AQUASHARE 2012 – Maputo, 10-11 Maio CONTROLO DA QUALIDADE DOS DADOS HIDROLÓGICOS EM MOÇAMBIQUE (Da medição no campo até à base de dados) Maria Isabel Vaz Hidrologista e Engª Hidráulica Sénior, CONSULTEC Índice 1) Importância dos dados hidrológicos 2) Evolução em Moçambique 3) Recolha de dados (particularmente dados hidrométricos) 4) Do campo para o gabinete - factores que afectam a qualidade nas várias fases 5) Impacto da qualidade dos dados 6) Caminho em frente 1.Importância dos dados hidrológicos Civilizações antigas desenvolveram-se ao longo de importantes rios. Dependência da água para o desenvolvimento e necessidade de conhecer os fenómenos de cheias e secas para a produção alimentar. Desenvolvimento de obras como pontes, estradas, abastecimentos de água à população, com base na experiência e conhecimentos empíricos de hidráulica. Hidrologia propriamente apenas no sec XVII. 2. Evolução em Moçambique Navegação marítima – Moçambique, 1876, 1896 grandes empresas agrícolas, de comércio (C. Da Zambezia, Niassa, Moçambique) e missões (Boroma) e Aviação civil, 1909 (Criação Observatório Campos Rodrigues) da Marinha Hidrometria em Moçambique a partir 1914 na captação de água no Umbeluzi para Lourenço Marques (empresa Delagoa Bay), grandes companhias inglesas Trans-Zambezia raiways, Sena Sugar States (Luabo, Marromeu, Mopeia). Governo apenas a partir de 1942 inicia recolha sistemática de dados hidrométricos em pontes de >50 m vão, construção açude Goba, instalação de pluviómetros e escalas. (Brigadas de Hidrometria, Missões, Brigadas de Fomento e Povoamento, Caminhos de Ferro, Obras Públicas e privados. Em 1948 – 33 estações hidrométricas. Em 1968 – 700 pluviómetros e 280 escalas 3. Recolha de dados Recolha de dados envolve meios humanos e materiais, fiscalização, verificação, arquivo, processamento e análise de resultados Moçambique – água distribuída não uniformemente geograficamente e de forma irregular ao longo do ano e entre anos. Recursos transfronteiriços extremamente importantes (+/-50%). Conhecimento dos recursos hídricos vital nalgumas regiões como no sul. Choques hídricos, produção agrícola, com grande impacto na economia. Criação da DNA em 1977 e a herança de vários serviços. (270 est.hidrométricas e 400 pluviómetros). Após Independência, saída de técnicos, grande esforço para manter a recolha de dados através de uma escola de formação de hidrometristas, embora alguns fossem “desviados” para directores provinciais e especialmente para abastecimento de água, questão muito premente politicamente. Guerra civil de 1982 a 1992 forçou ao abandono de um grande número de estações. Lapso de dados de 10 e mais anos. Muitas estações ainda não foram recuperadas Nº estações hidrométricas 350 Guerra Indep. 300 250 200 150 100 50 0 1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 Nº estações pluviométricas 500 400 300 200 100 0 1974 1977 1980 1983 1986 1989 1992 Evolução do número de estações c/ funcionamento regular 3.1 Processo de recolha e armazenamento de dados Sistema herdado que ainda prevalece: LEITOR – dados diários/horários em caderneta HIDROMETRISTA – mensal/2meses – inspecção, manutenção, cópia dos dados da caderneta (ou o leitor) SEDE DA ARA – registo da recepção fichas(nem sempre), gravação em EXCEL ou software apropriado, envio à DNA (dantes os Sectores Hidrometria faziam transcrição leituras dos gráficos limnígrafo), relatório de saída, registo de anomalias. DNA – registo recepção, análise, gravação e processamento com software, arquivo em papel Dificuldades na recolha de informação hidrométrica Falta de pessoal/espírito de sacrifício Estações em rios com leito natural (apenas um descarregador medidor(Umbeluzi)+açudes e barragens (balanço hídrico) Problemas de sedimentação, Variação do curso do rio, Escalas arrancadas c/ cheias ou mudadas para onde o rio passa a correr. Coordenadas e cotas não são transportadas Falta de limnígrafos Falta de equipamento de medição ou acessórios(Pesos, guinchos, contador de rotações) Vandalismo(roubam, destroem escalas, guinchos, marcos topográficos, barcos, paineis solares, etc) Molinetes não calibrados ( Aparelhos modernos sofisticados apenas na ARA-Sul e Zambeze – pouco pessoal habilitado) Dificuldades na recolha e processamento de informação hidrométrica Dificuldades financeiras - Falta de viaturas, falta fundos p/ salários, ajudas custo e pagamento aos leitores; saídas ao campo pouco frequentes (leitores que se deslocam para receber subsídio e fichas preenchidas duvidosas) - Falta manutenção das estações - Falta de equipamento para medição e renovação/ novas estações (Número de estações pluviométricas quase igual ao das hidrométricas. WMO indica 3 vezes(cerca de 220-250 – Hidrom e Pluv)) - Falta de cooperação entre as várias entidades que recolhem informação e não enviam a outros, instrumentos não normalizados Dificuldades com pessoal • Pessoal com experiência em hidrometria poucos e os jovens não têm possibilidade de adquirir mais prática por falta de meios materiais. Arquivo em papel– pouco prioritário / falta de espaço de arquivo Arquivo e processamento digital - DNA pouco pessoal (nenhum hidrologista dedicado ao banco de dados), vários softwares, falta de controle de qualidade dos dados Boas práticas já são raras: 1. de recolha de informação complementar: marcas de cheias, preenchimento de fichas, relatórios, croquis de novas estações, medições em alturas críticas, levantamento topográfico,etc 2. anotação de alterações: escalas arrancadas, reinstaladas,razão da falta de dados (escala submersa?, sem escala?, saída?, acesso?) 3. Diálogo para corrigir falhas, comentário aos dados e inclusão no registo digital Dificuldades no terreno Material para uma viagem do hidrometrista Carregando gerador Acessos e condições para colocação de escalas Enfrentando perigos Dificuldades com rios muito grandes, especialmente em cheias. Como medir caudal num rio com esta largura? Rio Save – leito móvel Pluviómetro que ficou rodeado de pés de milho Leituras de níveis em locais que precisam de ser alterados Localização das escalas – uso de canoa quando a escala a ler é na outra margem. Vandalismo – destruição das escalas Dificuldades na aquisição e calibração de instrumentos Molinete com um copo pintado porque se avariou o sistema de audição das rotações Marca de cheia numa ponte do rio Tembe A importância das marcas de cheia Limnígrafo sem funcionar 4.Do campo para o gabinete Problemas mais comuns LEITOR: leitura errada, erro de escrita (vírgula errada, leitura de cima para baixo na escala), escala não nivelada, escala desaparecida, local longe e sem bicicleta e PRINCIPALMENTE AUSÊNCIA DE LEITURAS ( viagem ao rio 3 ou mais vezes ao dia difíceis!!!!, viagens p/assuntos diversos são frequentes) HIDROMETRISTA: transcrição errada, falta fiscalização do leitor, mudança escala (rio desviou curso, escala caiu, não há escala daquele intervalo de leituras), medição de caudal sem instrumentos adequados ou ausência de medições ESCRITÓRIO ARA – transcrição errada, uso de dados via rádio por vezes escutados com dificuldade. Não há controle de qualidade dos dados a gravar, depois de gravados e enviados à DNA. Nome rio, estação, por vezes mal escrito – conduz a erros de arquivo e digitalização. DNA – erro de digitalização, não utilização de rotinas de controle de qualidade dos dados à entrada e após gravação. Reduzidas medições de caudal, extrapolação de curvas para cheias e para mais de 20 anos. Gravação massiva dos dados e softwares 1982 – gravação massiva de 20,000 estações x ano de chuva, 5,500 estações x ano de níveis e 6,000 furos - dados validados. Perda de muitas anotações.Uso de um grande computador. Dificuldades de manutenção dos computadores/ software desenvolvido na DNA – migração para outros sistemas em computadores pessoais. Alguma perda de dados – codificação inicial difícil, pequena memória dos computadores 1996 – software HYDATA para DOS – funciona ainda hoje em paralelo com outros modernos Temporal Analyst (2007) e HYDSTRA (2010) É comum empresas de consultoria comentarem sobre a qualidade dos dados, acabando por fazer modelos matemáticos nem sempre adaptados às nossas condições: Analysis showed that the data was inconsistent The rating curve for this station needs to be revised The flow gauging station on the River was not in as good a condition The low level gauge plates were missing. There is insufficient rainfall data A majority of the data records are available for the period from 1950 to 1980 and only a few stations have data available after 1990 Generally most records show one or several systematic changes which cannot be explained by the natural variation in rainfall The consequence of the systematic changes is that they will create non-homogenous runoff series if used as input to hydrological models It was unfortunately found that a majority of the historical runoff data is unreliable Estimating runoff characteristics from scarce and low quality data always gives results associated with uncertainties. The use of uncertain observed rainfall, evaporation and runoff for calibration and testing of the methods or models, results in that those uncertainties are directly propagated to the calculated river runoff and MAR. Furthermore, for ungauged catchments or where data are very scarce the choice of method for estimating runoff gives normally different results depending on the different assumptions made. The more observed data that is available the lesser assumptions are needed to be made and the methods tend to converge towards the same river flow estimates. Exemplos Troca de algarismos Nº limitado de Med caudalrios Buzi e Pungoe P NOME 758 Espungabera Ordem Código 27 P - 785 LOCALIZAÇÃO BACIA Espungabera Búzi Localização Espungabera Station From To Subtotal E64 1956 1973 248 E65 1953 1981 648 E66 1953 1996 616 1 1 E67 1955 1992 213 1 1 E70 1956 1996 477 2003 2004 Rio Bacia Búzi 2005 2006 2007 2008 2009 1956 1980 333 E74 1956 1991 530 E76 1958 1996 397 5 1 1 2 1 1980 142 E81 1956 1981 188 E651 2 656 2 217 1 482 1 1 1 338 1 531 397 1 1958 1 618 3 E78 E80 TOTAL 248 E71 E72 2010 1 1 142 1 3 2 1 189 1 1 1 1 9 Data Coverage - Nampula City 4.0 2.0 0.0 1960 - 1969 1970 - 1979 1980 - 1989 1990 - 1999 2000 - 2009 1 0 1955-1959 1960-1964 1965-1969 1970-1974 1975-1979 1980-1984 1985-1989 1990-1994 1995-1999 2000-2004 Séries interrompidas Cota na escala (m) Nível na E476 de 2001 a 2005 3 2.8 2.6 2.4 2.2 2 1.8 1.6 1.4 1.2 1 01-10-2000 20-11-2000 09-01-2001 28-02-2001 19-04-2001 08-06-2001 28-07-2001 16-09-2001 05-11-2001 Erros leitura/digitalização 2005-2009 Séries com interrupções Dados Aprovados e Rejeitados Cotas na escala (m) 5 4 3 Aprovados 2 rejeitados Mudança da escala 1 0 0 5 10 15 Q (m3/s) Cota na escala (m) Níveis na E437 rio Inhanombe Mudança de escala 1.5 1.0 0.5 23-06-2000 05-11-2001 20-03-2003 01-08-2004 14-12-2005 28-04-2007 Nìveis na estação do Alto Changane – rio Limpopo Ampliação do período de 1954 700 600 500 400 300 200 100 0 21-05-53 29-08-53 07-12-53 17-03-54 25-06-54 03-10-54 11-01-55 21-04-55 30-07-55 07-11-55 15-02-56 Registo duvidoso. Sem comentários na folha de registos Curva D Cota na escala (m) 2.35 Uso de software automático de traçado de curvas de vazão 2.25 2.15 2.05 1.95 1 2 3 4 5 Q (m3/s) 6 7 8 9 5. Impacto da qualidade de dados 1) Actualização do conhecimento do potencial de r. hídricos (usos diversos, monitorização, negociação com países vizinhos, prevenção de desastres, impactos ambientais, caudais ecológicos, qualidade da água, etc) 2) Dimensionamento de obras: pontes, drifts, drenagem de estradas/cidades, albufeiras, protecção erosões,etc 5.1Actualização do conhecimento dos recursos hídricos Produção de energia em C Bassa Barragem de Massingir – necessidade de novo descarregador auxiliar Dimensionamento de caudal de cheia de obras de arte Dimensionamento de pontes e drifts, para caudais associados a períodos de retorno, baseados em acontecimentos passados Onde não há registos.Qual o nível de cheia a considerar? Nível máximo atingido que a pessoa se lembra, não sabe quando. Acreditar na memória das pessoas? Cálculo de uma ponte. Nenhum registo, apesar de have escala Dimensionamento de albufeiras para sistemas de rega 10 – Annual generated flows by NAM model Figure Curvas de vazão duvidosas. Modelo matemático indica água para rega 54,000 ha. Dados medidos revelam água para rega de 9,000 ha. Haverá água?. Flows generated at Nepoteco Dam site (NORCONSULT) Flows observed at E150 transposed to Nepoteco Dam site 600 600 500 400 Flows (Mm3) Flows (Mm3) 500 300 200 100 400 300 200 100 0 0 2 4 6 8 Month 10 12 14 0 0 2 4 6 8 Month 10 12 14 Dimensionamento de descarregadores Fiabilidade dos abastecimentos de água Barragem de Nampula Cumprimento de acordos de partilha Moçambique, Suazilândia e RAS assinaram um acordo em 2001 (INCOMAPUTO) que estabelece valores limites de uso de água para diversos fins, caudais mínimos, qualidade da água, etc. Fiabilidade dos dados é essencial Monitorização - mudanças climáticas Fenómenos extremos são comuns e aparentemente mais frequentes nas últimas décadas, nalgumas regiões, as muito propaladas “mudanças climáticas”: cheias com grandes inundações, secas em anos consecutivos, ciclones, tornados, etc, mas focase mais na especulação dos efeitos que esses fenómenos provocarão: falta de comida, zonas que terão stress hídrico, problemas de saúde, etc. São atribuídos fundos para colmatar os efeitos mas pouco para aumentar o conhecimento 6. Caminho em frente Há uma necessidade de se actualizarem os estudos da água disponível, feitos há mais de 20 anos, sensação de cada vez menos água, será verdadeira?maior uso da água?mais barragens? Rios partilhados: quem vai primeiro ganha o direito - urgente tomada de medidas para reservar água para Moçambique Temos hoje o privilégio de viver um desenvolvimento económico acelerado e onde os dados hidrometeorlógicos são importantes não só para dimensionamento de obras, mas monitoramento, prevenção de desastres, protecção do ambiente, etc. Temos mais jovens e com mais formação académica (hidrometristas antes tinham a 9ª classe quando muito!!) Temos mais meios de comunicação, estradas, internet, telefonia móvel, cobrindo grande parte do País 6.Caminho em frente- agenda Sensibilização das autoridades para a importância dos dados com QUALIDADE Apetrechamento das instituições que lidam com água, pessoal, equipamento, ferramentas de planeamento, que permitam, num futuro incerto, ao Governo e à sociedade em geral, uma compreensão da importância da gestão da água, nas suas várias formas, no dia-a-dia. Racionalização das redes, em conjunto com outras entidades que também prestam este serviço (exclusividade? Pagamento pelos dados?) Preservação e revisão da qualidade dos dados já digitalizados com software apropriado+pessoal treinado uniformização do tipo de equipamento de registo, modernização dos instrumentos e migração para aparelhos de registo automático, telemetria, medição caudais, com menos intervenção humana e formação e reciclagem de pessoal (incluindo novas áreas como electrónica e computação) Associação da recolha de informação, processamento e difusão aos programas de: mudanças climáticas, calamidades naturais, agricultura de sequeiro e regadios, exploração mineira, saúde, turismo, ambiente, planos e bacias, de barragens, abastecimentos de água, produção de energia hidroeléctrica, eólica, estradas, etc., envolvendo stakeholders, autoridades locais.