Maturidade em Gestão de Pessoas e Práticas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação: Uma Análise a Partir do People Capability Maturity Model (P-CMM) Autoria: Victor Natanael Schwetter Silveira, Antônio Del Maestro Filho, Devanir Vieira Dias Este trabalho tem como objetivo investigar o relacionamento entre os construtos maturidade em gestão de pessoas (MGP) e práticas de treinamento, desenvolvimento e educação (PTDE), a partir do mapeamento dos processos relacionados à gestão de pessoas em organizações de diversos segmentos econômicos. Tratou-se de uma pesquisa quantitativa, cuja amostra foi composta por 241 profissionais da área de recursos humanos pertencentes a 241 empresas nacionais e estrangeiras atuantes no País e utilizou um survey eletrônico para a coleta de dados. A avaliação dos níveis de maturidade dos processos de gestão de pessoas foi realizada com base no People Capability Maturity Model (P-CMM), de Curtis, Hefley e Miller (2001; 2002). Para a avaliação das práticas de treinamento utilizou-se um instrumento elaborado com base nos estudos de Abbad et al. (2003) e Borges-Andrade (1982 e 1986). Os dados coletados foram submetidos a técnicas estatísticas descritivas e análise multivariada. Para análise das relações entre os construtos, utilizou-se o método PLS (Partial Least Squares). Os resultados evidenciaram relações significativas entre os dois construtos estudados e sugeriram algumas recomendações relevantes para o enriquecimento e evolução do tema pesquisado, considerando se tratar de um modelo inovador em gestão de pessoas no Brasil. Introdução As mudanças no perfil das forças produtivas em função do desenvolvimento tecnológico e da dinâmica socioeconômica atuais passaram a requerer uma ampliação do repertório de soluções e opções dos processos gerencial e produtivo das organizações. Além do mais, o estabelecimento de padrões altamente competitivos — e sua conseqüente necessidade de inovação e capacitação contínuas — passou a exigir práticas que considerassem a ação dos indivíduos no aperfeiçoamento dos processos de trabalho. Observa-se que um aspecto fundamental para o desenvolvimento das organizações competitivas — cujos princípios apóiam-se na ampliação de competências e melhoria contínua dos processos organizacionais (DRUCKER, 2003) — refere-se à apropriação do conhecimento (saber) e a sua aplicação em ações no trabalho (saber agir). É nesse momento que o desenvolvimento de capacidades agrega valor às atividades e à organização. Nesse processo, um ponto de significativa relevância está na capacitação da organização para converter as diversas competências e tecnologias em práticas de trabalho segundo uma visão de desenvolvimento de base evolutiva e continuada, orientada para o longo prazo, capaz de instrumentalizar a organização em sua atuação eficaz no mercado. Diante da necessidade crescente de controlar e aplicar os conhecimentos e competências dos indivíduos e equipes no trabalho, as empresas passaram a instaurar um conjunto de princípios, práticas e processos relacionados ao desenvolvimento de metodologias de aprendizagem e educação (SENGE, 1990). Dessa forma, observa-se que o desenvolvimento de pessoas começa a ser considerado um meio de alavancar negócios e resultados, de obter diferenciais competitivos e de sustentar uma necessidade constante de aperfeiçoamento e reciclagem. Além disso, constata-se, ainda, que cabe à organização interessada no desenvolvimento de uma cultura de melhoria contínua, visando elevar seu nível de competitividade, implantar programas permanentes de treinamento e desenvolvimento para melhorar a qualidade e a otimização de processos. Mais do que simplesmente procurar capacitar as pessoas, esses programas deverão ter como objetivo emergir a criatividade e a iniciativa de seus funcionários e criar uma cultura ampla de aceitação e capacidade de manejo de mudanças (ULRICH, 2000). 1 Uma proposta inovadora para orientar, planejar e mensurar a efetiva aplicação das pessoas e suas competências nas organizações, segundo uma perspectiva de aprendizagem, desenvolvimento de competências e melhoria contínua, é o People capability maturity model, ou P-CMM (CURTIS, HEFLEY, MILLER, 2001; 2002). Esse modelo apresenta-se como uma estrutura desenhada para ajudar as organizações a orientar, com êxito, a aplicação das pessoas no trabalho, considerando cinco níveis de maturidade, que estabelecem as bases para uma melhoria contínua das competências individuais e o desenvolvimento das equipes de trabalho. Cada nível de maturidade é construído como um platô evolutivo, bem definido, que institucionaliza novas capacidades para os indivíduos e os grupos na organização. A partir dessas considerações, torna-se relevante compreender as possíveis relações entre o nível de maturidade em gestão de pessoas e as estratégias e práticas de treinamento e desenvolvimento nas organizações. Assim, este trabalho buscou compreender tais relações, enfatizando, a influência causada pelas práticas de treinamento, desenvolvimento e educação sobre o nível de maturidade em gestão de pessoas. Referencial Teórico O referencial teórico desta pesquisa foi estruturado segundo duas grandes áreas de abordagem teórica: de um lado, abrangeu os estudos sobre treinamento e desenvolvimento, incorporando, ainda, as relações entre treinamento, desenvolvimento e educação corporativa; e, de outro, abrangeu os conceitos e estrutura do modelo People capability maturity model (PCMM) de Curtis, Hefley e Miller (2001; 2002). Esse arcabouço teórico permitiu o balizamento da pesquisa, fornecendo o suporte para se estudar os construtos apresentados. Treinamento, desenvolvimento e educação corporativa Os diversos autores da área de treinamento e desenvolvimento adotaram abordagens variadas, que consideram, basicamente, a educação como um processo de aprendizagem geral e o treinamento e o desenvolvimento como formas de aprendizagem específicas. Nesse sentido, a educação se dirige ao homem como um todo, ao passo que, o treinamento e o desenvolvimento visam particularmente ao trabalhador. A educação prepara para a vida, enquanto o treinamento e o desenvolvimento preparam para o trabalho. Essas concepções básicas fundamentaram e influenciaram o desenvolvimento das diversas abordagens sobre treinamento que foram surgindo ao longo do tempo, como se pode constatar no Quadro 1, a seguir, que sintetiza as abordagens sobre treinamento propostas pelos principais estudiosos do tema, no período de 1952 a 2006. Quadro 1 – Resumo das principais abordagens de treinamento (continua) AUTOR ANO CONCEITO Treinamento é uma atividade de educação que adequa o homem ao desempenho no 1952 WAITE cargo. Treinamento é uma função organizacional que inclui um somatório de atividades que vão desde a aquisição de habilidades motrizes até o desenvolvimento de um MCGEHEE & 1961 conhecimento técnico complexo. Nesse sentido, o treinamento é visto como um THAYER processo de educação especializada. Treinamento é considerado como um meio para desenvolver a força de trabalho 1969 YODER dentro dos cargos particulares. Treinamento é um investimento empresarial destinado a capacitar uma equipe de trabalho e reduzir, ou eliminar, a diferença entre o atual desempenho e as 1970 PONTUAL realizações propostas. É, portanto, um esforço dirigido no sentido de alcançar os objetivos organizacionais por intermédio das equipes de trabalho. Treinamento é a educação profissional que visa adaptar o homem ao trabalho, 1971 CAMPBELL preparando-o para o exercício de determinado cargo. 2 Quadro 1 – Resumo das principais abordagens de treinamento (continua) AUTOR ANO CONCEITO O treinamento envolve o desenvolvimento de um processo sensório-motor e visa ao aumento da produtividade por meio da capacitação e da integração desse 1977 FONTES trabalhador no ambiente de trabalho, proporcionando-lhe maior satisfação e bemestar social. Treinamento é qualquer atividade que procura deliberadamente melhorar a OATLEY in 1977 habilidade de uma pessoa no desempenho de uma tarefa. HAMBLIN Treinamento é uma seqüência de experiências ou oportunidades destinadas a HESSELING in 1978 modificar o comportamento para atingir um objetivo declarado. HAMBLIN Treinamento abrange qualquer tipo de experiência destinada a facilitar um ensino 1978 HAMBLIN que será útil no desempenho de um cargo atual ou futuro. Treinamento objetiva tanto a preparação do elemento humano para o 1979 desenvolvimento de atividades que virá a executar, como o desenvolvimento de FERREIRA suas potencialidades para o melhor desempenho das que já executa. Treinamento na Empresa é ação de formação e capacitação de mão de obra, 1981 TOLEDO desenvolvida pela própria organização, com vistas em suprir suas necessidades. Treinamento é a atividade que prepara as pessoas para o desempenho de seus WERTHER JR. 1983 atuais cargos. & DAVIS Treinamento é um esforço planejado pela organização para facilitar a 1984 WEXLEY aprendizagem de comportamentos relacionados com o trabalho. 1984 Treinamento visa apenas melhorar o desempenho do empregado no cargo. NADLER Treinamento é uma tecnologia que envolve um conjunto de princípios e prescrições BORGES1986 formado por partes coordenadas entre si, que funciona como uma estrutura ANDRADE organizada. Treinamento é, assim, uma forma de educação. Sua característica essencial consiste 1987 MACIAN em educar para o trabalho. O treinamento representa o desenvolvimento sistemático dos padrões 1988 comportamentais de atitudes, habilidades e conhecimentos adquiridos por um LATHAN indivíduo de forma que possa desempenhar adequadamente uma tarefa ou trabalho. Treinamento é qualquer procedimento de iniciativa organizacional que têm o 1990 HINRICHS objetivo de ampliar a aprendizagem entre os membros da organização. Treinamento consiste na aquisição sistemática de atitudes, conhecimentos e 1991 GOLDSTEIN habilidades que resultam em melhoria do desempenho do trabalho. Treinamento é parente próximo do embrutecimento, do adestramento. O desenvolvimento aparece como instrumento privilegiado de ação da administração 1994 de Recursos Humanos, em razão da possibilidade que encerra de efetivo exercício LEITE dos valores mais elevados do homem, e isso, como é evidente, sem prejuízo, muito ao contrário, dos interesses de produção stricto sensu das empresas. Treinamento é o processo de desenvolver qualidades nos recursos humanos para 1994 habilitá-los a serem mais produtivos e contribuir melhor para o alcance dos CERTO objetivos organizacionais Treinamento representa uma ferramenta para a qualidade na medida em que se 1995 BARRETO torna um mecanismo importante para a preparação de profissionais qualificados. Treinamento é o processo sistemático de alterar o comportamento dos empregados 1995 IVANCEVICH na direção do alcance dos objetivos organizacionais. Treinamento é a experiência aprendida que produz uma mudança relativamente 1996 permanente em um indivíduo e que melhora a sua capacidade de desempenhar um DECENZO cargo. Treinamento é processo de ensinar, aos novos empregados, as habilidades básicas 1997 DESSLER que eles necessitam para desempenhar seus cargos. afirma que os termos treinamento, desenvolvimento e educação referem-se a três 1999 tipos bastante distintos de atividades. Treinamento visa apenas melhorar o CASTRO desempenho do funcionário no cargo que ocupa; O treinamento refere-se, quase sempre, ao fornecimento de conhecimentos, 1999 métodos e/ou técnicas isoladas, com objetivos também isolados. Sua perspectiva MARIOTTI concebe o treinamento como um instrumento O treinamento é, essencialmente, um processo de educação de adultos em um 1999 DONADIO ambiente profissional. 3 Quadro 1 – Resumo das principais abordagens de treinamento (conclusão) AUTOR ANO CONCEITO Treinamento é um processo sistemático para promover a aquisição de habilidades, MILKOVICH & 2000 regras, conceitos ou atitudes que resultem em uma melhoria da adequação entre as BOUDREAU características dos empregados e as exigências dos papéis funcionais Treinamento como um processo de assimilação cultural de curto prazo, que tem 2000 por objetivo repassar ou reciclar conhecimentos, habilidades ou atitudes MARRAS relacionadas diretamente à execução de tarefas ou à sua otimização no trabalho. Treinamento faz parte de um sistema de educação estratégica (corporativa), cujos 2002 EBOLI princípios possibilitam a criação de um sistema de aprendizagem contínua. BOHLANDER, Treinamento descreve qualquer esforço da empresa — focalizado em questões de 2003 SNELL & desempenho no curto prazo — para estimular o aprendizado de seus membros SHERMAN Treinamento é um processo que oferece condições que facilitam a aprendizagem e 2006 ARAÚJO a plena integração das pessoas na organização Fonte: Adaptado de Bomfin (1995) Ao analisar quadro anterior, constata-se que os conceitos de treinamento, dentro do período histórico considerado, evoluíram desde da abordagem operacional de autores como Waite (1952), passando pela visão pragmática de autores como Nadler (1984), chegando à abordagem da educação para o trabalho de Campbell (1971) e Macian (1987) e, finalmente, incorporando a visão abrangente de Eboli (2002) e a abordagem integrativa de Araújo (2006). Assim, o treinamento, abordado numa visão mais funcional e de consultoria organizacional, passa, atualmente, por mudanças de forma com tendência a se livrar de perfis profissiográficos oriundos de papéis bem definidos, já que o indivíduo passou a ser considerado como sujeito do processo. Pode-se afirmar, entretanto, que treinar é sinônimo de um processo que oferece condições que facilitam a aprendizagem e a plena integração das pessoas na organização. Porém, o aprendizado, para ser considerado eficaz, deve ser, necessariamente, uma conseqüência advinda do treinamento. A seguir, como complementação do referencial deste trabalho, são abordados os subsistemas do processo do treinamento, descrevendo-se seus conceitos e suas características. Subsistemas do processo de treinamento O processo clássico de treinamento compõe-se de subsistemas ou etapas que devem ser planejados e integrados para alcançar os resultados esperados, a partir de objetivos propostos. Observa-se que existe um certo consenso entre os vários estudiosos que tratam do assunto em relação às etapas de um processo clássico de treinamento. Esse processo, normalmente, é composto pelos subsistemas: a) levantamento ou diagnóstico de necessidades, b) planejamento, c) implementação e d) avaliação (ARAÚJO, 2006; BARRETO, 1995; CASTRO, 1999; DAVIES, 1976; FONTES, 1977; GOLDSTEIN, 1991). Com relação ao subsistema de diagnóstico ou levantamento de necessidades de treinamento, observa-se que McGehee e Thayer (1961) estão entre os primeiros autores a descrever os três componentes básicos da avaliação de necessidades: análise organizacional, análise de tarefas e análise pessoal. Tais componentes receberam, posteriormente, uma nova conceituação e adaptação, por autores como Goldstein (1991) e Castro (1999), entre outros. A avaliação de necessidades é um momento para se analisar, a priori, o que deve ser treinado, para quem o treinamento serve e por que se investe nele. A organização pode utilizála como instrumento para discutir seus segmentos, seus papéis e o que deve ser mudado na mesma. De forma geral, diferentes autores, tais como Araújo (2006), Castro (1999), Goldstein (1991) e Milkovich e Boudreau (2000) revelam um consenso em termos dos aspectos essenciais presentes no subsistema de diagnóstico de necessidades e afirmam que ele deve 4 abranger três níveis distintos de análise: o organizacional, o de tarefas e o de pessoal (análise das características dos indivíduos). Pode-se afirmar, portanto, que a concepção do processo de levantamento de necessidades de treinamento, sob uma perspectiva mais integradora, possibilita o desenvolvimento de um quadro de funcionários com flexibilidade de ação, detentores de um conhecimento mais abrangente e de caráter mais estratégico. A etapa seguinte do sistema de treinamento refere-se ao subsistema de planejamento ou programação das atividades. Depois de efetivado o levantamento das necessidades de treinamento, procura-se analisar os dados obtidos e efetuar o planejamento dos eventos instrucionais ou programas. O planejamento do treinamento é o subsistema que envolve atividades de caráter tecnológico voltadas para o estabelecimento de objetivos instrucionais. Estudiosos do tema como Castro (1999) e Marras (2000), entre outros, ressaltam a importância de se investigar o relacionamento entre as características pessoais (demográficas, cognitivas, afetivas e motivacionais) e a eficácia dos eventos instrucionais, levando em consideração a aprendizagem, a reação e a transferência de treinamento. A etapa seguinte envolve a execução ou implementação dos programas ou atividades de treinamento. Nesse momento, ocorre a condução, implementação e aplicação do programa desenhado na etapa anterior, utilizando-se várias técnicas para transmitir as informações necessárias e desenvolver os conhecimentos, as habilidades e as atitudes requeridas no programa de treinamento. Segundo Barreto (1995), a etapa de implementação envolve a execução do treinamento planejado, bem como a aplicação dos módulos e programas, a análise dos problemas de produção e respectiva busca de soluções. Cabe ressaltar que grande parte desta etapa depende da qualidade das ações e planos estabelecidos nas etapas precedentes. A etapa final do processo de treinamento compreende a avaliação de seus resultados e a aferição dos objetivos estabelecidos nas etapas anteriores. Ocorre nessa etapa a verificação da aprendizagem de novos hábitos, idéias e atitudes e suas implicações no comportamento profissional do treinando. Alem disso, é feita a análise desse novo comportamento adquirido pelo indivíduo, avaliando sua efetiva contribuição para alcançar os objetivos organizacionais. Um dos primeiros autores a abordar a teoria da avaliação do treinamento foi Hamblin (1978), que propôs uma abordagem de avaliação baseada em cinco níveis: reações, aprendizado, comportamento no cargo, organização e valor final. Observa-se que a proposta de Hamblin (1978) foi desenvolvida a partir do trabalho de Kirkpatrick (1976). Para Goldstein (1991), a avaliação de treinamento significa uma coleta sistemática de informações descritivas e valorativas que são necessárias para tornar eficazes as decisões relacionadas a seleção, adoção, valorização e modificação de várias atividades instrucionais. O objetivo principal dessas informações é possibilitar a revisão e o aprimoramento dos projetos de treinamento. De maneira geral, pode-se afirmar que existe certo consenso entre os autores com relação à avaliação de treinamento, como se pode constatar por meio da obra de autores como Marras (2000), Bohlander, Snell e Sherman (2003) e Araújo (2006). A maioria deles concorda que a avaliação deve contemplar os níveis de reação, aprendizagem, desempenho no cargo, mudança organizacional e valor final. Os autores, de uma forma geral, conceberam os níveis de avaliação de forma linear e seqüencial, correlacionados entre si, numa cadeia de relações de causa e efeito. Pode-se concluir que a maior parte dos autores preocupou-se, em maior ou menor grau, com os resultados finais gerados pelos programas ou eventos instrucionais de treinamento. As várias ênfases (quer sejam no enfoque do cargo, ou, nas habilidades e competências) confirmaram a busca incessante de resultados. 5 Trabalhos mais recentes como os de Araújo (2006) propõem que a avaliação do treinamento deve acompanhar todo o processo e não somente estar presente apenas no final dele, como propunham os autores clássicos. Assim, este subsistema pode ser considerado como um processo continuado de balanceamento e comparação entre os resultados planejados e os resultados atingidos, corrigindo desvios e erros durante o processo de treinamento. Além do mais, os resultados dos programas devem estar em consonância com os objetivos organizacionais, ou seja, a avaliação de treinamento deve considerar os objetivos de interesse da organização, assim como interesses de curto, médio e longo prazos. Portanto, muitas organizações vêem o treinamento e o desenvolvimento em termos de seu retorno ou sua recompensa no futuro, na medida em que propiciam a aquisição de conhecimentos e habilidades que criam vantagens competitivas e estabelecem na empresa uma cultura preparada para mudanças contínuas. Por isso, a valorização e aplicação de processos de avaliação durante todo o treinamento, assim como da mensuração de resultados de melhoria em treinamento, com base em objetivos de negócio de longo prazo. O último aspecto teórico a ser considerado com relação ao treinamento e desenvolvimento de pessoas refere-se à perspectiva da educação corporativa. Na área da educação atual, esta passa por uma transição, de um modelo tradicional de ensinoaprendizagem, para um modelo no qual o instrutor passa a ser concebido como um facilitador da aprendizagem, assim como, o aluno passa a ser considerando como tendo um papel ativo de receber, pesquisar, modificar e transformar o conhecimento adquirido (COSTA, 2001; EBOLI, 2002; GDIKIAN & SILVA, 2002; MEISTER, 1999). Observa-se que, a partir da década de 1990, especialmente com a obra de Senge (1990), ocorreu a introdução da idéia de aprendizagem contínua no trabalho, salientando que as organizações devem qualificar, de forma continuada, seu quadro de pessoal, notadamente o nível gerencial, por ser considerado estratégico. Além disso, promoveu-se a visão de que a função gerencial deve ter uma atribuição de relevo no processo de treinamento e desenvolvimento, atuando como difusora e catalisadora do conhecimento, alterando a concepção tradicional desse processo. Dessa forma, a capacitação profissional passou a ser entendida como um fator que vai além da simples aquisição de informações, mudanças de atitudes e desenvolvimento de habilidades, devendo incluir, ainda, a revisão de significados e referenciais de ação. Verificase, dessa forma, uma estreita relação entre a empresa e a escola, e constata-se a presença cada vez mais significativa do processo educacional nas organizações, seja por meio de convênios com faculdades e institutos, seja por meio de criação de universidades corporativas. Observa-se, portanto, a ocorrência de um grande salto qualitativo na área de treinamento e desenvolvimento, mediante a substituição do sistema tradicional de treinamento, centrado somente na análise das tarefas e do cargo — como no caso dos tradicionais centros de treinamento — pelo sistema de educação corporativa, ou continuada, centrado na gestão por competências e resultados (EBOLI, 2002). O modelo de estágios de maturidade People capability maturity model (P-CMM) Os estudos sobre o desenvolvimento e crescimento das organizações produziram abordagens que tentaram identificar aspectos-chave em cada momento histórico das empresas e, a partir daí, organizaram descrições e agrupamentos de características que pudessem balizar a ação gerencial e antecipar as mudanças a serem enfrentadas futuramente. Essa perspectiva levou à criação de modelos multiníveis, baseados em estágios sucessivos de maturidade, que procuram especificar e descrever fases distintas de crescimento ou desenvolvimento das organizações, permitindo uma visualização panorâmica e antecipada dos desafios que possivelmente elas enfrentarão no decurso de sua existência. 6 Os modelos baseados em estágios evolutivos aplicados às organizações, como o PCMM, partem do conceito fundamental de maturidade, que se refere ao desenvolvimento completo ou condição perfeita de algum processo ou atividade (URDANG & FLEXNER, 1968). Maturidade conota, assim, o entendimento sobre os motivos pelos quais o sucesso organizacional é alcançado, assim como, os caminhos para corrigir ou prevenir problemas que impedem a melhoria dos processos em uma perspectiva longitudinal e incremental. A premissa que embasa os modelos de maturidade aplicados às organizações é a de que os processos podem ser estruturados pelas empresas a partir de estágios ou níveis de evolução que podem ser claramente definidos, gerenciados e controlados ao longo do tempo. Os modelos de maturidade utilizam, também, o conceito de nível de maturidade. Este se refere à medida de efetividade ou capacidade em qualquer processo específico, sendo descrito em termos de níveis de desempenho total ou capacidade máxima naquele processo. Assim, um nível de maturidade relaciona-se a um nível de capacidade organizacional obtido a partir da transformação e evolução de um ou mais domínios de processos em uma organização (CURTIS, HEFLEY & MILLER, 2001). O grande valor dos modelos baseados em níveis de maturidade, está na sua capacidade de dotar as organizações de instrumentos e orientações para desenvolver, explícita e consistentemente, os seus processos, o que implica que estes venham a ser documentados, mensurados, controlados e continuamente melhorados ao longo do tempo (PMI, 2005). Em virtude desta conotação estratégica, os modelos de maturidade surgem como uma solução para estabelecer um plano de ação organizado, capaz de permitir que a empresa atinja as metas definidas pela alta direção. No campo da gestão de pessoas o modelo People capability maturity model, ou PCMM (CURTIS, HEFLEY & MILLER, 2001; 2002) é um modelo de maturidade construído com base em cinco estágios de maturidade (Figura 1), que têm por objetivo orientar, planejar e mensurar a efetiva aplicação das pessoas nas organizações. Orientando-se por ele a organização consegue evitar a introdução de práticas de trabalho para as quais seus profissionais não estejam preparados, atuando preventivamente contra o desgaste desnecessário dos indivíduos em práticas ou ações ineficazes e, simultaneamente, indicando quando e onde investir corretamente. NÍVEIS DE MATURIDADE DO P-CMM Nível de Maturidade 5 Otimizado Nível de Maturidade 4 Previsível Nível de Maturidade 3 Definido Nível de Maturidade 2 Gerenciado Nível de Maturidade 1 Inicial Práticas baseadas em melhoria contínua Instauração da melhoria contínua dos processos e alinhamento do grupo de trabalho com a capacidade organizacional Práticas mensuradas Integração das competências no trabalho e gerenciamento quantitativo do desempenho Práticas baseadas em competências Desenvolvimento de competências e grupos de trabalho, alinhando-os aos objetivos e estratégias do negócio Práticas repetidas Gerenciamento e desenvolvimento da equipe pelos gerentes Práticas caóticas Gerenciamento baseado na tentativa-e-erro Figura 1 - Níveis de maturidade do People capability maturity model Fonte: Adaptado de Curtis, Hefley e Miller (2001) 7 Cada nível de maturidade é composto por diversas áreas de processo, que, por sua vez, contêm, cada uma, um conjunto de metas e práticas que, quando alcançadas, definem que uma determinada área de trabalho atingiu o nível ótimo de capacitação em suas atividades. As áreas de processo identificam tanto a capacidade que deve ser institucionalizada para conseguir o nível de maturidade quanto às práticas que a organização deve implementar para elevar a capacidade de sua força de trabalho. No P-CMM existem vinte e duas áreas de processo nos cinco níveis de maturidade (Quadro 2) e cada área de processo reside em um único nível de maturidade, requerendo a implementação completa de um conjunto de objetivos e práticas que compõem cada uma dessas áreas de processo. Assim, para ser classificada em determinado nível, a organização tem de ter implementado as práticas e os objetivos relacionados a cada uma das áreas de processo que compõem aquele nível de maturidade. Quadro 2 - Estrutura geral dos níveis de maturidade e áreas de processo do P-CMM Nível Nome Foco Práticas Objetivos Áreas de Processo Nível 1 Inicial Não há Não há Não há Não há Provimento de pessoal Comunicação e coordenação Gerenciamento e Gestão das Práticas desenvolvimento da Ambiente de trabalho Nível 2 Gerenciado Gestão do desempenho equipe pelos pessoas repetidas gerentes Treinamento e desenvolvimento Remuneração Análise de competências Planejamento da força de trabalho Desenvolvimento Desenvolvimento de de competências e competências Práticas grupos de trabalho, Gestão das Desenvolvimento de baseadas em alinhando-os aos Nível 3 Definido competências carreiras competências objetivos e Práticas baseadas em estratégias do competências negócio. Desenvolvimento de grupos de trabalho Cultura participativa Integração de competências Grupos de trabalho autônomos Integração das competências no Ativos baseados em Gestão das trabalho e Práticas competências Nível 4 Previsível capacidades da gerenciamento mensuradas Gestão quantitativa do organização quantitativo do desempenho desempenho. Gestão da capacidade organizacional Orientação e aconselhamento Melhoria contínua da Instauração da capacidade melhoria contínua Práticas dos processos e Gestão das Alinhamento do baseadas em alinhamento do Nível 5 Otimizado mudanças da desempenho melhoria grupo de trabalho organização organizacional contínua com a capacidade Inovação contínua da organizacional força de trabalho Fonte: Adaptado de Curtis, Hefley e Miller (2001) 8 Em cada área de processo as práticas estabelecidas são agrupadas em práticas de implementação e práticas de institucionalização. As primeiras referem-se às práticas e procedimentos implementados pela organização para satisfazer os objetivos de uma área de processo, enquanto que as últimas referem-se aos procedimentos implementados para assegurar que a organização tenha a continuação do compromisso e a capacidade para desempenhar as práticas e atividades de trabalho da organização. As práticas de implementação foram desenhadas para estabelecer melhorias em grupos ou indivíduos, ou mesmo, para executar avaliações dos procedimentos e as práticas de institucionalização formam um sistema de “travas” organizacionais, que dificultam o retrocesso das práticas de implementação a estados anteriores de maturidade. Portanto, os principais benefícios em utilizar o P-CMM envolvem: a) caracterizar a maturidade das práticas de trabalho; b) guiar um programa de desenvolvimento contínuo da força de trabalho; c) definir prioridades para ações imediatas; d) integrar o desenvolvimento da força de trabalho com a melhoria de processos; e) estabelecer a cultura da excelência profissional; f) diminuir a taxa de rotatividade de pessoal (turnover); g) aumentar a satisfação da força de trabalho; h) guiar o planejamento e implementação das atividades de melhoria; e i) fornecer um padrão para a avaliação das práticas de trabalho. Ao se considerar as aplicações do modelo P-CMM, observa-se que foram relatadas aplicações do modelo em empresas como Boeing, Lockheed Martin e BAE Systems, além de empresas de software na Índia (CURTIS, HEFLEY & MILLER, 2003). A aplicação do PCMM objetivava nessas organizações reduzir a excessiva rotatividade (turnover) em seus quadros profissionais. O elevado índice de rotatividade de pessoal comprometia a capacidade técnica e fazia com que as empresas perdessem competências estratégicas e pessoal altamente qualificado. Segundo os autores, a redução da rotatividade foi significativa, especialmente entre as empresas indianas, as quais se tornaram as mais recentes empresas a ingressar nos níveis 4 e 5, segundo a classificação do P-CMM. Há também o relato de Vakaslahti (1997), que aplicou uma versão reduzida do P-CMM em pequenas empresas finlandesas na tentativa de desenvolver uma abordagem simplificada para uso integrado com outros processos gerenciais — como ações de planejamento estratégico. Seus resultados confirmaram que o uso sistemático do P-CMM orientando as linhas de ação melhorou significativamente o desempenho destas pequenas empresas. Buscou-se, nesta parte, definir as bases teóricas do trabalho, partindo da premissa de que estudar e identificar as práticas de treinamento, desenvolvimento e educação corporativa na realidade organizacional atual, vista sob o ponto de vista dos profissionais de recursos humanos ou gestão de pessoas, permitirá compreender as implicações dessa mudança de paradigma e do processo de transformação (ou não) do modelo tradicional de treinamento (saber fazer) em educação continuada e, também, no nível de maturidade dos processos de gestão de pessoas nas organizações. Isso permitirá verificar se há uma relação significativa entre as práticas de treinamento com o aumento da capacidade organizacional em gerenciar, estimular e capacitar a gestão das pessoas, tornando a organização mais apta e mais pronta para enfrentar mudanças e se adaptar de forma rápida e adequada às exigências do mercado. Objetivos O objetivo geral deste trabalho é identificar as relações entre o nível de maturidade organizacional em gestão de pessoas e as práticas de treinamento, desenvolvimento e educação adotadas pelas organizações que compõem a amostra da pesquisa. Como objetivos específicos destacam-se: a) a identificação do valor médio referente à maturidade em gestão de pessoas; b) a identificação das práticas de treinamento, desenvolvimento e educação adotadas pelas empresas; e c) compreender o poder de explicação do nível de maturidade em 9 gestão de pessoas, considerando o modelo de avaliação proposto por Curtis, Hefley e Miller (2001; 2002), mediante a análise de sua composição estrutural. Procedimentos Metodológicos Trata-se de um estudo quantitativo-descritivo (survey) que investigou as relações entre o nível de maturidade organizacional em gestão de pessoas e as práticas de treinamento, desenvolvimento e educação adotadas pelas organizações que compõem a amostra de pesquisa. O universo de profissionais de diversas organizações nacionais e multinacionais operando em todas regiões do País no momento em que foi realizado este trabalho estava em torno de 2.000, considerando apenas a área de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas. Obteve-se uma amostra final de 241 organizações respondentes, número esse superior ao tamanho calculado para a amostra mínima — 207 respondentes —, atendendo plenamente às exigências de amostragem estatística, bem como, aos objetivos estabelecidos para o trabalho. O instrumento de pesquisa foi elaborado com base no modelo proposto por Curtis, Hefley e Miller (2001; 2002) e compõe-se de 122 questões, assim distribuídas: a) um grupo de 79 perguntas, estruturadas em escala Likert de 1 a 5, conforme modelo original dos autores, relacionado ao construto Maturidade em Gestão de Pessoas; b) um grupo de 31 questões relacionadas ao construto treinamento, desenvolvimento e educação, estruturadas também em escala Likert de 1 a 5, levando em consideração as abordagens teóricas mais recentes sobre o tema; e c) um conjunto final de 10 questões com o objetivo de traçar o perfil dos respondentes e caracterizar suas respectivas organizações. Além disso, foi também incluída uma questão específica sobre os programas de inovação e melhoria organizacional, adotados nos últimos dois anos pelas empresas. Esse instrumento de pesquisa foi disponibilizado na Internet, permitindo aos respondentes o acesso e o preenchimento on-line. Os dados coletados por intermédio dos questionários foram inicialmente tabulados no software de elaboração de planilhas eletrônicas da Microsoft — Excel — com o objetivo de serem posteriormente introduzidos no Statistical Package for the Social Sciences – SPSS. Efetuada a tabulação inicial dos dados, passou-se à realização de uma análise exploratória, quando foram analisados os dados ausentes e outliers (uni e multivariados), não se verificando a sua presença nos dados da amostra. O passo seguinte do tratamento estatístico dos dados consistiu na utilização do software LVPLS (Latent Variables Partial Least Squares), que se caracteriza como uma técnica preditiva e se mostra adequada para análise de relações entre mais de uma variável dependente e um conjunto de variáveis independentes. Esta técnica de análise multivariada permite a utilização da modelagem por equações estruturais com amostras mais reduzidas, sem prejuízos nos resultados obtidos com tal técnica. No caso específico deste estudo, optouse pelo método PLS para a estimação dos parâmetros do modelo hipotético, considerando a não-normalidade dos dados da amostra e o seu tamanho (241 casos). A etapa seguinte do processo de tratamento estatístico dos dados consistiu na aplicação de técnicas de análise multivariada visando e validação das propriedades psicométricas das escalas propostas e utilizadas na pesquisa, envolvendo a análise fatorial exploratória e a confirmatória para teste da dimensionalidade, assim como, o cálculo do Alpha de Cronbach para teste da confiabilidade dessas escalas. Validação das escalas, análise e discussão dos dados Na análise dos dados, foram utilizados procedimentos de pesquisa quantitativa baseada em análise fatorial e estatística multivariada. Foram, também, utilizados, como métodos de 10 análise complementar, dados estatísticos descritivos para o levantamento do perfil dos respondentes e informações acessórias. Para a validação e criação das escalas dos construtos Maturidade em Gestão de Pessoas (MGP) e Práticas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação (PTDE), foram utilizadas as análises PC (Principal Components) e PAF (Principal Axis Factoring), que revelaram para ambos os construtos o KMO (Kaiser Meyer Olkim Measure of Sampling Adequacy) acima de 0,963, significando uma adequação das matrizes para fatoração. Para os casos analisados, a indicação foi de dois fatores, confirmando o modelo hipotético da pesquisa. Foi também utilizado como teste de consistência desses construtos estudados o Alpha de Cronbach, cujos valores ficaram acima de 0,99, indicando um excelente grau de coerência interna. Com relação à Maturidade em Gestão de Pessoas (MGP), a análise fatorial confirmou seu desdobramento em 12 fatores distintos: provimento de pessoal (PP), comunicação e coordenação (CC), ambiente de trabalho (AT), remuneração (RM), práticas baseadas em competências (PBC), desenvolvimento de grupos de trabalho (DGT), integração de competências (IC), grupos autônomos de trabalho (GAT), orientação e aconselhamento (OA) e garantia de continuidade dos processos (GCP). Entretanto, os fatores gestão quantitativa do desempenho (GQD) e gestão da capacidade organizacional (GCO) se agruparam formando um único fator, que passou a ser denominado gestão quantitativa e da capacidade organizacional (GQCO). Da mesma forma, os fatores melhoria contínua da capacidade (MCC), alinhamento do desempenho organizacional (ADO) e inovação contínua dos recursos humanos (ICRH) foram agrupados em fator único chamado agora de melhoria e inovação da capacidade e alinhamento do desempenho (MICAD). No que se refere à análise fatorial individualizada para o construto práticas de treinamento, desenvolvimento e educação (PTDE), o ajustamento manteve os quatro fatores iniciais propostos para esse construto: levantamento de necessidades de treinamento (LNT), planejamento e implementação (PI), avaliação (AV) e políticas de educação corporativa (PEC). A análise PAF (Principal Axis Fatoring) deste construto revelou o KMO (Kaiser Meyer Olkim Measure of Sampling Adequacy) de 0,968, significando a adequação da matriz para fatoração. Para o caso analisado, a indicação foi de quatro fatores, confirmando, o modelo hipotético da pesquisa. Foi também utilizado como teste de consistência desses construtos estudados o Alpha de Cronbach, cujos valores ficaram acima de 0,93 indicando um grau de coerência interna muito significativo. Os parâmetros do modelo teórico foram estimados pelo software LVPLS, adotando-se o método centroidweighting scheme de estimação dos pesos que leva em consideração a quais outras variáveis latentes uma determinada variável está diretamente ligada (LOHMÖLLER 1984). O método PLS é também conhecido como análise de regressão por mínimos quadrados parciais (Partial Least Squares). A opção pelo uso desse método de estimação em detrimento de outros pela primeira vez foi desenvolvida por Wold (1981) em cálculos econométricos, sendo, posteriormente, estendido para pesquisas no setor químico, em aplicações industriais, educação, marketing e ciências sociais (GARSON, 2004). A Figura 2 a seguir, retrata o modelo nomológico-estrutural deste estudo, ajustado após ser submetido às técnicas de análise fatorial. Cumpre ressaltar que foi preservada a fundamentação teórica do referido modelo em todos os seus componentes (construtos). A análise dos componentes e dos eixos principais possibilitou os devidos ajustes dos indicadores, levando em consideração as peculiaridades da amostra da pesquisa e outros fatores. Observa-se, também, que essa análise possibilitou estabelecer as relações entre os construtos e seus respectivos indicadores, apontando os coeficientes de caminho que foram estimados pelo software LVPLS. A estimação desses parâmetros considerou as outras variáveis latentes às quais a que está sendo analisada se encontra diretamente ligada. 11 Assim, os coeficientes de caminho estimados pelo LVPLS para o modelo nomológicoestrutural foram os seguintes: LNT PIMP E1 0,897 0,975 MGP PINS E2 0,851 0,969 PTDE 0,929 E3 PI E4 AV E5 PEC E6 0,945 0,889 E1, E2, E3, E4, E5, E6 = Erro de estimação - parte não captada da variância – [0,050 - 0,275] Legenda: MGP – Maturidade em Gestão de Pessoas PIMP – Práticas de implementação PINS – Práticas de institucionalização PTDE – Práticas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação LNT – Levantamento de necessidades de treinamento PI – Planejamento e implementação AV – Avaliação PEC – Políticas de educação continuada Figura 2 - Modelo teórico ajustado – parâmetros estimados pelo LVPLS Fonte: Adaptado de Silveira (2007, p.159). Os parâmetros identificados pelos coeficientes de carga (loadings), são apresentados na Tabela apresentada a seguir. Tabela 1 - Parâmetros estimados pelo LVPLS – Modelos de mensuração Resíduo Coeficiente de Comunalidades Redundância Construto (1-h2) Caminho (loadings) (h2) MGP PIMP 0,975 0,665 0,335 0,631 PINS 0,945 0,614 0,386 0,548 PTDE LNT 0,897 0,721 0,279 0,579 PI 0,969 0,700 0,300 0,657 AV 0,929 0,767 0,233 0,661 PEC 0,889 0,693 0,307 0,539 Fonte: Adaptado de Silveira (2007, p. 160). Nota-se na tabela anterior que as comunalidades (h2) calculadas para o modelo hipotético atingiram valores maiores do que 0,500, ou seja, considerados altos, já que o ponto de corte proposto por autores como Dias (2004) é de 0,500. Observa-se, ainda, que as maiores cargas (loadings) foram atribuídas ao construto Maturidade em Gestão de Pessoas — MGP/PIMP = 0,975 — e Práticas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação — PEC/PI = 0,969 —, evidenciando a adequação dos indicadores na representação do referido construto. Os níveis mais expressivos de variância residual (1 – h2) foram verificados para os mesmos indicadores MGP/PIMP (0,335) e MGP/PINS (0,386), ambos componentes do construto MGP. Esses valores refletem a presença de uma parte relativa à formação do 12 construto que não foi captada pelos respectivos indicadores, o que pode ser considerado aceitável, uma vez que a amostra apresenta características peculiares. Com a finalidade de avaliar a consistência do modelo foi aplicado o teste de aderência 2 Q (Goodness of fit) e os resultados obtidos foram sistematizados na Tabela 2: Tabela 2 - Teste Q2 - Goodness of fit Construto Indicador Q2 PIMP 0,616 MGP PINS 0,541 LNT 0,636 PTDE PI 0,639 AV 0,663 PEC 0,572 Fonte: Adaptado de Silveira (2007, p. 160). Verifica-se que todos os valores de Q2 são maiores do que 0,00, indicando que há consistência ou aderência entre os construtos que compõem o modelo estrutural. Realizou-se, finalmente, o teste T Statistics (O/OSTERR) para verificação da significância estatística das relações entre os construtos que compõem o referido teórico da pesquisa. Ao se compararem os resultados obtidos com o valor de 1,965 (ponto de corte obtido para amostras de bootstrapping), verificou-se que todos estão acima deste valor, o que mostra a significância estatística dos coeficientes de caminho e relações do modelo teórico. Avaliação da Hipótese Formulada Os dados e testes estatísticos realizados validaram a hipótese apresentada neste trabalho, ou seja, há uma associação estatisticamente significativa entre os níveis de maturidade dos processos circunscritos à gestão de pessoas nas organizações e as práticas de treinamento, desenvolvimento e educação, adotadas pelas organizações pesquisadas. Conclusões e Recomendações Os principais achados deste estudo foram obtidos com base na percepção dos profissionais de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas de 241 empresas, considerando o modelo hipotético proposto. Cabe destacar que os construtos principais (Maturidade em Gestão de Pessoas – MGP e Práticas de Treinamento, Desenvolvimento e Educação - PTDE) que compõem o referido modelo, foram agrupados sem perda de suas características teóricas. As análises individualizadas efetuadas nesses construtos permitiram compreender, de forma mais profunda, seu comportamento nas organizações. A análise conjunta desses construtos permitiu concluir que o modelo hipotético do trabalho apresentou bom ajuste, atestado por meio dos parâmetros estimados pelo método de avaliação PLS e evidenciou que a relação existente entre eles é positiva e significativa (coeficiente de caminho = 0,851). As médias obtidas individualmente em cada um dos 23 processos de gestão de pessoas (indicadores de maturidade) pelas empresas, foram de 2 ou 3 pontos, em uma escala de 1 a 5 pontos, implicando numa classificação das empresas participantes nos níveis 2 (gerenciado) ou 3 (definido) segundo o modelo P-CMM. Esse resultado sugere que as empresas classificadas no nível 2 de maturidade estão buscando atingir uma capacidade de gerenciamento e desenvolvimento das equipes pelos gerentes, capacitando-os a gerir as pessoas e a decidir sobre questões de desempenho e decisão sobre remuneração e compensação. Já aquelas classificadas no nível 3 de maturidade estão buscando implementar a gestão das competências, a partir da instauração e estímulo ao uso de práticas baseadas em competências pelos indivíduos e pelas equipes de trabalho. Estes aspectos são corroborados 13 pela constatação de que os programas organizacionais mais adotados pelas empresas nos últimos dois anos são os de remuneração por resultados e de gestão por competências que, claramente, relacionam-se com o foco dos dois níveis de maturidade mencionados acima. Em relação ao treinamento, desenvolvimento e educação das empresas da amostra, constatou-se que a maioria delas é capaz de diagnosticar e identificar suas necessidades de treinamento e desenvolvimento, assim como, apresentaram capacidade adequada para planejar, organizar e conduzir atividades de treinamento. Entretanto, elas apresentaram capacidades mais reduzidas em utilizar métodos e práticas para avaliar as atividades de treinamento, assim como, para adotar e aplicar princípios e práticas de educação corporativa. A partir dos resultados obtidos, pode-se inferir que, ao investirem na implementação e na melhoria das práticas de treinamento, desenvolvimento e educação, orientada pelo modelo P-CMM, as empresas podem alcançar níveis superiores de maturidade nos seus processos de gestão de pessoas, instaurando uma cultura de melhoria contínua e de desenvolvimento continuado de competências dos indivíduos e grupos de trabalho na organização. Neste sentido a adoção de políticas de educação corporativa, provavelmente, seja um propulsor relevante para conduzir as organizações aos níveis mais altos de maturidade (níveis 4 e 5). Ou seja, a utilização de princípios de educação corporativa propostos por autores como Eboli (2002) e Meister (1999) — que apontam para a adoção de práticas que envolvem focalizar o desenvolvimento de competências e da estratégia organizacional de forma permanente — se constitua na base para o alcance da melhoria contínua dos processos. Os resultados obtidos nesta pesquisa reforçam a relevância de se considerar o uso de modelos de maturidade como referência para o desenvolvimento e a melhoria dos processos de recursos humanos nas organizações, fornecendo as bases para orientar e conduzir melhorias sucessivas ou continuadas nesses processos. Entretanto, deve-se considerar que os modelos de maturidade direcionados para a gestão de pessoas ainda se encontram em um estágio primário de desenvolvimento, devendo-se buscar seu aprimoramento teórico e prático. Este estudo evidenciou sua relevância ao explorar, pela primeira vez, a partir da modelagem de equações estruturais, a participação de cada uma das variáveis na composição do modelo People capability maturity model (P-CMM), bem como os impactos que cada um dos agrupamentos de variáveis exerce nos resultados de maturidade em gestão de pessoas. Além do mais, este estudo permitiu a apresentação e introdução de uma metodologia inovadora e relevante para a área de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas no Brasil. Sugere-se, finalmente, a elaboração de futura agenda de pesquisa que contemple a criação de modelos de maturidade nacionais, baseados na cultura brasileira e que considerem a relação com as práticas de treinamento, desenvolvimento e educação aqui pontuadas. Referências ABBAD, G. da S. et al. Preditores de efeitos de treinamento: o estado da arte e o futuro necessário. Brasília: Universidade de Brasília - DPST, 2002 (material de curso). ABBAD, G. S.; PILATI, R.; PANTOJA, M. J. Avaliação de treinamento: análise da literatura e agenda de pesquisa. Revista de administração da USP, v.38, n.3, p. 205-18, 2003. ARAÚJO, L. C. G. de. Gestão de pessoas: estratégias e integração organizacional. São Paulo: Atlas, 2006. BARRETO, Yara. Como treinar sua equipe. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1995. BOHLANDER, G.; SNELL, S.; SHERMAN, A. 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