O ENTENDIMENTO DE RUÍNA E AS ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO PROJETUAL ARQUITETÔNICA
BORGES, FABRÍCIA DIAS DA CUNHA DE MORAES FERNANDES (1); COSTA,
RAÍSA DE LACERDA (2) FERNANDES, MARIANA MAIA DA CRUZ (3) SAITO,
JÉSSICA TIEMI (4); SOUZA, JÉSSICA SANTOS DE (5).
1. Arquiteta pela Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE). Especialista em Arquitetura de
Interiores. Mestranda em Educação. Docente nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design na
Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE).
Rua Mário Ângelo Sereguetti, 519, Centro, Pirapozinho/SP. CEP: 19200-000
[email protected]
2. Graduanda do 10° (décimo) termo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Oeste Paulista
(UNOESTE), Presidente Prudente/ SP.
Rua Domingos João, 90, apto11, Jardim Itapura I, Presidente Prudente/SP. CEP: 19035-275.
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3. Graduanda do 10º (décimo) termo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Oeste Paulista
(UNOESTE), Presidente Prudente/ SP.
Sítio Recanto da Juriti, Zona Rural, Caixa Postal nº02, Presidente Venceslau/SP. CEP: 19400-000.
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4. Graduanda do 10º (décimo) termo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Oeste Paulista
(UNOESTE), Presidente Prudente/ SP.
Rua Itaguá, 130, Jardim Caiçara, Presidente Prudente/SP. CEP: 19050-590.
[email protected]
5. Graduanda do 10º (décimo) termo de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Oeste Paulista
(UNOESTE), Presidente Prudente/ SP.
Rua João Cristovão G. Medeiros, 20, Prq. Antonio Pereira, Presidente Venceslau/ SP. CEP:
19400-000.
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RESUMO
O profissional de Arquitetura e Urbanismo no exercício de sua profissão muitas vezes se depara com o
desafio de como intervir adequadamente em sítios históricos e por sua consequência com as
chamadas ruínas. A palavra ruína é comumente empregada como forma de definir edificações velhas e
abandonadas, sem uso e depreciadas pelo tempo. As ruínas fazem parte da paisagem cultural das
cidades sendo testemunhas do tempo e patrimônio cultural da população. Através delas é possível ter o
entendimento e a perspectiva de vários aspectos da arquitetura e do urbanismo pertencentes ao campo
disciplinar da Conservação e do Restauro, onde a ruína é tema recorrente no campo de atuação
projetual e assunto debatido por diversos teóricos em diferentes épocas, tais como, John Ruskin, Viollet
Le-Duc, Camillo Boito e Cesare Brandi. John Ruskin (2008) que articula os argumentos sob o enfoque
do culto às ruínas em uma visão romântica, própria do século XIX enquanto que Viollet Le-Duc (2006)
preza a restauração completa de um monumento. Camillo Boito (2008) que apresenta os pontos
negativos à teoria de Viollet Le-Duc (2006) apresentando primeiramente indícios sobre a autenticidade
dos monumentos, e Cesare Brandi (2004), teórico contemporâneo, apresenta a questão da ruína a
partir da ótica fenomenológica. Em todas estas teorias, a matéria original é o elemento principal a ser
considerado em qualquer intervenção onde a reconstrução se torna um falso histórico e falso estético,
por tentar chegar a um aspecto de inteireza jamais atingido originalmente. Brandi (2004) apresenta a
questão da necessidade de respeito da ruína, tendo como principal objetivo prezar a autenticidade da
obra, sem dizer que não podemos utilizá-la. Esta postura serve como referência projetual para as
intervenções contemporâneas que mantém a matéria original e ruína, somando a ela novas
intervenções que conferem usabilidade aos edifícios, não tornando-se apenas elementos que
qualificam paisagisticamente as áreas pelo estado em ruína que apresentam. Através desta pesquisa
inicial pretende-se trazer uma definição à questão da ruína e, assim, possibilitar a identificação e
catalogação de certo número de estratégias projetuais de intervenção realizadas na atualidade no
Brasil e no mundo por profissionais que se deparam com este tópico. Além disso, está incluído realizar
mapeamento de edifícios históricos no município de Presidente Prudente, interior de São Paulo, que
estão caracterizados segundo o conceito de ruína arquitetônica. Assim como os demais municípios do
Oeste Paulista, Presidente Prudente traz um legado industrial extremamente importante para seu
desenvolvimento demográfico e econômico que mesmo sendo um município relativamente novo, criado
por volta de 1921, já apresenta um grande número de edifícios relacionados á este legado industrial em
condições obsoletas. Tais edifícios estão basicamente ligados à época em que a Estrada de Ferro
Sorocabana funcionava como meio de transporte, não só de mercadorias agroindustriais mais
principalmente de pessoas, sendo eles desde indústrias de beneficiamento agrícolas tais como:
Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (SANBRA) e IRF Matarazzo e edifícios relacionados ao
comércio como: o antigo Hotel Municipal, as Indústrias de Bebidas Irmãos Funada, a Associação
Cultural Agrícola e Esportiva (ACAE), os antigos cinemas municipais, residências ecléticas e Art. Déco,
dentre outros espaços que já tiveram uma função e atualmente encontram-se marginalizadas,
descaracterizadas, ou até mesmo sofreram demolições, parciais ou totais.
Palavras-chave: Ruína; Estratégias de intervenção; Presidente Prudente.
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1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo apresentar o impacto que edifícios caracterizados como
ruínas arquitetônicas, são facilmente apontados pela população e pelo poder público como
um problema grave. Este estudo de caso tem como base as teorias de restauro e a
catalogação de certo número de projetos arquitetônicos em ruínas a fim de traçar estratégias
projetuais eficazes para se aplicar no mapeamento realizado no município de Presidente
Prudente, interior do estado de São Paulo.
Nota-se no município de Presidente Prudente que a paisagem urbana vem se modificando
com certa frequência, e o que antes era basicamente industrial, passa a se tornar uma mescla
de edifícios sem identidade definida. Devido á intervenções que descaracterizam os edifícios
históricos, ao desprendimento da população e do poder público e a forte especulação sofrida,
tais edifícios muitas vezes são abandonados e posteriormente demolidos.
1.1 LOCALIZAÇÃO
Presidente Prudente, localizada precisamente no Oeste Paulista, dista aproximadamente 569
quilômetros da capital do estado. Possui uma configuração espacial demarcada a partir da
implantação da Estrada de Ferro Sorocabana, posteriormente possuindo uma expansão
maioritária na porção oeste do município.
Figura 1: Mapa de localização em relação ao estado.
Fonte: MARQUES, 2011.
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Pode-se afirmar, que tal configuração está diretamente ligada com os planos que seus
fundadores, Coronel Marcondes e Coronel Goulart, possuíam para o recém formado
município. Coronel Goulart tinha o objetivo de colonizar, segundo Sousa (2008), enquanto que
Coronel Marcondes queria expandir seus negócios, implantando indústrias, comércios e
serviços. Sendo assim, a malha urbana originou-se através do surgimento de duas vilas que
levavam o nome de seus fundadores, a porção oeste foi inicialmente nomeada como Vila
Goulart tornando-se anos depois o Centro Prudentino, inicialmente residencial e
posteriormente tornando-se lugar de comércio e serviços. A porção leste se tornaria a Vila
Marcondes, possuindo tal nomenclatura até os dias atuais.
1.2 A PAISAGEM INDUSTRIAL EM PRESIDENTE PRUDENTE
Sousa (2008) afirma que a expansão territorial do município foi predominantemente para a
zona oeste motivada por diversos fatores. Um deles é devido ás questões topográficas, pois a
gleba referente á Vila Marcondes era considerada extremamente acidentada o que acarretaria
maiores investimentos e serviços com terraplanagem para adequar os terrenos para futuras
moradias, indústrias e afins. Outro fator relevante é devido à implantação do edifício sede da
Estação Ferroviária ao se escolher como fachada principal a face correspondente a Vila
Goulart, ou seja, ao se chegar o município via-se primeiramente a Vila Goulart, e a Vila
Marcondes ficava exatamente ás costas do edifício, e para se chegar até lá era necessário
atravessar a própria estrada de ferro sorocabana. Tal fator foi responsável pela formação da
barreira psicológica do além-linha discutido por Sposito (1983):
Observamos que para os habitantes do meio urbano, estrada de ferro, de
rodagem ou mesmo rios constituem-se além de barreiras geográficas, devido
as dificuldades causadas para a circulação de automóveis e pessoas,
também falsas barreiras psicológicas, se assim podemos denomina-las. É
comum ouvir-se falar das áreas localizadas além dos obstáculos; como “do
lado de lá do rio”, “do outro lado da linha”, “depois da estrada”, etc. Todas são
expressões que encerram para estas áreas um caráter de não muito boas
para o desenvolvimento de atividades comerciais e de serviços, ou para a
habitação. (SPOSITO, 1983, p.83)
Contudo, tais fatores não impediram o desenvolvimento da Vila Marcondes, tanto
espacialmente quanto economicamente. A Vila Marcondes até os dias atuais sofre com esta
barreira psicológica do além-linha, mas o incentivo de seu fundador Coronel Marcondes
incentivou a vinda das indústrias de beneficiamento agrícola, que se instalaram
estrategicamente ás margens da linha férrea para justamente facilitar a importação e
exportação de produtos, além da fácil comunicação com as fazendas produtoras de matéria
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prima, sendo assim, tais indústrias atraíram trabalhadores das mais diversas partes do estado
de São Paulo, devido á vasta oferta de emprego, gerando assim as vilas operárias.
Basicamente, a economia do município nos primórdios de sua criação era exclusivamente
agrícola devido à lavoura de café, após a crise cafeeira houve a necessidade de
descentralizar a produção para novos produtos. Tais produtos exigiam certo padrão de
qualidade, foi então que a vinda das indústrias de beneficiamento agrícola impulsionaram a
economia prudentina, principalmente na década de 1940, por justamente introduzir o padrão
de qualidade necessário e conseguir extrair novos produtos a partir de matérias primas, como
por exemplo, extrair do algodão o cotton e do caroço de algodão óleo vegetal alimentício,
segundo Teodoro (2012).
Por volta de 1970, segundo Sousa (2009), o declive da produção agrícola juntamente com a
ascensão da pecuária atrelado ao fato da desativação da estrada de ferro sorocabana para
transportes de pessoas e mercadorias agrícolas foram os principais motivos da
descentralização das indústrias no município. A vinda das rodovias e o uso de caminhões
para transporte, levou diversas delas a se instalarem nas regiões periféricas de Presidente
Prudente, fazendo com que indústrias de beneficiamento e seus remanescentes industriais na
área central fossem obrigados á fechar suas portas, levando milhares de trabalhadores á
ficarem desempregados, e fazendo com que os edifícios correspondentes fossem esquecidos
e abandonados.
2. O CONCEITO DE RUÍNA
Para conceituar ruína, Castriota (2009), Lemos (1987) e Silva (2011) são de grande
importância no presente trabalho.
A história, de certa forma, é manipulada para que se obtenha aquilo de interesse para se
preservar; sempre beneficiando alguns pontos em detrimento de outros, com uma dialética de
“lembrar-esquecer” (CASTRIOTA, 2009).
As políticas preservacionistas dos patrimônios culturais brasileiros surgem com os intelectuais
modernistas na década de 20. Tal política é totalmente voltada para a arquitetura colonial de
forma a buscar uma identidade nacional. Castriota relata que na antiguidade o patrimônio era
tido como algo colecionável; sendo somente no século XX que entram os conjuntos
arquitetônicos como parte do patrimônio cultural brasileiro. Nesse século inicia-se também a
preocupação com o entorno.
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A maior parte dos conceitos que norteavam então as escolhas e opções na
constituição do corpus patrimonial derivava do campo das artes, usando-se
noções como as de ‘obra-prima’, ‘valor intrínseco’ e ‘autenticidade’, que eram
incorporadas sem maiores discussões ou aprofundamento. [...] Esse quadro
vai mudar substancialmente no final do século XX, com a introdução de novos
agentes no campo do patrimônio e com a crescente ênfase que se dá aos
aspectos intangíveis dos bens culturais, fatores que também tornam cada vez
mais necessário se explicitar a operação de atribuição de valores sempre
subjacente no campo do patrimônio. (Castriota, 2009, p.100 e 101)
Castriota (2009) disserta ainda sobre a memória do lugar e como este possui uma ligação com
o ser humano, iniciando-se assim as políticas preservacionistas. Essa memória normalmente
acarreta fortes traços culturais, relacionando-se com a preservação da memória social e da
história pública.
Tendo em vista os dizeres de Lemos (1987), este dá ênfase ao que diz Hugues de Varine –
Boham. O patrimônio cultural é dividido em três categorias, sendo elas: natureza e meio
ambiente (todos os recursos naturais que tornam o local habitável), o conhecimento e o saber
fazer (a capacidade de sobrevivência do homem na natureza) e os bens culturais (objetos ou
construções obtidas através do meio ambiente e do saber fazer). (LEMOS, 1987).
Lemos afirma sobre a importância da preservação: “Aqui, registrar é sinônimo de preservar,
de guardar para amanhã informações ligadas a relações entre elementos culturais que não
tem garantias de permanência.” (Lemos, 1987, p.29). E também diz que se ter um uso
constante, com programas originais ajudam para a preservação de um determinado
patrimônio; sendo o ato do tombamento um artifício para garantir a permanência da memória
com o passar dos anos.
Silva (2011) diferentemente dos autores acima não disserta somente sobre o patrimônio
cultural, ele focaliza no patrimônio industrial. Suas observações fazem-se necessárias aqui
devido à grande parte das ruínas de Presidente Prudente terem sido indústrias de grande
importância para o município.
Silva explana que a preocupação acerca patrimônio imaterial e industrial muitas vezes partem
de iniciativas públicas ou privadas, levanto a iniciativas de tombamento. O conceito de
patrimônio industrial surgiu nos anos 50 a partir do termo arqueologia industrial;
“[...] O patrimônio industrial se compõe dos restos da cultura industrial que
possuam um valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico.
[...] A arqueologia industrial faz uso dos métodos de pesquisa mais
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adequados para fazer entender melhor o passado e o presente.” (Silva, 2011,
apud TICCIH, 2003).
De acordo com Silva, a paisagem cultural é tida de forma ampla e com conceitos
interdisciplinares; “[...] o patrimônio cultural que envolve o conceito de paisagem cultural
estaria relacionado àqueles conjuntos paisagísticos que envolvem elementos desenvolvidos
pelo homem e que se caracterizem por certa relevância cultural e a paisagem natural.” (Silva,
2011, p. 90).
As empresas pioneiras brasileiras sob a perspectiva “empresa-sociedade associada”,
considerando que estas contribuíram para o desenvolvimento local tanto economicamente
quanto socialmente, gerando o desenvolvimento das cidades e uma formação cultural que
estabelecia uma relação “empresa-comunidade”. (SILVA, 2011). “Tal capacidade de
identificação entre homem e ‘objetos’ cria possibilidades de desenvolver ações ou mesmo
conscientizar outros indivíduos ou grupos sobre a importância destes ‘lugares’ ou ‘objetos’
para seu fortalecimento de sua própria identidade ou seu próprio ‘eu’.” (Silva, 2011, p. 103).
2.1 TEORIAS DE RESTAURO AO LONGO DOS ANOS
Para a total compreensão dos métodos e maneiras de se atuar em uma ruína, é necessário o
estudo acerca as teorias que foram aceitas no decorrer do tempo. Sendo estas apresentadas
cronologicamente.
Em 1849 há a teoria de Ruskin, considerado romântico por caracterizar a arquitetura como
parte da natureza, e também por defender a pátina e a idade da arquitetura. Ruskin é tido
como o teórico do anti restauro: “Não falemos, pois, de restauração. Trata-se de uma Mentira
do começo ao fim.” (Ruskin, 2008, p.81). Ruskin assegura que sobre uma ruína tudo deve ser
feito para suportá-la até seu dia final, não importando a maneira e nem a aparências dos
materiais utilizados. “[...] restauração [...] significa a mais total destruição que um edifício pode
sofrer: uma destruição da qual não se salva nenhum vestígio: uma destruição acompanhada
pela falsa descrição da coisa destruída.” (Ruskin, 2008, p. 79).
Viollet-Le-Duc apresenta a sua teoria no ano de 1854, defendendo o restauro total e a
inteireza que um monumento deve apresentar. “Restaurar um edifício não é mantê-lo,
repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode não ter existido
nunca em um dado momento.” (Viollet-Le-Duc, 2006, p. 29). Le-Duc acredita que quando
retira-se uma parte do monumento, esta deve ser substituída por outra de um material melhor
e mais eficaz; dizendo ainda que o arquiteto restaurador deve se imaginar como o arquiteto da
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época do monumento “[...] o melhor a fazer é colocar-se no lugar do arquiteto primitivo e supor
aquilo que ele faria se, voltando ao mundo, fossem a ele colocados os programas que nos são
propostos.” (Viollet-Le-Duc, 2006, p. 65).
No ano de 1884 há os dizeres de Boito, sendo praticamente um crítico da teoria apresentada
por Le-Duc. Boito (2008) explana sobre a necessidade de se conservar um monumento tanto
em seu aspecto artístico quanto pitoresco; e diz também que quando um acréscimo ou uma
substituição são indispensáveis, estas devem mostrar-se como atuais.
Finalizando as teorias, em 1963 há Brandi (2004) dizendo que restauração é toda intervenção
que volte a dar eficiência àquilo produzido pelo homem. Brandi disserta sobre a restauração
segundo duas instâncias, histórica e estética. Enquanto instância histórica, não leva-se em
consideração a estética do monumento, devendo-se sempre conservar as adições: “Do ponto
de vista histórico a adição sofrida por uma obra de arte é um novo testemunho do fazer
humano e, portanto, da história [...]” (Brandi, 2004, p. 71). Enquanto instância estética pede-se
pela remoção das adições: “[...] a essência da obra de arte deve ser vista no fato de constituir
uma obra de arte e só em uma segunda instância no fato histórico que individualiza [...]”
(Brandi, 2004, p. 84). Diante disso, Brandi disserta sobre sempre se manter a autenticidade do
monumento “[...] a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra
de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e
sem cancelar nenhum traço da passagem da obra de arte no tempo.” (Brandi, 2004, p. 33).
2.2 SÍNTESE DE UM RESTAURO ADEQUADO
Relacionando todas as teorias acima apresentadas, é possível compreender as maneiras
corretas de agir sobre cada monumento, sempre levando em consideração que cada um
apresenta uma particularidade. De acordo com essas teorias Neto relata:
O método romântico de preservação constitui numa reconstituição sem
documentos históricos, quando obras antigas são recuperadas e
revitalizadas com certa fidelidade e muito saudosismo. Já o método
arqueológico, surgido na época das descobertas das grandes ruínas
mediterrâneas, proíbe a reconstrução, a não ser que se utilize métodos e
materiais originais. Existe ainda o método histórico, que fundamenta-se na
idéia da recuperação de edifícios de forma fidedigna, com uso de
documentação, não permitindo nem a alteração do lugar original da obra nem
seu espaço volumétrico. (Neto, 1992, p. 265 e266).
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Um monumento histórico, ou uma ruína devem sempre ser observados atentamente para
poder discernir cada detalhe do objeto; compreender onde deve ter uma remoção, onde
deve-se manter intacto e onde deve-se até mesmo apresentar um refazimento, sempre
presando pela autenticidade da obra original. “O caráter de um edifício é igualmente originado
do espírito de uma época, dos valores de uma sociedade, das ressonâncias de uma moda ou
inclusive de um empenho individual-criativo de seu autor.” (Neto, 1992, p. 266).
3. OS CASOS DAS RUÍNAS DE PRESIDENTE PRUDENTE
Presidente Prudente, assim como a maioria das cidades do interior do estado de São Paulo,
não apresenta preocupação quanto à manutenção, preservação e reuso de edifícios antigos,
que carregam grande parte da história local.
Esse descaso do município como um todo, é percebido por poucos moradores, principalmente
os residentes mais antigos, que muitas vezes construíram, trabalharam ou moraram em
determinado local. Tais moradores sentem a perda de tais edifícios, mas por serem um
minoria, não são levados em consideração.
Tal problemática impulsiona o estudo mais detalhado de algumas construções em específico,
de tipologia tanto industrial quanto eclética, a seguir apresentadas.
3.1 OBJETOS DE ESTUDOS
Foi efetuado um levantamento na cidade de Presidente Prudente sobre as edificações das
antigas indústrias com o intuito de saber em que estado se encontrava cada uma, chegando
assim a uma classificação do estado de ruína em que se encontram ou, como em um dos
casos, de intervenção já efetuada.
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Figura 2: Mapeamento de ruínas em Presidente Prudente.
Fonte: Autoras, 2014.
O antigo edifício sede da Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro (SANBRA) localiza-se
na confluência entre as Ruas Alvino Gomes Teixeira e José Claro, na Vila Maristela. Chegou á
Presidente Prudente por volta de 1948, com atividades voltadas para o beneficiamento de
algodão, e teve o auge de sua produção em 1950, encerrando suas atividades em 1970. Este
edifício foi recentemente demolido parcialmente para ceder lugar a dois condomínios verticais
voltados para classe média, e a preexistência restante está sob forte ameaça devido á
presente especulação imobiliária presente no município. Tais edifícios correspondem apenas
á termoelétrica, que gerava energia para que a indústria, incluindo um galpão, a casa de
caldeira e a chaminé, que encontram-se em estado de ruína arquitetônica, sendo alvo de
marginalização urbana através de tráfico de drogas e prostituição. Atualmente, há uma briga
judicial entre iniciativa privada, poder público municipal e a CIESP para decidir o futuro da
preexistência.
A instalação da antiga indústria Matarazzo em Presidente Prudente faz parte da rede de
indústrias da família de Francisco Matarazzo, imigrante italiano que chegou ao Brasil ainda
jovem e se tornou um dos maiores empresários da década de 1940. Ocorreu, que após a
morte de Francisco, as indústrias Matarazzo ficaram em posse dos herdeiros, que começaram
a acumular dívidas chegando ao ponto de diversas instalações de variadas cidades de São
Paulo declararem falência.
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Com a falência das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, as edificações que foram feitas
nas cidades, ficaram em estado de abando por muitos anos, algumas abandonadas até os
dias de hoje, como é o caso de Presidente Venceslau localizada próxima à Presidente
Prudente (local de estudo).
Já em Presidente Prudente a construção da Matarazzo ficou abandonada até o ano de 2003,
quando começaram estudos para uma proposta de reforma e modernização do local.
Atualmente no lugar funciona o Centro Cultural Matarazzo, que possui espaços aberto ao
público, a biblioteca municipal, além de aulas de dança e palco de atrações culturais durante
todo o ano. A edificação é um exemplo na cidade de que um espaço abandonado pode ser
renovado e usado pela população, que possui um vínculo psicológico com o espaço, pois
assim como as demais construções industriais da cidade, ela faz parte do início do
desenvolvimento do município.
3.2 A SUBSTITUIÇÃO DOS EDIFÍCIOS ANTIGOS
Com territorialização japonesa em Presidente Prudente no ano de 1925, tendo em vista o
alcance de posses sobre a agricultura e com os propósitos de retornarem para a sua terra
natal ou de se estabelecerem definitivamente no país sendo donos de terras (SOUSA,2007),
foi criada a Associação Cultural Esportiva e Agrícola (ACAE). Atualmente é um grande centro
de convivência para as famílias japonesas contendo duas sedes na cidade, uma voltada para
a área esportiva e outra para área cultural.
Com propósito de conceber um “ponto de apoio” para as 3.700 famílias japonesas, foram
construídas pelos próprios trabalhadores em 1928, um conjunto de três edifícios com
características maneiristas e coloniais, apesar de ambas não possuírem o mesmo tempo
cronológico (SHIKASHO, 2012).
Nos dias de hoje a área onde se encontram, situada na região central da cidade, sofre com a
especulação imobiliária. Com o aumento das onerações de bens, sua diretoria optou por
alugar metade do terreno para uma franquia de fast-food, onde na implantação desta deveria
ausentar-se de quaisquer edificações acarretando na demolição do primeiro edifício (2012).
Com o mau planejamento da nova implantação e a proximidade de ambas as construções, a
estrutura do edifício vizinho foi comprometida resultando o desmoronamento do mesmo
(2013).
Atualmente o terreno está abandonado e sem projetos futuros. As atividades ali exercidas
foram transferidas para locais inapropriados e sem adequações para tais afazeres
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degradando gradualmente o incentivo à cultura. O terceiro edifício foi “adaptado” para
funcionar uma escola particular onde não há acessibilidade e suas condições são precárias.
Há também o edifício da antiga fábrica de bebidas Funada, fundado em 1947 com influências
do estilo arquitetônico Art Déco. Com análises feitas no local e através de fotografias, é
possível perceber que a edificação foi construída em duas fases, sendo a segunda parte mais
próxima do estilo modernista.
O edifício faz parte da história prudentina e principalmente da vida dos moradores que
convivem há muitos anos com o mesmo; até mesmo após o ano de 1986, quando a fábrica
Funada mudou sua instalação para outro prédio na mesma cidade, deixando o local fechado e
abandonado. Por ainda pertencer aos donos da Funada, o prédio não obteve nenhum outro
tipo de atividade, ficando assim à mercê das intempéries naturais que danificaram um pouco a
edificação. Tendo uma demolição completa no início do ano de 2014, sem uma causa
aparente.
O Antigo Expurgo Municipal, localizava-se ás margens de uma das principais avenidas do
município, a Avenida Brasil, pouco sabe-se á respeito de seu histórico. Através de relatos
informais com a população pode-se coletar dados que afirmam que o mesmo também
pertencia á iniciativa privada. O edifício era utilizado para armazenar sementes expurgadas
pelas indústrias de beneficiamento agrícola, e foi diretamente afetado com a crise de 1970,
deste modo foi interrompida suas atividades e o local ficou abandonado durante anos,
tornando-se alvo de marginalização urbana. Segundo Hirao; Floeter (2013) em 2010, o
edifício foi completamente demolido para ceder lugar á um novo, que seria a sede do
Poupatempo, e não houve a preocupação do poder público de intervir e utilizar o já existente,
requalificando-o para adaptar-se ao novo uso.
O antigo Hotel Municipal foi construído em 1929 no primeiro núcleo de Presidente Prudente.
Por estar em um local próximo da linha férrea e no centro da cidade, o edifício passou por
vários proprietários, sendo um deles uma família de alemães, responsáveis estes por inserir
os primeiros vestígios sobre a arquitetura eclética.
Segundo Florindo (2013, apud Bernad, 2011), a construção situa-se em uma esquina
possuindo duas fachadas principais com características ecléticas, germânicas e elementos
neocoloniais. Mantém-se em destaque o seu pé direito duplo com uma sacada que serve de
cobertura para a entrada principal.
Entretanto, no ano de 1990 foi sujeito a uma reforma resultando na demolição da sua fachada,
devido à cogitação de um início de tombamento, que não foi concluído. E em 2011 obtiveram
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o começo de uma reforma o que viria a ser uma galeria de comércios, entretanto, foi
embargado por não possuir a aprovação do projeto para o início das atividades e pela
descaracterização de sua fachada principal. Atualmente suas estruturas estão à mercê da
conclusão referente ao Corredor Histórico (fundações onde tomam parte do passado histórico
da cidade) da cidade de Presidente Prudente (FLORINDO, 2013, apud Bernad, 2011).
3.3 A RUÍNA E A POPULAÇÃO PRUDENTINA
Analisando o município de Presidente Prudente numa totalidade, sua população apresenta
descaso e indiferença à questão dos edifícios antigos que marcaram a história do crescimento
e da colonização da região. Por esse ângulo, nota-se não somente o descaso pelo que é
antigo, como também com qualquer questão cultural que remeta aos tempos da fundação do
município.
Se o antigo já não é tão bem visto, muito menos pode-se dizer dos edifícios aqui
apresentados, os ditos ruínas. Que muitas vezes acabam por ter sua degradação evidenciada
por vândalos, já que a cultura local nunca foi de importância para a sociedade prudentina.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base em todos os estudos efetuados e dados coletados, conclui-se que algumas teorias
já em desuso, como a de Ruskin e de Le-Duc, muitas vezes fazem-se eficazes após a análise
de um monumento. Explica-se tal afirmativa da seguinte maneira: um monumento
arquitetônico pode se caracterizar de forma tão singular e com tanta importância física,
psicológica ou cultural, que o mais adequado a se fazer é somente ampará-lo e preservá-lo de
tal maneira imponente; ou um monumento com as mesmas características do anterior perde
uma determinada parte, causando o sentimento de perda na população e um efeito de lacuna,
sendo então justificável o seu refazimento.
Tomando os objetos de estudo deste trabalho, em geral, deve-se aplicar a teoria de Brandi,
realizando um restauro ou intervenção arquitetônica prezando pela autenticidade histórica e
artística do bem imóvel.
Além de conclusões acerca as teorias de restauração, é possível ainda observar que o
grande descaso apresentado pela população prudentina, mesmo que indiretamente,
impulsionou de certa forma a possibilidade de demolição de referenciais arquitetônicos e
históricos. Sendo possível dizer ainda, que somente uma mudança na educação de base,
com a introdução da cultura como fator de importância, que o município poderá apresentar
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uma configuração social diferenciada, com respeito e sentimento por aquilo que viveu e conta
história.
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