçar as 4 retas. As idéias de Courant, apresentadas sem o devido destaque na época, permaneceram por muitos anos esquecidas. Nos anos 40, de forma independente, Hrenikoff propôs uma metodologia para análise de placas usando um treliçado equivalente composto de barras e vigas conectadas entre si. Argyris [1954]na Alemanha e Mc Henry [1943] nos Estados Unidos deram grande impulso às técnicas matriciais de análise estrutural. Em 1956 Turner, Clough, Martin e Topp, trabalhando no projeto de aeronaves para a empresa Boeing, propuseram, com base em um método já consolidado de análise estrutural conhecido como análise matricial, que se modelasse painéis de aeronaves a partir de pequenos triângulos, capazes de cobrir toda a superfície de cada peça. O comportamento em cada elemento triangular seria descrito matematicamente, aproximado localmente, e o comportamento global obtido a partir da compatibilização dos diversos elementos. A partir do estudo do que ocorre no nível local, consegue-se descrever aproximadamente o comportamento global, tomando-se como base um raciocínio de base mecânica. u(x) Solução exata Aproximação por 4 retas Aproximação por uma reta x Figura 2- Aproximação por funções contínuas por partes Observe por exemplo a figura 3. Tomando-se os quatro vértices como nós, e acrescentandose um nó intermediário no interior da figura, pode-se dividi-la em 5 elementos. Aproximar a resposta do problema (os deslocamentos, por exemplo) em cada um destes elementos é mais simples que fazê-lo em todo o domínio, e o resultado final pode ser obtido discretizando-se o problema de forma a que, ao invés de se estudar o problema contínuo, se restrinja a definir os parâmetros nos nós que descrevem qual a resposta que aproxima com o menor erro o resultado exato. Naturalmente para a análise de cada elemento, bem como nas interfaces entre eles, se deverá buscar satisfazer, tanto quanto possível, as condições de contorno, equilíbrio de esforços e compatibilidade de deslocamentos, com base na teoria matemática apropriada ( teoria de viga de Bernoulli, teoria de placas de Kirchoff, teoria da elasticidade, etc.). Notas sobre o Método dos Elementos Finitos- Versão beta Estevam Barbosa de Las Casas y x Figura 3- Nós e elementos Em 1960 Turner, Clough, Martin e Topp utilizaram pela primeira vez o nome de método dos elementos finitos. A partir dos anos 60, o desenvolvimento do método foi exponencial. A análise do MEF do ponto de vista matemático possibilitou um maior rigor no estudo de suas potencialidades, e a extensão dos procedimentos propostos para análise de estruturas para áreas como eletromagnetismo, engenharia biomédica, transmissão de calor, mecânica dos fluidos, geotecnia, meteorologia, econometria, engenharia química, engenharia de alimentos, entre outras. 3.2 O Método dos Elementos Finitos no Brasil A história da aplicação e desenvolvimento do MEF no Brasil teve início com o trabalho de um grupo restrito de indivíduos que, percebendo o potencial de sua aplicação na engenharia, lutaram para obter conhecimentos no exterior e educar uma geração de pesquisadores que vieram a formar a base para uma comunidade consistente na indústria e no meio acadêmico, capaz de responder aos desafios das décadas seguintes. Os primeiros registros de trabalhos com o método datam da década de 60 em São Paulo. Nesta época se instalava as indústrias automotiva e aeronáutica no país, a construção civil passava por um período de grande atividade, inclusive com a recente construção de Brasília. A época caracterizou-se pelo sentimento de progresso, inovação e desenvolvimento. Um dos pioneiros da Mecânica Computacional no Brasil foi o Prof. Fernando Venâncio Filho. Trabalhou com P. C. Dunne, que havia participado, juntamente com Argyris, da Royal Aeronautical Society na Inglaterra, e viera ao Brasil para dirigir o Departamento de Estruturas do Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Em 1960, baseado nos conceitos descritos no trabalho clássico “Energy Theorems and Structural Analysis”, o Prof. Venâncio publicou o primeiro trabalho científico na área. Em 1961 lecionou um curso em análise matricial das estruturas, e em 1962 publicou um artigo sobre análise matricial em Notas sobre o Método dos Elementos Finitos- Versão beta Estevam Barbosa de Las Casas uma revista de ampla circulação entre a comunidade técnico-científica do Brasil [Venâncio, 1962]. A demanda por técnicas mais sofisticada de análise deu-se portanto no contexto da indústria aeronáutica, sendo logo seguida pelo setor de Construção civil, especialmente na região de São Paulo. O primeiro computador dedicado ao cálculo científico foi instalado em 1960 na PUC-Rio, um Datatron B205 da Burroughs. O segundo computador foi instalado dois anos mais tarde, em São Paulo, desta vez um IBM 1620. Como era de se esperar, os primeiros programas desenvolvidos (veja [deVasconcelos, 1985]) consistiam da transcrição de tarefas repetitivas da rotina dos escritórios de projeto, transferindo os cálculos trabalhosos para a máquina. No entanto, alguns programas específicos de análise matricial e de elementos finitos foram desenvolvidos e implementados. Nos anos de 1967 e 1968, foi desenvolvido no ITA pelo grupo do Prof. Venâncio um programa computacional para a análise do avião Bandeirantes. Existem também referências a programas desenvolvidos nas empresas Hidroservice (neste caso pelo então engenheiro Francisco Brasiliense Fusco).e Figueiredo Ferraz, ambos sob a supervisão do Prof. Souza Lima, para análise de problemas de engenharia, entre eles o projeto de túneis para a via Imigrantes em São Paulo [Vargas, 1996]. O trabalho de Venâncio [1960] foi uma marca importante na análise de estruturas reticuladas, e o Prof. Sousa Lima, na Escola Politécnica da USP, foi responsável por trabalho pioneiro na análise numérica de problemas da mecânica do contínuo [Sousa Lima, 1964]. A primeira dissertação de mestrado na área foi desenvolvida no ITA, em 1969 [Araújo, 1969]. Outro trabalho pioneiro foi o do Prof Wolf Altman [Altman e Venâncio, 1971], também à época do Departamento de Estruturas do ITA, tratando de uma formulação mista para o método dos elementos finitos. Simultaneamente, surgiam as primeiras publicações relativas a aplicações do MEF à Geotecnia [Zagottis, 1971]. Neste ano de 1971 foi publicado o livro clássico de O. Zienkiewicz, de grande repercussão no Brasil, inclusive pela grande interação do Prof. Zienkiewicz com Portugal através de trabalhos conjuntos na área de simulação computacional via método dos elementos finitos do comportamento de barragens. A criação da COPPE, o centro de pesquisas em engenharia da UFRJ, representou o estabelecimento de um novo pólo de desenvolvimento de pesquisa em engenharia no Brasil. Foi a primeira instituição brasileira credenciada para conferir o título de doutor, em 1969. Durante os primeiros anos, o curso de elementos finitos era de responsabilidade do Prof. Luiz Lobo B. Carneiro. Em 1970 o professor da UFMG Alcebíades de Vasconcellos Filho apresentou a primeira tese de doutorado da COPPE, discutindo análise de placas via método dos elementos finitos [Vasconcellos Filho, 1970]. Neste trabalho, se propunha a resolver que, consoante com a capacidade dos computadores da época, gerassem sistemas de equações de até 300 equações lineares simultâneas. Se dispunha de um computador IBM 1130 com 32 Kbytes de memória, mesmo equipamento disponível na Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. Naquela época a sofisticação requerida para tratamento dos problemas enfrentados pelas empresas de projeto, tais como a análise do metrô de São Paulo, havia motivado empresas de consultoria a adquirirem programas comerciais de análise estrutural. O programa baseado em análise matricial STRESS foi o primeiro padrão da comunidade de projetos, Notas sobre o Método dos Elementos Finitos- Versão beta Estevam Barbosa de Las Casas sendo usado a partir de 68. O primeiro esforço no sentido do desenvolvimento de um programa brasileiro de uso geral baseado no método dos elementos finitos deveu-se ao Prof. A. Ferrante, com o programa Lorane, criado em Porto Alegre (1973) e mais tarde desenvolvido na COPPE. A partir dos anos 60 nota-se uma importante presença do governo federal na qualificação de grupos de pesquisa nas universidades e centros de pesquisa e desenvolvimento. Um número significativo de jovens pesquisadores foi enviado ao exterior para se incorporar àqueles formados no país e formar o núcleo de uma estrutura de pesquisa consistente em engenharia. Em 1977 o Prof. Ferrante coordenou a organização do Primeiro Congresso Latinoamericano em Métodos Computacionais para Engenharia Civil, no Rio de Janeiro. Este congresso foi o resultado de duas décadas de trabalho por alguns pioneiros na estruturação de uma comunidade de mecânica computacional no Brasil, com a importante colaboração de colegas do Cone Sul. Já no ano seguinte o congresso realizou-se em São Paulo, incorporando outras áreas da engenharia. 3.4 Agradecimentos O autor agradece as contribuições dos Profs. Fernando Venâncio Filho, Alcebíades de Vasconcellos Filho e Wolf Altman, sem as quais este levantamento dos desenvolvimentos da área no Brasil não teria sido possível. 3.5 Referências. Altman, Wolf e Venâncio Filho, Fernando "Instabilidade de Colunas por um Método Misto de Elementos Finitos", Anais das XIII Jornadas Sul Americanas de Engenharia Estrutural, Porto Alegre, 1971. Araújo, Antônio "Análise Estática e Dinâmica de Vigas sobre Fundação Elástica pelo Método Matricial", dissertação de mestrado, ITA, 1969. Argyris, J. H. “Energy Theorems and Structural Analysis”, Aircraft Eng, 26 (out-nov. 1954), 27 (fev-maio 1955). Reimpressão em Argyris, J. H. e Kelsey, S. “Energy Theorems and Structural Analysis”, Butterworth, Londres, 1964. Clough, R. W. “The Finite Element Method in Plane Stress Analysis”, Proc 2d ASCE Conf Eletronic Computation. Pittsburgh, EUA, set. 1960, pp. 345-378. Courant, R. “Variational Methods for the Solution of Problems of Equilibrium and Vibrations”, Bull Am Math Soc,49,1-23,1943. Notas sobre o Método dos Elementos Finitos- Versão beta Estevam Barbosa de Las Casas de Vasconcelos, A. C. , “O concreto no Brasil- Recordes, realizações, História- Vol.1”, Copiare, São Paulo, 1985. Hrenikoff, A. “Solution of Problems in Elasticity by the Framework Method”, J Appl Mech, 8, 169-175,1941. McHenry, D. “A Lattice Analogy for the Solution of Plane Stress Problems”, J Inst Civil Eng, 21, 59-82, 1943. Sousa Lima, Victor, "Resolução de Problemas de Teoria da Elasticidade por meio de Computadores Digitais", tese de livre docência, USP, 1964. Turner, M. J., Clough, R. W., Martin, H. C. e Topp, L. J. “Stiffness and Deflection Analysis of Complex Structures”, J Aeron Sci, 23(9), 805-823, 1956. Vargas, M. "A História da Matematização dos Fenômenos Geotécnicos", Infogeo 96, 8498, 1996. Vasconcellos Filho, Alcebíades "O Método dos Elementos Finitos: Fundamentos Teóricos, Automatização; Aplicações a Problemas de Placas e de Elasticidade Plana", tese de doutorado, COPPE, UFRJ, 1970. Venâncio Filho, Fernando "Matrix Analysis of Plane Rigid Frames". Journal of the Structural Division, ASCE, 86(ST7), 1960. Venâncio Filho, Fernando "Formulação Matricial de Hiperestática", Revista Estruturas, no 43 e 44, 1962. Zagottis, Décio "Aplicação do Método dos Elementos Finitos a Problemas de Percolação", Terceira Jornada Luso-brasileira de Engenharia Civil, 1971. Zienkiewicz, O. "The Finite Element Method in Engineering Science", McGraw Hill, 1971.