Ferramenta de Descrição da Família e dos Seus
Padrões de Relacionamento – Genograma – Uso em
Saúde da Família
Hamilton Lima Wagner, Yves Talbot, Angela Beatriz Papaleo Wagner, Eleuza Oliveira
Resumo
Contexto: A comunicação fácil e a percepção dos padrões de repetição que permeiam as
relações familiares são instrumentos indispensáveis no trabalho em equipe. A busca de
uma forma simples e visual, que considere o trabalho em saúde da família, nos levou ao
genograma.
Material e Métodos: Os autores revisaram a literatura sobre formas de registro de
patologias e padrões de relacionamento familiar, onde descrevem o genograma e
aplicam o instrumento em uma família, para que fique de compreensão fácil ao leitor.
Conclusão: A aplicação do genograma a clínica em saúde da família permite uma
visualização do processo de adoecer, facilitando o plano terapêutico e permitindo à
família uma melhor compreensão sobre o desenvolvimento de suas patologias.
Abstract
Background: When working as a multidisciplinary team, communication and an
understanding of family relationships are fundamental. The search for a simple and
visual representation of these relationships, that includes family health issues, brings us
to the genogram.
Material and Method: The authors review the literature which discusses forms to
register pathology and relationship patterns within the family. They describe the
genogram and present its use in a case study of one family.
Conclusion: Use of the genogram in family health clinics will allow a better perception
of the process and context of illness, help in the development of a therapeutic plan, and
increase the family’s own self-awareness.
Introdução
No acompanhamento e estudos de famílias, a compreensão de suas histórias
naturais e padrões de adoecer pode potencializar a ação dos profissionais de saúde.
Deste modo surge a necessidade de poder, de um modo simples e objetivo, criar um
instrumento que mostre graficamente a estrutura e o padrão de repetição das relações
familiares.
Este instrumento foi desenvolvido na América do Norte(1) para facilitar a
compreensão das famílias; é baseado no modelo do heredograma, e por tanto chamado
de “genograma”. Suas características básicas são: identificar a estrutura da família e seu
padrão de relação, mostrando as doenças que costumam ocorrer – a repetição dos
padrões de relacionamento e os conflitos que desembocam no processo de adoecer.
O instrumento, útil para a equipe de saúde, também pode ser usado como fator
educativo, permitindo ao paciente e sua família ter a noção das repetições dos processos
que vem ocorrendo e em como estes se repetem. Isto facilita o “insight” necessário para
acompanhar a proposta terapêutica a ser desenvolvida(15).
Revisão da Literatura
Dentre os diversos modos de se representar um caso clínico, o instrumento
genograma(17), por sua singeleza e praticidade, permite uma visão objetiva e lógica dos
padrões de repetição de patologias e relações intrafamiliares, sendo de muita utilidade
em situações como doenças com traço familiar(9,11,18) ou hereditário(10,12). Além
disso, possibilita à equipe e à família uma visão mais nítida dos padrões de relação que
se repetem de geração em geração.
O genograma permite à equipe de saúde perceber armadilhas no enfrentamento
de problemas e auxilia na construção de uma proposta viável(13), mesmo apresentando
limitações. Estas são decorrentes do fato de o genograma ser estático, ou seja, ele
mostra um padrão fixo, que freqüentemente evolui pois é fruto das experiências
individuais e também pela sua capacidade restrita de adicionar novos dados.
Ou seja: o genograma funciona dentro de uma estrutura estudada, não podendo
ser extrapolado. O padrão depende do sistema onde está inserido a família e em como
ela interage(2).
A comunicação e a visualização adequada dos dados facilita o desenvolvimento,
pela equipe de saúde, de ações coordenadas e eficientes, evitando paralelismos que
entravam o processo e frustram, muitas vezes, o esforço executado(14).
Como fazer um genograma
A seguir apresentaremos os símbolos gráficos usados para desenhar um
genograma; é preciso preencher, ao lado dos símbolos, datas de nascimento, eventos
importantes, patologias e o nome dos pacientes(7).
Homem
Ligação
Normal
Mulher
Ligação
Próxima
Ligação
Conflituosa
Óbito
Ligação
Estreita
Separação
Pessoas
Mesmo Lar
Aborto
Indefinido
Aborto
Definido
Sexo
Sexo
d
Ligação
Distante
PI = Paciente Identificado
Casal
Filhos
com
Adoção
Gêmeos
BE = Bode Expiatório
no
G
Gêmeos
Idênticos
Gravidez
O genograma deve ser colocado no início do prontuário, com um sumário dos
problemas prévios, ações preventivas e medicamentos em uso. Ao entrar com datas ou
idades é importante colocar o ano do acontecimento, pois este dado é perene. Quando
adequadamente executado o genograma permite que qualquer membro da equipe de
saúde possa atender ao paciente com uma visão adequada do processo, melhorando a
resolutividade.
Caso clínico da Unidade de Saúde Vila Verde – Curitiba
Com o concurso do genograma foi feito o enfrentamento do problema da família
da paciente MG, conforme descrição a seguir:
A paciente MG., 41a, feminina, do lar, comparece a consulta acompanhada por
uma outra jovem, S, 21a, feminina do lar. A paciente apresenta um aspecto abatido, fala
pouco e mantém silêncios prolongados, interrompidos por S. que conta partes da
história que são complementadas por MG. A paciente refere depressão intensa, com
desejo de morrer e sentindo-se desmotivada com a vida. Vinha tomando grande
quantidade de medicação (imipramina 225mg/dia; bromazepan 6mg/dia; diazepan
10mg/noite; haloperidol 10mg/dia, se estivesse muito agitada) – há 2 anos (orientação
do psiquiatra), razão pela qual havia comparecido: desejava receber receita dos
medicamentos.
Sendo o uso de tal quantidade de medicação não usual, inquiriu-se as razões para
tal; a paciente informou que sua vida estava destruída, e que não havia sentido em
continuar a viver. Foram levantados dados sobre a vida familiar e obtido o seguinte
Genograma:
d
R, 1957
PI
d
MG, 1959, depressiva
Impotente
Perda 9 filhos 1º ano
Perda Social Importante
Perda Social importante
d
C, 1980 A. 1983
S, 1979
JR, 1978
Delinqüente
MG era uma mulher nascida e criada na zona rural, que a mãe havia educado
para ser obediente aos homens, e que não deveria opor resistência aos desejos do pai,
dos irmãos e muito menos de seu marido quando casasse. Perdera 9 dos 12 filhos que
tivera no primeiro ano de vida – por problemas de saúde que ela possuía, fazendo que
as crianças nascessem fracas.
Casou aos 14 anos para fugir da opressão da mãe; não gostava do marido, mas
trabalhou junto com ele, ombro a ombro, para construírem uma vida melhor para seus
filhos. Adquiriram uma casa, um carro e nos últimos 10 anos, ela vivia com relativo
conforto, sem precisar trabalhar mais, pois o marido possuía um bom emprego. Neste
tempo se dedicou aos filhos, protegendo-os do mundo externo, muito perigoso, segundo
ela.
Há três anos o filho mais velho, se dizendo emancipado, começou a sair de casa,
convivendo com amigos “inadequados”; envolveu-se em assaltos e foi preso. MG
convenceu o marido e eles contrataram um bom advogado, pagaram os prejuízos
causados por JR e o tiraram da cadeia – tiveram que vender a casa e o carro para isto.
JR, fora da cadeia, emitiu uma série de cheque sem fundos, e estava para ser novamente
preso. MG interferiu novamente, convencendo R. a fazer um acordo de demissão com a
firma e a usar o dinheiro para livrar JR da cadeia.
R. desde então vem fazendo bicos, tornou-se impotente, e o padrão de vida da
família caiu assustadoramente. MG iniciou uma seqüência de atendimentos com
psiquiatras que lhe prescreveram muitos medicamentos, mas não conseguiram reverter a
situação clínica, estando a paciente num quadro severo de depressão.
No estudo do genograma ficou evidente que MG, numa atitude de negar o
relacionamento opressivo que teve com a mãe, somado ao fato de haver perdido 9
filhos, tornou-se uma mãe superprotetora – ainda assim não soube como se relacionar
com a única filha mulher remanescente. MG mantém um vínculo mais estreito com a
primeira nora S., cuida da sua filha (sua neta). S. auxilia MG nos afazeres da casa e
enfrenta JR, não aceitando suas atitudes para com a mãe.
No encontro com todos os componentes da família a questão limite se tornou
evidente, não havendo uma definição clara do espaço de cada um, nem das funções que
cada um tem na casa. R. ocupa o cargo de provedor, mas não assume nenhum papel na
definição das coisas da família. Mostra devoção para MG, mas não sabe como ajudá-la,
e se sente inferiorizado com sua impotência. MG, claramente só aprendeu a servir – não
tendo noção clara de como estabelecer limites próprios ou para seus filhos. O filho mais
velho não se inclui como responsável pelos problemas e acha que não tem nada a fazer
para auxiliar no tratamento da mãe. A filha diz sentir medo de ser como a mãe, que
chora quando a vê neste estado e que se pudesse gostaria de ajudar. A. se preocupa com
a mãe, sente falta de quando ela era alegre e cuidava de todos, mostra-se disposto a
auxiliar no que puder.
O plano terapêutico traçado foi: auxiliar a família a definir limites, estreitar as
relações conjugais, e assumir responsabilidades pelos atos praticados(4). Após o
estabelecimento de uma adequada relação terapêutica a paciente mostrava-se estável,
apresentando-se melhor e buscando reatar um relacionamento afetuoso com o sr. R. O
plano evoluiu para uma gradual redução do número e quantidade de drogas utilizadas,
permitindo que a família retorne a uma vida mais normal.
O controle após 30 dias de início do tratamento mostrou a retirada dos
diazepínicos, do haloperidol e a redução da imipramina para 150mg/dia. O
relacionamento do casal havia melhorado sensivelmente. MG sentia-se aliviada de
dividir a carga do cuidado com os filhos com R. e os filhos estavam conseguindo
colocar suas dificuldades. A família mostrava-se surpresa com a evolução rápida do
quadro, o que ocorreu quando pode visualizar o que perpetuava a situação.
Conclusão
O uso de instrumentos simples, de fácil utilização, transforma o trabalho de
registro de dados em um processo educativo, que melhora a eficiência no atendimento
aos pacientes, ao mesmo tempo que implementa a resolutividade da equipe.
Os dados coletados permitem uma troca adequada de informações e
experiências, além de alicerçarem as necessidades de estudo para fazer frente a uma
família analisada.
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