MERCADO DE ALUGUEL EM ÁREAS POBRES
Timóteo de Andrade Leitão Santos1; Norma Lacerda Gonçalves2
1
Estudante do curso de Serviço Social - CCSA – UFPE; E-mail: [email protected],
2
Docente pesquisadora do Depto. de Arquitetura e Urbanismo - CAC – UFPE; E-mail:
[email protected]
Sumário: O objetivo deste texto é apresentar os resultados sobre pesquisa realizada junto
aos locadores e inquilinos do mercado imobiliário informal no bairro de Brasília Teimosa
no Recife. O não conhecimento sobre a oferta desse mercado instigou a desvendar quem
são os locadores, quais as características das suas relações com os inquilinos, como
estabelecem as suas redes de relação na comunidade. Considera-se como hipóteses de
trabalho que: (i) esse mercado –parte do sistema de produção de habitação– não é tão
informal como se propala e (ii) seu funcionamento tem como suporte acordos socialmente
reconhecidos. As referencias teóricas principais vêm de Polanyi (1983), Abramo (2007),
Caillé (1994) e Davis (2006). Conclui-se o texto argumentando que quando se trata de
desvendar o funcionamento de um mercado é necessário ir além do olhar econômico. Esse
tipo de abordagem (economicista) não teria permitido identificar os meandros, ou mais
precisamente o cotidiano desse mercado, onde prevalecem relações inter-pessoais – muitas
delas movidas pela generosidade e solidariedade.
Palavras-chave: direito a moradia; informalidade urbana; mercado de aluguel
INTRODUÇÃO
A questão da moradia hoje é uma temática de grande importância para a sociedade, por que
o que se tem visto é um aumento assombroso do número de habitações faveladas, ou
irregulares, conforme mostra o texto do sociólogo americano Mike Davis, publicado no
Brasil em 2006 com o título de Planeta Favela. Pedro Abramo diz no seu artigo intitulado
de Características Estruturais dos Mercados Informais de Solo na América Latina: formas
de funcionamento que “As cidades latino-americanas crescem em grande medida a partir
dos processos de ocupação (invasão) do solo urbano, das práticas irregulares e/ou ilegais
de fracionamento do solo (loteamentos) e da dinâmica de adensamento predial e
populacional nos assentamentos populares. As estatísticas revelam a magnitude desse
processo e a mancha do uso do solo informal nas cartografias urbanas não deixa dúvida da
sua dimensão estrutural e da necessidade de políticas públicas de amplitude que avancem
em direção a uma solução desse grave problema latino-americano: a informalidade
urbana.” Por isso, são muitos os estudos e pesquisas no Brasil e no exterior que se
debruçam sobre os fatores que produzem as favelas (assentamentos populares), como por
exemplo, a mobilidade intra-urbana, a urbanização desenfreada, a migração campo-cidade
(fenômeno que já não se verifica com a mesma intensidade dos anos 70), o déficit
habitacional, a falta de políticas públicas de habitação, os preços praticados pelo mercado
imobiliário formal, etc. Esses fatores associados apontam as razões que levam as pessoas a
“optarem” pela informalidade urbana. Este trabalho é fruto de uma pesquisa intitulada
Mercado Imobiliário Informal de Habitações na Região Metropolitana do Recife,
coordenada pela professora Norma Lacerda do Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco. A pesquisa tinha como
objetivo estudar os mecanismos relacionados ao mercado imobiliário informal, por ser este
a principal forma de acesso dos pobres ao solo urbano. O tema também estava sendo
estudado em outras metrópoles brasileiras, o que levou a uma articulação entre a mesma. A
pesquisa teve início em 2005, tendo sido realizada em quatro áreas pobres da Região
Metropolitana do Recife: Mustardinha, Pilar, Passarinho e Brasília Teimosa. Na pesquisa
foi constatado um grande número de casas de aluguel, o que chamou a atenção para a
temática. Brasília Teimosa foi a área que mais se destacou, tendo 62% das casas visitadas
pela pesquisa a relação de aluguel. O presente trabalho é resultado da pesquisa sobre o
mercado de aluguel em Brasília Teimosa. Tendo em vista o que foi dito acima, este
trabalho, propõe-se a fazer uma reflexão da relação existente entre o mercado imobiliário
informal (especialmente do mercado informal de aluguel) e as condições sócio-econômicas
dos agentes (inquilinos e locadores) envolvidos nesse processo.
MATERIAIS E MÉTODOS
A segunda fase da pesquisa se voltou para o mercado de aluguel. E por ter sido o bairro
que mais apresentou casas alugadas, Brasília Teimosa foi escolhida para ser o campo de
pesquisa sobre o mercado de aluguel dentro do contexto da informalidade urbana. Para a
realização do trabalho foi realizada uma coleta de dados que consistiu no levantamento de
dados junto aos locadores, contemplando os seguintes fatores: (i) tempo de moradia com a
finalidade de verificar a mobilidade sócio-espacial urbana; (ii) rendimento das famílias;
(iii) nível de escolaridade; (iv) função socioprofissional dos chefes de família, esses três
últimos com o propósito de definir o perfil socioeconômico; e (v) e das condições de infraestruturas básicas e dos domicílios. Para o levantamento de dados referentes aos itens
mencionados acima, o instrumento de pesquisa utilizado foi à aplicação de questionários.
Esses questionários foram elaborados pela equipe de campo. Os mesmos foram aplicados
principalmente em visitas às casas alugadas (no caso dos moradores que residiam em parte
do imóvel, e alugando outros cômodos). Quando os moradores não estavam no imóvel na
hora da visita ou residiam em outra área que não Brasília Teimosa, fez-se a entrevista
utilizando o telefone. O levantamento desses dados resultou na formatação de um banco de
dados, a ser periodicamente alimentado.
RESULTADOS
Considerando-se os limites e objetivos deste trabalho não é possível apresentar na sua
totalidade os resultados do levantamento de dados em campo. Desse modo, apresentam-se
a seguir alguns dos resultados obtidos mais diretamente relacionados ao levantamento de
dados mencionados no item anterior (materiais e métodos) — rendimento das famílias,
idade dos locadores, e o comprometimento da renda dos inquilinos com o aluguel. No que
se refere à idade dos inquilinos, observou-se que parte significativa situa-se na faixa etária
de 21 a 30 anos. Já na faixa de 31 a 40 anos estão 25,18% dos inquilinos, como se pode
observar na tabela 1. Trata-se por tanto de uma população relativamente jovem. Quanto
aos locadores, a situação se inverte. Conforme a tabela 2, parte significativa situava-se nas
faixas entre 51 a 60 anos (23,4%) e de mais de 60 anos (37,8%).
Tabela 1
Brasília Teimosa - faixas etárias dos inquilinos
Faixas
V. abs
%
17 a 20 anos
5
3,60
21 a 30
48
34,53
31 a 40
35
25,18
41 a 50
26
18,71
51 a 60
13
9,35
mais de 60
12
8,63
Total
139
100,0
Tabela 2
Brasília Teimosa - faixa etária dos locadores
Faixas
V. abs
%
17 a 20 anos
1
1,49
21 a 30
3
4,48
31 a 40
9
13,43
41 a 50
7
10,45
51 a 60
16
23,88
mais de 60
25
37,31
Não responderam
6
8,96
Total
67
100,0
Pesquisa direta: agosto a dezembro de 2005
Pesquisa direta: dezembro de 2007 a janeiro de 2008
No que se refere ao rendimento das famílias de inquilinos, a tabela 3 revela que em relação
aos rendimentos familiares dos inquilinos, a maior concentração, praticamente a metade
ocorre na faixa de até 1 salário mínimo (49,6%), seguida do intervalo de 1 a 2 salários
mínimos (29,5%). Considerando essas duas faixas, pode-se afirmar que 79,1% das famílias
dos locatários recebem até dois salários mínimos. Em contrapartida, os rendimentos das
famílias dos locadores concentram-se na faixa de 2 a 3 salários mínimos (35%) e são
igualmente distribuídas no intervalo entre 1 e 2 e mais de 3 (26,5%).
Tabela 3
Brasília Teimosa - rendimentos das famílias
Salários mínimos
Até 1
De 1 a 2
De 2 a 3
Mais de 3
Total
%
Inquilinos* Locadores**
49,6
11,8
29,5
26,5
14,4
35,3
6,5
26,5
100
100
*Pesquisa direta: agosto a dezembro de 2005
Tabela 4
Brasília Teimosa - rendimentos das famílias
dos inquilinos
Salários mínimos
V. abs
%
Até 1
69
49,6
De 1 a 2
41
29,5
De 2 a 3
20
14,4
Mais de 3
9
6,5
Total
139
100,0
Pesquisa direta: dezembro de 2007 a janeiro de 2008
**Pesquisa direta: dezembro de 2007 a janeiro de 2008
Com relação ao comprometimento da renda familiar, a tabela 4 mostra o grau de
comprometimento da renda familiar com a mensalidade do aluguel. Nessa tabela chama-se
atenção para o fato de que em certos casos, chega-se a um comprometimento de 91% dos
rendimentos familiares destinados ao aluguel.
DISCUSSÃO
Esses dados revelam que com o passar do tempo foi possível aos locadores fazer uma
poupança para investir em moradias de aluguel. Alguns desses locadores possuíam
benfeitorias em terrenos localizados na orla marítima de Brasília Teimosa. Para a
urbanização dessa orla foram necessárias desapropriações, permitindo que esses
proprietários se capitalizassem e adquirissem a sua respectiva unidade habitacional,
unidades essas que permitiam serem ampliadas ou divididas de forma a abrigar mais uma
moradia, nesse caso para finas de aluguel. Outro dado surpreendente é que algumas
famílias dizem comprometer 91% da renda com aluguel. Esse último dado poderia, à
primeira vista, apontar para um problema na pesquisa. A questão diz respeito à própria
dificuldade das famílias em contabilizar os seus rendimentos, uma vez que, provavelmente,
ocorrem trocas que necessariamente não passam por relações monetárias. No que diz
respeito às relações sociais estabelecidas na área, dois fatos merecem ser mencionados. O
primeiro é que na maioria das vezes, há uma relação de solidariedade, marcada pela
compreensão e tolerância dos locadores em relação aos inquilinos, por conta da situação
financeira dos inquilinos. O segundo fator relevante é a quantidade de transações verbais, o
que por si só revela uma confiança?
CONCLUSÃO
As reflexões apresentadas levam a concluir que quando se trata de desvendar o
funcionamento de um mercado, como chama a atenção os autores citados neste texto, é
necessário ir além do olhar econômico. Esse tipo de abordagem não teria permitido
identificar os meandros, ou mais precisamente o cotidiano desse mercado, onde
prevalecem relações inter-pessoais - muitas delas movidas pela generosidade e
solidariedade. Isso não quer dizer que não haja relações cujas motivações sejam
impulsionadas pelo ganho monetário, onde o homo economicus prevalece. Mas, essas,
submetidas à regra da “racionalidade” se apresentaram como minoritárias. Ampliar a
abordagem, se interessando pelas formas de organização econômica e social, pelas normas
e convenções a partir dos quais são efetivamente organizados mercado de aluguel permitiu
desvendar os seus aspectos formais que convivem com acordos extralegais, socialmente
reconhecidos, mas estigmatizados de informais e ilegais.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao CNPq pelo financiamento da pesquisa que originou esse trabalho e a
PROPESQ, pela bolsa PIBIC de iniciação científica utilizada pelo aluno.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Pedro. Características estruturais dos mercados informais de solo na América
Latina: formas de funcionamento. In: Anais do XII Encontro da Associação Nacional de
Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Belém, 2007.
CAILLÉ, Alain, GUERRIEN, Bernard, INSEL, Ahmet. Pour une autre économie. In: Pour
une autre économie. Paris: La Découverte, 1994.
DAVIS, Mike et al. Planeta favela: São Paulo: Boitempo, 2006.
GUERRIEN, Bernard. L’introuvable théorie du marché. In: Pour une autre économie:
Paris: La Découverte, 1994.
IPEA, USP, UFBA, UFPE, Instrumentos de planejamento e gestão urbana: Belém, Natal e
Recife. Brasília: IPEA, 2001.
POLANYI, Karl. La Grande transformatin – aux origines politiques et éconimiques de
notre tems. Paris: Gallimard, 1983.
SOTO, Hernando de. O mistério do capital. Por que o capitalismo dá certo nos países
desenvolvidos e fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2001.
TORRES RIBEIRO, Ana Clara & DA SILVA, Cátia Antônia. Impulsos globais e espaço
urbano: sobre o novo economicismo. In:: El rostro urbano de América Latina. O rostro
urbano da América Latina. Ana Clara Torres Ribeiro. CLACSO, Consejo Latinoamericano
de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. 2004. ISBN: 9509231-95-9.
Acceso
al
texto
completo:
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/rural1/p6art3.pdf
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