UFRGS 2010 – Questão 7 01. Darwin passou quatro meses no Brasil, em 02. 1832, durante a sua célebre viagem a bordo do 03. Beagle. Voltou impressionado com o que viu: 04. “Delícia é um termo insuficiente para exprimir as 05. emoções sentidas por um naturalista a sós com 06. a natureza em uma floresta brasileira”, 07. escreveu. O Brasil, porém, aparece de forma 08. menos idílica em seus escritos: “Espero nunca 09. mais voltar a um país escravagista. O estado da 10. enorme população escrava deve preocupar 11. todos os que chegam ao Brasil. Os senhores de 12. escravos querem ver o negro como outra 13. espécie, mas temos todos a mesma origem.” 14. Em vez do gorjeio do sabiá, o que Darwin 15. guardou nos ouvidos foi um som terrível que o 16. acompanhou por toda a vida: “Até hoje, se eu 17. ouço um grito, lembro-me, com dolorosa e clara 18. memória, de quando passei numa casa em 19. Pernambuco e ouvi urros terríveis. Logo entendi 20. que era algum pobre escravo que estava sendo 21. torturado”. 22. Segundo o biólogo Adrian Desmond, “a 23. viagem do Beagle, para Darwin, foi menos 24. importante pelos espécimes coletados do que 25. pela experiência de testemunhar os horrores da 26. escravidão no Brasil. De certa forma, ele 27. escolheu focar na descendência comum do 28. homem justamente para mostrar que todas as 29. raças eram iguais e, desse modo, enfim, objetar 30. àqueles que insistiam em dizer que os negros 31. pertenciam a uma espécie diferente e inferior à 32. dos brancos”. Desmond acaba de lançar um 33. estudo que mostra a paixão abolicionista do 34. cientista, revelada por seus diários e cartas 35. pessoais. “A extensão de seu interesse no 36. combate à ciência de cunho racista é 37. surpreendente, e pudemos detectar um ímpeto 38. moral por trás de seu trabalho sobre a evolução 39. humana – uma crença na ‘irmandade racial’ que 40. tinha origem em seu ódio ao escravismo e que 41. o levou a pensar numa descendência comum.” Adaptado de: HAAG, C. O elo perdido tropical. Pesquisa Fapesp, n. 159, p. 80-85, maio 2009. 07. Considere as seguintes afirmações. I – A substituição de um som (l. 15) por sons exigiria que três outras palavras do período também passassem para o plural. II – A substituição de àqueles que (l. 30) por a quem exigiria o uso de insistia em vez de insistiam. III – A substituição de origem (l. 40) por raízes exigiria o uso de tinham em vez de tinha (l. 40). Quais são corretas? (A) Apenas I. (B) Apenas II. (C) Apenas III. (D) Apenas I e II. (E) Apenas II e III. Resposta: letra D. I – Correta. A mudança exigiria a pluralização das seguintes palavras: foi, terrível e acompanhou. II – Correta. O pronome quem assume a função sintática de sujeito do verbo insistir, exigindo sua forma singular. III – Incorreta. Não houve alteração do sujeito – no contexto, o que (linha 39) é sujeito, retomando uma crença na irmandade racial (linha 39) –, por isso a pluralização do verbo não ocorre. UFRGS 2010 – Questão 16 01. Eu troteava, nesse tempo. De uma feita 02. que viajava de escoteiro, com a guaiaca 03. empanzinada de onças de ouro, vim varar 04. aqui neste mesmo passo, por me ficar mais 05. perto da estância onde devia pousar. Parece 06. que foi ontem! Era fevereiro; eu vinha 07. abombado da troteada. 08. Olhe, ali, à sombra daquela mesma 09. reboleira de mato que está nos vendo, 10. desencilhei; e estendido nos pelegos, a 11. cabeça no lombilho, com o chapéu sobre os 12. olhos, fiz uma sesteada morruda. 13. Despertando, ouvindo o ruído manso da água 14. fresca rolando sobre o pedregulho, tive ganas de 15. me banhar; até para quebrar a lombeira... E fui16. me à água que nem um capincho!... Depois, daquela 17. vereda andei como três léguas, chegando à 18. estância cedo, obra assim de braça e meia de sol. 19. Ah! Esqueci de dizer-lhe que andava 20. comigo um cachorrinho brasino, um cusco 21. muito esperto e boa vigia. Era das crianças, 22. mas às vezes dava-lhe para acompanhar-me, 23. e depois de sair da porteira, nem por nada 24. fazia caravolta, a não ser comigo. 25. Durante a troteada reparei que volta e meia o 26. cusco parava na estrada e latia, e troteava sobre 27. o rastro – parecia que estava me chamando! Mas 28. como eu não ia, ele tornava a alcançar-me, e 29. logo recomeçava... 30. Pois nem lhe conto! Quando botei o pé em 31. terra na estância e já dava as boas tardes ao 32. dono da casa, aguentei um tirão seco no 33. coração... não senti o peso da guaiaca! Tinha 34. perdido as trezentas onças de ouro. 35. E logo passou-me pelos olhos um clarão 36. de cegar, depois uns coriscos... depois tudo 37. ficou cinzento... De meio assombrado me fui 38. repondo quando ouvi que indagavam: 39. – Então, patrício? Está doente? 40. – Não senhor, não é doença; é que 41. sucedeu-me uma desgraça; perdi uma 42. dinheirama do meu patrão... 43. – A la fresca! 44. – É verdade... antes morresse que isso! 45. Nisto o cusco brasino deu uns pulos ao 46. focinho do cavalo, como querendo lambê-lo, e 47. logo correu para a estrada, aos latidos. E olhava48. me, e vinha e ia, e tornava a latir... Adaptado de: Simões Lopes Neto. Trezentas Onças. In: BETANCUR, P. (Org.). Obra Completa de Simões Lopes Neto. Porto Alegre: Sulina, 2003. p. 307-308. Considere as seguintes propostas de alteração na pontuação do texto. 1 – Eliminar a vírgula depois de caravolta (l. 24). 2 – Substituir o travessão depois de rastro (l. 27) por vírgula. 3 – Substituir por dois-pontos o ponto e vírgula que segue desgraça (l.41). Quais propostas estão corretas e mantêm o sentido original do texto? (A) Apenas 1. (B) Apenas 3. (C) Apenas 1 e 2. (D) Apenas 2 e 3. (E) 1, 2 e 3. Resposta: letra B. 1 – Não é permitida omissão da referida vírgula, uma vez que ela introduz uma expressão retificadora. 2 – O travessão simples está sendo usado para mostrar que o elemento final conclusivo faz parte de uma construção mais ampla e, nesse contexto, só poderia ser substituído por dois-pontos. 3 – A substituição do ponto e vírgula por dois-pontos é possível por estar introduzindo uma oração apositiva. UFRGS 2011 – Questão 21 01. A história não tem sido favorável à Polônia e 02. à sua literatura. Os duzentos anos durante os 03. quais o país esteve dividido entre as potências 04. vizinhas – Rússia, Prússia e Áustria – exerceram 05. uma influência de longo alcance sobre sua 06. literatura. Os opressores não apenas tentaram 07. impor seu domínio político, mas erradicar a 08. cultura do povo conquistado. Um dos principais 09. alvos era a língua: ........ do uso oficial e das 10. cerimônias públicas. A literatura polonesa teve 11. de adotar o difícil papel de guardiã do idioma, 12. ameaçado pela expansão dos opressores e de 13. sua língua. As obras literárias passaram a ser o 14. único santuário onde a língua ameaçada poderia 15. florescer. 16. Consequentemente, o país, que tinha ficado 17. privado de seu exército regular, formou uma 18. divisão de poetas, com a crença profunda de 19. que ........ mais efetivos que unidades militares. 20. A língua era sua única arma contra a opressão 21. do Estado. Acreditava-se que perder a língua 22. nacional significaria perder a identidade cultural, 23. crença essa jamais questionada. 24. Assim, a poesia polonesa sentiu, desde a 25. época das partições, o terrível peso do dever 26. público. Isso originou uma série de conflitos 27. dentro da própria literatura. Os poetas, cuja 28. principal tarefa era preservar – por via da língua 29. – o sentido de identidade nacional, tiveram de 30. refrear a voz individual, uma vez que serviam à 31. causa polonesa, supraindividual. Tiveram de 32. suspender a alegria criativa da picardia e da 33. irresponsabilidade, por causa da gravidade de 34. seus objetivos. A poesia estava associada, 35. inextricavelmente, à extrema seriedade da 36. missão. E, mesmo que ........ obras escritas por 37. poetas em momentos descomprometidos da 38. vida, quando desfrutavam dos prazeres terrenos 39. ou se deliciavam com horas de ócio, estes não 40. tinham sido incluídos no cânone literário. Na 41. Polônia, a seriedade do objetivo modelou a ideia 42. popular do que a poesia é e deveria ser. Adaptado de: JARNIEWICZ, J. Língua contra língua. In: PETERSON, M. (Org.) A literatura soberana : ensaios sobre as literaturas da Europa CentroOriental. São Paulo: Humanitas, 2010. p. 191-192. Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações abaixo, referentes a funções sintáticas. ( ) O segmento à Polônia (l. 01) exerce função de objeto indireto. ( ) O segmento o único santuário (l. 13-14) exerce a função de predicativo do sujeito. ( ) O pronome que (l. 16) desempenha a função de sujeito da oração em que aparece. ( ) O pronome se (l. 39) é um índice de indeterminação do sujeito. A sequência correta, de cima para baixo, é (A) F – V – V – F. (D) V – V – F – F. (B) F – F – V – V. (E) V – F – V – F. (C) V – F – F – V. Resposta: letra A. F: “à Polônia” é complemento nominal de “favorável”. V: “o único santuário” é predicativo do sujeito, pois a locução verbal “passaram a ser” o atribui ao sujeito “as obras literárias”. V: o pronome relativo que tem como antecedente “o país”, cumprimento a função de sujeito da locução verbal “tinha ficado”. F: deliciar(-se) é verbo pronominal; portanto, “se” é parte integrante do verbo.