fazendo o máximo
com trabalhadores de
67
capítulo quatro
Saúde existentes
Neste Capítulo
67 O que é uma força de trabalho com bom desempenho?
70 O que determina o desempenho dos trabalhadores de saúde?
71 O que influencia o desempenho dos trabalhadores de saúde?
89
Como as alavancas estão ligadas às quatro dimensões do
desempenho da força de trabalho?
90 Conclusão
A força de trabalho de um país é
formada de trabalhadores de saúde
que estão em vários estágios de suas vidas profissionais; eles trabalham em várias
organizações diferentes, sob condições e pressões variáveis. Quaisquer que sejam
as circunstâncias, uma estratégia direcionada à força de trabalho tem de focar três
desafios principais: melhorar o recrutamento, ajudar a força de trabalho a melhorar
seu desempenho e diminuir a rotatividade dos trabalhadores saem da força de trabalho
em saúde. Este capítulo explora o segundo desses desafios: otimizar o desempenho
dos atuais trabalhadores
Andrew Smith/UNV
As estratégias para dar impulso ao desempenho dos
trabalhadores são fundamentais, por quatro razões:
■ provavelmente mostrarão resultados mais rapidamente
do que as estratégias para aumentar números;
■ as possibilidades de aumentar o fornecimento de
trabalhadores de saúde serão sempre limitadas;
■ uma força de trabalho motivada e produtiva encorajará o
recrutamento e a conservação desses trabalhadores;
■ os governos têm a obrigação com a sociedade de assegurar
que recursos humanos e financeiros limitados sejam usados
com tanta justiça e eficiência quanto possível.
Este capítulo delineia quatro dimensões do desempenho da
força de trabalho: disponibilidade, competência, capacidade de
resposta e produtividade, e revê as alavancas disponíveis para
aumentar essas dimensões. Existem muitas maneiras de aumentar
o desempenho, algumas direcionadas aos trabalhadores de
saúde individualmente e algumas direcionadas às organizações
nas quais eles trabalham.
O que é uma força de trabalho
com bom desempenho?
O desempenho da força de trabalho é fundamental porque
tem um impacto imediato na prestação de serviços de
saúde e, em última instância, na saúde da população.
Uma força de trabalho com bom desempenho é aquela que
trabalha com boa capacidade de resposta, justa e eficiente
para atingir os melhores resultados possíveis para a saúde
em face dos recursos disponíveis e das circunstâncias.
Avaliações do desempenho da força de trabalho em
saúde baseadas no ponto até o qual esse desempenho
Relatório mundial de saúde 2006
Table 4.1 Dimensões do desempenho da força de trabalho em saúde
Dimensão
Disponibilidade
Descrição
Disponibilidade em termos de espaço e tempo: engloba distribuição e atendimento dos
trabalhadores existentes.
Engloba a combinação de conhecimento técnico, habilidades e comportamentos.
Competência
Capacidade de resposta As pessoas são tratadas de forma adeqüada, não importando se sua saúde melhora ou não.
Produtividade
Produzir o máximo em serviços de saúde eficazes e atingir o máximo de resultados possíveis,
dado o estoque existente de trabalhadores de saúde; reduzir a perda de tempo ou de habilidades
do pessoal.
contribui para o aumento desejado da saúde da população não deixam nenhuma
dúvida de que o desempenho pode variar incrivelmente. O Quadro 4.1 oferece
uma ilustração de como os trabalhadores de saúde usam os recursos financeiros
disponíveis obtendo efeitos bastante diferentes em mortalidade infantil, mesmo após
o controle das variáveis educação e pobreza na população. Examinar o desempenho
dessa maneira revela áreas em que a força de trabalho possui um bom desempenho
e áreas em que são possíveis as melhorias, mas esse método não explica por que o
desempenho varia ou o que pode ser feito acerca disso.
Uma outra abordagem consiste em olhar para as quatro dimensões do
desempenho da força de trabalho que, acredita-se, contribuem para o alcance de
Quadro 4.1 Mortalidade infantil e densidade de trabalhadores de saúde, Vietnã
Taxas de mortalidade infantil foram examinadas em relação
à densidade dos prestadores de serviços de saúde em 1999.
Os resultados médios nas províncias estão representados
pelos pontos negros na figura a seguir. Muitas províncias,
denotadas pelos pontos vermelhos, saem-se melhor do que
o esperado para sua densidade de trabalhadores de saúde
– elas ficam abaixo da linha negra –, enquanto outras não se
saem tão bem. Uma análise mais detalhada revela que isso
se explica, em parte, pelas diferenças na disponibilidade
de recursos financeiros, medida em termos de gastos
com saúde per capita. Um indicador foi derivado da
eficiência com a qual os trabalhadores de saúde em cada
província usam os recursos financeiros disponíveis para
reduzir a mortalidade, controladas as variáveis educação
e a pobreza. A taxa de eficiência varia de 40% a 99%,
levantando a questão: por que os trabalhadores de saúde
em algumas províncias parecem ter melhor desempenho
do que outros (1, 2).
Taxa de mortalidade infantil e densidade per capita
de profissionais de saúde, por província, Vietnã
Taxa de mortalidade infantil
para cada 1000 nascidos vivos
68
80
Média nacional de
profissionais de saúde
60
40
Média nacional de
mortalidade infantil
20
0
0
5
10
15
20
Profissionais de saúde para cada 10 000 habitantes
Taxa de mortalidade infantil esperada nas províncias de acordo com os recursos disponíveis (do modelo).
Taxa de mortalidade infantil observada nas províncias.
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
69
uma melhor prestação de serviços e de uma saúde melhor (Tabela 4.1). Olhar para o problema
dessa maneira pode ajudar a selecionar áreas de atuação.
Este simples resumo estabelece o escopo de qualquer estratégia da força de trabalho em
saúde e oferece uma estrutura para avaliar se está tendo o efeito desejado. Essa estrutura
vai além do foco tradicional dos insumos (ter o número certo de funcionários, no lugar certo,
na hora certa, com as habilidades certas e o apoio certo para trabalhar (3) para considerar os
produtos e os resultados da força de trabalho.
O que se sabe sobre as várias dimensões do desempenho da força de trabalho em saúde
mostradas na Tabela 4.1? O Capítulo 1 já resumiu o que se sabe sobre a disponibilidade da
força de trabalho, entre países e dentro deles. Este capítulo descreve os esforços para captar
algumas das outras dimensões de uma forma mais sistemática. Para todos eles os dados são
escassos, especialmente nos países de baixa renda. No entanto, para os países determinarem se
as políticas direcionadas aos trabalhadores de saúde estão tendo os efeitos desejados, algumas
medidas de desempenho serão necessárias. Estudos de produtividade no setor Saúde foram
conduzidos em países ricos e pobres (4). Um estudo recente estimou que os ganhos potenciais
em produtividade dos funcionários existentes em dois países africanos podiam chegar a
35% e 26%, respectivamente (5). Os esforços, indo do simples ao sofisticado, estão sendo
empreendidos para avaliar até que ponto os trabalhadores de saúde são competentes (6 a 9), e
exibem aspectos de capacidade de resposta, como respeito pelas pessoas que eles atendem.
A Figura 4.1 ilustra os resultados de uma pesquisa realizada em 19 países que descobriu que
Uruguai
Figura
4.1
República
Tcheca
Malásia
México
Percepção dos pacientes do que seja tratamento respeitoso
em instalações de saúde de 19 países
Eslováquia
Emirados Árabes Unidos
Equador
Mianmá
Sri Lanka
Gana
Tunísia
Croácia
Índia
Federação Russa
África do Sul
China
Costa do Marfim
Filipinas
Mauritânia
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Percepção dos pacientes que consideram terem sido tratados com respeito em sua última visita a um estabelecimento de saúde (%)
Regiões da OMS
África
Américas
Sudeste da Ásia
Europa
Mediterrâneo Oriental
Pacífico Ocidental
Fonte: (10).
70
Relatório mundial de saúde 2006
a proporção de pacientes que consideraram ter sido tratados com respeito quando
visitaram instalações de saúde variou de 60% a 90%.
Para cada dimensão de desempenho de força de trabalho em saúde, diferenças
importantes podem ser vistas entre os trabalhadores de saúde, e as respostas em
políticas devem ter isso em mente. O Quadro 4.2 oferece um exemplo.
É difícil medir e monitorar o desempenho e fácil demais lidar com os dados(15).
Muitos indicadores de recursos humanos e recrutamento são coletados de forma
rotineira apenas em sistemas com uma infra-estrutura de informações relativamente
sofisticada. É necessário um trabalho maior para estabelecer quais indicadores
existentes podem capturar melhor as quatro dimensões do desempenho da força de
trabalho, mas a Tabela 4.2 ilustra algumas possibilidades. Essas quatro dimensões
são uma conseqüência de fatores como a rotatividade e a motivação do pessoal.
Talvez também valha a pena medir indicadores dos fatores determinantes do
desempenho, como visitas de supervisão e segurança no trabalho.
Muitas pessoas encaram a resposta sobre o desempenho não somente como uma
necessidade para as políticas, mas também como uma ferramenta poderosa para
influenciar o comportamento dos trabalhadores de saúde e das organizações, se
estiver ligado a recompensas e sanções. Os usos do monitoramento do desempenho
são discutidos mais adiante neste capítulo.
O que determina o desempenho
trabalhadores de saúde?
dos
Para entender por que os trabalhadores de saúde têm desempenhos diferentes, é
útil considerar os fatores que conhecidamente influenciam seu trabalho. Por muitos
anos, pensava-se que o fraco desempenho do trabalhador de saúde era causado
principalmente pela ausência de conhecimento e habilidades. Nos últimos anos, essa
percepção mudou, e três grandes grupos de fatores são agora reconhecidos.
■ Características da população atendida: é mais simples aumentar a cobertura
vacinal ou a aderência ao tratamento para tuberculose ou infecção por HIV onde
a população conhece os benefícios e tem a motivação e os recursos necessários
para solicitar os serviços.
■ Características dos próprios trabalhadores de saúde, incluindo seu próprio
histórico sociocultural, o conhecimento, a experiência e a motivação.
Quadro 4.2 Diferenças no desempenho de prestadores de serviços de saúde do sexo
masculino e do sexo feminino
Os trabalhadores de saúde do sexo masculino e feminino
às vezes abordam seu trabalho e interagem com os
pacientes de formas diferentes. Um estudo recente no
Brasil descobriu que as mulheres passavam mais tempo
em consulta com cada criança abaixo de cinco anos de
idade (um minuto a mais, em média) do que seus colegas
do sexo masculino, mesmo depois de fazer ajustes para
outros fatores determinantes de tempo, como o número
de pacientes. A diferença foi mais acentuada quando se
tratava de prestadores de serviço formados de acordo com
os protocolos do Controle Integrado de Doenças Infantis, o
que sugere que a influência da formação também difira de
acordo com o gênero do clínico (11).
Nos Estados Unidos, a tendência de as mulheres
submeterem - se ao Papanicolau e à mamografia se o
médico fosse do sexo feminino era maior, e isso era
mais evidente quando se tratava de residentes e médicos
de família do que com obstetras e ginecologistas (12).
As pacientes, especialmente aquelas que buscavam
aconselhamento ginecológico ou obstétrico, reportaram
maior satisfação com clínicos do sexo feminino do que
do sexo masculino (13, 14).
Quando considerados em conjunto, essas descobertas sugerem que certos aspectos dos cuidados
prestados por mulheres trabalhadoras de saúde podem,
em circunstâncias específicas, ser mais adeqüados às
necessidades das pacientes do que os cuidados prestados
por clínicos do sexo masculino. Essas diferenças podem
ser importantes para o desenvolvimento da força de
trabalho em saúde, mas precisam ser melhor avaliadas.
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
■ Características do sistema de saúde e do ambiente em torno
dele, que determinam as condições sob as quais trabalham
os trabalhadores de saúde. Essas características incluem
os insumos disponíveis para que possam realizar seu
trabalho, como o sistema de saúde é organizado, como os
trabalhadores são pagos, supervisionados e gerenciados e
fatores como sua segurança pessoal.
Esses elementos estão interconectados. Por exemplo, a
motivação (o nível de esforço e desejo de desempenhar bem)
é considerada por muitos como crucial para o desempenho.
A motivação é determinada tanto por fatores internos dos
trabalhadores de saúde quando por fatores em seu ambiente de
trabalho e social (17).
O que influencia o desempenho
dos trabalhadores de saúde?
71
Tabela 4.2 Indicadores de recursos humanos
para avaliar o desempenho da força de trabalho
em saúde
Dimensão
Disponibilidade
Competência
Capacidade de
resposta
Produtividade
Possíveis indicadores
Proporção de funcionários
Índices de ausência
Tempo de espera
Individual: práticas de prescrição
Institucional: índices de readmissão; nascidos
vivos;
infecções cruzadas
Satisfação do paciente; avaliação da resposta
ao caso
Leitos ocupados; visitas ambulatoriais;
intervenções realizadas por trabalhador ou
instalação
Fonte: (16).
O processo de alavancagem pode ser aplicado para estimular um
melhor desempenho individual e da força de trabalho em saúde
como um todo. As principais alavancas disponíveis para apoiar
o desempenho incluem um grupo que está relacionado ao emprego; outro que está
relacionado aos sistemas de apoio que todos os trabalhadores precisam para realizar
seu trabalho; e alavancas que dão forma e criam um ambiente de trabalho positivo. É raro
encontrar uma relação direta entre uma alavanca específica e uma mudança desejada.
Em conjunto elas formam uma lista de opções para a consideração dos formuladores
de políticas públicas, de onde vários instrumentos têm de ser selecionados e
combinados para fazer face a desafios específicos da força de trabalho em saúde.
A Figura 4.2 resume algumas das
principais alavancas que existem e as
Figura 4.2 Alavancas para influenciar as quatro
características da força de trabalho que
dimensões do desempenho da força
elas, juntas, podem influenciar. Alguns
desses instrumentos foram considerados
de trabalho em saúde
relativamente fáceis de implementar, outros
são mais complexos. Alguns oferecem a
Desempenho da força de
Ferramentas
perspectiva de resultados relativamente
trabalho em saúde
breves, outros em um período de tempo
Relacionadas ao emprego
bem maior. Alguns custam pouco, outros
Descrição de postos de trabalho
Disponibilidade
são caros. Alguns não são exatamente
Normas e códigos de conduta
alavancas para políticas, mas afetam a
Habilidades combinadas às tarefas
produtividade – o pagamento de uma
Supervisão
conta de aquecimento, por exemplo, de
forma que uma instalação de saúde esteja
em temperatura confortável para uso pelos
Relacionadas ao sistema
Competência
de apoio
funcionários e pacientes. Todas essas
alavancas precisam ser estabelecidas
Remuneração
como parte de uma visão para a força de
Informação e comunicação
Infra-estrutura e suprimentos
trabalho a médio e longo prazo. Melhorias
no desempenho e na produtividade da
Capacidade de Resposta
força de trabalho normalmente resultam
Ambiente de trabalho
de um monte de intervenções interligadas,
favorável
não de intervenções não coordenadas ou
Aprendizado contínuo
de uma única intervenção (18).
Gestão de equipes
Responsabilidade com
responsabilização
Produtividade
72
Relatório mundial de saúde 2006
A seleção dos instrumentos adequados para uso e o julgamento de quando e
onde usá-los requer não somente conhecimento dos próprios instrumentos, mas
também um entendimento de outras questões importantes que podem influenciar
o quão bem as alavancas funcionam, como a estrutura, a cultura e a capacidade
institucional da organização em questão e valores e expectativas sociais mais
amplos. As ações para encorajar um desempenho e uma produtividade melhores
podem ser direcionadas para o indivíduo, a equipe, a organização ou ao nível
geral do sistema (19). Alguns desses instrumentos podem ser introduzidos num
sistema de saúde existente por gestores de instalações ou serviços locais. Outros
requerem decisões tomadas por autoridades de alto nível ou por outros setores
– especialmente se envolvem mudanças estruturais. Embora seja pragmático para
os gestores focar primeiramente em uma ou duas coisas que possam influenciar
diretamente e que possam ser modificadas mais facilmente, há tempos em que
isso não é adequado para qualquer melhoria substancial no desempenho da força
de trabalho, e pode ser necessário considerar um conjunto mais abrangente de
mudanças gerenciais e organizacionais.
As três seções a seguir resumem o atual conhecimento sobre a eficácia
das diferentes alavancas. Para cada uma, são consideradas quatro questões
relacionadas aos tomadores de decisões: a robustez da base de conhecimentos, o
que é sabido sobre a facilidade de implementação, o custo e o tempo preconizado
para os efeitos ocorrerem. Provas inquestionáveis do que funciona ainda são
limitadas, mas isso não deve ser considerado uma desculpa para não agir, dada
a crise da força de trabalho que muitos países enfrentam. Ao mesmo tempo, essa
ausência de evidência torna duas coisas essenciais: monitoramento cuidadoso
de tendências e efeitos para permitir correções de curso conforme necessário,
e um esforço bem maior para avaliar e compartilhar as descobertas dentro do
país e fora dele.
Alavancas específicas dos empregos
Um conjunto de instrumentos que influencia o desempenho do pessoal é específico de
cada emprego ou ocupação. Essas alavancas incluem descrições claras dos postos
de trabalho, normas e códigos de conduta profissional, a adequada combinação de
habilidades e tarefas a serem realizadas e supervisão (20, 22).
Estratégia 4.1 Desenvolver descrições claras de postos de
trabalho
As descrições de postos de trabalho que estabelecem claramente objetivos,
responsabilidades, autoridade e linhas de responsabilidade são consistentemente
associadas com o aumento do alcance de objetivos do trabalho, para todos os
tipos de trabalhadores (23). Além disso, mudanças para desenvolver descrições
claras de postos de trabalho podem produzir efeitos bem rápidos. Um programa
realizado em conjunto pela OMS e o Ministério da Saúde da Indonésia demonstrou
que o estabelecimento de descrições claras de postos de trabalho, junto com uma
melhor formação em serviço e padrões mais claros, pode aumentar a satisfação
no emprego e o seguimento dos padrões entre pessoal de enfermagem e parteiras
(Quadro 4.3). Trabalhadores de saúde em muitos países ainda não possuem
descrições adequadas de seus postos de trabalho, então essa estratégia tem um
amplo potencial para dar certo.
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
73
Estratégia 4.2 Apoiar normas e códigos de conduta
O desempenho dos trabalhadores de saúde em termos de competência e capacidade de
resposta também é influenciado pelo seu sentido de identidade profissional, vocação e
ética no trabalho. Existem muitas instâncias de trabalhadores de saúde que continuam
a prestar cuidados, a despeito de condições de trabalho difíceis e algumas vezes
perigosas. Algumas maneiras de apoiar, ou quando necessário criar valores, padrões e
aspirações estão delineadas a seguir.
A noção de “profissionalismo” e vocação em saúde tem um longo
histórico. Quase todo médico e paciente já ouviu falar do Juramento
de Hipócrates, que é o código ético de conduta que sobrevive há
mais tempo. O juramento ainda é pronunciado por muitos formandos
de medicina. Os trabalhadores de saúde devem se conduzir com
integridade, abnegação para aplicar conhecimento técnico e colocar os
interesses do paciente acima dos seus próprios interesses (30, 31). Os
códigos de conduta profissional são muitas vezes instilados através de
canais não escritos e levam tempo para se desenvolverem, mas podem
se tornar uma fonte significativa de motivação interna.
Uma das funções das associações profissionais é fomentar esse senso
de identidade profissional valioso, e com isso a responsabilidade e um moral
mais elevado (32). Quando se trata de profissões mais “modernas”, como a gestão, suas
associações profissionais são relativamente novas (por exemplo a Associação Européia
de Gestão em Saúde existe há apenas 25 anos) e ainda não existem em muitos países. A
criação de associações profissionais pode ser uma estratégia de longo prazo desejável,
mas leva tempo para se estabelecer. Também se tentou a criação de associações para
prestadores mais informais, como a das farmácias, como um meio de colocar suas
atividades mais em linha com as boas práticas aceitas.
Em países muito pobres, as estratégias de sobrevivência que os trabalhadores
de saúde usam para enfrentar condições de vida difíceis podem tornar-se tão
prevalentes que a manutenção da ética profissional se torna ameaçada. O Quadro
4.3 explica como os trabalhadores de saúde de dois países percebem o problema.
Muitos empregadores estão introduzindo agora códigos de conduta explícitos,
por escrito, para todos os seus empregados, afirmando, por exemplo, que eles
devem chegar ao trabalho na hora, tratar os pacientes com dignidade e respeito e
dar a eles informações completas. A eficácia desses códigos não foi documentada
(e normalmente é apenas um aspecto de um pacote maior de intervenções
administrativas), mas a lógica sugere que sua eficácia dependerá do alcance da sua
comunicação e aplicação.
Instrumentos mais formais também são usados para apontar o comportamento
dos trabalhadores de saúde para uma direção desejada. Por exemplo, um governo
pode introduzir um regulamento que não permite a prática particular de trabalha­dores
de saúde do setor público durante o horário de trabalho das instalações públicas.
Para ter o efeito desejado, essas regras e regulamentos devem ser bem veiculados,
e quando forem desrespeitados, atitudes devem ser tomadas. O licenciamento e
o credenciamento são outras ferramentas usadas para promover os padrões de
cuidados dos trabalhadores existentes e das instituições às quais eles pertencem.
A eficácia dos regulamentos formais é muitas vezes limitada porque a capacidade
institucional para aplicá-las simplesmente não existe. Esse problema é discutido
com maior profundidade no Capítulo 6.
O desempenho dos
trabalhadores de saúde
é influenciado pelo seu
senso de identidade
profissional, vocação e
ética no trabalho
74
Relatório mundial de saúde 2006
Estratégia 4.3 Combinar habilidades e tarefas
Em países ricos e em países pobres, e em todos os tipos de instalações, existem
numerosos exemplos de maneiras nas quais as habilidades de cada trabalhador de
saúde ou a composição da equipe de saúde como um todo estão sendo usados de
forma ineficiente. As razões mais comuns para isso incluem:
■ As tarefas não combinam com as habilidades do trabalhador – por exemplo,
pessoal de enfermagem habilitado desempenhando trabalho burocrático
porque não há pessoal administrativo naquela ala. O oposto também ocorre:
por exemplo, devido a um déficit de habilidades, tarefas administrativas são
realizadas pelo escasso pessoal médico, que não tem experiência específica
nessas áreas; ou pessoal não formado realizando tarefas para as quais são
necessárias habilidades específicas, como, por exemplo, partos e outras
intervenções (33, 34).
■ Certas tarefas consomem uma quantidade excessiva de tempo, como receber
delegações e preparar relatórios.
■ Os trabalhadores nem sempre estão no trabalho quando a carga de trabalho
está mais pesada, ou seja, quando suas habilidades seriam mais produtivas.
Alguns exemplos de má combinação de habilidades são apresentados no Quadro
4.3. Muitas vezes, os países com a maior escassez de recursos humanos têm as
Quadro 4.3 Desafios relacionados ao trabalho para o aumento do desempenho
dos trabalhadores de saúde
Desenvolver descrições claras de postos de trabalho:
Indonésia
Em 2000, uma pesquisa com 856 enfermeiras e parteiras em
cinco províncias descobriu que 47,4% das enfermeiras e
parteiras não tinham uma descrição de seus postos de trabalho
por escrito, 39,8% estavam engajadas em outros trabalhos que
não a enfermagem ou a obstetrícia e 70,9% não tinham recebido
formação em serviço pelos últimos três anos. Foi desenvolvido
um Sistema de Gestão do Desenvolvimento do Desempenho
Clínico: ele criou descrições claras de postos de trabalho que
delineavam responsabilidades e a responsabilização, proporcionou
formação em serviço consistindo principalmente de discussões
de caso reflexivas e instalou um sistema de monitoramento de
desempenho. O pessoal que se beneficiou com o programa
relatou que as descrições de cargos, junto com os padrões de
operações e procedimentos, deram maior confiança sobre seus
papéis e responsabilidades. Os hospitais participantes também
relataram que o programa ajudou a assegurar a qualidade e
facilitou o credenciamento do hospital (24).
Manter valores profissionais: tensões e sugestões de Cabo
Verde e Moçambique
Um estudo de como os trabalhadores de saúde percebem a
dificuldade de manter valores profissionais descobriu que eles
experimentam um conflito entre sua auto-imagem e o que
significa ser um funcionário público honesto que quer fazer
um trabalho decente, e as realidades da vida que os fazem trair
essa imagem. Por exemplo, o mau uso do acesso a produtos
farmacêuticos tornou-se um elemento chave das estratégias de
sobrevivência que o pessoal de saúde emprega para aumentar
sua renda. Os autores concluem que essa ambigüidade indica
que a oportunidade para intervir ainda existe, e que isso deve
acontecer no início, antes que a prática - se torne por demais
entrincheirada. As sugestões dos respondentes para mudar a
situação incluíram: um controle melhor e mais firme do estoque,
condições de trabalho melhores, informar a população sobre
essas práticas e apelos aos valores pessoais e profissionais das
pessoas (25).
Combinar as habilidades às tarefas: exemplos de má
combinação
Um estudo realizado na República Unida da Tanzânia estimou que
40% a 50% do tempo de um médico distrital estava sendo gasto
na preparação de relatórios e 20% na recepção de delegações
(26). Em Uganda, os gestores distritais estimaram que gastam
70% a 80% do seu tempo em planejamento, preparação de
relatórios e workshops de treinamento. Isso deixou pouco tempo
para a implementação de atividades (27). Uma pesquisa com
hospitais em Washington DC, Estados Unidos, mostrou que
para cada hora de cuidados com pacientes em um departamento
de cuidados de emergência havia uma hora de cuidados com a
papelada (28).
Exercitar uma supervisão que apóia: Gana
Em hospitais semipúblicos, o papel dos supervisores era a
chave do aumento do desempenho: pressão mais aguçada
e o conhecimento dos processos técnicos mantiveram os
prestadores de serviços alertas, com os próprios supervisores
sentindo uma pressão mais direta para assegurar bons
desempenhos/resultados (por exemplo, para conservar sua
posição, seus incentivos financeiros e outros benefícios). Nos
hospitais públicos estudados, os supervisores pareciam ter
menos autoridade, e a ênfase do desempenho parecia recair
sobre comportamentos como obediência, pontualidade e
respeito, em vez de desempenho de tarefas técnicas. Sistemas
para a reorientação de supervisores e para avaliação formal
de desempenho da produtividade dos supervisores, em vez de
diretamente dos prestadores de serviço, podem ser úteis (29).
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
75
demandas mais altas sobre o tempo dos seus trabalhadores de saúde impostas por
agências externas. Este problema preocupada os formuladores de políticas, os gestores
e o pessoal clínico. A Declaração de Paris sobre eficácia do auxílio tem um conjunto de
princípios para harmonização e alinhamento com os sistemas e procedimentos de países
parceiros que foi endossado por ministros e instituições de desenvolvimento (35). Muitas
agências de saúde e parcerias estão agora examinando como colocar esses princípios em
prática (36). As agências externas têm uma oportunidade de ouro para liberar uma parte
do tempo para os trabalhadores de saúde, por exemplo, por meio da harmonização de
missões de revisão e cursos de formação ou pelo alinhamento de demandas justapostas
de preparação de relatórios.
Padrões de troca e flexibilidade de tempo podem fornecer outra maneira de
aumentar a produtividade do trabalhador. Essa estratégia pode potencialmente
atingir uma combinação melhor entre níveis de recrutamento e carga de trabalho
a um custo limitado, mas praticamente não existem avaliações dos países em
desenvolvimento (18).
Por fim, a delegação de habilidades ou a troca de tarefas é um outro meio
de aumentar a produtividade geral da força de trabalho que tem recebido muita
atenção. A maioria das experiências reais vem da substituição de clínicos por
pessoal de enfermagem e de países de língua inglesa (37). O Capítulo 2 dá exemplos
de momentos em que a delegação de habilidades está sendo adotada.
Estratégia 4.4 Exercitar uma supervisão que apóia
A supervisão, especialmente quando casada com auditoria e retorno de informações
para o pessoal, tem sido consistentemente considerada como fator de aumento do
desempenho de muitos tipos de trabalhadores de saúde, desde os prestadores de
serviços até os gestores (21, 38). Embora a intenção de supervisionar seja quase
universal, ela é freqüentemente difícil de ser colocada em prática e se torna a primeira
vítima na lista de prioridades de gestores ocupados, cujos recursos são restritos. A
supervisão então muitas vezes se torna mais difícil de realizar, mas muito
mais importante em sistemas de saúde que são descentralizados. Os
gestores centrais dos ministérios, por exemplo, podem ser considerados
como não tendo mais a autoridade de supervisionar distritos, ou seus
postos de trabalho podem ter sido transferidos.
Quando isso acontece, a natureza da supervisão é importante. Se as
visitas de supervisão tornam-se eventos administrativos estéreis, ou se
são vistas como atribuidoras de culpa e punitivas, elas têm pouco efeito
positivo e podem ter efeitos negativos. Ao contrário, uma supervisão
que apóia, que é educacional e consistente e ajuda a resolver problemas
específicos pode aumentar o desempenho, a satisfação no emprego e a
motivação. Uma boa supervisão fez a diferença na motivação do pessoal
e no desempenho entre hospitais públicos e hospitais autônomos
semigovernamentais em Gana (Quadro 4.3).
As estratégias utilizadas para melhorar a supervisão tendem a
negligenciar três grupos, todos os quais têm melhor desempenho
melhor sem supervisão. O primeiro desses grupos consiste dos
próprios supervisores; o segundo consiste de prestadores de cuidados em saúde
amadores, sejam famílias ou trabalhadores de saúde comunitários com papéis
mais formais que freqüentemente trabalham sozinhos; e por último, mas não
menos importante, estão os prestadores de serviços particulares, que em muitos
A supervisão que apóia
e ajuda a resolver
problemas específicos
pode aumentar
o desempenho, a
satisfação no emprego
e a motivação
76
Relatório mundial de saúde 2006
Quadro 4.4 Diferenças salariais entre países, profissões, setores e gêneros
(a) Comparações, entre países, dos salários anuais de médicos
e pessoal de enfermagem
figura (a)
Média do salário anual
($ internacional, escala log)
1 000 000
Médicos e pessoal de enfermagem em países pobres ganham menos do
que seus colegas na maioria dos países com renda alta, mesmo depois de
descontadas as diferenças de poder aquisitivo, então existem incentivos
financeiros substanciais para que eles emigrem. Na figura (a), os salários
anuais estão plotados contra o PIB per capita em dólares internacionais.
Os dados disponíveis normalmente dizem respeito a apenas médicos e
pessoal de enfermagem.
100 000
10 000
Cada ponto do gráfico representa um país
Clínico geral
Profissional de enfermagem
1 000
100
0
10 000
20 000
30 000
40 000
PIB/capita em $ internacionais
(c) Comparação entre os salários dos setores público e privado
Diferenças salariais entre profissionais de saúde também variam dentro do
país. Os salários podem ser comparados entre profissões equivalentes,
entre os setores público e privado e entre homens e mulheres que fazem
o mesmo trabalho. Para os países com dados disponíveis, o salário
mensal de um professor é normalmente 1 a 1,5 vezes o salário de um
profissional de enfermagem (figura (b)), embora na Costa Rica, na
Estônia e nos Estados Unidos as enfermeiras ganhem mais do que os
professores, de acordo com o relatado. Engenheiros ganham mais que
médicos, algumas vezes substancialmente mais, na maioria dos países
com baixa renda, por exemplo, Bolívia, Costa do Marfim e Honduras. Em
geral, esse equilíbrio é diferente em países com rendas per capita acima
de US$ 10 000 (como na Austrália, na Eslováquia e nos Estados Unidos),
nesses países os médicos ganham mais, em média.
Essas comparações são esparsas. Certamente, nem todos os trabalhadores
do setor privado necessariamente ganham bem: por exemplo, um estudo
constatou que cerca de 14% (Látvia) e 50% (Geórgia) dos trabalhadores
de saúde do setor privado ganhavam um salário mínimo ou menos.
figura (b)
3.5
3
2.5
2
1.5
1
0
5000 10 000 15 000 20 000 25 000 30 000 35 000 40 000 45 000
PIB per capita em $ à taxa de câmbio
Proporção do salário médio
entre engenheiros e médicos
Da mesma forma, há poucos dados disponíveis sobre as diferenças
salariais entre homens e mulheres. A Figura (c) ilustra as diferenças
salariais por gênero em quatro países da OCDE: em três deles parece
existir uma paridade nas cinco ocupações estudadas. O estudo nacional
mais rigoroso disponível sugere que as pequenas diferenças que existem
podem ser explicadas pelas diferenças no número de horas trabalhadas,
tipo de especialidade e tempo de serviço. Esta descoberta geral pode
muito bem esconder variações consideráveis entre países.
figura (c)
Paridade
0.5
0
(d) Proporção salarial (PPP USD) entre homens e mulheres
4.5
4
3.5
3
2.5
2
1.5
1
0.5
0
Paridade
0
10 000
20 000
30 000
PIB per capita $ à taxa de câmbio
Fonte: (44-49) Dados correspondentes ao último ano disponível.
40 000
Proporção do salário por hora
entre homens e mulheres
Proporção do salarial média
entre professores e pessoal de enfermagem
(b) Diferenças salariais entre profissões comparáveis
1.8
1.6
1.4
1.2
1.0
0.8
0.6
0.4
0.2
0.0
Profissional de enfermagem
Técnico de Raios-X
Enfermeiro auxiliar
Fisioterapeuta
Motorista de ambulância
Paridade
Austrália
Canadá
Finlândia
República da Coréia
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
países de baixa renda não recebem praticamente nenhuma supervisão. O desafio é
encontrar meios para supervisionar o desempenho que possam ser aceitos por clínicos
independentes e autônomos. A supervisão é um elemento em várias estratégias que
estão sendo exploradas para engajar os prestadores de serviços privados e informais na
entrega de bens e serviços. No exemplo dos projetos de franquia social, os franqueados,
como por exemplo, as farmácias, obtêm certos benefícios, por exemplo, suprimentos
subsidiados, e em contrapartida, aceitam – entre outras coisas – ser supervisionados
pelo franqueador (39).
Sistemas básicos de apoio
Todo trabalhador de saúde precisa de alguns apoios-chaves para realizar seu
trabalho: remuneração, informação e infra-estrutura, incluindo equipamentos e
suprimentos. Esta seção não faz uma revisão completa dos sistemas que dão esses
apoios, mas foca as características que têm particular relevância para aumentar o
desempenho da força de trabalho em saúde.
Estratégia 4.5 Assegurar remuneração adequada
Três aspectos da remuneração influenciam o comportamento dos trabalhadores de
saúde: o nível e a regularidade do pagamento, o modo como as pessoas são pagas,
e outros incentivos.
Os trabalhadores de saúde devem ser pagos razoavelmente pelo trabalho que
fazem. Eles precisam receber um salário decente; eles também precisam acreditar
que o salário está compatível com suas responsabilidades e que é justo quando
comparado com outros no mesmo emprego ou em emprego equivalente.
O pagamento insuficiente e uma percepção das diferenças injustas impedem o
crescimento da produtividade e do desempenho (40). Os trabalhadores de saúde
do setor público desenvolveram muitas estratégias de sobrevivência para lidar com
salários que estão abaixo da realidade ou cujo recebimento é intermitente: dupla
jornada ou múltiplos empregos, ausências e trabalhadores fantasmas; pagamentos
informais; encaminhamento de pacientes para o setor privado e migração para
melhores mercados de trabalho (25, 41 a 43).
O aumento de salários no setor público pode ser difícil e custar caro. Em alguns
casos, o ministério das finanças estabelece o teto das despesas públicas; os níveis
salariais de todos os funcionários públicos podem ser estabelecidos por comissões
de serviço público, que consideram injusto ou insensato aumentar salários somente
em um setor ou simplesmente não têm a capacidade de fazê-lo. Além disso, no
caso de alguns trabalhadores de saúde particularmente habilitados e escassos, o
setor público pode ser simplesmente incapaz de igualar os salários ofertados pelo
setor privado ou encontrados fora do país. Porém, nem todos os trabalhadores do
setor privado têm um salário alto; em alguns países, uma proporção significativa
de trabalhadores do setor privado recebe um salário mínimo ou menos (44). Várias
comparações salariais são descritas no Quadro 4.4.
Então, o que pode ser feito? A despeito das dificuldades, vários países com baixa
renda aumentaram dramaticamente o pagamento de trabalhadores públicos de saúde
nos últimos anos. Na República Unida da Tanzânia, por exemplo, o Esquema de Aumento
Acelerado de Salários Selecionados ofereceu uma oportunidade para os ministérios
aumentarem os níveis de remuneração de grupos com alta prioridade (15). Em Uganda,
em 2004, os salários de todos os trabalhadores de saúde foram aumentados após um
exercício de avaliação funcional realizado em todo o serviço público que utilizou um
77
78
Relatório mundial de saúde 2006
conjunto padrão de critérios (como a duração do treinamento, custo dos erros e horário
de trabalho) para classificar os empregos e fixar a escala de salários associada a eles.
Como conseqüência, o salário do nível mais inferior de profissional de enfermagem
quase dobrou e tornou-se equivalente àquele de um universitário recém-formado (42).
Por causa do custo dos salários, houve recentemente um aumento na aceitação das
agências externas de que será necessário um apoio ao salário em países com renda
muito baixa, a médio prazo (ver Quadro 2.2).
Alguns países têm envidado esforços para remover trabalhadores de saúde da
estrutura de pagamentos do funcionalismo público para permitir mais liberdade na
fixação do pagamento e de condições de serviço. Zâmbia tentou essa abordagem,
mas houve resistência por parte de grupos de profissionais e eventualmente o intento
perdeu a força. Em Gana, os coletores de impostos e empregados de bancos foram
desligados do funcionalismo público com sucesso, mas os trabalhadores de saúde
não foram (15).
A falta de pagamento dos salários representa um problema
em muitos países, desde o Leste Europeu até a África (50), e
pode provocar o absenteísmo. Os salários algumas vezes não
são pagos porque a gestão de recursos humanos e os sistemas
de folha de pagamento não funcionam adequadamente. Não
há evidências sobre os efeitos do investimento em sistemas
administrativos em funcionamento. No entanto, o apoio a esse
ingrediente essencial para a gestão da força de trabalho pode
ser mais fácil de fazer do que outras reformas da força de
trabalho com teor político, não precisa custar muito e pode
trazer resultados rápidos e significativos. Uma segunda causa
de salários não pagos é a ausência de fundos. No Chade,
os fundos de doadores têm sido usados com sucesso para
garantir o pagamento tempestivo dos trabalhadores de saúde que antes sofriam
atrasos de quatro a sete meses (50).
O meio como as pessoas são pagas faz uma diferença enorme no que elas
produzem. Cada trabalhador de saúde, e as instalações nas quais eles trabalham,
pode ser pago de maneiras muito diferentes. Por exemplo, o pagamento pode ser feito
O não-pagamento de
salários é um problema
em muitos países, do
Leste Europeu à Africa
Quadro 4.5 Incentivos para aumentar o desempenho dos trabalhadores de
saúde
Tailândia. Nos anos 1990, reformas no pagamento para
aumentar a disponibilidade de trabalhadores de saúde em
áreas rurais incluíram: suplementos para médicos de oito
especialidades e prestadores de serviços prioritários que
trabalhassem em áreas rurais; compensação para prática não
particular para médicos, dentistas e farmacêuticos; salário
mensal suplementado para médicos, farmacêuticos, dentistas
e pessoal de enfermagem de hospitais distritais e centros
de saúde; e pagamentos por hora extra e trabalho noturno.
Esses suplementos foram combinados a outros incentivos
não financeiros. Ao longo do tempo, a disponibilidade de
trabalhadores de saúde em áreas rural aumentou (64).
Mali. Em 1986, o Ministério da Saúde introduziu uma
estratégia, que continua hoje, de encorajar médicos
recém-formados a servir em áreas rurais. Os médicos
são contratados para trabalhar em áreas mal servidas
para oferecer o pacote de saúde mínimo estipulado pela
Política Nacional de Saúde, como parte de um centro
de saúde público que não tenha médico, ou como
clínico particular. Os dois setores têm mecanismos de
pagamento diferentes, mas benefícios não financeiros
similares: os médicos do setor público recebem um
salário mais uma parte da renda da instalação de
saúde; médicos particulares são pagos pelos serviços
prestados, mas o nível do pagamento é baseado na
capacidade de pagamento local. Todos os participantes
recebem algum treinamento inicial, além de acomodação,
equipamentos e transporte, se necessário. Além disso,
espera-se que todos entrem para a Associação Médica e
façam parte de uma rede de ensino de pares. Até 2004,
oitenta médicos (de um total de médicos estimado em
529 em Mali) juntaram-se a esse esquema e estavam
trabalhando em áreas rurais, onde alguns já estavam
há cinco anos. Uma avaliação em 2001 descobriu
que a cobertura de serviços em instalações rurais que
contavam com a presença de um médico era mais alta
do que nas instalações sem médico (65).
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
de acordo com o tempo (salários ou orçamentos fixos), de acordo com os serviços
prestados (pagamento por serviço) ou baseado na população (pagamentos per
capita ou contratos por bloco) (51). Tanto o mecanismo de pagamento baseado na
instalação médica quanto o individual podem influenciar o desempenho do indivíduo.
A experiência mostra que salários e orçamentos fixos levam o prestador de serviços a
reduzir o número de pacientes vistos e os serviços prestados, enquanto o pagamento
por serviço encoraja incentivos para os prestadores verem mais casos, oferecerem mais
serviços e realizar serviços mais caros. Cada mecanismo de pagamento também tem
implicações administrativas diferentes, desde a simples à mais complexa (52). O sistema
ideal de pagamento induz o prestador de serviços ao tratamento de alta qualidade e
eficaz, e ao mesmo tempo promove uma aplicação racional dos recursos (40).
Países de renda média e alta, incluindo Austrália, Hungria, Reino Unido e Estados
Unidos, têm se afastado de orçamentos e salários baseados em entradas, em direção
do pagamento relacionado ao desempenho, baseado em produtos e resultados (53
a 55). Sistemas mistos de pagamento a provedores tornaram-se mais comuns para
equilibrar os diferentes incentivos que cada mecanismo cria. O estudo de Robinson
das organizações de clínicos nos Estados Unidos, descobriu que aproximadamente
um quarto dos clínicos eram pagos puramente numa base retrospectiva (pagamento
por serviço), outro quarto puramente em base prospectiva (capitação, salário não
baseado na produtividade) e cerca de metade recebia uma mistura dos dois (48).
Algumas evidências sugerem que o pagamento relacionado ao desempenho pode
levar a melhorias na qualidade dos cuidados prestados (56, 57).
A idéia de introduzir o pagamento relacionado ao desempenho em países de
baixa renda ganhou popularidade recentemente, pelas mesmas razões que essa
abordagem é usada em países mais ricos. No entanto, a experiência permanece
bastante discreta. Na maioria dos países de baixa renda, a maioria dos trabalhadores
de saúde do setor público ainda recebe salários junto com auxílios não relacionados
ao desempenho, enquanto no setor privado, o sistema de pagamento por serviço
prevalece mais. A introdução limitada desse mecanismo pode se originar em parte
do fato de que métodos de pagamento com fortes incentivos à qualidade, satisfação
do consumidor, igualdade ou eficiência, tendem a ter um custo administrativo mais
alto e requerem capacidade administrativa maior (52).
O uso de outras fontes de renda, como os auxílios, para aumentar a atratividade
do emprego – seja em geral ou apenas em áreas mal servidas – existe em
praticamente todos os países. Tipos de pagamento suplementar e auxílios valorizados
pelos trabalhadores de saúde incluem: bônus pela assinatura de contrato; reembolso
de despesas relacionadas ao trabalho, como uniformes e combustível; auxílios para
educação, acomodação, transporte ou creche; seguro saúde; acesso a empréstimos
(ex.: hipoteca subsidiada); pagamento de diárias durante cursos de formação; auxílios
para trabalho em áreas remotas ou fora do horário de expediente (hora-extra ou turno
noturno); e incentivos específicos pelos resultados do serviço (ex.: para imunização) (58).
Médicos e pessoal de enfermagem são, muitas vezes, os principais beneficiários
dos suplementos de renda. Nos Estados Unidos, o reembolso do custo de instrução
ou bônus pela assinatura de contrato são comuns para atrair pessoal de enfermagem.
Na Jamaica, seguro saúde, férias pagas e transporte são muitas vezes oferecidos a
pessoal de enfermagem (59); enquanto os benefícios em Botsuana incluem moradia,
empréstimo para aquisição de carro e auxílio médico (60).
O bom funcionamento dessas medidas, depende de como são criadas e
implementadas e quais outros incentivos são usados. Os objetivos e os grupos alvo
devem ser definidos, e em alguns casos os incentivos têm de ser negociados com
79
80
Relatório mundial de saúde 2006
o sindicato; eles também devem ser vistos como justos. Ao
longo do tempo, eles podem vir a ser considerados direitos e
não incentivos, e seus efeitos podem mudar (61). Incentivos
bem intencionados podem ter efeitos não intencionais e
perversos (58, 62). Em Gana, por exemplo, o auxílio da hora
de serviço adicional introduzido para médicos e pessoal de
enfermagem causou ressentimento no pessoal de enfermagem
por causa das disparidades reais ou percebidas nos ganhos e
é considerado uma contribuição ao aumento da migração de
pessoal de enfermagem (63).
Pacotes de incentivos são freqüentemente necessários
para equilibrar os diferentes efeitos dos incentivos individuais
financeiros (e não financeiros). Na Tailândia, por exemplo,
esforços para aumentar a disponibilidade de médicos em áreas rurais envolveram
vários tipos de pagamentos adicionais, assim como estratégias educacionais,
de infra-estrutura e sociais (32) (Quadro 4.5, contendo dois exemplos). Estudos
envolvendo “instituições ímã” – aquelas que são bem-sucedidas no recrutamento,
na conservação e na motivação do pessoal da enfermagem – no Reino Unido e nos
Estados Unidos descobriram que fatores críticos incluem uma boa gestão de recursos
humanos e a qualidade dos cuidados prestados (66). Esses assuntos são discutidos
em maior profundidade mais adiante neste capítulo. Todos os incentivos requerem
monitoramento e ajustes regulares para fatores “puxa-empurra” em constante
mudança: a Tailândia empregou ferramentas diferentes em momentos diferentes para
aumentar e manter a disponibilidade de trabalhadores de saúde em áreas rurais.
Nenhuma discussão sobre remuneração estaria completa sem reconhecer que
em muitos países, em todos os continentes, os pagamentos informais constituem
uma fonte de renda importante para os trabalhadores de saúde e assim exercem
grandes influências sobre o comportamento com seus clientes (42,67). Não há uma
saída fácil para a abordagem do problema dos pagamentos informais, mas existem
exemplos encorajadores. Nos Camarões, o governo introduziu um esquema que está
agora em funcionamento em todas as instalações de saúde de grande porte. Ele
inclui: ter um único ponto de pagamento para os pacientes na instalação de saúde;
exibir claramente as taxas e as regras de pagamento para pacientes e informar onde
reportar transgressões; usar as taxas para pagar bônus aos trabalhadores de saúde,
mas excluí-los do esquema de bônus se quebrarem as regras, publicando os nomes
daqueles que receberam bônus e os dos que foram removidos do esquema. Um fator
importante no sucesso desse esquema tem sido um gestor forte na instalação de
saúde que aplica as regras com justiça (43).
Os pontos anteriores acerca da remuneração dos trabalhadores de saúde podem
ser resumidos como se segue:
■ Assegurar o mínimo: um salário decente que chega na hora certa!
■ Quando se trata do desempenho do trabalhador, o pagamento importa. As
agências externas podem ajudar a melhorar o desempenho do trabalhador
em países com baixa renda oferecendo apoio salarial durante um período
médio de tempo.
■ Uma composição de sistemas de pagamento e incentivos deve ser usada sempre
que possível. Se a capacidade institucional é limitada, deve-se ter cautela na
adoção de abordagens com exigências administrativas complexas.
Médicos e pessoal
de enfermagem são
muitas vezes os
principais beneficiários
dos suplementos de
renda
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
■ O aumento salarial sozinho não é suficiente para mudar o desempenho. Ele
deve ser combinado a outras estratégias para criar mudanças significativas.
■ Qualquer política de incentivos ou de remuneração deve ser sempre monitorada e
adaptada ao longo do tempo para assegurar que produzam os resultados desejados.
Estratégia 4.6 Garantir informações e comunicação adequada
Um adágio bem conhecido diz que somente se controla aquilo que se mede. As
evidências mostram que a posse da informação ajuda os trabalhadores a fazerem seu
trabalho melhor, desde que certas condições sejam respeitadas: a informação deve
ser relevante para o trabalho e estar disponível quando necessário, e os trabalhadores
devem ter um grau de confiança na qualidade da informação e entender o que ela
“diz” (21,68). Trabalhadores de saúde em diferentes níveis precisam de diferentes
tipos de informação de muitas fontes: registros médicos, relatórios de atividade das
instalações médicas, do financeiro, dos inventários e folha de pagamento da força de
trabalho em saúde, dados de pesquisas populacionais e literatura científica, para falar
apenas de alguns. Um sistema nacional de informações em bom funcionamento é um
ingrediente importante para o aumento do desempenho da força de trabalho.
Qualquer esforço específico para aumentar a produtividade geral da força de
trabalho deve se basear em dados confiáveis sobre o nível, a distribuição e o conjunto
de habilidades da força de trabalho, junto a informações sobre os fatores considerados
restritivos ao melhor desempenho da força de trabalho em saúde e inteligência sobre
as opções potenciais de políticas.
Em alguns casos, a produtividade de provedores individuais foi aumentada
com tecnologias em comunicação que auxiliam os trabalhadores de saúde a prestar
serviços. Existe um número crescente de evidências que sugerem que essas
tecnologias podem levar a ganhos de produtividade na força de trabalho em saúde
promovendo melhorias na forma como os trabalhadores prestam serviços clínicos e
de saúde pública. Exemplos são fornecidos no Quadro 4.6.
Muitas barreiras organizacionais, jurídicas, relativas à infra-estrutura, sociais
Quadro 4.6 Usando moderna tecnologia de comunicações para melhorar
dados, serviços e produtividade
Nos países ricos, os trabalhadores de saúde usam cada
vez mais tecnologia moderna de comunicação para
prestar cuidados, e estudos têm demonstrado aumentos
em sua produtividade como resultado disso. O uso de
telefones para lembrar indivíduos de alto risco sobre a
imunização contra a gripe espanhola (69) e mamografia
entre membros de planos de saúde resultou num
aumento significativo na realização dessas intervenções
preventivas, sem outras mudanças aparentes na força
de trabalho(70). Lembretes telefônicos gerados em
computador também têm sido eficazes no aumento da
adesão à medicação e no controle da pressão arterial por
parte de pacientes hipertensos (71).
Existem evidências de que a manutenção dos arquivos
dos pacientes em computador pode melhorar os cuidados
dispensados ao paciente, os resultados e os custos.
Sistemas computadorizados de lembretes para alertar o
pessoal de saúde sobre a repetição de exames reduziram o
número de pacientes submetidos à repetição desnecessária
de exames, enquanto sistemas automáticos de comunicação
de resultados críticos de laboratórios reduziram o tempo
para a obtenção de tratamento adequado quando
comparado aos sistemas existentes de pager (72 a 74).
A necessidade de cuidados crônicos de pacientes do HIV/
Aids disparou uma exploração de modelos para cenários
pobres em recursos, cujos pilotos estão sendo postos
em prática em vários países de baixa renda.
Computadores de mão são ferramentas poderosas
de coleta de dados, oferecendo acesso rápido a
informações necessárias para evitar ou responder a
focos de doenças. Eles podem fornecer dados na hora
em que eles são necessários, mesmo na ausência de
conexão com a internet ou de conectividade telefônica.
Por exemplo, uma pesquisa da Cruz Vermelha que
coletou dados para vacinação contra sarampo em Gana
usando esses dispositivos processou dez vezes mais
questionários do que o habitual e devolveu os resultados
para o Ministério da Saúde com facilidade e velocidade
sem precedentes. Para maiores informações, visite o site:
http://www.satellife.org/ictinhealth.php.
81
82
Relatório mundial de saúde 2006
Quando procuramos
meios de aumentar
o desempenho,
descobrimos que nada
funciona tão bem
quanto conversar
com os próprios
trabalhadores de
saúde. Suas idéias são
simplesmente incríveis.
Eles te dirão o que fazer
e financeiras ao uso irrestrito da tecnologia moderna de
informação e comunicações permanecem, especialmente
em cenários de baixa renda (75). Em alguns casos, essas
tecnologias podem ser vistas como soluções mágicas,
usadas para resolver problemas que precisam de soluções
bem diferentes. Todavia, será importante manter uma mente
crítica, mas aberta ao seu potencial: a explosão no uso de
telefones celulares em países de baixa renda mostra o quão
rápido uma nova tecnologia pode ser adotada em países em
que a infra-estrutura tradicional de comunicações é fraca
ou cara de se usar. Métodos simples de comunicação como
boletins e linhas de ajuda também têm um papel a cumprir na
melhoria do acesso à informação.
Estratégia 4.7 Melhorar infra-estrutura e
suprimentos
Não importa o quão motivados e habilitados são os trabalhadores
de saúde, eles não podem fazer seu trabalho de forma adequada
em instalações que não têm água limpa, iluminação adequada,
aquecimento, veículos, medicamentos, equipamentos de
trabalho e outros suprimentos (76 a 78). Dois exemplos ilustram
as conseqüências. No Níger, foi relatado que enfermeiras em
centros de saúde estavam relutantes em encaminhar pacientes
para os hospitais distritais somente porque três dos 33 hospitais
ofereciam cuidados cirúrgicos, a maioria não podia realizar transfusões de sangue ou
fornecer oxigênio, e as instalações laboratoriais e de radiologia eram rudimentares (79).
No Quirguistão, os profissionais de saúde de cuidados primários prestando cuidados
para pacientes de diabetes disseram que seu trabalho era impedido pela falta de testes
de tiras, máquinas para medir o açúcar no sangue, laboratórios fracos e suprimentos
irregulares de insulina (77). A falta de medicamentos é um problema familiar para muitos
trabalhadores de saúde (Tabela 4.3).
As evidências dos benefícios para o desempenho de se melhorar a infra-estrutura
básica e os suprimentos são poucas (81), mas parece altamente provável que essas
melhorias – uma vez em prática – podem criar ganhos significativos, quase imediatos.
Por exemplo, o pagamento de uma conta de eletricidade ou aquecimento para que os
Tabela 4.3 Situações farmacêuticas em estabelecimentos de saúde pública na África
e no Sudeste da Ásia
Indicador
Número médio de dias durante os quais medicamentos
importantes estiveram em falta no ano anterior
Porcentagem de instalações que satisfizeram condições
básicas de conservação necessárias para manter a qualidade
dos medicamentos
Porcentagem de medicamentos distribuídos com rótulo
adequado
Mediana, sete países em cada região.
Fonte: (80).
a
Africaa
25
Sudeste da Asiaa
19
75%
75%
71%
87%
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
aparelhos sejam religados pode fazer uma diferença mais rápida para a produtividade
do que qualquer outra ferramenta mais específica de controle da produtividade.
Os custos provavelmente serão variáveis: alguns seriam desembolsos únicos, e
outros, recorrentes. Uma maneira simples e óbvia, mas algumas vezes esquecida,
de determinar que ações poderiam criar as melhorias maiores e mais imediatas seria
perguntar aos próprios trabalhadores de saúde.
O ambiente de trabalho físico também deve ser seguro, e os próprios trabalhadores
de saúde devem receber cuidados em saúde quando ficarem doentes. Aspectos de
segurança são discutidos no Capítulo 5.
Sistemas de apoio que funcionam bem requerem consideração dos trabalhadores
administrativos, de gestão e apoio em saúde discutidos no Capítulo 1, como gerentes
de lojas dentro do hospital, funcionários da contabilidade, executivo de informações,
técnicos de equipamentos, administradores hospitalares e gerentes de pessoal e de
compras. Esses trabalhadores são muitas vezes negligenciados em discussões da
força de trabalho, mas são críticos para o aumento da prestação de serviços.
Um ambiente de trabalho positivo
Três tipos gerais de alavancas podem ser usados para promover um ambiente de
trabalho positivo. A maioria envolve a cultura gerencial e arranjos organizacionais
nos quais os prestadores de serviços de saúde trabalham. Elas estão agrupadas da
seguinte maneira: aprendizado contínuo, gestão de equipes e trabalho em equipe e
responsabilidade com responsabilização.
Estratégia 4.8 Promover o aprendizado contínuo
Trabalhadores de saúde requerem conhecimento atualizado para um bom desempenho,
como foi mencionado no Capítulo 3. Rápidos aumentos de conhecimento e sistemas
de saúde em modificação tornam essa necessidade ainda mais essencial nos dias de
hoje. Esse é um campo repleto de experimentação, mas algumas mensagens claras
e diretas têm surgido.
As necessidades individuais variam significativamente. Trabalhadores básicos
com semanas apenas de formação pré-serviço têm necessidades de aprendizado
diferentes das de médicos ou pessoal de enfermagem com uma década ou mais de
educação e experiência. O pessoal de enfermagem da zona rural da Suíça claramente
lida com desafios diários bem diferentes do que os da zona rural de Malawi. No
entanto, alguns princípios comuns formam a base de qualquer abordagem forte ao
Quadro 4.7 Que tipo de formação funciona melhor?
Se a mudança do desempenho é o objetivo, abordagens
exclusivamente didáticas, conferências e atividades sem
nenhuma prática têm um papel pequeno ou nenhum
papel a desempenhar (83, 84). Evidências sugerem que
há mais probabilidade de transferência de conhecimento e
habilidades para a prática quando o curso de treinamento é
interativo com a maior quantidade possível de experiência
prática, de vida real. Cursos interativos melhoram o
comportamento relacionado à prescrição e distribuição de
medicamentos (85 a 88), aumenta as habilidades clínicas
específicas (89, 90) e têm um efeito positivo sobre a
utilização dos cuidados em saúde ao mesmo tempo em
que promove respostas favoráveis dos pacientes (91).
Oportunidades de aprendizado ativo, aprendizado em
seqüência, apoio pós-treinamento, lembretes e atividades
multifacetadas são eficazes (92, 93). Três estudos
demonstraram que a educação à distância aumenta
o conhecimento (94), o comportamento de busca do
conhecimento (95), a autoconfiança (96) e as atitudes
positivas, embora não tenham sido observados
efeitos sobre a mudança de comportamento. Quando
uma sessão de treinamento ministrada através de
videoconferência foi comparada a um treinamento em
classe cara a cara, não houve diferenças no acúmulo de
conhecimento (97). As evidências mais convincentes
em prol da educação à distância é um estudo que mostra
que um curso de educação à distância de 10 meses de
duração, com o apoio de 1 a 2 contatos feitos pelos
tutores, causou um aumento significativo na correta
avaliação de casos de diarréia (98).
83
84
Relatório mundial de saúde 2006
Tabela 4.4 Abordagens ao desenvolvimento e desempenho profissional
Treinamento
Intermitente
Contínuo
Educação a distância
Individual
Cursos de
treinamento
Desenvolvimento
profissional contínuo
Treinamento na
internet e acesso a
material escrito
Em equipe ou organização
Retiros
Grande leque de abordagens com princípios semelhantes,
mas muitos rótulos diferentes. Ex.: gestão, ferramentas e
técnicas da qualidade total
Teleconferência, espaços de trabalho colaborativos, outros
programas de computador para grupos de trabalho na
internet
desenvolvimento profissional. A Tabela 4.4 resume algumas abordagens individuais
e outras direcionadas ao local de trabalho como um todo.
Cursos isolados, ministrados fora do ambiente de trabalho têm um histórico pobre
como modificadores da prática corrente dos trabalhadores de saúde. A formação em
serviço é um agente mais provável de mudança do comportamento do trabalhador quando
é interativo, baseado em problemas da vida real e associados a um apoio contínuo.
Para ilustrar esse fato, embora o uso de sais de reidratação oral para diarréia
infantil tenha aumentado nos anos 1980 e 1990, após mais de 2 mil cursos de
formação na gestão e supervisão de casos de 1988 a 1993 em mais de 120 países,
a porcentagem média de crianças reidratadas corretamente pelos trabalhadores
de saúde (dados de 22 pesquisas) foi de apenas 20% (21). Abordagens simples,
de baixo custo, que seguem os princípios do treinamento interativo e realísta
com apoio contínuo adequado podem ser muito eficazes (38). Essas lições foram
traduzidas no conceito mais abrangente, de longo prazo, do desenvolvimento
profissional contínuo e do aprendizado contínuo. O desenvolvimento profissional
contínuo pode ser simplesmente definido como um processo sistemático, contínuo
e cíclico de aprendizado “autodirecionado” para indivíduos. Essa abordagem vai
além do treinamento e inclui, por exemplo, trajetórias de carreira, retroalimentação
de outros, aconselhamento e comissões de serviço.(82) A educação a distância,
em suas várias formas, também merece maior exploração, dada a distribuição
Quadro 4.8 Garantia de qualidade, supervisão e monitoramento em Uganda
Desde 1994 o Ministério da Saúde de Uganda engajou-se na
garantia de qualidade, supervisão e monitoramento de distritos
e sub-distritos por meios das seguintes abordagens:
• criação de um Departamento de Garantia de Qualidade;
• desenvolvimento e disseminação de padrões e diretrizes;
• workshops iniciais para auxiliar administradores,
líderes políticos e pessoal clínico na identificação
e na solução de problemas comuns relacionados à
prestação de serviços;
• visitas de apoio de equipes multidisciplinares;
• visitas trimestrais de supervisão com monitoramento de
rotina (de finanças e planejamento, por exemplo) e uma
área de foco especial, como a malária ou a saúde infantil;
• supervisão que apóia, não é punitiva e é exercida em
uma atmosfera de confiança;
• retroalimentação verbal e resumos de relatórios com
o destaque de questões importantes e os planos de
ação acordados.
O programa inclui monitoramento rotineiro de indicadores
nos níveis nacional e distrital e referenciais de excelência de
avanço em direção ao cumprimento do plano estratégico
nacional. Os prestadores de serviços públicos e as
organizações não governamentais são monitorados, mas
não o setor privado.
Para incentivar melhorias, o Ministério da Saúde
de Uganda colocou em funcionamento um sistema
de prêmios chamado Programa Estrela Amarela. As
instalações de saúde distritais que cumprirem totalmente
os 35 padrões considerados como os melhores
indicadores para a gestão geral agora recebem uma placa
no formato de uma estrela amarela de cinco pontas, bem
como um reconhecimento oficial e publicidade. Quarenta
e sete distritos estão agora participando.
Os esforços de Uganda resultaram numa melhor
coordenação entre os serviços de saúde e os administradores
locais e os líderes políticos. A revisão do setor saúde de 20032004 descobriu que alguns distritos estão desempenhando
bem melhor que outros e que inesperadamente distritos
pobres e localizados na zona rural não são necessariamente
os que apresentam desempenho ruim. Em entrevistas
conduzidas em toda Uganda, a opinião mais expressa era a
de que o bom desempenho derivava pelo menos em parte,
de uma boa gestão, especialmente em um ambiente político
que dá apoio (112).
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
geográfica de muitos profissionais de saúde que precisam de desenvolvimento
profissional contínuo. O Quadro 4.7 apresenta algumas das opções para
oportunidades educacionais.
A experiência mostra claramente que a simples disseminação de diretrizes é
ineficaz. Se as diretrizes são distribuídas passivamente, poucas pessoas as lêem,
mesmo se sua publicação se faz seguir de visitas para lembrá-las (99 a 104).
Quando diretrizes são distribuídas durante um curso de treinamento, no entanto,
e apoiadas por grupos de pares para discutir o conteúdo e oferecer auditoria
e retroalimentação aos participantes ou associadas a visitas subseqüentes de
supervisão, há uma probabilidade significativamente maior de que elas sejam
implementadas (105 a 107).
Nos últimos anos, o foco da atenção mudou para os pacotes multifacetados de
apoio interativo no trabalho, com uma ênfase nas maneiras de encorajar a tradução
de novos conhecimentos para práticas modificadas. Essas abordagens podem ser
julgadas de várias formas, incluindo a qualidade dos serviços e a produtividade.
Recentemente, um leque amplo de programas surgiu com vários rótulos diferentes,
níveis de complexidade, ferramentas e técnicas, mas a maioria segue um conjunto
de princípios semelhantes. Alguns se concentram nos indivíduos, outros em
abordagens para as organizações como um todo ou para equipes – em que a equipe
pode ser uma unidade de trabalho de vários trabalhadores diferentes ou um grupo
de profissionais, como gestores, que compartilham as mesmas responsabilidades
em lugares diferentes.
O trabalho em equipe e processos com um desenvolvimento conjunto de
diretrizes e a revisão por pares podem ter sucesso moderado na melhoria do
desempenho da força de trabalho em saúde. Os benefícios observados do trabalho
em equipe incluem o aumento do bem-estar do pessoal (108, 109) e uma melhor
qualidade na prestação de cuidados (110). Evidências da eficácia das abordagens
para organizações em atingir melhorias sustentadas nos serviços são limitadas.
Por exemplo, no Reino Unido e nos Estados Unidos, abordagens de gestão de
qualidade total mostraram resultados confusos (111). Muitas formas de projetos de
aumento da qualidade já foram aplicadas em países de baixa renda com relatos de
sucesso (Quadro 4.8), mas as avaliações rigorosas são em número pequeno (21).
Em último caso, é claro, a abordagem mais adequada depende das necessidades
específicas e dos objetivos da força de trabalho.
Quadro 4.9 Mudando as tarefas e, portanto, as habilidades necessárias
No Quirguistão, os fundos costumavam ser alocados para
instalações com base em número de leitos e de funcionários.
As reformas introduzidas em 1997 mudaram o sistema
dessa abordagem orçamentária passiva para um que confia
na compra ativa ou estratégica de serviços de cuidados
em saúde. Uma nova agência, o Fundo Obrigatório de
Seguro Saúde (Mandatory Health Insurance Fund, MHIF),
paga instalações de internação por cada caso tratado, e as
clínicas de cuidados primários por captação. As reformas
no pagamento a hospitais envolveram completamente novos
processos de gestão de informações, gestão de finanças e
controle de qualidade para assegurar que os prestadores
contratados sejam pagos e que os serviços prestados
sejam adequados e de boa qualidade. Uma nova
função crítica desempenhada pelo MHIF é a revisão da
utilização, que envolve a checagem dos pedidos para
evitar a fraude ao mesmo tempo em que contribui para
o aumento da qualidade. Isso levou à necessidade de
um novo conjunto de habilidades: em programação de
computadores, processamento de dados, análise de
dados clínicos e na capacidade de discutir e negociar
com prestadores com base nessas análises (113).
85
86
Relatório mundial de saúde 2006
Estratégia 4.9 Estabelecer uma gestão eficaz de equipes
Junto com a mudança nas abordagens ao desenvolvimento profissional veio
um reconhecimento crescente de que existem lacunas importantes no escopo
da resposta atual. Ao longo dos anos, a maior parte da
atenção foi focada no conhecimento e nas habilidades
para a prestação de serviços clínico, e não nas habilidades
mais genéricas necessárias para fazer os sistemas de
saúde funcionar, como a administração, a contabilidade,
as compras e a logística. Algumas habilidades gerenciais
mais “leves”, como a formação de equipes e a negociação
também receberam pouca atenção. Como resultado
disso, muitos países de baixa renda que recebem grandes
quantias de fundos adicionais para aumentar rapidamente
os serviços estão enfrentando alguns déficits de
habilidades básicas em áreas como contabilidade simples,
estoque de medicamentos e gerência de lojas dentro do
hospital e gestão básica de pessoal. A reorganização de
sistemas de saúde pode também criar uma necessidade
de novas habilidades. Esse foi o caso do Quirguistão
(Quadro 4.9), embora a reforma da saúde no Chile e no
Gestor do setor público, Benin
Reino Unido tenha aumentado a necessidade de gestores
experientes (113, 114).
As pessoas respondem de forma positiva a um conjunto de incentivos não
financeiros que podem ser capturados em conjunto sob a rubrica da boa gestão
ou liderança, termos que são muitas vezes usados com interatividade (116).
Não importa se são chamadas de gestão ou de liderança, essas habilidades
beneficiam os trabalhadores de saúde em todos os níveis de um sistema de
saúde. Evidências limitadas, mas positivas sugerem que os fatores listados a
seguir podem aumentar o desempenho individual ou organizacional (56, 117-123).
Essas avaliações
são uma fonte de
motivação para nós; se
conseguirmos uma nota
boa, faremos um esforço
ainda maior para manter
nossa colocação ou
melhorá-la ainda mais
Quadro 4.10 A importância da gestão e da liderança
África do Sul. Perguntou-se ao pessoal de enfermagem que
trabalha na prestação de serviços de saúde materna quais
as características mais importantes do local de trabalho
e foram-lhes apresentados 16 perfis teóricos de local de
trabalho. A descoberta mais significativa foi a de que a boa
gestão (ou seja, responsabilidades claramente definidas,
atitude de apoio quando são cometidos erros, capacidade
de premiar e não o tempo de serviço) ficou acima do salário
no ranking de preferências, a não ser que a remuneração
fosse dramaticamente mais alta. Esses resultados reforçam
outra pesquisa que demonstrou o efeito da boa gestão
sobre as escolhas de emprego e a satisfação no trabalho
entre os trabalhadores de saúde (124).
Programa Liderança para a Mudança. O Conselho
Internacional de Enfermeiras (International Council of
Nurses - ICN) estabeleceu um programa para fazer do
pessoal de enfermagem líderes e gestores em um ambiente
de saúde em constante mudança. A metodologia Liderança
para a Mudança e objetivos estratégicos principais são
criados para ajudá-los, no nível nacional ou organizacional,
a participar eficazmente no desenvolvimento de políticas
de saúde e na tomada de decisões, a tornarem-se líderes
e gestores eficazes em enfermagem e serviços de saúde,
a preparar futuras enfermeiras gestoras e líderes para
postos importantes e influenciarem mudanças nos
currículos de enfermagem de forma que as futuras
enfermeiras sejam adequadamente preparadas.
O pessoal de enfermagem de mais de cinqüenta
países de renda baixa ou média ganhou conhecimento,
habilidades e estratégias de que necessitam para
assumir papéis de liderança em enfermagem e sistemas
de saúde, construir parcerias e melhorar a prestação
de cuidados em saúde por meio da participação nesse
programa. As avaliações indicam que os formandos
envolvem em um leque de papéis de liderança em
enfermagem, com um aumento da influência de
líderes enfermeiras, capacidade de construir parcerias
sustentáveis e capacidade para desenvolver novos
modelos de enfermagem para aumentar a qualidade
dos cuidados dispensados a pacientes (125).
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
Trabalhadores de saúde ficam mais motivados para desempenhar bem quando
suas organizações e gestores:
■ têm um claro senso de visão e missão;
■ fazem as pessoas se sentirem reconhecidas e valorizadas qualquer que seja
seu trabalho;
■ ouvem o que o pessoal tem a dizer e aumentam sua participação em decisões
– eles freqüentemente têm a solução;
■ encorajam o trabalho em equipe, o aconselhamento e orientação;
■ encorajam a inovação e a independência adequada;
■ criam uma cultura de estabelecimento de referenciais de referência e de
comparação;
■ oferecem estruturas de carreira e oportunidades de promoção que são
transparentes e justas;
■ dão retroalimentação ao bom desempenho e o premiam – mesmo com pequenos
benefícios;
■ usam as sanções disponíveis para o mal desempenho de forma justa e
consistente.
Bons gestores premiam seu pessoal. Alguns exemplos de prêmios não financeiros
que podem ser usados são: lanches durante o turno noturno, férias e licenças de
um dia, horas de trabalho flexíveis, acesso e apoio para treinamento e educação,
dispensas, licença para estudo e intervalos planejados na carreira profissional. Alguns
exemplos de gestão e liderança são mencionados no Quadro 4.10.
Sistemas de avaliação de desempenho, como o sistema de Revisão de Aumento
de Desempenho em Zâmbia, e o esquema de Contrato de Desempenho em Malawi,
estão se tornando mais comuns. Qual é a eficácia da auditoria e da retroalimentação
do desempenho (126)? Existem muitos exemplos de projetos bem-sucedidos, mas
evidências em grande escala de que esses esquemas aumentem a qualidade dos
serviços, a produtividade ou os resultados em saúde ainda são escassos (15). Uma
grande revisão da experiência com auditoria e retroalimentação em países de alta
renda concluiu que essas ferramentas podem ser eficazes na melhoria da prática
profissional, mas seu efeito é pequeno para avaliar (127). A avaliação do desempenho
da instalação de saúde também está-se tornando comum, mas a experiência ainda é
escassa em cenários de baixa renda.
No que se refere à aplicação, levar em consideração as modificações mencionadas
não tende a ser custoso, mas tampouco é necessariamente simples. Por exemplo,
um estudo sobre o desempenho dos gestores de saúde em nove países da América
Latina mostrou que era difícil introduzir o trabalho de saúde em equipe em um sistema
de saúde que estimula a estrutura hierárquica e se inclina por um estilo de gestão
autoritária (128).
Estratégia 4.10 Combinar responsabilidade e responsabilização
Dar pelo menos alguma liberdade aos gestores locais para a alocação de fundos
pode fazer uma grande diferença para o desempenho do pessoal e da instalação
de saúde, uma vez que esses gestores podem lidar rapidamente com problemas
locais desconhecidos dos gestores em níveis mais altos (129). Mecanismos para
responsabilizar os trabalhadores de saúde por suas ações são um outro meio de
aumentar a produtividade e o desempenho (130).
87
88
Relatório mundial de saúde 2006
Os serviços podem ser organizados de formas diferentes, mas os gestores não
podem geri-los adequadamente se não receberem pelo menos algum controle sobre
dinheiro e pessoal.
Três descobertas consistentes têm sido identificadas em vários sistemas de saúde.
■ A descentralização está sendo posta em prática em muitos países. Entretanto,
embora os gestores locais freqüentemente recebam mais responsabilidades
para a prestação de serviços, nem sempre estão recebendo a autoridade maior
sobre dinheiro e pessoal, necessária para capacitá-los a cumprir essas novas
responsabilidades.
■ É freqüente existirem poucos mecanismos de funcionamento para assegurar
a responsabilização no uso do dinheiro, recrutamento de pessoal ou qualidade
dos serviços prestados.
■ Hierarquias confusas são comuns, especialmente durante períodos de
reorganização. Isso não somente reduz a responsabilização e, portanto,
enfraquece o seu uso como alavanca para aumentar o desempenho do pessoal,
mas pode também reduzir a motivação do pessoal.
O público em geral, também, tem um papel a cumprir na responsabilização dos
trabalhadores de saúde por suas ações (130). Divulgar o que os pacientes devem
esperar dos provedores de serviços é barato e fácil de fazer e tem-se alcançado
bons resultados em países de alta e baixa renda no que diz respeito aos direitos dos
pacientes e às tabelas de honorários que estes devem abonar (131). Em Uganda,
por exemplo, o desempenho da saúde no distrito é classificado e os resultados são
publicados na imprensa. Mecanismos formais para lidar com alegações de má-conduta
de prestadores de serviços também podem ser eficazes, mas têm-se mostrado difíceis
de usar, na prática, em cenários de baixa renda (132).
Tabela 4.5 Um auxílio para refletir sobre os efeitos potenciais das alavancas de
desempenho da força de trabalho em saúde
1
Alavancas
Descrição de postos de
trabalho
Dimensões do desempenho da força de trabalho em saúde
Capacidade de
Disponibilidade
Competência
Produtividade
Resposta
+
+ +
+
++
+
++
+ / ++
+
+
+ +++
4 Supervisão
+
+++
++
++
5(a) Níveis salariais
+++
+
+
++
++ / –– + / –
+ / –
+++ / –––
0
++
+
++
++
0
+
++
8 Aprendizado contínuo
+
+++
+
+
9 Trabalho em equipe e gestão
+
+
++
+++
++
+
++
+++
2 Normas e códigos de conduta
3
Combinar habilidades a
tarefas
5(b) Mecanismos de pagamento
6 Informação e comunicação
7 Infra-estrutura e suprimentos
Responsabilidade com
10
responsabilização
Legenda:
+ = efeito positivo; – = efeito negativo.
+ = algum efeito; ++ = efeito significativo; +++ = efeito substancial.
Mecanismos de pagamento: os efeitos dependerão do mecanismo usado.
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
Como as alavancas estão ligadas às quatro
dimensões do desempenho da força de trabalho?
A estrutura no início deste capítulo listou quatro dimensões desejadas de desempenho
da força de trabalho: disponibilidade, competência, capacidade de resposta e
produtividade. Evidências rigorosas são limitadas, mas a Tabela 4.5 oferece uma
visão geral de quais alavancas parecem ter a maior influência sobre cada uma dessas
dimensões. Os resultados serão naturalmente influenciados pelo contexto local.
Disponibilidade
As alavancas consideradas mais eficazes no aumento da disponibilidade do pessoal
existente são aquelas relacionadas a salários e a mecanismos de remuneração, assim
como os materiais para “fazer o trabalho” e um grau de independência permitido a
cada trabalhador de saúde para gerir seu trabalho – seja na gestão e na organização e
na oferta de pessoal, para os gestores, seja em decisões clínicas, para os prestadores
de serviços em saúde. Descrições de postos de trabalho e códigos de conduta podem,
também, ajudar, emprestando clareza e senso de profissionalismo, que muitas vezes
parecem apoiar os trabalhadores de saúde durante situações difíceis.
Tabela 4.6 Desempenho da força de trabalho em saúde: avaliação provisória da
implementação e dos efeitos de alavancas
Alavancas Alavancas específicas
dos empregos
Descrição dos cargos
Normas e códigos de
conduta
Combinar habilidades e
tarefas
Supervisão
Sistemas básicos de
apoio
Remuneração
(níveis salariais)
Remuneração
(mecanismos de
pagamento)
Informação e
comunicação
Infra-estrutura e
suprimentos
Ambiente de trabalho
positivo
Aprendizado continuado
Gestão de equipes
Responsabilidade com
responsabilização
Base de evidência
1 = teoria
2 = anedota, exemplo
3 = alguns estudos
formais
4 = fortes evidências
Implementação e efeitos
Facilidade de
Custo
Efeito
Implementação relativo
potencial
1 = fácil
2 = moderado
3 = difícil
1 = pequeno 1 = curto prazo
2 = moderado 2 = médio prazo
3 = largo
3 = longo prazo
2
1
1
2
1
2
2
1
2
2,3
1
1,2,3*
1,2
3
1
3
2
1,2
2,3
1
2
2,3
3
2
1
3
2,3*
2
3
2
2
2
2
2
1,2,3*
2
2
2,3*
3
1
3
3
1
1,2,3*
1
1
2
2
1
1
3
1,2,3*
2
3
1
Assim que estiver implementada.
*Depende da causa do problema e das intervenções específicas introduzidas.
1
1 = baixo
2 = médio
3 = alto
Momento do
impacto1
89
90
Relatório mundial de saúde 2006
Competência
As alavancas que parecem ter a maior influência sobre a competência da força
de trabalho em saúde (incluindo aqui o conhecimento técnico, as habilidades e os
comportamentos) são a supervisão, juntamente com a auditoria e a retroalimentação,
e o aprendizado contínuo. É importante notar, no entanto, que é a maneira como essas
alavancas são aplicadas que é crucial: visitas estéreis, feitas com o intuito de atribuir
culpa, não têm efeito, enquanto a supervisão que apóia (junto com a auditoria e a
retroalimentação) tem consistentemente benefícios de moderados a grandes. Uma
abordagem institucional que fomenta a cultura e a prática do aprendizado contínuo
é mais eficaz na mudança de práticas do que cursos de treinamento realizados uma
só vez fora do local de trabalho.
Capacidade de resposta
Refere-se ao objetivo de que as pessoas devem ser tratadas adequadamente não
importando se sua saúde melhora ou não, independentemente de quem elas são.
Da mesma forma que nas outras dimensões de desempenho, nenhuma alavanca
sozinha é suficiente, mas as seguintes parecem ter efeitos mais significativos:
normas e códigos de conduta; supervisão; e amenidades básicas, como privacidade
durante consultas. Intervenções em equipe, que fazem os trabalhadores de saúde se
sentirem valorizados e autorizados a inovar podem também aumentar a capacidade
de resposta.
Produtividade
Muitas alavancas têm o potencial de aumentar a produtividade, mas três delas
se sobressaem. As estratégias para corrigir combinações malfeitas podem
colher grandes ganhos em produtividade. Os ajustes na maneira de remunerar os
trabalhadores de saúde, melhorar o trabalho em equipe e a responsabilidade com
responsabilização também oferecem benefícios potencialmente significativos.
Conclusão
Este capítulo descreveu as alavancas que podem influenciar o desempenho da força
de trabalho. A Tabela 4.6 resume o que se sabe sobre a implementação das medidas
propostas aqui. Uma tensão inevitável existe entre as perspectivas e os objetivos dos
indivíduos e das organizações às quais eles pertencem. As organizações têm de funcionar
bem e proporcionar um bom desempenho aos trabalhadores, e também oferecer
lugares para que esses trabalhadores prosperem. Essa tensão deve ser continuamente
monitorada e controlada. Além disso, a gestão de qualquer mudança é um processo sutil
e muitas vezes difícil por várias razões. Mudanças podem ser necessárias em vários
níveis. As estruturas jurídicas e reguladoras podem ser modificadas, o que pode ser
complexo e lento. Talvez seja preciso reformar os marcos jurídicos e normativos, o que
pode ser complexo e lento, muitas vezes faltam recursos para financiar as mudanças.
Provavelmente o mais importante seja envolver os interessados, já que podem facilitar
ou, com a mesma eficácia, bloquear uma reforma que foi cuidadosamente negociada
no nível central (78). Por mais difícil que seja, é preciso realizar as mudanças para
melhorar o desempenho dos trabalhadores de saúde, porque sem isso as estratégias
de contratação e manutenção dos trabalhadores no emprego terão efeitos limitados.
Esses últimos aspectos serão discutidos no próximo capítulo.
fazendo o máximo com os trabalhadores de saúde existentes
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