Saúde ocupacional
Determinação da protoporfirina-zinco
por hematofluorímetro portátil:
investigação sobre validade dos dados
JOÃO PRISTA
RUI PINTO
PEDRO AGUIAR
A determinação da protoporfirina-zinco (PPZ) por meio de
um hematofluorímetro portátil vem sendo descrita como
apreciável contributo no contexto da vigilância de saúde
de trabalhadores expostos a chumbo.
Num estudo abrangendo 178 indivíduos (cerca de 60% dos
quais referenciados como profissionalmente expostos
àquele metal) foi testado o método e a técnica propostos e
estudada a validade dos resultados assim obtidos.
Concluiu-se que a determinação da PPZ em sangue colhido
por punção capilar, por meio de hematofluorímetro portátil, oferece resultados fiáveis, permitindo, deste modo, o
recurso a esta técnica de fácil execução e baixo custo.
Introdução
Um importante instrumento na vigilância da saúde de
trabalhadores expostos a substâncias químicas (tóxicos) reside na possibilidade de quantificação, nos
meios orgânicos, dos designados indicadores biológi-
João Prista é médico do trabalho e assistente da ENSP/UNL
(grupo de disciplinas de Saúde Ocupacional).
Rui Pinto é licenciado em Farmácia, Clínica Médica e Diagnóstico Dr. Joaquim Chaves, Unidade de Farmacologia e Farmacotoxicologia da UL.
Pedro Aguiar é mestre em Probabilidades e Estatística, ENSP/
UNL (grupo de disciplinas de Epidemiologia e Biostatística).
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cos de exposição (BEI), quer de dose (quando se
trata da própria substância ou de um seu metabolito),
quer de efeito (quando se referem a produtos gerados
em alterações metabólicas — geralmente reversíveis — derivadas da acção do tóxico). Na avaliação
da exposição a tóxicos, estes indicadores constituem
elementos do maior rigor e utilidade, já que são
influenciados pelas características biológicas individuais de cada trabalhador e têm em conta as diversas
vias de exposição (eventualmente extraprofissionais)
e de absorção (Prista e Uva, 2002).
A selecção de indicadores biológicos de exposição
exige não só que sejam adequados, fundamentalmente específicos e sensíveis, mas ainda que se
tenham em conta aspectos relacionados com a respectiva «aplicabilidade», como são os casos da simplicidade ou complexidade das técnicas e dos equipamentos de medição ou do custo de tais avaliações
(WHO, 1996).
Na exposição a chumbo (designadamente de natureza
profissional), o efeito crítico da acção deste metal
situa-se ao nível da cadeia de síntese da hemoglobina.
Tal efeito (melhor dito, conjunto de efeitos) consiste
na inibição de diversas enzimas, sendo mais notório
e precoce em relação à desidratase do ácido delta-aminolevulínico (ALA-D), responsável pela transformação do ácido delta-aminolevulínico (ALA) em
porfobilinogénio (PBG), e da ferroquelatase que
catalisa a incorporação do ferro na molécula de protoporfirina IX (PPE). Destas inibições enzimáticas
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resulta a acumulação dos respectivos substratos, no
caso, o ALA e a PPE, respectivamente (Figura A).
É deste conhecimento que deriva o facto de a investigação científica sempre ter mostrado um particular
interesse no comportamento destas enzimas e dos
respectivos substratos a fim de estabelecer um quadro de compreensão dos reflexos da exposição a
chumbo sobre a saúde dos indivíduos expostos e
proporcionar métodos de adequada vigilância dos
efeitos dessa exposição.
Nestas circunstâncias, a acumulação da protoporfirina nos eritrócitos indicia a intensidade de acção de
uma dada quantidade de chumbo absorvido e, portanto, o seu doseamento constitui-se como um indicador biológico da exposição ao chumbo (Harada e
Miura, 1984). Os iniciais métodos laboratoriais de
doseamento desta substância, contudo, tornavam
pouco prática a sua utilização, em virtude dos custos
e tempo inerentes às técnicas então exigidas
(Fischbein et al., 1981).
Desde os trabalhos de Lamola e Yamane (1974) que
se conhece que, em certas condições (absorção de
chumbo, défice de ferro, porfiria eritropoiética), a
falta de união do ferro à protoporfirina determina que
este ião seja nela substituído pelo zinco, originando-se
a formação da designada protoporfirina-zinco (PPZ).
Ou seja, na intoxicação crónica pelo chumbo, caso
que nos interessa aqui em particular, a protoporfirina
acumulada por via da inibição da ferroquelatase não
está, na sua maior parte, na forma livre, mas sim
ligada ao zinco existente no organismo. De facto, a
PPZ representará, nestas casos, até cerca de 90% da
PPE total (España, 1986). Esta PPZ reflecte, assim, a
acção do chumbo sobre o sistema hematopoiético,
resultando principalmente dos depósitos de chumbo
na medula óssea (Zwennis, Franssen e Wijnams,
1990).
Tal facto permitiu «simplificar» os processos tecnológicos para o seu doseamento basicamente pela possibilidade de recurso a técnicas de fluorescência. Em
particular, um equipamento portátil designado por
hematofluorímetro, especificamente destinado à
determinação da PPZ, passou a disponibilizar um
método de fácil execução e baixo custo, proporcionando elevadas comodidade e possibilidades às exigências da vigilância biológica na exposição profissional a chumbo. A técnica requerida exige tão-só a
recolha de algumas gotas de sangue capilar (extremidade do dedo, lóbulo da orelha, ...) e o resultado é
apresentado em cerca de dois segundos. A tecnologia
Figura A
Cadeia de síntese do heme
Succinil Co A + glicina
Sintetase
Ácido δ-aminolevulínico
Desidrase
Porfobilinogénio
Desaminase
Uroporfirinogénio III
Coproporfirinogénio III
Oxidase
Protoprifirina IX
Quelatase
Ferro
HEME + globina
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HEMOGLOBINA
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requerida e a simplicidade técnica, por seu lado, permitem custos diminuídos, estimando-se, por exemplo, que cada determinação da PPZ (por este método)
se situe em níveis de cerca de 30% a 40% do preço
de uma plumbemia a valores da tabela praticada pelo
Serviço Nacional de Saúde.
Porque a vigilância de saúde na exposição profissional a tóxicos se faz face a grupos populacionais frequentemente com considerável dimensão e é, por
definição, regular e sistemática, questões como a
simplicidade das técnicas e a diminuição dos custos
requerem pertinente atenção.
Se a PPZ não é apenas influenciada pela quantidade
de chumbo presente no organismo, e dado que ela
não tem constituído entre nós um parâmetro utilizado, importará esclarecer se o seu quadro de variação regista os mesmos padrões que a investigação
tem produzido noutras regiões geográficas.
Não deverá haver interferências por motivos da
porfiria eritrocitária. Além de ser uma patologia rara,
a maioria dos estudos indica que a detecção da PPZ
por fluorimetria, nestes casos, se faz em espectros de
fluorescência um pouco diferentes dos registados
para os casos em que tem origem na influência do
chumbo ou no défice de ferro. Confundimentos possíveis para estes dois casos, entretanto, tornam pertinente o estudo desta matéria. Ou seja, importará
estudar como se evidenciam a sensibilidade e a especificidade da PPZ e as suas relações, designadamente
com a plumbemia, em trabalhadores portugueses
com exposição profissional a chumbo.
Algumas questões directamente relacionadas com a
metodologia e técnica propostas requerem, contudo,
prévio esclarecimento.
O estudo visou pesquisar, relativamente aos valores
de PPZ determinados em sangue colhido por punção
capilar:
— Se são equivalentes aos registados em sangue de
colheita venosa (técnica mais invasiva e dispendiosa);
— Se haverá interferências derivadas do status
hemoglobínico de cada indivíduo analisado (o
que implicaria o acréscimo de análises, designadamente o hematócrito);
— Se são compatíveis com o doseamento da PPZ em
laboratório (técnica menos prática e mais dispendiosa) sem margem de erro que coloque em causa
a sua validade.
Material e métodos
O estudo abrangeu 178 indivíduos do sexo masculino
com idades compreendidas entre os 21 e os 64 anos
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e seleccionados em dois subgrupos: com e sem exposição profissional a chumbo inorgânico. Do total, 70
(39,3%) revelaram plumbemias inferiores a 40 µg/dL
(média de 24,71 µg/dL) e os restantes 108 plumbemias iguais ou superiores àquele valor (média de
60,44 µg/dL).
A cada indivíduo foram efectuadas duas colheitas de
sangue: uma de sangue capilar por punção da extremidade do 4.o dedo da mão direita; outra de sangue
venoso por punção do sangradouro do membro superior esquerdo.
A determinação directa da PPZ (em cada amostra de
sangue colhido) foi efectuada por meio de um
hematofluorímetro (ProtoFluor-Z® da marca Helena
Laboratories). A unidade funcional deste equipamento contém uma lâmpada de halogéneo cuja luz é
colectada e filtrada para produzir um feixe com comprimento de onda de 415 nm. A excitação da PPZ por
este feixe origina uma onda com um comprimento de
onda de 595 nm que, colectado num tubo fotomultiplicador, produz uma corrente de intensidade proporcional à relação PPZ/heme. O equipamento apresenta
os resultados em µmol PPZ/mol de heme, mas permite seleccionar a sua apresentação em unidades de
µg PPZ/dL de sangue, conversão que faz automaticamente.
Cada colheita (cerca de 75 µL) foi efectuada em tubo
de hematócrito heparinizado e vertida para tubo de
ensaio, onde foram adicionadas duas gotas de
reagente próprio fornecido pelo fabricante. Após
ligeira agitação do tubo (para homogeneização da
mistura), o sangue foi colocado em lamela de vidro
e esta introduzida no aparelho (através do porta-lâminas), procedendo-se à leitura que aparece num écran
de visualização em cerca de dois segundos.
Antes de cada leitura sobre a amostra, cada lamela
foi sujeita a leitura sem gota de sangue, sendo rejeitadas aquelas que revelaram leituras superiores a 3
(referência que foi adoptada em virtude de, para
calibração, ser esse o limite de variação aceite pelas
instruções do fabricante). O valor de PPZ assumido
no final de cada leitura foi o da leitura registada
subtraída do valor de leitura da respectiva lamela.
Dado que o equipamento permite a escolha de
calibração para um de dois valores fixos de hematócrito (35% e 42%), escolheu-se este último por se
constatar (por leitura aleatória de resultados analíticos) ser mais aproximado dos valores habituais em
grupos de trabalhadores considerados saudáveis. Os
valores de PPZ dados pelo hematofluorímetro foram,
posteriormente, corrigidos em função do hematócrito
real, segundo a fórmula «valor da leitura × (hematócrito real/42)».
Em cada sessão de colheitas (15 a 20 indivíduos)
efectuou-se prévia aferição do hematofluorímetro,
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Saúde ocupacional
consoante as instruções do fabricante e com dois
padrões (alto e baixo) por este fornecidos. O mesmo
procedimento foi repetido a meio e no final de cada
sessão.
As amostras de sangue venoso colhidas foram enviadas a laboratório de patologia clínica para determinação laboratorial dos seguintes parâmetros: hematócrito, plumbemia (PbS), protoporfirina eritrocitária
(PPE) e protoporfirina-zinco (PPZ).
As determinações laboratoriais da protoporfirina-zinco
(PPZ) foram feitas de acordo com o método descrito
por Lamola e col. (1975). Trata-se de um método
fluorimétrico que usa sangue total como matriz de
análise. A técnica é realizada após hemólise da
amostra com um detergente não iónico (óxido de
dimetildodecilamina) dissolvido em tampão fosfato e
utiliza como comprimento de onda (λ) de excitação os
424 nm e como λ de emissão os 594 nm. Os resultados obtidos são expressos em µg PPZ/dL e foram
calculados a partir da razão entre a intensidade de
emissão da amostra em análise e a intensidade de
emissão de uma solução-padrão de PPZ (0,05 µg/ml).
Para tratamento estatístico dos dados foi utilizado o
programa SPSS (versão 10). Após análise descritiva
dos dados foram investigadas as hipóteses pelo
método de correlação de Spearman em virtude de se
ter constatado uma distribuição de variáveis não
gaussiana. Consideraram-se como estatisticamente
significativos os resultados inferenciais representados
por p < 0,05 (nível de significância de 5%).
Resultados
Os resultados obtidos nas determinações efectuadas
apresentam-se na Tabela 1.
As determinações de PPZ em laboratório situam-se
numa escala quantificável a partir de 5 µg/dL (o
método utilizado não permite discriminações abaixo
deste valor), sendo os resultados inferiores a este
limite indicados como «< 5». Verificaram-se 34 resultados nestas circunstâncias (19,1%), tendo sido arbitrariamente atribuído a estes casos o valor 4 para
efeitos de cálculo estatístico.
Discussão
Uma primeira constatação situa-se ao nível da estabilidade do equipamento. Em cada sessão, e após a
inicial calibração, as aferições efectuadas com os
padrões do fabricante a meio e no final de cada sessão revelaram sempre a não necessidade de rectificações por coincidência das leituras.
Refira-se ainda que em fase de pré-testes e de modo
aleatório foram efectuadas algumas determinações
repetidas em sangue do mesmo indivíduo (os casos
foram propositadamente escassos por razões que se
prendem com a incomodidade para o indivíduo analisado). Em todos os casos se verificou que os resultados se situavam em padrões de aceitabilidade (diferenças de ± 3 entre as sucessivas leituras), pelo que se
admitiu como aceitável a reprodutibilidade da técnica.
A observação da distribuição dos valores de leitura
directa no hematofluorímetro para os sangues capilar
e venoso (Figura B) denota um mesmo padrão, com
um valor sistematicamente mais elevado para os
resultados relativos ao sangue capilar. São valores
fortemente correlacionados (r = 0,974 para p < 0,01),
pelo que pode concluir-se que uma ou outra determinação são equivalentes entre si.
A comparação entre os valores de leitura directa do
hematofluorímetro e os correspondentes valores corrigidos pelo hematócrito real (Figura C) permite
identificar uma diferença pouco relevante (média de
2,71 µg/dL) e a existência de uma forte correlação
Tabela 1
Resultados das várias determinações de protoporfirina-zinco (µ
µg/dL)
Leitura directa
em hematofluorímetro
Mínimo
Máximo
Mediana
Média
Desvio-padrão
8
Valores calculados
após correcção pelo hematócrito
Sangue
capilar
Sangue
venoso
Capilar
(corrigido)
Venoso
(corrigido)
19
347
40
75,01
73,55
13
346
29
58,71
60,69
18,5
431,7
42,36
77,72
76,08
13,3
328,7
31,04
60,7
61,86
Doseamento
em laboratório
(PPZ)
<5
211
13,5
32,88
42,16
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(r = 0,989 para p < 0,01). Assim, podem assumir-se
como pertinentes os valores obtidos por leitura sem
correcção, ou seja, que se dispensa para efeitos de
rotina a necessidade de determinação do hematócrito
para posterior correcção dos valores da PPZ.
Aceite que os valores de PPZ por leitura directa no
sangue capilar e sem correcção pelo hematócrito
são de adequada utilização, e comparando-os com
as correspondentes determinações de PPZ em laboratório, segundo os métodos descritos, conclui-se
que os mesmos são fortemente correlacionados
(r = 0,893 para p < 0,01). Assim, pode considerar-se que o método de leitura directa é em absoluto
fidedigno.
Figura B
Distribuição dos resultados de determinação da PPZ em sangue capilar e sangue venoso
µg/dL)
(µ
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
Capilar
Venoso
Figura C
Distribuição de resultados de determinação da PPZ em sangue capilar: leitura directa
µg/dL)
e correcção pelo hematócrito real (µ
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
Leitura
Correcção
VOL. 20, N.o 1 — JANEIRO/JUNHO 2002
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Conclusões
Da análise dos dados obtidos e discutidos pode concluir-se que:
— O método de determinação da PPZ por leitura
directa em hematofluorímetro portátil oferece
resultados fiáveis;
— Para recurso a este método, a colheita de sangue
por punção capilar e a utilização da leitura sem
necessidade de correcção (técnica mais simples)
são totalmente válidas.
Deste modo, comprova-se que a metodologia e a técnica por colheita capilar para determinação da protoporfirina-zinco (PPZ) são válidas e fiáveis, permitindo a sua utilização, designadamente no âmbito de
programas de vigilância de saúde na exposição profissional a chumbo.
A simplicidade da técnica e o seu baixo custo, entretanto, constituem vantagens adicionais.
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10
Summary
DETERMINATION OF ZINC-PROTOPORPHYRIN USING
A PORTABLE HEMATOFLUOROMETER: DATA VALIDATION STUDY
The determination of zinc-protoporphyrin (ZPP) using a portable hematofluorometer, has been described as an outstanding
contribution for health surveillance of workers exposed to
lead.
In a study of 178 individuals (about 60% of them referenced
as occupationally exposed to that metal) the proposed method
and techniques were tested and the validity of the obtained
results was studied.
It was concluded that the determination of ZPP using a portable hematofluorometer, in blood collected by a fingerstick,
gives warrantable results enabling, therefore, the use of this
technique which is of easy accomplishment and low cost.
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