Da educação rural à educação do campo: uma
trajetória... Seus desafios e suas perspectivas
Daniela Souza da Rosa1 | Maria Raquel Caetano2
RESUMO: Este ar!go tem como obje!vo refle!r sobre a trajetória da educação do campo como uma polí!ca educacional em construção, levando em conta a LDB e a implementação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
ins!tuídas pela Resolução CNE/CEB nº 1, de 3 de abril de 2002. Procura-se diferenciar
educação rural e educação no campo, como uma forma de cons!tuir uma nova abordagem para a educação do campo e enfa!zar a importância de um projeto pedagógico
próprio e construído democra!camente pela comunidade escolar, o qual se diferencia
por considerar o espaço, o tempo, os saberes, a valorização da cultura local e a autonomia da escola, dos educandos e da comunidade escolar.
Palavras-chave: Educação. Educação do campo. Polí!cas educacionais.
ABSTRACT: The present ar!cle’s objec!ve is to reflect about the trajectory of pastoral
educa!on as an educa!onal policy under construc!on, taking by account the LDB (Direc!ng and Bases Laws) and the implement of the Opera!onal Direc!ng for the Basic Educa!on in the rural schools estabilished by the CNE/CEB nº 1 resolu!on, af April 3rd 2002.
Try to differenciate rural educa!on and educa!on in the field, as a way to cons!tute a
new aproach to pastoral educa!on and emphasize the importance of a personal pedagogic project, build democra!caly by the scholar community, and that differenciates by
considering space, !me, knowledge, local cultural apprecia!on and authonomy or the
school, the pupils and scholar community.
Keywords: Educa!on. Pastoral educa!on. Educa!onal policies.
O direito à educação no Brasil derivou-se das lutas e conquistas democrá!cas ao
longo dos úl!mos anos. Porém, tanto quanto um direito, a educação é um dever - dever
do Estado, e, como tal, emergem obrigações que devem ser respeitadas e protegidas,
inclusive por meio de lei. Valendo-nos dessas ideias é que trazemos a reflexão da educação como um bem público e de direito reconhecido, e, por isso, ela precisa ser garan!da.
Professora da Rede Estadual e graduada em Pedagogia pela FACCAT em 2007.
Professora do curso de Pedagogia da FACCAT e acadêmica do PPGEDU da UFRGS. Faculdades Integradas de Taquara FACCAT. ([email protected])
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Abordaremos a educação dos povos do campo como um direito do cidadão e dever do
Estado. Arroyo (apud SOUZA, 2006, p. 9) apresenta a seguinte ideia: “De esquecida e
marginalizada, à repensada e desafiante. Essa poderia ser a travessia que vem fazendo
a educação dos povos do campo. Um percurso ins!gante para a pesquisa e a reflexão
teórica, para polí!cas públicas e a ação educa!va”.
Historicamente, podemos constatar que, até as primeiras décadas do século XX,
a educação era privilégio de poucos, principalmente no espaço rural, onde o Estado brasileiro não mostrou empenho na implementação de um sistema educacional que viesse
ao encontro das necessidades dos sujeitos do campo. O Estado, em suas formulações de
diretrizes polí!cas e pedagógicas, nunca deixou regulamentado como a escola do campo
deveria funcionar e se organizar; omi!u-se na dotação financeira que possibilitasse a
ins!tucionalização e a manutenção de uma escola de qualidade em todos os níveis de
ensino, além de não implantar uma polí!ca efe!va de formação con!nuada e de valorização de carreira do professor do campo. Isso mostra que o campo nunca foi um espaço
prioritário para ação planejada e ins!tucionalizada do Estado. Tal situação fez com que
a população do campo fosse privada do acesso às polí!cas e serviços públicos em geral,
o que contribuiu para o aceleramento do processo de êxodo rural. A par!r dos anos 90,
esse quadro começa a dar sinais de mudança, pois os movimentos sociais começam a
pressionar de forma mais ar!culada a construção de polí!cas públicas para a população
do campo.
Atualmente, a legislação educacional brasileira apresenta uma vasta base legal
para a ins!tuição de polí!cas públicas diferenciadas ao atendimento escolar das pessoas
que vivem e trabalham no meio rural, conquistadas com a par!cipação efe!va dos movimentos sociais do campo1.
As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo foram
ins!tuídas pela Resolução CNE/CEB nº. 1, de 3 de abril de 2002 (BRASIL, 2002). A implementação dessas diretrizes foi uma reivindicação histórica dos movimentos sociais do
campo, e suas orientações referem-se às responsabilidades dos sistemas de ensino com
o atendimento escolar sob a ó!ca do direito; implica respeito às diferenças e à polí!ca
de igualdade, tratando a qualidade da educação escolar na perspec!va de inclusão. As
Diretrizes resultam da luta pela educação de qualidade social para todos os povos que
vivem no e do campo, com iden!dades diversas, tais como pequenos agricultores, semterra, povos da floresta, pescadores, ribeirinhos, quilombolas, extra!vistas e assalariados rurais2.
Portanto, as diretrizes revelam um obje!vo maior em relação à inclusão da
educação em todos os níveis, buscando uma integração da educação escolar com as
experiências co!dianas do educando, de acordo com sua origem, seus costumes e seus
valores, numa perspec!va integradora escola/campo.
Inclui-se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Federação dos Trabalhadores da Agricultura - FETAG, Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, Comissão Pastoral da Terra, EMATER, entre outros.
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo apresentada por Ricardo Henriques, secretário de
Educação Con!nuada, Alfabe!zação e Diversidade, em publicação do MEC em 2004.
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Nessa perspec!va, no presente estudo, pretendemos refle!r sobre a escola que
contemple a iden!dade do campo e que reconheça a heterogeneidade dos sujeitos sociais que ali vivem e/ou trabalham e seus diferentes modos de vida. Essa escola deverá
assumir a educação como força mobilizadora que faz emergir o compromisso cole!vo
com as estratégias de desenvolvimento sustentável, de inclusão social e polí!ca, oportunizando o acesso aos conhecimentos e às inovações que são requisitadas para a transformação da realidade produ!va, ambiental, polí!ca e social dos povos do campo.
POR UMA PEDAGOGIA DO CAMPO LEGÍTIMA E REALIZADORA
É fato que a educação é o instrumento de formação do ser humano desde o momento em que ele vem ao mundo. Por meio da educação, o ser humano capacita-se a
desenvolver sua cultura, ser par!cipa!vo e reflexivo em suas a!vidades profissionais e
sociais, relacionando-se socialmente com o mundo que o cerca.
A educação do campo, direcionada à população camponesa, realiza-se sob
diferentes inicia!vas: por meio da educação formal, que se refere à escolarização da
referida população nos diferentes níveis de ensino (básico a superior), organizada pela
rede pública, privada ou comunitária, e por meio da educação que parte da inicia!va de
movimentos sociais, ONGs, pastorais, ins!tuições de assistência técnica e de pesquisa,
entre outras en!dades da sociedade civil.
Dentro desse contexto, conforme Fernandes (apud SOUZA, 2006 p. 16): “A Educação do Campo nasceu em contraposição à Educação Rural. O que a Educação Rural
não fez durante quase um século, a Educação do Campo fez em uma década”.
Com a realização da I Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo3, no
ano de 1998, sob a inicia!va de diversos segmentos sociais, a expressão campo passa a
subs!tuir o termo rural. Entende-se que, em tempos de modernização, com esta expressão “campo”, há uma abrangência maior de sociedades diversas que habitam as regiões
do país que não se dizem urbanas.
A par!r desse novo conceito, a diferença entre Escola Rural e Escola do Campo
torna-se visível e necessária, pois até esse momento o modelo educacional vigente não
as diferia: a educação rural era predominantemente vista como algo que atendia a uma
classe da população que vivia num atraso tecnológico, subordinado, a serviço da população dos centros urbanos.
Com a implantação do conceito “educação do campo”, ocorre uma inclusão e
consequente valorização das pessoas que habitam o meio rural, oferecendo-lhes oportunidade de par!ciparem, por meio de suas experiências, de programas produ!vos, atuando
A Conferencia Nacional por Uma Educação Básica no Campo aconteceu em Luiziânia-GO, de 21 a 23 de julho de 1998. Entre
os compromissos e desafios con!dos no documento final está que somente é possível trabalhar por uma educação básica no
campo vinculada ao processo de construção de um Projeto Popular para o Brasil, que inclui necessariamente um novo projeto de
desenvolvimento para o campo e a garan!a de que todo o povo tenha acesso a educação (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2005).
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na sociedade de forma igualitária, estabelecendo uma relação harmoniosa entre produção, terra e seres humanos, com relações sociais democrá!cas e solidárias. Para Arroyo,
Caldart e Molina (2005, p. 15, grifo dos autores):
Esta visão do campo como espaço que tem suas par!cularidades
e que é ao mesmo tempo um campo de possibilidades da relação
dos seres humanos com a produção das condições de sua existência social, confere à Educação do Campo o papel de fomentar reflexões sobre um novo projeto de desenvolvimento e o papel do
campo neste projeto. Também o papel de fortalecer a iden!dade e
a autonomia das populações do campo e ajudar o povo brasileiro a
compreender que não há uma hierarquia, mas uma complementaridade: cidade não vive sem campo que não vive sem cidade.
Mas não basta criar propostas educacionais que atendam exclusivamente à população do campo, sem que haja a preocupação de prescrever suas caracterís!cas históricas e culturais; é preciso, sim, formular polí!cas públicas que atendam ao povo do
campo de forma diferenciada no âmbito educacional, sem que esse sofra mudanças
comportamentais e precise acompanhar a visão urbana necessária, porém não exclusiva. Conforme Caldart (2004, p. 149-150):
[...] é a luta do povo por polí!cas públicas que irão garan!r o seu
direito à educação e a uma educação que seja no e do campo. No:
o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo
tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a
sua par!cipação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades
humanas e sociais.
Nesse mesmo contexto, Fernandes, Cerioli e Caldart (2005, p. 27) dizem que “não
basta ter escolas no campo; queremos ajudar a construir escolas do campo, ou seja, escolas com um projeto polí!co-pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos,
à história e à cultura do povo trabalhador do campo”.
A educação do campo está in!mamente ligada à pedagogia do trabalho e da cultura, que precisa ser usada na construção do projeto polí!co-pedagógico das escolas
inseridas nesse meio, o qual, por sua vez, venha a valorizar o trabalho como princípio
educa!vo. Por esse caminho, também por meio das relações culturais, a educação do
campo busca compreender a diversidade de aspectos que cons!tuem a memória cole!va de determinada sociedade, relacionando-a com o processo de ensino e aprendizagem, dando especial atenção à cultura. Fernandes, Cerioli e Caldart (2005, p. 27)
consideram que:
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Nosso propósito é conceber uma educação básica do campo, voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico
dos povos que habitam e trabalham no campo, atendendo às suas
diferenças históricas e culturais. Para que vivam com dignidade e
que, organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação.
O veículo propagador da educação do campo adquire múl!plas faces ao analisarmos sua atuação; os saberes são cons!tuídos desde o ambiente familiar, da convivência
social, até movimentos sociais que abrangem uma gama de saberes diferenciados, fugindo ou diferenciando-se, assim, do ensino tradicional, que predominantemente acontece
apenas nas salas de aula. Caldart e Schwaab (1990, p. 11-12) trazem ao seu texto esta
reflexão:
Isto é novo. Isto é, de fato, uma autên!ca revolução educacional.
Trata-se da revisão das formas tradicionais de fazer, de pensar e de
dizer a educação do povo, demonstrando na prá!ca quem pode e
deve ser o sujeito das mudanças fundamentais para a nossa educação.
Diante das diversas maneiras de se educar, a cultura destaca-se nesse processo e
desenvolve, por meio da educação do campo, valores pedagógicos, os quais são construídos a par!r da própria cultura do sujeito. Essa construção visa à elaboração de Projetos
Polí!co-Pedagógicos nas escolas do campo que valorizem a realidade social, ar!culando
trabalho, saúde e desenvolvimento, os quais devem ser inseridos nos programas curriculares a fim de que a escola do campo possa realmente cumprir um papel diferenciado
da an!ga visão sobre esse segmento. Segundo Caldart (2004, p. 107):
É também o que nosso mestre da educação popular, Paulo Freire,
nos diz em suas reflexões sobre a pedagogia do oprimido: a escola
não transforma a realidade, mas pode ajudar a formar os sujeitos
capazes de fazer a transformação, da sociedade, do mundo, de si
mesmos... Se não conseguirmos envolver a escola no movimento
de transformação do campo, ele certamente será incompleto, porque indicará que muitas pessoas ficaram fora dele.
Frente a esses fatos, que estão desenhando uma nova pedagogia para o povo do
campo, Caldart (2004, p. 151) coloca:
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[...] um basta aos ‘pacotes’ e à tenta!va de fazer das pessoas que
vivem no campo instrumentos de implementação de modelos que
as ignoram ou escravizam. Basta também desta visão estreita de
educação como preparação de mão-de-obra e a serviço do mercado. Queremos par!cipar diretamente da construção do nosso
projeto educa!vo; queremos aprender a pensar sobre a educação
que nos interessa enquanto seres humanos, enquanto sujeitos de
diferentes culturas, enquanto classe trabalhadora do campo, enquanto sujeitos das transformações necessárias em nosso país,
enquanto cidadão do mundo.
Nessa perspec!va, é que precisamos nos envolver como educadores e resgatar,
por meio da luta pela qualidade da educação do campo, juntamente com nossa comunidade escolar, uma proposta pedagógica que venha ao encontro dos anseios descritos
até então.
A proposta pedagógica para uma educação do campo se constrói a par!r das
mais diversas reflexões realizadas nas prá!cas educacionais desenvolvidas no campo e/
ou pelos sujeitos do campo. São reflexões que procuram reconhecer o campo como local
que não apenas traduz, mas também produz uma pedagogia, direcionada à formação
dos sujeitos do campo. Por isso, conforme Caldart (2004, p. 155), “[...] não há como
verdadeiramente educar os sujeitos do campo sem transformar as circunstâncias sociais
desumanizantes e sem prepará-los para ser os sujeitos dessas transformações”.
Essa proposta pedagógica iden!fica-se com a pedagogia do oprimido (FREIRE,
1992), pois cabe aos próprios par!cipantes construírem o caminho que os leve a sua
própria educação e liberdade, que lhes servirá de base cultural em sua formação. Outra
proposta que condiz com a educação do campo é a da pedagogia do movimento, pois foi
por meio de movimentos e lutas sociais que surgiu a inicia!va de construir essa proposta
educacional tão necessária ao povo do campo. A pedagogia da terra (GADOTTI, 2000)
compreende outra dimensão educa!va da proposta pedagógica da educação do campo,
contemplando a relação ser humano/terra; surge dessa combinação um subsídio que
deve ser u!lizado na educação do povo que vive no campo, orientando-o a desempenhar o papel não apenas de proprietário ou trabalhador, e sim de preservacionista do
seu meio.
Diz Caldart (2004, p. 156):
Trata-se de combinar pedagogias, de modo a fazer uma educação
que forme e cul!ve iden!dades, auto-es!ma, valores, memória,
saberes, sabedoria; que enraíze sem necessariamente fixar as pessoas em sua cultura, seu lugar, seu modo de pensar, de agir, de
produzir; uma educação que projete movimento, relações, transformações...
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Para que a proposta pedagógica da educação do campo se efe!ve, é necessário
que as escolas encontrem sua própria iden!dade. Para Ramos, Moreira e Santos (2005,
p. 37),
essa iden!dade tem uma concepção e princípios que a sustentam
e a fundamentam. Os princípios da Educação do Campo são como
raízes de uma árvore, que !ram a seiva da terra (conhecimentos),
que nutrem a escola e fazem com que ela tenha flores e frutos (a
cara do lugar onde ela está inserida e dos sujeitos sociais a quem
se des!na). São ponto de par!da de ações educa!vas, da organização escolar e curricular e do papel da escola dentro do campo
brasileiro.
Faz-se necessário mencionar os Princípios da Educação do Campo, que, segundo
Ramos (2005), cons!tuem a Polí!ca Educacional do Campo:
I - O Princípio Pedagógico do papel da escola enquanto formadora de sujeitos arculada a um projeto de emancipação humana, que se refere a uma educação que deve
contemplar os sujeitos que possuem peculiaridades, as quais devem ser preservadas,
sendo incorporadas nos currículos escolares, com ênfase na emancipação dos sujeitos
do campo, visando à valorização das experiências de vida e, ao mesmo tempo, ampliando os conhecimentos que se fazem necessários na formação do sujeito.
II – O Princípio Pedagógico da valorização dos diferentes saberes no processo
educavo nos diz que cabe à escola resgatar a diversidade cultural que cada educando
traz consigo, valorizando esses saberes e transformando-os em instrumentos capazes de
contribuir no processo educa!vo. A pesquisa surge como um importante aliado à educação do campo, pois valoriza os saberes locais, ampliando-os.
III – O Princípio Pedagógico dos espaços e tempos de formação dos sujeitos da
aprendizagem coloca que o conhecimento se dá nos diferentes espaços sociais, cabendo
à escola sistema!zar, analisar e sinte!zar as diferentes formas de saberes que surgem,
ampliando-os e relacionando-os com a sociedade em que os sujeitos estão inseridos.
IV – O Princípio Pedagógico do lugar da escola vinculada à realidade dos sujeitos
mostra-nos que a escola deve ir ao encontro dos sujeitos, valorizando suas experiências
de vida e, paralelamente, proporcionando-lhes momentos de reflexão e de análise, a
fim de que sejam capazes de selecionar seu modo de vida.
V – O Princípio Pedagógico da educação como estratégia para o desenvolvimento
sustentável tem como base a par!cipação cole!va da população do campo, nas gestões
polí!cas e comunitárias, considerando sua diversidade e buscando um desenvolvimento
humano amparado na construção de uma cidadania, que coloque o sujeito do campo
como protagonista principal do processo produ!vo socioeconômico, respeitando a sustentabilidade ambiental.
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VI – O Princípio Pedagógico da autonomia e colaboração entre os sujeitos do campo
e o sistema nacional de ensino atribui às polí!cas públicas a missão de respeitar a heterogeneidade existente nos povos do campo, formulando parâmetros diferenciados e
específicos para cada região, buscando atender suas necessidades par!culares. Registra
Ramos, Moreira e Santos (2005, p. 40):
Para que essas especificidades, que singularizam cada lugar, possam ser respeitadas e legi!madas, é necessário assegurar a aplicação do ar!go 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
– LDB, rela!vas às propostas polí!co pedagógicas dos Municípios
e aos projetos pedagógicos das escolas, os quais deverão ser construídos mediante um processo cole!vo e de ampla inves!gação da
realidade.
Cabe à comunidade escolar do campo organizar-se para a construção de uma
proposta pedagógica que contemple suas utopias, na busca de seus direitos de cidadãos
igualitários, valorizados em sua diversidade histórica e cultural.
As escolas do campo estão aí. São escolas que deveriam ser mais do que escolas,
numa perspec!va pedagógica que se faz a par!r da comunidade. As escolas do campo
devem ser espaços de reconstrução da memória cole!va e histórica de toda a comunidade; por isso, a importância dos atores sociais, não somente educadores com educandos,
mas com todos os que vivem a realidade da comunidade. Para isso, é preciso que sejam
assumidas posturas pedagógicas que venham a enriquecer a possibilidade do diálogo e,
posteriormente, a implantação de muitas educações, diferenciadas e alterna!vas, para
as várias realidades existentes no Brasil.
O tesouro da educação do campo está adormecido pelas estruturas educacionais
que negam a importância do diferente e da diversidade, porém há um “movimento em
movimento” buscando recriar, resgatar e conservar a cultura do campo, e isso é um fazer
a educação não formal em prol da cidadania (GOHN, 2001). Todos e todas são chamados
a fazer essa caminhada em conjunto com os educadores e as educadoras que, de fato,
vivem a escola do campo no co!diano.
A educação do campo, além de ser um projeto de renovação pedagógica, caracteriza-se por meio de gestos, símbolos (rituais, músicas, danças e teatros) e linguagens
próprias da cultura camponesa, contrapondo-se, assim, às atuais dimensões educa!vas
com matrizes pedagógicas esquecidas pelo predomínio da pedagogia da fala, da transmissão, do discurso do mestre para alunos silenciosos. O mais curioso disso tudo é que
se pode romper com as velhas prá!cas, que se tornam novas, na medida em que o próprio Estado consolida que a educação rural limitar-se-á a programas pensados não pelos
atores em processo, mas pelos técnicos das Secretarias Educacionais ao bel-prazer da
pedagogia do escritório.
A educação camponesa se constrói a par!r de um movimento sociocultural de
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humanização. Centraliza-se na busca pela pedagogia do ritual, do gesto, do corpo, da
representação, da comemoração e do ato de fazer memória cole!va. As pessoas, gente
simples do campo, tornam-se sujeitos culturais, celebrando sua memória ao resgatar a
iden!dade por meio da educação. Assim, a educação do campo é chamada a construir
matrizes humanistas para o homem do campo, tendo em vista a emancipação humana.
Os projetos entre a educação do campo e a educação formal e bancária dos governos
são paradoxais. Conforme Freire (1992, p. 58):
Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que
se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda
numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão –
a absolu!zação da ignorância, que cons!tui o que chamamos de
alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre
no outro.
Na educação do campo, todos são sujeitos e construtores de memória e da história, ou seja, todos são sujeitos sociais e culturais. Já na educação formal, a escolarização,
apresentada como único modelo pedagógico a todos os brasileiros, reduz alunos a aprovados ou reprovados, novatos ou repetentes, defasados especiais ou anormais, além de
criar um dualismo entre educador/educando.
Abre-se, a par!r da educação do campo, um grande horizonte de temas transversais que podem e devem ser recuperados em todas as unidades escolares e nas suas respec!vas comunidades. Temas como esperança, cidadania, jus!ça, liberdade, igualdade,
cooperação, diversidade, terra, trabalho, iden!dade...
Os desafios são históricos. O compromisso com a escola do campo é um compromisso que integra a luta brasileira por uma educação básica, de qualidade, onde se pretende ampliar a educação para o povo brasileiro, ou seja, a educação como um direito
do povo e dever do Estado. Além disso, pretende-se realizar a transformação da escola,
construir novas alterna!vas pedagógicas que venham subs!tuir as velhas prá!cas educacionais e, principalmente, a estrutura desse ensino. Dessa maneira, estaremos construindo a verdadeira educação para a autonomia, como nos dizia Freire (2002 p. 66): “O
respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um impera!vo é!co e não um favor
que podemos ou não conceder uns aos outros”.
Mas hoje, no estado, qual é o !po de escola pública oferecida à população que
vive no campo? É uma escola relegada ao abandono, denominada, pejora!vamente, de
escola isolada. É uma escola que inexiste, quando os governantes adotam uma polí!ca de Estado Mínimo5, de redução de custos, trazendo as crianças para estudarem na
cidade, com transportes e estradas precárias, com horas de viagem; além de excluir as
crianças do campo, elas devem assumir os valores da cidade.
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É mínimo nos inves!mentos na área da educação, saúde e segurança (polí!cas sociais).
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Além dos problemas já citados, de maneira geral, cabe ainda destacar alguns que
são primordiais: falta de infraestrutura nas escolas; docentes desqualificados; falta de
renovação pedagógica; currículo e calendário escolar alheios à realidade do campo; professores/as com visão de mundo urbano, uma visão de agricultura patronal; falta de
formação específica para os docentes; apresentação de urbano como superior, moderno
e atraente; deslocamento dos estudantes para estudar na cidade e desqualificação do
campo por parte das polí!cas públicas.
Registra Brasil (1996), ar!go 28:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas
de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação
às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II – organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climá!cas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.
A LDB possibilitou que fosse construído um processo de mobilização social em
torno da construção de uma “escola verdadeiramente do campo”, o qual proporcionou,
além de um debate sobre a situação da escola, um aprofundamento sobre a concepção
de “rural e campo”, possibilitando firmar a proposta de educação do campo.
Em 2003, o Ministério da Educação ins!tuiu um Grupo Permanente de Trabalho
com a atribuição de ar!cular as ações do Ministério per!nentes à educação do campo,
divulgar, debater e esclarecer as Diretrizes Operacionais do Campo a serem observadas
nos projetos das ins!tuições que integram os diversos sistemas de ensino, estabelecidas
na Resolução - CEB nº 1, de 3/4/2002, e apoiar a realização de seminários nacionais e
estaduais para implementação dessas ações.
Uma recente conquista, no âmbito da luta por polí!cas públicas do campo, foi
a aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.
Após essa aprovação, veio se desencadeando um processo de mobilização e envolvimento social, na busca de fortalecer a construção de polí!cas públicas que garantam o
acesso e à permanência em uma educação de qualidade para os povos do campo.
Embora reconheçamos o esforço para que a educação do campo se concre!ze,
percebemos que existe um distanciamento entre a legislação e a prá!ca nas escolas, ou
seja, a escola do campo ainda está longe de concre!zar os aspectos da legislação. Assim,
percebemos que a concre!zação das polí!cas públicas ainda não aconteceu de fato, por
isso a importância de que as mobilizações con!nuem para garan!r esse direito.
Dessa forma, a educação do campo necessita pensar, agir e assumir alguns com30
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promissos, tais como o compromisso é!co/moral com a pessoa humana, o compromisso
com a intervenção social, que irá vincular os projetos de desenvolvimento regional e
nacional, e o compromisso com a cultura no seu resgate, na sua conservação e na sua
recriação, tendo como eixo a educação dos valores, baseada na educação para autonomia cultural e na educação pela memória histórica.
A gestão da escola deve ser vista como espaço público e comunitário, surgindo,
dessa forma, a democra!zação do espaço escolar. Isso significa que deve haver ampliação (quan!ta!va e qualita!va) do acesso às escolas; par!cipação da comunidade nas
decisões sobre gestão escolar, propostas pedagógicas e polí!cas públicas; par!cipação
dos educandos na gestão escolar, superando a democracia representa!va e a criação de
cole!vos pedagógicos6, que pensem e repensem os processos de transformação.
A pedagogia da escola do campo deve inserir, no seu co!diano escolar e no processo de ensino e aprendizagem, a educação popular, valorizando, assim, os sujeitos
que a ela pertencem. Os currículos escolares precisam adequar-se ao movimento da
realidade que os cerca. Por isso, a princípio, deve-se re!rar o conceito de que a escola é
mera transmissora de conhecimentos teóricos, já que é um espaço, por excelência, de
formação humana. Num segundo momento, refle!r sobre a existência do reducionismo
de tendência pedagógica em ter a escola como simples espaço de memorização e de
informação. Posteriormente, exigir que o currículo de uma escola do campo contemple
as relações com o trabalho na terra e trabalhar o vínculo entre educação e cultura, sendo
a escola um espaço de desenvolvimento cultural de toda a comunidade.
A escola deve proporcionar a (trans) formação dos educadores e educadoras das
escolas do campo, pois dois problemas são visíveis: os educadores/as são ví!mas de um
sistema educacional que desvaloriza o trabalho da docência e, principalmente, colocaos num círculo vicioso e perverso. Isso faz gerar uma consequência problemá!ca: como
ví!mas (os/as educadores/as) constroem novas ví!mas, os/as educandos/as das escolas
do campo. As inicia!vas específicas que educadores/as do campo devem adotar são
ar!culação, ou seja, a criação e o fortalecimento dos cole!vos pedagógicos locais, municipais, estaduais e nacionais; qualificação ou formação escolar para docentes leigos/as e
criação de programas sistemá!cos de formação com metodologias pedagógicas alterna!vas no processo de formação.
Foi nesse sen!do que a I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo concluiu seus trabalhos, almejando con!nuar lutando contra todos os empecilhos que
venham a impedir que se realize o sonho de uma escola verdadeiramente no e do campo,
acessível aos povos do campo, sejam indígenas, quilombolas ou camponeses em geral.
Dessa forma, a Conferência e todos que lá se encontravam assumiram dez compromissos
Para Caldart (1997), uma das lições da nossa prá!ca é a de que a transformação da escola não acontece sem a cons!tuição
de cole!vos de educadores. Um educador ou educadora que trabalhe sozinho/a jamais conseguirá realizar essa proposta
de educação, até porque isso seria incoerente com o processo cole!vo que vem formulando. São necessários cole!vos para
pensar a con!nuidade da luta por escolas em condições adequadas, para organizar a Equipe de Educação do assentamento ou
acampamento, para planejar formas de implementação das mudanças no currículo, para refle!r sobre o processo pedagógico,
para estudar, para planejar e avaliar as aulas, para con!nuar e fazer funcionar esses cole!vos.
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e desafios, que são vincular as prá!cas de educação básica do campo com o processo de
construção de um projeto popular de desenvolvimento; propor e viver novos valores culturais, valorizar as culturas do campo; fazer mobilizações, em vista da conquista de polí!cas
públicas pelo direito à educação básica do campo; lutar para que todo povo tenha acesso
à alfabe!zação; formar educadores e educadoras do campo; produzir uma proposta de
educação básica do campo; envolver as comunidades nesse processo; acreditar na nossa
capacidade de produzir o novo e implementar as propostas de ação dessa conferência.
A educação concebida pelo movimento deve assumir um compromisso cole!vo
com uma visão de campo como um lugar de vida, cultura, produção, moradia, educação,
lazer. E, portanto, a educação deve incen!var o cuidado com o conjunto da natureza;
deve incen!var a criação de novas relações solidárias que respeitem a especificidade
social, étnica, cultural e ambiental dos seus sujeitos.
Essa preocupação com a natureza e o ambiente é uma outra marca dis!nta da
educação do campo, que vê a educação ambiental como parte da própria experiência
de vida, e, portanto, deve estar presente em todos os espaços da vida e da escola e não
apenas como tema transversal, incluído esporadicamente no currículo escolar.
Precisamos ser ousados e fazer com que as escolas do campo cumpram sua função de desenvolver as potencialidades dos sujeitos do campo, abrindo-lhes novas oportunidades de autorrealização, capacitando-os a protagonizar o desenvolvimento pessoal, familiar e comunitário, essenciais na vida de qualquer cidadão.
Não podemos negar que o direito à educação dos povos do campo derivou-se das
lutas e conquistas dos diversos movimentos sociais ao longo dos úl!mos anos, mas tanto
quanto um direito, a educação é um dever do Estado e, como um bem público e de direito reconhecido, ela precisa ser garan!da não só por meio da implantação de polí!cas
públicas, mas especialmente pelas condições para sua efe!vação.
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