O sistema de actualização de rendas no
Novo Regime do Arrendamento Urbano
Introdução1
Actualizar rendas de casas num País com a nossa História recente não é fácil.
Nos anos quarenta o legislador português congelou as rendas por razões bem
compreensíveis: a inflação era zero ou diminuta, o escudo era uma das moedas fortes de uma Europa ainda em convalescença da II Guerra Mundial e o regime político autoritário não dava grandes veleidades a quem quisesse contestar tal medida.
É sabido o que aconteceu a partir de 1961: com a eclosão das guerras coloniais
a economia portuguesa começou a oscilar; em 1974, a partir do advento da democracia política, a inflação disparou mas as rendas permaneceram congeladas, o que
levou a situações insustentáveis.
As obras de conservação dos prédios passaram a custar o equivalente a dezenas de anos de rendas e consequentemente uma boa parte dos edifícios arrendados
degradou-se enormemente.
Sucederam-se diversas leis de actualização de rendas, embora tal actualização
tenha sido sempre tímida, uma vez que o lobby dos inquilinos era (e continua a ser)
bastante poderoso.
O que é certo é que o mercado de arrendamento continua muito reduzido entre
nós, sendo corrente a opção pela compra de habitações em detrimento do arrendamento.
O actual Governo veio legislar nesse domínio, através da Lei nº 6/2006, de 27
de Fevereiro, conhecido por Novo RAU, ou Novo Regime do Arrendamento Urbano, que vem suceder ao Decreto-Lei nº 321-B/90 de 15 de Outubro, que por sua vez
tinha vindo substituir o regime legal estabelecido nos arts. 1.083º a 1.120º do Código Civil.
Chegámos aos nossos dias com um mercado de arrendamento praticamente
paralisado, que o legislador pretende dinamizar através da lei nº 6/2006.
Estas reflexões sobre o novo regime do arrendamento urbano resultam, para além do estudo individual, dos
contributos de vários Juristas que participaram num interessante debate levado a cabo no âmbito da lista de
debates Ciberjus (www.ciberjus.net/) em Fevereiro/Março de 2006; aqui fica o meu agradecimento aos nossos ilustres Colegas Drs. Victor Santos Carvalho, Manuel Motta Veiga, Pedro Cruz e Moreira das Neves, que se destacaram nesse debate.
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Para alcançar tal objectivo, a lei estabeleceu o regime de fixação e actualização de rendas que passamos a analisar.
Coeficiente de actualização de rendas
Trata-se de um coeficiente anualmente actualizado, até 30 de Outubro, resultante da totalidade de variação de preços no consumidor, sem habitação, nos últimos 12 meses, ou seja, da taxa de inflação anual verificada (artº 24º da Lei nº
6/20062).
Campo de aplicação das normas transitórias
As normas transitórias da nova lei (arts. 26º a 57º) aplicam-se aos contratos de
arrendamento para habitação celebrados na vigência do Decreto-Lei nº 321-B/90,
de 15 de Outubro, conhecido por Regime do Arrendamento Urbano ou RAU (artº
26º) e também aos contratos habitacionais anteriores e contratos não habitacionais
celebrados antes da vigência do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro (artº
27º).
Contratos de arrendamento para habitação
Benfeitorias
A cessação do contrato dará ao arrendatário o direito a uma compensação pelas obras licitamente feitas nos termos aplicáveis às benfeitorias do possuidor de
boa fé (artº 29º, nº 1, que remete para os arts. 1273º a 1275º do Código Civil3).
Doravante sempre que se indicar um artigo da lei sem especificar qual, deverá entender-se que nos estamos
a referir à Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, também apelidada de Novo RAU ou NRAU.
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ARTIGO 1273º
(Benfeitorias necessárias e úteis)
1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias
que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer
sem detrimento dela.
2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
ARTIGO 1274º
(Compensação de benfeitorias com deteriorações)
A obrigação de indemnização por benfeitorias é susceptível de compensação com a responsabilidade do possuidor por deteriorações.
ARTIGO 1275º
(Benfeitorias voluptuárias)
1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.
2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.
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Valor máximo da renda actualizada
Terá como limite máximo o valor anual correspondente a 4º do locado (artº
31º), ou seja:
Para um prédio com o valor de esc. 30.000.000$00, a renda anual máxima será
de esc. 1.200.000$00, ou seja, a renda mensal será de esc. 100.000$00 - valores
grosso modo correspondentes respectivamente a 150.000, 6.000 e 500 €.
Deste valores se retira a conclusão de que, na filosofia do diploma, o investimento feito num imóvel para rendimento é amortizável em 25 anos, desde que que
vigore a renda máxima.
Actualização
As rendas antigas poderão ser actualizadas até ao limite estabelecido no artº
31º (artº 30º)
Valor do locado
Este valor resulta do produto do valor da avaliação realizada nos termos dos
arts. 38º e segs. do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), multiplicado pelo coeficiente de conservação atribuído ao prédio.
Coeficiente de conservação
É um coeficiente aplicado aos prédios, que vai do nível 5 (Excelente – 1,2) ao
nível 1 (Péssimo – 0,5), passando pelos níveis 4 (Bom – 1), 3 (Médio – 0,9) e 2
(Mau – 0,7) – veja-se a tabela constante no artº 33º.
Artº 33º - Tabela
Nível
5
4
3
2
1
Estado de conservação
Excelente............................................................
Bom....................................................................
Médio.................................................................
Mau ...................................................................
Péssimo..............................................................
Coeficiente
1,2
1
0,9
0,7
0,5
Este coeficiente deverá vir a ser fixado em diploma próprio (artº 33º, nº 2 – 1º
diploma avulso previsto nesta lei).
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Quando o estado do prédio se deve a obras feitas pelo arrendatário aplica-se o
coeficiente imediatamente inferior ao correspondente ao seu estado de conservação,
aplicando-se um coeficiente intermédio obtido por recurso às regras da equidade se
o senhorio tiver também feito obras (artº 33º, nº 4), desde que o nível de conservação não seja inferior a 3.
Iniciativa do senhorio
Desde que exista avaliação feita nos termos do CIMI e o nível de conservação
não seja inferior a 3, o senhorio pode actualizar a renda, comunicando ao arrendatário o montante que deseja fixar, tendo como limite máximo o fixado no artº 31º
(arts. 34º e 35º).
Se o arrendatário se opuser à realização dos actos necessários à avaliação fiscal ou à determinação do coeficiente de conservação, ficará o senhorio com o direito de resolver o contrato (artº36º).
Resposta do arrendatário
O arrendatário responderá à comunicação no prazo de 40 dias, podendo invocar ter um rendimento anual bruto corrigido (RABC) inferior a 5 retribuições mínimas nacionais anuais (RMN), ou ter idade igual ou superior a 65 anos padecendo de
incapacidade superior a 60% (artº 37º, nºs 1 e 3).
O arrendatário pode por sua vez pedir nova avaliação, no mesmo prazo de 40
dias, que fixará definitivamente o valor patrimonial tributário (artº 37, nºs 6, 7 e 8).
A falta de resposta do arrendatário equivale à declaração de inexistência das
situações aludidas (nº 4).
O RABC é definido em diploma próprio (2º diploma avulso previsto na lei a
propósito de actualização de rendas)
Actualmente a RM mensal é de 385,9 € (Dec-Lei 238/2005, de 30/12), sendo a
anual, portanto de 5.402,60 € (385,9 x 144).
Assim, se o RABC for até 27.013 € anuais ou 1.929,50 € mensais (esc.
386.830$00 em moeda antiga), poderá o arrendatário suscitar o faseamento da actualização das rendas pelo período de 10 anos, como se verá infra.
O arrendatário poderá ainda não aceitar a actualização de rendas e denunciar o
contrato, devendo nesse caso desocupar o prédio no prazo de 6 meses (artº 37º, nº
5).
Actualização faseada da renda
Optámos por calcular a remuneração anual como igual à soma de 14 remunerações mensais, porque neste
domínio rege o Direito do Trabalho, que garante ao trabalhador além das 12 remunerações mensais, mais
duas, a primeira correspondente ao subsídio de férias, a segunda referente ao subsídio de Natal.
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A actualização da renda é feita faseadamente por norma no período de 5 anos,
podendo também ser feita no período de 2 anos ou de 10 anos, nos casos que veremos de seguida.
Actualização em 2 anos
Prevista para casos em que o agregado familiar do arrendatário dispõe de um
RABC superior a 15 RMN, sem que o arrendatário invoque qualquer facto consubstanciador das situações aludidas no artº 37º, nº 3 ou quando não tenha no locado a
sua residência permanente (arts.38º, nº 2 e 45º); será feita pela forma estabelecida
no artº 39º.
Artigo 39.º
Actualização em dois anos
A actualização faseada do valor da renda, ao longo de dois anos, fazse nos termos seguintes:
a) 1.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acresce metade da diferença entre esta e a renda comunicada;
b) 2.º ano: aplica-se a renda comunicada pelo senhorio, actualizada de
acordo com os coeficientes de actualização que entretanto tenham vigorado.
Actualização em 5 anos
Prevista como regra, seguirá o estabelecido no artº 40º.
Artigo 40.º
Actualização em cinco anos
1 - A actualização faseada do valor da renda, ao longo de cinco anos,
faz-se nos termos seguintes:
a) 1.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acresce um quarto da diferença entre esta e a renda comunicada;
b) 2.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem dois quartos da diferença entre esta e a renda comunicada;
c) 3.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem três quartos da diferença entre esta e a renda comunicada;
d) 4.º ano: aplica-se a renda comunicada pelo senhorio;
e) 5.º ano: a renda devida é a comunicada pelo senhorio, actualizada
de acordo com os coeficientes de actualização que entretanto tenham vigorado.
2 - O limite máximo de actualização da renda é de (euro) 50 mensais
no 1.º ano e de (euro) 75 mensais nos 2.º a 4.º anos, excepto quando tal
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valor for inferior ao valor que resultaria da actualização anual prevista no
n.º 1 do artigo 24.º, caso em que é este o aplicável.
Actualização em 10 anos
Prevista para os casos em que se verifiquem as circunstâncias estabelecidas no
artº 37º, nº 3, faz-se nos termos do artº 41º.
Artigo 41.º
Actualização em 10 anos
1 - A actualização faseada do valor da renda, ao longo de 10 anos,
faz-se nos termos seguintes:
a) 1.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acresce um nono da diferença entre esta e a renda comunicada;
b) 2.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem dois nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
c) 3.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem três nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
d) 4.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem quatro nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
e) 5.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem cinco nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
f) 6.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem seis nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
g) 7.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem sete nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
h) 8.º ano: à renda vigente aquando da comunicação do senhorio
acrescem oito nonos da diferença entre esta e a renda comunicada;
i) 9.º ano: aplica-se a renda comunicada pelo senhorio;
j) 10.º ano: a renda devida é a renda máxima inicialmente proposta
pelo senhorio, actualizada de acordo com coeficientes de actualização que
entretanto tenham vigorado.
2 - O limite máximo de actualização da renda é de (euro) 50 mensais
no 1.º ano e de (euro) 75 mensais nos 2.º a 9.º anos, excepto quando tal
valor for inferior ao valor que resultaria da actualização anual prevista no
n.º 1 do artigo 24.º, caso em que é este o aplicável.
Denúncia do contrato pelo arrendatário
O inquilino pode denunciar o contrato se não quiser sujeitar-se à nova renda,
que passará a ser devida no 3º mês seguinte ao da comunicação do senhorio, devendo desocupar o locado no prazo de 6 meses, pagando a renda antiga (arts. 37º, nº 5
e 43º, nº 5).
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Não é esclarecido qual o termo inicial desse prazo, parecendo razoável supor
que ele começa na data da denúncia.
Parece também razoável supor que a denúncia do contrato deve ser exercida
no prazo de 40 dias a contar da recepção da comunicação do senhorio (artº 37º,
nº1).
Subsídio de renda
Terão direito a um subsídio de renda os arrendatários cujo agregado familiar
tenha um RABC inferior a 3 RMN ou quando o mesmo RABC seja inferior a 5
RMN e o arrendatário tenha a idade igual ou superior a 65 anos (artº 46º).
A determinação e formas de atribuição do subsídio serão definidas em diploma próprio (3º diploma avulso).
Direito a obras e venda forçada
O arrendatário pode tomar a iniciativa de pedir à comissão arbitral municipal
(CAM) que promova a determinação do coeficiente de conservação do locado e
caso o nível de conservação seja inferior a 3 pode intimar o senhorio à realização de
obras (artº 48º).
O processamento destas operações será regulado em diploma próprio (4º diploma avulso).
Não dando o senhorio início às obras, pode o inquilino tomar a iniciativa das
obras, disso dando conhecimento à CAM, solicitar à Câmara Municipal que as realize ou comprar o locado pelo valor da avaliação fiscal, ficando então onerado com
a obrigação de fazer obrigatoriamente as obras, sob pena de reversão da aquisição.
As obras coercivas ou realizadas pelo arrendatário, bem como a possibilidade
de este adquirir o locado serão reguladas em diploma próprio (artº 48º - 5º diploma
avulso).
Arrendamentos para fins não habitacionais
Podem ser actualizadas nos mesmos termos que as rendas relativas a contratos
habitacionais, as que resultem de contratos não habitacionais celebrados antes da
entrada em vigor do Decreto-Lei nº 257/95, de 30 de Setembro (arts. 50º e 51º)
A renda pode ser actualizada independentemente do nível de conservação (artº
52º)
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A actualização faseada será em regra de 5 anos, mas poderá ser de 10 anos se
existir no locado um estabelecimento comercial aberto ao público, o arrendatário
seja uma microempresa ou uma pessoa singular, se o arrendatário tiver adquirido o
estabelecimento por trespasse ocorrido há menos de cinco anos, se existir no locado
um estabelecimento comercial aberto ao público, aquele esteja situado em área crítica de recuperação e reconversão urbanística (ACRRU) e se a actividade exercida
no locado tenha sido classificada de interesse nacional ou municipal (artº 53º).
A actualização da renda será, porém, imediata, se o arrendatário conserve o local encerrado ou sem actividade regular há mais de um ano, salvo caso de força
maior ou ausência forçada, que não se prolongue há mais de dois anos, aplicando-se
o disposto no n.º 3 do artigo 45.º, se ocorrer trespasse ou locação do estabelecimento após a entrada em vigor da presente lei e se, sendo o arrendatário uma sociedade,
ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada
em vigor da presente lei (artº 56º).
Considerações finais sobre o diploma, no que toca à actualização de rendas
Salta à vista uma omissão relevante, mal se começa a ler a lei: a falta de um
preâmbulo.
É sabido como o preâmbulo dos diplomas que se pretendem estruturantes é
normalmente de crucial importância para se compreender o alcance de algumas das
suas disposições concretas – a título de exemplo, veja-se o extenso preâmbulo do
Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, justamente o regime do arrendamento
urbano que esta nova lei vem revogar.
A lei, quando era ainda uma proposta de lei, vinha munida de uma extensa exposição de motivos, que não compreendemos porque não passou a assumir o papel
de preâmbulo.
É uma omissão estranha e relevante, tanto mais que assumidamente se pretende com esta lei alterar radicalmente a relação locativa imobiliária, ou seja, pretendese que esta lei seja estruturante do regime que irá vigorar – não vemos qualquer
motivo lógico ou racional para esta omissão.
Dir-se-ia que o diploma foi escrito com tempo e vagar, noutra altura, e que foi
agora alvo de pequenos ajustes antes de ser adoptado.
Ele estabelece uma série de cláusulas gerais razoavelmente definidas, mas
quase nunca concretiza as medidas previstas, deixando-as para delimitação e estabelecimento de regimes jurídicos em diplomas próprios avulsos (nada mais do que
5 diplomas, só no que toca ao aspecto da actualização de rendas, cuja entrada em
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vigor está prevista para daqui a pouco menos de 4 meses, sabendo nós por experiência própria que será uma sorte se tais diplomas verem a luz do dia em 8 meses).
Não nos parece, salvo o devido respeito, a melhor técnica legislativa, na medida em que introduz um regime novo cujos contornos concretos não são ainda conhecidos e cujo conhecimento está diferido para um futuro mais ou menos incerto5.
Com efeito, ainda podemos conjecturar sobre o conteúdo do conceito de rendimento anual bruto, mas nada poderemos saber do que é o rendimento anual bruto
corrigido se não conhecermos quais são os factores determinantes dessa correcção;
do mesmo modo ficam por conhecer os critérios para determinação do coeficiente
de conservação, a determinação e formas de atribuição do subsídio de renda, a forma de efectivar o direito a obras e o novo direito de aquisição forçada do fogo agora conferido ao arrendatário – são aspectos centrais do regime agora instituído que,
salvo melhor opinião, deveriam ter sido definidos em simultâneo com o aparecimento desta lei, em ordem a esclarecer todos os interessados sobre a real extensão
dos seus direitos e contribuindo decisivamente para criar nos cidadãos aquilo que o
legislador assumidamente procura: confiança.
A compra e venda forçada prevista no artº 48º, nº 4, al. c) suscita alguns problemas, desde logo de constitucionalidade, porque representa uma limitação do direito de propriedade consagrado na lei fundamental, mas também em aspectos práticos.
Admitindo-se que as objecções relativas à sua constitucionalidade serão ultrapassadas (o que por si só já é admitir muito), mantêm-se outros problemas.
Na verdade, se num imóvel composto hipoteticamente por 6 fogos habitacionais, que não esteja constituído em propriedade horizontal, como poderá o arrendatário comprar o fogo em que habita, se este não tem autonomia jurídica ?
Será obrigatório constituir a propriedade horizontal ?
Caso afirmativo voltamos a enfrentar um problema de constitucionalidade.
Caso negativo, ficará o inquilino como comproprietário do senhorio, no caso
apresentado como dono de uma quota ideal correspondente a 1/6 do prédio, ficando
o senhorio com os restantes 5/6 ?
Poderá o arrendatário comprar os outros fogos do prédio ?
Havendo outros arrendatários desses fogos, como ultrapassar o conflito ?
Como se fará a anunciada reversão: poderá o senhorio voltar a comprar – ao
inquilino relapso que não fez as obras – o fogo que tinha sido obrigado a vender ?
É certo que o Código das Expropriações tem algumas disposições que poderão
ajudar nesta construção, mas há que reconhecer que enquanto neste estão em causa
direitos públicos e o interesse colectivo ou a utilidade pública, no campo da relação
locativa estamos em presença de normas puras de Direito Privado, que são tributárias de uma diferente lógica.
Daí que a nosso ver sejam amplamente justificadas as inquietações manifestadas a respeito deste diploma
quer por senhorios, quer por arrendatários.
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Por outro lado, sabido que há alguns senhorios que são bem mais pobres que
os seus inquilinos, não será de uma exagerada violência obrigá-los a fazer obras
com dinheiro que ultrapassa em muito as rendas recebidas, levando-os a um inevitável e perigoso endividamento ?
Repare-se que há jurisprudência no sentido de isentar o senhorio da obrigação
de realização de obras em certos casos.
Veja-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
16.12.2004 (Relator: Oliveira Barros) acessível via Internet na base de dados do
Tribunal alojada no endereço www.dgsi.pt/:
Não tendo o arrendatário, durante anos, providenciado no sentido de evitar o
agravamento das deficiências e do custo das obras por fim pretendidas, e acentuada a desproporção entre o custo das mesmas e a exiguidade da renda paga, a falta
de equivalência das atribuições patrimoniais das partes torna ilegítima a reivindicação da realização dessas obras, por constituir excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé e pelo fim económico-social desse direito, proibido pelo artº
334º C.Civ.
Ora se isso acontecia no domínio da legislação anterior, que não tinha nenhuma previsão tão gravosa como a da actual venda forçada de fogos, é previsível que
as reservas colocadas pela jurisprudência se avolumem – não temos dúvidas de que
na primeira oportunidade será suscitada a fiscalização da constitucionalidade da
norma relativa à venda nas aludidas condições.
Não se compreende também que num diploma que visa equilibrar as relações
contratuais nascidas de um arrendamento seja tão claramente penalizador do senhorio e favorecedor do arrendatário.
Em especial neste momento histórico, cremos que há que reconhecer que os
senhorios foram profundamente causticados nas últimas largas dezenas de anos em
virtude principalmente da falta de medidas atempadas do legislador.
Não se compreende que os senhorios, depois de tudo isso, ainda sejam confrontados com regimes de actualização faseada pelo exagerado período de 10 anos.
Nem se compreende que no caso de o arrendatário não querer a actualização
da renda e preferir denunciar o contrato, a casa só volte à posse do senhorio depois
de decorridos 6 meses sobre a denúncia do contrato pelo arrendatário.
Se é certo que há arrendatários necessitados de ajuda e assistência, não será
menos certo que deve ser o Estado providenciá-la – o que se questiona é o alijar de
responsabilidades, onerando os senhorios com as obrigações que são da comunidade e que por isso deveria ser o Estado a assegurar.
Fazer a caridade à custa alheia não é correcto e dificilmente fará alguém alcançar o reino dos céus...
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Em geral constatamos que esta lei assenta num padrão pouco rigoroso que em
nada auxilia a sua compreensão, para além da já aludida falta de preâmbulo.
Veja-se a título de exemplo o texto artº 62º, que sob a epígrafe
“Republicação” estabelece que “O capítulo IV do título II do livro II do Código Civil, composto pelos artigos 1022.º a 1113.º, é republicado em anexo à presente lei”.
Ora o aludido Capítulo IV começa efectivamente no artº 1022º, mas termina
no artº 1120º - desapareceram os arts. 1114º a 1120º do Código Civil !
Tais artigos, a acreditar neste artº 62º, nunca existiram...
Alterar um Código que não foi feito por nós já é delicado – mas fazê-lo com
este padrão de descuido é totalmente inaceitável – os Professores Pires de Lima,
Antunes Varela e Vaz Serra não mereciam que a sua extraordinária obra de codificação fosse desgastada (para não dizer pior) desta maneira.
Como se diz acima, chegámos aos nossos dias com um mercado de arrendamento praticamente paralisado, que o legislador pretende dinamizar através da lei
nº 6/2006.
Não será fácil atingir tal objectivo, pois as rendas praticadas para novos arrendamentos mantêm-se muito elevadas, pressionando os cidadãos a comprarem as
suas casas, em vez de as arrendarem.
Na verdade, é sabido que se construiu demasiado em Portugal nos últimos
anos: o resultado é que neste momento há muitos milhares de habitações devolutas,
havendo mesmo prédios inteiros acabados há anos inteiramente devolutos6.
Tal fenómeno implicará necessariamente uma substancial baixa dos valores
imobiliários nos próximos anos, o que irá aproximar ainda mais as rendas das prestações a pagar aos Bancos por aquisição de casa própria.
A baixa acentuada dos preços do imobiliário também será consequência do
apertado regime fiscal que o legislador vai tecendo, tornando mais difícil a especulação imobiliária.
A título de exemplo, diremos que em Milão, na Itália, depois de umas dezenas
de especuladores terem sido presos no âmbito da Operação Mãos Limpas, os preços
do imobiliário desceram enormemente chegando a atingir metade e um terço dos
preços antes praticados.
Se em Portugal for possível um combate sério à especulação imobiliária, estamos em crer que os preços do imobiliário vão baixar também substancialmente, à
semelhança do que aconteceu em Itália.
Estas considerações devidamente conjugadas levam-nos a encarar com algum
cepticismo o sucesso deste diploma no que toca à reactivação do mercado de arrendamento – com tantos milhares de casa novas e vagas, a serem vendidas a preços
módicos, é natural que os cidadãos prefiram adquirir casa própria em vez de se sujeitarem às flutuações do mercado de arrendamento e às consequências da sucessão
Em Lisboa, basta dar uma saltada ao Parque das Nações para se verem prédios de grandes dimensões com
aparência nítida de estarem desocupados – há meses ou anos.
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de regimes legislativos com disposições de duvidosa constitucionalidade e que, devido à sua pouca clareza, envolvem riscos elevados.
Lisboa, Março de 2006
Francisco Bruto da Costa
(Copyright ® FBC, Lisboa, 2006)
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